quinta-feira, 12 de outubro de 2017


OS MONGES MALDITOS

CAPÍTULO XX

A ORDEM SE DEFENDE


João Anatalino Rodrigues

Resolvida a pendência com o papa, em relação ao velho problema de Bonifácio VIII, e acertada a questão dos bens do Templo, que seriam adjudicados á Ordem dos Cavaleiros do Hospital de São João, embora estes, na verdade, como vimos, consistiam de mais contas a pagar do que a receber, Filipe, o Belo, tinha agora outras coisas para resolver. Para começar, um grande escândalo familiar. Duas de suas noras, Branca de Borgonha, casada com seu filho caçula, Carlos de França e Margarida, casada com seu filho mais velho, Luís de Navarra, estavam sendo acusadas de adultério. Sua outra nora, Joana, era acusada de cumplicidade nesses crimes, pois sabia do fato e o acobertara. Isso, mais do que qualquer outro problema, fez com que Filipe aquiecesse com a solução proposta pelo papa, de adjudicar os bens do Templo ao Hospital. Isso e a milagrosa contabilidade de Enguerrand de Marigny, que transformaria uma vultosa dívida que a coroa francesa tinha com o Templo em um generoso crédito...

Assim, o processo ficaria praticamente parado durante quase todo o ano de 1309. Apenas no dia 8 de agosto daquele ano a comissão encabeçada pelo Arcebispo Gilles de Aycelin, expediu uma citação para que os Templários que quisessem servir de testemunhas a favor da Ordem se apresentassem na sala do palácio episcopal, em Paris, para prestar suas declarações. Todos os Irmãos que quisessem e tivessem alguma coisa a dizer em defesa 

do Templo, poderiam comparecer. Aos que estavam encarcerados, em todo o território da França, foi-lhes oferecido transporte até Paris. Aos que estavam em liberdade (templários titulados como cavaleiros ou mesmo pessoas ligadas ao Templo pelos laços do servilismo feudal ou mera prestação de serviços), poderiam se apresentar, tendo sua liberdade garantida pela Igreja. 

Os Templários, juntamente com os lombardos e os judeus, eram os principais banqueiros da época. Possuíam também uma grande frota de navios que faziam a rota comercial entre a Europa e a Idade Média. A administração de uma imensa fortuna imobiliária, em toda a Europa, obrigava a Ordem a manter um sem número de funcionários burocráticos para receber e administrar as rendas que essas terras geravam. Assim, prender os cavaleiros do Templo e uma parte dos homens que os serviam não significava, de pleno, que a Ordem estivesse extinta. Na clandestinidade, as cabeças dessa enorme hidra, separadas do seu corpo, começavam a germinar os seus próprios organismos. 

Entretanto, na primeira convocação, feita para o dia 12 de novembro de 1309, não apareceu nenhuma testemunha. Os que estavam na prisão não se propuseram a comparecer perante uma comissão para repetir o que já haviam dito aos prelados das províncias onde estavam encarcerados e arriscar-se a serem novamente torturados se negassem as acusações. Quanto aos que estavam livres, não iriam arriscar sua liberdade se apresentando espontaneamente. Não confiavam na proteção que a Igreja lhe prometia. Ela não havia sido dada nem aos altos dignatários do Templo, quanto mais a simples cavaleiros, ou pessoas do povo, que se dignassem a defender a Ordem.

Mas em janeiro de 1310, Jean de Plubvach, preboste de Chatelett, o castelo prisão próximo á Paris, se apresentou perante á comissão trazendo sete homens acorrentados, que dizia serem Templários presos por sua milícia. Estavam fugindo de Paris em fins de outubro de 1307, quando a ordem de prisão contra os membros da Ordem fora dada. Esses homens, na verdade, havia sido presos por ordem de Filipe, mas o Senhor de Plubvach não quis perder a oportunidade de reivindicar os créditos para ele.

– Apanhei estes homens em minha jurisdição. Eles estavam em trajes civis, á procura de advogados para defender a Ordem do Templo. Tinham bastante dinheiro. Interroguei-os e eles confessaram serem Templários que estavam fugindo da justiça do rei e queriam contratar conselheiros e advogados para defendê-los ─ disse o preboste, tentando mostrar certo orgulho pela sua eficiência.

– Seus nomes e condição dentro da Ordem – perguntou o inquisidor-chefe da comissão ao primeiro prisioneiro, que se postou, em pé, em frente á mesa dos inquisidores. Era uma pobre criatura, magra e andrajosa. Portava uma barba suja e desgrenhada e mal conseguia parar em pé. Dois arqueiros o seguravam pelos ombros.

– Pedro de Sorney, pedreiro de profissão – respondeu o prisioneiro.

– Estão não sois cavaleiro?

– Não, Eminência. Fui contratado pela Ordem três meses antes das prisões, para fazer reparos no Castelo do Templo, em Paris.

– O que sabeis sobre as acusações que estão sendo feitas á Ordem e sobre as quais já fostes inquiridos pelo Senhor Plubvach?

– Nada sei sobre essas acusações, Eminência. Por minha fé, nunca soube nada de perverso contra a Ordem e tudo que disse antes foi para evitar as dores que me foram infringidas na prisão. 

Ergueu a puída camisola e mostrou aos constrangidos prelados as marcas da tortura. 

– O que fazíeis em Paris quando fostes preso?

– Procurando trabalho, Eminência. Precisava ganhar a vida. Não tinha mais o serviço do Templo e eu sou muito pobre, de condição humilde, sem nenhum soldo.

– Quereis defender a Ordem? Tendes alguma informação que possa servir á sua defesa?

– Não, Eminência.

Os outros seis prisioneiros foram interrogados a seguir. Nada de importante se apurou. Eram dois pedreiros como o primeiro, um ferreiro e três criados de estábulo. Dois deles admitiram ter estado a serviço do Templo em Hainaut e tinham vindo a Paris enviados pelo preceptor daquela província, para ver o que estava acontecendo. Tinham instruções de procurar conselheiros e advogados para defender a Ordem. Mas nada sabiam das acusações que estavam sendo feitas aos Templários, visto nunca terem participado das chamadas cerimônias de recepção de cavaleiros do Templo nem das reuniões do Capítulo.

O arcebispo Aycelin concluiu que aqueles pobres diabos não poderiam ser úteis em nada. E que suas prisões foram arbitrárias e injustas. Ordenou imediatamente que o preboste de Chatellet soltasse os prisioneiros. A contra gosto, o Senhor de Plubvach mandou abrir os cadeados das correntes que prendiam os pés dos infelizes. O chiado das chaves nos enferrujados cadeados se misturou ao suspiro feliz dos prisioneiros. Livres, eles se ajoelharam e se persignaram, fazendo o sinal da cruz. Depois de louvar os seus libertadores, saíram da sala o mais rápido possível. Com uma mesura, o decepcionado intendente do castelo prisão de Chatellet também deixou o recinto. Os prelados olharam uns para os outros. Em seus rostos era possível perceber uma expressão entre decepção e vergonha por estarem fazendo aquele trabalho sujo, cujo resultado eles sabiam que já estava marcado.

Esperavam, no entanto, melhor resultado do interrogatório que seria feito no dia 26 de novembro. Pois nesse dia, o próprio Jacques de Molay seria novamente ouvido pela comissão.

O homem que se apresentou diante deles nem de longe lembrava um cavaleiro templário. Os prelados olharam para o alquebrado ancião e mal conseguiam acreditar que aquele homem fora um dia o mais poderoso senhor da Europa, temido pelos reis e respeitado pelo próprio papa. Vestido apenas com uma camisola branca, suja e puída em suas barras, os compridos cabelos já também encanecidos, mas que ainda resistiam, espalhados sem qualquer trato pela enorme cabeçorra que mostrava, em vários lugares, cicatrizes de contusões mal curadas, parecia um espectro saído de um túmulo recém-aberto. Quase três anos de masmorra e torturas haviam transformado o altivo monge cavaleiro em um miserável trapo humano, que mal se aguentava sobre as próprias pernas excessivamente magras. Mas no rosto encovado, emoldurado pelas espessas e desgrenhadas barbas brancas que desciam até a metade do peito, ainda se podia ver dois coruscantes diamantes de ódio que brilhavam, malévolos, toda vez que encarava o prelado que o interrogava.

O Arcebispo Aycelin quis mostrar, no entanto, que ainda tinha algum respeito pela outrora veneranda figura. Ofereceu-lhe um banquinho de madeira e mandou tirar-lhe as cadeias, deferência não concedida aos os demais prisioneiros ouvidos pela comissão, que eram interrogados de pé e atados ás suas correntes.

Sua altura, entretanto, ainda dava um porte majestático á alquebrada e esquelética figura. Lembrava um velho profeta bíblico, em sua peregrinação pelo deserto, á procura de iluminação. 

O Grão-Mestre parecia estar extremamente cansado. Desabou sobre o banquinho, com um longo suspiro, entre resignado e dolorido.

– Sois Jacques de Molay, Grão-Mestre geral da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo do Rei Salomão? – perguntou o arcebispo Aycelin, em respeito á praxe do processo, que mandava identificar o declarante.

– Sim – respondeu o velho cavaleiro, á pergunta já respondida uma dezena de vezes. Não deixou de notar que era a primeira vez que um inquisidor pronunciava o nome inteiro da Ordem.

– Quereis defender a Ordem? Tendes algo a dizer em favor de si mesmo e de vossos Irmãos?

– A Ordem foi confirmada e tem privilégios concedidos pela Santa Madre Igreja – respondeu o Grão-Mestre, evasivamente. É espantoso que agora – continuou ele – numa voz desconsolada, que parecia estar sendo pronunciada para ele mesmo – a própria Igreja queira proceder á sua ruína de imediato, quando em certo processo contra o imperador Frederico levou trinta e dois anos para pronunciar uma sentença de condenação...

– Não é disso que cuidamos aqui, – interrompeu o arcebispo. – É para falar da Ordem que presidis que fostes trazido a este Tribunal. Quereis defendê-la? – insistiu o arcebispo.

– Não sou suficiente sábio para defendê-la sozinho– disse de Molay. Não tenho instrução, como sabem vossas Eminências – continuou. – Mas conforme as minhas faculdades, o farei. Mas como defendê-la convenientemente? Sou prisioneiro do papa Clemente e do rei da França, e não tenho sequer quatro ducados para gastar com um advogado. 

– Peço ajuda e conselho aos senhores – suplicou o Grão-Mestre, olhando para os comissários. ─ Ajudai-me a ver onde estão os meus pecados e dai-me vós as penitências necessárias para que eu possa expiá-los. 

Eles não podiam deixar de notar as pupilas do outrora poderoso ancião se umedecerem com as lágrimas que ele se esforçava para evitar. 

– Desejo que a verdade, no que se refere ás más ações imputadas á nossa Irmandade não fiquem restritas aos membros deste Tribunal, mas que cheguem aos ouvidos de todos os reis, príncipes, prelados, duques, condes e barões de toda parte! Sei que os membros da nossa Ordem foram corajosos o suficiente para defendê-la frente á maior parte dessas autoridades. Estou pronto para aceitar o veredicto que esses reis e prelados derem em face desses testemunhos.

Jacques de Molay estava dizendo isso porque sabia que os Templários, em toda a Europa, haviam reagido á ordem do papa e encetado várias ações para se defender. Tanto que na maior parte dos reinos cristãos, embora a Ordem tivesse sido suprimida e muitos membros fossem presos e processados, como em França, o destino desses irmãos não tinha sido tão funesto como o dos Templários franceses. Em praticamente nenhum outro reino europeu se havia condenado á morte um cavaleiro do Templo até aquele momento. Uma expressiva maioria continuava livre. Essa era, aliás, uma esperança que ainda animava o espírito do mutilado Grão-Mestre. 

Foi no fim dessa seção que o velho espírito guerreiro do Mestre do Templo despertou e ele fez o desafio para o julgamento de Deus, através de um ordálio, aos seus acusadores. Mas esse tipo de julgamento, concedido aos nobres cavaleiros do reino, só era passível de ser feito quando se tratava de querelas pessoais, discutidas perante os pares do reino. Faziam parte, como se dizia, dos bons costumes introduzidos no direito feudal pelo rei São Luís. Presentemente, como bem lembrou o arcebispo, esse tipo de duelo tinha sido abolido por Filipe, o Belo,

─ Mas ainda que houvesse essa possibilidade ─ disse o arcebispo ─ essa solução não cabe no presente caso, pois este é um processo de jurisdição eclesiástica, um auto de fé e não uma querela pessoal. 

─ E depois – completou o arcebispo Aycelin – vós e os demais altos dignatários do Templo já confessastes os crimes cometidos contra a nossa fé. Estamos decididos a conceder a todos vós as salvaguardas do processo legal. Não cabe invocar aqui a honra de um cavaleiro ofendido. 

As declarações de Jacques de Molay pouco eco fizeram na seleta plateia que foi reunida para a seção. Com certeza, pensaram os distintos prelados, o velho Grão-Mestre da outrora poderosa Ordem do Templo estava louco e suas declarações, contraditórias ao extremo, denunciavam uma mente perturbada pelos anos de masmorra e torturas a que tinha sido submetido. 

As mesmas conclusões tinham sido tiradas das declarações de outros membros da Ordem que se apresentaram espontaneamente para defendê-la. Ali havia sim, heresia. Mas talvez aqueles pobres diabos nem soubessem o que estavam fazendo.

Não era, certamente, o caso de Hugues de Peyráuld, que havia confessado tudo que Guilherme de Paris e Nogaret haviam lhe pedido, para dar suporte á acusações e assim, deixar a Ordem sem defesa. Mas ele também, depois de três anos de masmorra, havia finalmente aberto os olhos e visto com quem estava lidando. Embora poupado das horríveis torturas a que foram submetidos os seus pares, ele continuava preso e nenhuma perpectiva se anunciava, de que seria solto e receberia algum prêmio pela sua colaboração.

Brigara com o Grão-Mestre por causa disso e incorrrera no ódio e no desprezo de seus Irmãos. Era considerado um traidor, que entregara aos inimigos a essência dos segredos da Ordem, na falsa esperança de que sua lealdade á Filipe fosse recompensada. Agora sabia que sua sorte não seria diferente dos demais. E que de pouco valeria voltar atrás e negar o que confessara. 

─ Já temos a vossa confissão e a de vossos companheiros ─ disse-lhe Guilherme de Paris, quando Peyráuld manifestou o seu desejo de abjurar suas confissões. 

─ Mas vossa Eminência e Messire Nogaret me prometeram que eu seria perdoado e reintegrado á Igreja e liberado com honras e bens ─ reclamou Peyráuld.

─ Perdoado e reintegrado á Igreja vós já fostes pelos bispos em Chinon. Agora, quanto á liberdade e reconhecimeto pelo que fizestes, podeis esquecer ─ disse Nogaret.─ Não premiamos traidores.

─ Que ireis fazer comigo? ─ perguntou Peyráuld.

─ O papa ordenou que fosseis submetido a um processo legal, não foi? Pois o que for decidido nesse processo é o que se fará ─ respondeu Nogaret. 

Na seção de 3 de fevereiro de 1310, o preceptor de Payns, Ponsard de Gizy, se apresentou espontaneamente e mostrou á comissão todos os ferimentos e aleijões que a tortura havia deixado no seu corpo. Afirmou que todas as confissões anteriores haviam sido feitas devido ao ‘perigo e ao medo’ que fora infringido aos Irmãos. Sustentou que todas as acusações feitas á Ordem eram falsas. Essa era uma atitude inusitada até aquele momento. Embora tardiamente, os Irmãos do Templo começavam a esboçar uma defesa.

Nas seções realizadas entre 7 e 27 de fevereiro de 1310, outros 527 cavaleiros templários repetiram as declarações do preceptor de Payns. 

Em todas as províncias da França e no Ultramar, começaram a aparecer novos depoimentos, onde a maioria dos depoentes negava veementemente as acusações. Pontos e contrapontos foram apresentados nas acusações e na defesa da Ordem, que fizeram com que o processo começasse a ter um rumo que ninguém teria previsto. 

Por volta do fim desse ano, os Templários já haviam articulado uma reação jurídica que começou a preocupar Clemente V. Os Irmãos que tinham alguma instrução, quando interrogados, levantaram questões processuais embaraçosas, que mesmo para a autoridade papal envolvida e o próprio poder que Filipe detinha na questão suscitavam certo perigo. 

As denúncias de tortura irrestrita, o confisco dos bens da Ordem, a obstinada negação que a maioria dos acusados estava mantendo, em todas as províncias, começou a suscitar dúvidas nos espíritos dos inquisidores. A legalidade do processo voltava a ser contestada. Os Templários mais preparados em questões jurídicas estavam alegando cerceamento do direito de defesa. Denunciavam a ilegalidade das prisões. Diziam que motivos políticos, estranhos ás acusações estavam na origem da questão. Que os Templários haviam sidos arrebanhados como ovelhas em um redil e levados para o abatedouro com uma “fúria destrutiva”. Que tinham sido coagidos pela tortura física e moral, a qual havia levado muitos Irmãos á morte e á invalidez permanente; que tinham sido obrigados a mentir contra si mesmos.

– A tortura – afirmou Pedro de Bolonha, o monge templário que se tornou o mais ferrenho defensor da Ordem, – remove qualquer liberdade de espírito, que é o que todo homem bom devia ter. Ela priva o homem do conhecimento, da lembrança e do entendimento. Sob tortura, o homem mais forte sucumbe e diz qualquer coisa que quiserem que ele diga!

Essa verdade, os preocupados prelados e bispos que compunham a comissão de inquérito, onde havia vários jurisconsultos, não podiam deixar de considerar. Afinal de contas, a missão deles era fazer justiça. Ainda que houvesse uma rematada hipocrisia em tudo aquilo, pois que a maioria estava a soldo de Filipe, o Belo, ou sob a influência de Clemente V, era preciso manter uma máscara de legalidade e isenção no processo. 

Ainda assim, a defesa dos Templários deu o que pensar á comissão presidida pelo Arcebispo Aycelin. Mas este era um prelado ligado á Filipe, o Belo. Logo fez ver ao rei o rumo perigoso que as coisas iam tomando. O que mais tinha suscitado dúvida nos espíritos dos prelados fora a peroração feita por Pedro de Bolonha. Ela dizia que todos os depoimentos que incriminavam a Ordem tinham sido obtidos de forma ilegal e sub-reptícia, pois tinham sido obtidos á custa de tortura e corrupção. Mostrou aos membros da comissão cartas onde o rei Filipe prometia ás testemunhas “uma boa provisão e elevados rendimentos durante toda a vida, para que confessassem os referidos crimes, sempre sustentando que a Ordem do Templo já estava condenada” e portanto, qualquer resistência seria inútil e danosa para a vida delas.

O que mais impressionou os membros da comissão, no entanto, foi a pergunta a eles feita por Pedro de Bolonha: 

– É crível que tantos homens ilustres – perguntou o arguto monge advogado – iminentes e poderosos, sejam tão tolos e loucos, a ponto de perderem suas almas entrando para uma Ordem que incentiva tais práticas? Cavaleiros dessa qualidade, que derramaram seu sangue em defesa da fé, se fossem sujeitos a todas essas iniquidades, não teriam, eles mesmos, gritado e divulgado o assunto para o mundo inteiro?

Eis ai uma questão que os preocupados membros da comissão não sabiam responder. Afinal, a maioria deles sempre tivera no maior respeito e na melhor consideração os Cavaleiros de Cristo e reconheciam a sua coragem e devoção na luta contra os infiéis. Teriam eles trocado um honroso respeito conquistado numa vida de piedoso ascetismo e duros combates no campo de batalha por uma superstição herética? 

Uma semente de dúvida havia sido lançada sobre esse assunto, de forma que os bispos que deveriam julgar a questão começaram a pensar que a coisa toda não era tão simples como havia sido passada a eles. Talvez os Templários não fossem tão culpados como todas as evidências apresentadas, até aquele momento, levavam a crer. 

Filipe, entretanto, já estava perdendo a paciência com essa recalcitrância da Igreja de terminar o que ele havia começado. Durante todo o ano de 1310 o processo havia emperrado com essas discussões. O Concílio reunido em Vienne, em fins de outubro de 1310, para dissolver a Ordem, acabou sendo adiado por um ano, porque a comissão encarregada não havia produzido um relatório final.

Foi então que ele revolveu atropelar de vez o processo apelando para sua autoridade e para os homens que havia comprado dentro da Igreja. Um deles era o arcebispo de Sens, Filipe de Marigny, irmão do seu principal ministro, Enguerrand de Marigny. Esse servil e corrupto arcebispo, que havia subido na vida graças ás chicanas e ao nepotismo que lhe prodigalizava a posição do seu irmão na corte, iria, juntamente com outro indivíduo do mesmo caráter, Giles Aycelin, arcebispo de Narbonne, presidente da comissão, exercer um papel preponderante no drama final dos oficiais comandantes da Ordem do Templo. Com efeito, embora os comissários da Inquisição estivessem bastante abalados com os argumentos dos advogados dos Templários, essas tardias manifestações não passavam de balidos de cordeiros sendo levados para o sacrifício. Ou de bodes, como mais tarde viriam a ser chamados os Templários. A inocência levara muito tempo para se rebelar. Mais uma vez o silêncio dos cordeiros seria a própria voz que os levaria ao matadouro


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