terça-feira, 28 de maio de 2019






O MISTÉRIO DAS CATEDRAIS


O oficio de construtor sempre teve um caráter sacro, uma mística própria, uma aura de espiritualidade que o tem acompanhado através dos séculos. 

Conquanto o costume de sacralizar seu ofício já existisse entre os artesãos da construção na antiguidade, foi somente na Idade Média que esse costume ganhou status de verdadeira tradição. A transformação da habilidade operativa em ideal especulativo foi a grande realização dos nossos irmãos medievais. Foram esses profissionais, mais religiosos que técnicos, mais místicos que filósofos, que perceberam que o oficio de construtor, pelas suas características de integralização de formas, manipulação de símbolos e conhecimentos de geometria e matemática, era o que mais se prestava para atender á inclinação própria de uma cultura, que como a medieval, não distinguia o esotérico do exotérico. A arte de construir era aquela que permitia ao seu praticante, ao mesmo tempo, o provimento das necessidades profanas, necessárias para ganhar a vida, e uma realização espiritual.

Especialmente a construção de igrejas, pela mística que nelas se imprimia, era o que mais se prestava a produzir nos seus construtores uma sensação de mágica transcendência, que os fazia crer serem eles os canais pelos quais fluía a própria inteligência divina. Na construção daqueles edifícios monumentais, os artistas da pedra acreditavam repetir o trabalho de Deus na construção do universo.

Com efeito, a catedral medieval não era apenas o local onde os homens podiam sentir-se em comunhão com Deus. Ela era um simulacro do universo, onde todas as manifestações da existência humana se condensavam e encontravam o devido encaminhamento. Fulcanelli descreve magistralmente essa síntese do espírito medieval: “Santuário da Tradição, da Ciência e da Arte, a catedral gótica não deve ser olhada como uma obra unicamente dedicada ao cristianismo, mas antes como uma vasta coordenação de idéias, de tendências, de fé populares, um todo perfeito ao qual nos podemos referir sem receio desde que se trate de penetrar o pensamento dos ancestrais, seja qual for o domínio: religioso, laico, filosófico ou social” escreve esse autor, denotando a densidade espiritual que se condensava naquele edifício, refletindo todas as tendências da vida medieval. “Se há quem entre no edifício para assistir aos ofícios divinos,” prossegue, “se há quem penetre nele acompanhando cortejos fúnebres ou os alegres cortejos das festas anunciadas pelo repicar dos sinos, também há quem se reúna dentro delas noutras circunstâncias. Realizam-se assembléias políticas sob a presidência do bispo; discute-se o preço do trigo ou do gado; os mercadores de pano discutem ai a cotação dos seus produtos; acorre-se a esse lugar para pedir reconforto, solicitar conselho, implorar perdão. E não há corporação que não faça benzer lá a obra prima do seu novo companheiro e que não se reúna uma vez por ano sob a proteção do santo padroeiro”[1].

Aí está, portanto, demonstrada de forma insofismável a convergência do espírito humano para um único ponto, onde ele poderia atingir um pico máximo de densidade, facilitando a comunicação com a divindade. Daí o fato de a catedral gótica ter sido considerada o arquétipo perfeito de todas as construções humanas e o modelo ideal para se realizar o aprimoramento do espírito através do trabalho manual. Essa mística, essa elevação da alma aos domínios mais sutis do espírito só iria ser alcançada mais tarde pela prática da alquimia, arte que visava a mesma finalidade.

Diante disso, não causa escândalo o costume dos maçons operativos de dizer que Deus era o Sublime Arquiteto do Universo, enquanto eles eram seus “demiurgos”, construindo fisicamente os modelos do universo divino. Com efeito, na perfeição das formas, na solidez das estruturas, na harmonia do conjunto, obtida pela perfeição com que se elaborava cada detalhe, é preciso reconhecer, nessa obra máxima da arquitetura medieval, uma construção de espírito, realizada não só a partir da atuação do engenho humano sobre a matéria, mas da própria interação entre os espíritos da matéria trabalhada e do artesão que a manipulava. Dessa idéia á uma sacralização do oficio do construtor foi apenas um passo.

Do operativo para o especulativo

Jean Palou diz que nos tempos primitivos, o oficio sacralizado já pertencia ao domínio do esoterismo, razão pela qual seus conhecimentos eram transmitidos por iniciação.[2]

Isso é verdade, pois embora todos os profissionais da construção, fossem, de certa forma, iniciados, somente a iniciação não lhe conferia uma realização espiritual total. Esta só acontecia com o cumprimento de uma longa cadeia iniciática, na qual se praticava uma liturgia ritual própria, onde o obreiro absorvia o “espírito” da profissão e com ele se interava tornando-se um “eleito” “A iniciação”, escreve aquele autor, “em suas formas, em seus meios, em seus objetivos, Una em seu espírito, múltipla, porém, nas diferentes aplicações das técnicas peculiares a cada ofício, pela Sabedoria que preside á elaboração lógica da Obra, pela Força que possibilita sua realização efetiva, e pela Beleza que proporciona o Amor a cada realizador, isto é, o Conhecimento, ajudava o artífice a se despojar do homem velho, para se transformar num novo homem, criador de objetos e forjador de um novo mundo, finalmente harmonioso.[3]

Eis o porquê de não se permitir ao iniciado, inicialmente um mero aprendiz, compartilhar com os companheiros-mestres os mesmos símbolos, senhas, comportamentos e práticas. E mesmo entre mestres se impunham distinções de grau, pois se todos eram iniciados e ostentavam os mesmos títulos profissionais, muitos poucos, entretanto, eram “eleitos”, ou seja, tinham obtido elevação espiritual de modo a serem considerados mestres também nesse sentido.

Quando a Maçonaria operativa evoluiu para o especulativo, e mais tarde, quando o especulativo integrou na sua liturgia as tradições do hermetismo e da gnose, a mística da profissão do construtor aliou-se ao encantamento próprio da prática alquímica e ao apelo emocional contido na mensagem gnóstica. Se anteriormente, o oficio de construtor se realizava num domínio que era antes de tudo religioso e social, passou, depois disso, a preencher um vasto campo no domínio filosófico e espiritual, pois a especulação, mais que a prática pura e simples de uma arte, ou uma técnica, exige mais da sensibilidade do artista do que a razão e a habilidade física requerem dele. O artista, o técnico, que antes aliava o sentimento religioso ás técnicas da sua arte, teve que buscar nos domínios do esoterismo as justificativas para a sua prática. Depois, no inicio do século XVIII, quando a Arte Real incorporou a mensagem iluminista, foi preciso o desenvolvimento de uma liturgia ritual que possibilitasse a divulgação da nova filosofia, mas que, ao mesmo tempo, transmitisse a mensagem iniciática original de uma inteligência que jamais abandonara suas tradições de buscar a espiritualidade no exercício de uma profissão, ainda que essa prática, agora, fosse apenas simbólica.

A realização espiritual buscada no exercício do ofício, ou na prática da filosofia hermética, passara agora, a ser uma realização moral, onde o iniciado aprenderia a educar-se para ser virtuoso, a partir de um novo arquétipo de homem, que era o “Homem Universal”. Era um aprendizado de filosofia moral em busca de um êxtase espiritual que a cadeia iniciática da Maçonaria pretendia proporcionar aos que nela se iniciavam.É nesse sentido que o verdadeiro mistério das catedrais está no espírito daqueles que as constroem, pois neste é que se reflete a estratégia do Grande Arquiteto do Universo na construção do universso.


[1] Fulcanelli- O Mistério das Catedrais, pg. 50. Na imagem, frontispício da Catedral de Notre Dame, Paris, a mais famosa catedral gótica da Europa.
[2] Jean Palou- A Franco-Maçonaria Simbólica e Iniciática, pg. 28.
[3] Idem. pg.39.
João Anatalino

OS NÚMEROS SAGRADOS NA TRADIÇÃO PITAGÓRICA MAÇÔNICA


Por: Arturo Reghini

Liberdade vai buscando, que é tão querida
Como sabe quem por ela rechaça a vida.
Dante, Purgatório. I, 71-72[i].

Tradução: S.K. Jerez

Segundo os antigos rituais e as antigas Constituições maçônicas, a finalidade da franco-maçonaria é o aperfeiçoamento do homem.

Os antigos mistérios clássicos não tinham outro objeto e conferiam a télétê, perfeição iniciática. Este termo técnico estava vinculado etimologicamente aos três sentidos de fim, morte e perfeição, como já observa o pitagórico Plutarco. Jesus utiliza também a palavra téleiosquando exorta seus discípulos a serem “perfeitos como vosso Pai que está nos céus”, inclusive se, por uma dessas frequentes incongruências das Santas Escrituras, afirma que “ninguém é perfeito exceto meu Pai que está nos céus”.

Essa definição poderia parecer explícita e precisa; e, não obstante, uma ligeira mudança formal alterou fundamentalmente o conceito. Tomemos como exemplo o dicionário de Pianigiani que afirma que a finalidade da franco-maçonaria é o aperfeiçoamento da humanidade; grande quantidade de profanos, assim como numerosos maçons, aceitam essa definição. A primeira vista pode parecer que aperfeiçoamento do homem e aperfeiçoamento da humanidade significam a mesma coisa. Na realidade, se referem a dois conceitos profundamente distintos, e sua aparente sinonímia gera um equívoco e oculta uma incompreensão. Outros utilizam a expressão aperfeiçoamento dos homens, igualmente equivocada. Evidentemente, é quase impossível decretar qual é a expressão correta, porque qualquer franco-maçom pode declarar correta a que está mais de acordo com suas preferências, e ainda comprazer-se, talvez, no equívoco. Mas quando se trata de determinar, histórica e tradicionalmente, a interpretação correta e conforme com o simbolismo maçônico, a questão muda de aspecto e já não se trata de preferências particulares.

O manuscrito encontrado por Locke (1696) na Bodleian Library – e que não foi publicado até 1748 – é atribuído a Henrique VI, da Inglaterra: define a franco-maçonaria como “o conhecimento da natureza e a compreensão das forças que há nela”; enuncia expressamente a existência de um vínculo entre a Maçonaria e a Escola Itálica, pois afirma que Pitágoras, um grego, viajou para instruir-se, ao Egito, à Síria e a todos os países onde os Venezianos [leia-se os Fenícios] haviam introduzido a Maçonaria. Admitido em todas as lojas dos Maçons, adquiriu um grande saber, voltou à Magna Grécia… e fundou uma importante loja em Crotona.[ii]

Para dizer verdade, o manuscrito fala de Peter Gower; e, como o nome Gower existe na Inglaterra, Locke ficou bastante perplexo ante a identificação de Gower com Pitágoras. Mas outros manuscritos e as Constituições de Anderson mencionam explicitamente Pitágoras. O manuscrito de Cooke diz que a Maçonaria é a parte principal da Geometria, e que foi Euclides, sábio e sutil inventor, quem deu as regras desta arte e a chamou de Maçonaria. Há outros traços de reminiscências pitagóricas tanto nos “Old Charges” como no mais antigo dos rituais impressos[iii] (1724) que atribui uma importância particular aos números ímpares, de acordo, neste caso, com a tradição pitagórica.[iv]

Todos os antigos manuscritos maçônicos concordam ao assinalar o aperfeiçoamento do homem, ou do simples indivíduo, como único objetivo da franco-maçonaria. As provas iniciáticas, as viagens simbólicas, o trabalho do aprendiz e do companheiro têm um caráter manifestamente individual e não coletivo.

Segundo a mais antiga concepção maçônica, a “grande obra” do aperfeiçoamento é realizada trabalhando sobre a “pedra bruta”, ou seja, sobre o indivíduo, desbastando, polindo e esquadrinhando a pedra bruta até transformá-la em “pedra cúbica da Maestria”, graças às regras tradicionais da “Arte Real” maçônica de edificação espiritual. Existe uma perfeita analogia com uma tradição paralela, a tradição hermética, que, pelo menos desde 1600, se encontra enxertada nela e ensina que a “grande obra” é realizada trabalhando sobre a “matéria prima”, transformando-a em “pedra filosofal” segundo as regras da “Arte Real hermética”. Operação que resume a máxima de Basílio Valentino: V.I.T.R.I.O.L. (Visita Interiora Terrae retificando Invenies Occultum Lapidem = Visita o interior da Terra, por retificação encontrarás a pedra oculta) ou a Tábua de Esmeralda, que modernos arabistas atribuem ao pitagórico Apolônio de Tiana. Pelo contrário, segundo a concepção maçônica profana e mais moderna, o trabalho de aperfeiçoamento deve ser realizado sobre a coletividade humana. É a humanidade ou a sociedade a que ela há que transformar e aperfeiçoar; e, desse modo, substitui-se a ascese espiritual do indivíduo pela política coletiva. Os trabalhos maçônicos acabam por ter então uma meta e um caráter primeiramente social, às vezes unicamente social. O verdadeiro fim da franco-maçonaria – o aperfeiçoamento do indivíduo – passa a segundo plano quando não é francamente descuidado, esquecido e ignorado.

Tradicionalmente a primeira concepção é sem dúvida a correta e na literatura maçônica do século XVIII estiveram muito em moda as comparações e identificações exageradas e fantasiosas entre os mistérios de Elêusis e a franco-maçonaria. É indiscutível que o patrimônio ritual e simbólico da ordem maçônica somente se harmoniza com a concepção mais antiga da finalidade da maçonaria; efetivamente, o testamento do candidato à iniciação, as viagens simbólicas, as terríveis provas, o nascimento para a Luz iniciática, a morte e a ressurreição de Hiram, não podem ser compreendidos em sua relação com os trabalhos maçônicos e com a finalidade da franco-maçonaria caso tudo deva ser reduzido a fazer apenas política.

Historicamente, o interesse e a intervenção da franco-maçonaria nas questões políticas e sociais se manifesta apenas por volta de 1730, e unicamente em algumas regiões europeias, com a introdução da franco-maçonaria inglesa no continente. O pouco que se sabe das antigas lojas de antes do século XVII mostra a presença e o uso nos trabalhos maçônicos de um simbolismo de ofício, arquitetônico, geométrico, numérico, que, tendo por sua natureza um caráter universal, não se encontra ligado nem a uma civilização determinada nem a uma língua em particular e permanece independente de todo credo de ordem política e religiosa; é por essa razão que o maçom, de acordo com o ritual, não sabe ler nem escrever.

Com a lenda de Hiram e a construção do Templo faz sua aparição um elemento hebraico; e as palavras sagradas do aprendiz e do companheiro (as únicas graduações ou graus então existentes) que se referem a esta lenda são hebraicas. Mas esta lenda não pertence ao patrimônio tradicional da Ordem; a morte de Hiram não figura nos antigos manuscritos maçônicos, e as Constituições de Anderson ignoram o terceiro grau. De todas as maneiras, não há nada de extraordinário na presença de elementos e palavras hebraicas em uma época em que o hebreu era considerado como uma língua sagrada, a língua sagrada, aquela que Deus havia utilizado para falar ao homem no Paraíso Terrestre; trata-se de um fato cuja importância e significado não há que ser exagerado e que de nenhuma maneira é suficiente para se justificar a afirmação do caráter hebreu da franco-maçonaria. A letra G do alfabeto greco-latino, inicial de geometria e de Deus (God) em inglês, que aparece na Estrela Flamígera ou no Delta maçônico, parece ser apenas uma inovação (sem utilidade para quem não sabe ler nem escrever), enquanto que os dois símbolos fundamentais da ordem são os dois mais importantes do pitagorismo: o pentalfa ou pentagrama e a tetraktys pitagórica. A arte maçônica ou arte real, termos utilizados pelo neoplatônico Máximo de Tiro,[v] era identificada com a geometria, uma das ciências do quadriviumpitagórico, e é difícil compreender como um Oswald Wirth, maçom erudito e hermetista, pode escrever que os maçons do século XVII[vi]se proclamavam adeptos do Arte Real porque em outro tempo houve reis que se interessaram pela obra das privilegiadas corporações dos construtores da Idade Média. Os elementos de puro caráter maçônico constituem, junto com o simbolismo numérico e geométrico, o patrimônio simbólico e ritual arcaico e autêntico da fraternidade. Não dizemos seu patrimônio característico, porque estes elementos aparecem também, pelo menos parcialmente, no Companheirismo (compagnonnage), que de resto é muito próximo da franco-maçonaria.

Posteriormente, entre os séculos XVII e XVIII, quando as lojas inglesas começaram a receber como irmãos os accepted masons (pessoas que não exerciam a profissão de arquiteto ou o ofício de pedreiro), fazem sua aparição elementos herméticos e rosacrucianos como, por exemplo, Elias Ashmole (1617-1692), tal como assinala Gould em sua história da franco-maçonaria. O contato entre a tradição hermética e a maçônica fora da Inglaterra se produziu igualmente quase à mesma época, o que, evidentemente, implica a existência no continente de lojas maçônicas independentes da Grande Loja Inglesa. O frontispício de um texto hermético importante, editado em 1618[vii], reproduz junto aos símbolos herméticos (o Rebis) os símbolos estritamente maçônicos do esquadro e do compasso; ocorre o mesmo em um opúsculo italiano de alquimia[viii], impresso em lâminas de chumbo e que remonta praticamente a essa época.

Neste opúsculo se vê, entre outras coisas, Tubalcaim com um esquadro e um compasso em suas mãos. No entanto, na Bíblia, Tubalcaim é considerado como o primeiro ferreiro. Um erro de etimologia, naquela época muito praticado, e que o erudito Vossius repetiu, o identificou com Vulcano, o ferreiro dos Deuses e Deus do fogo, o qual, segundo os alquimistas e os hermetistas, presidia o fogo hermético (ou ardor espiritual), fogo que realizava a grande obra da transmutação. Em uma de nossas obras da juventude[ix] demos uma interpretação errada da palavra de passe Tubalcaim, pois ignorávamos a equivocada identificação de Vulcano com Tubalcaim que era aceita pelos hermetistas e eruditos dos séculos XVII e XVIII. Hoje, nos parece evidente que esta palavra de passe e algumas outras vêm do hermetismo, e que provavelmente foram introduzidas na franco-maçonaria e acrescentadas às palavras sagradas, constituindo provas do contato que havia se estabelecido entre a tradição hermética e a maçônica. As palavras de passe do 2o. e 3o. graus não existem no ritual de Prichard (1730). Hermetismo e Maçonaria têm como fim a “grande obra da transmutação” e ambas as tradições transmitem o segredo de uma arte, à qual designam com o termo Arte Real já utilizado por Máximo de Tiro. É, pois, natural que tenham se sentido muito próximas uma da outra. Observemos que a adoção do simbolismo hermético não é efetuada em detrimento da universalidade maçônica nem de sua independência frente à religião e à política, pois o simbolismo hermético ou alquímico é, também, estranho, por sua natureza, a todo credo religioso ou político. A arte maçônica e a arte hermética, ou simplesmente a arte, é um arte e não uma doutrina ou uma confissão.

Até 1717 cada loja, de fato, era livre e autônoma. Os irmãos de uma oficina eram recebidos como visitantes nas demais oficinas, com a condição de satisfazer o telhamento (uma espécie de exame que permitia reconhecer que alguém era, na verdade, um irmão); mas somente o Venerável de uma oficina detinha a autoridade única e suprema entre os irmãos da mesma.

Em 1717, foi produzida uma mudança com a constituição da primeira Grande Loja, a Grande Loja de Londres, e pouco depois o pastor protestante Anderson redigia as Constituições maçônicas para as lojas sob a Obediência da Grande Loja de Londres; e, se bem que teoricamente uma oficina podia e pode conservar sua autonomia ou filiar-se à Obediência de uma grande loja, [x]na prática só se consideram hoje lojas regulares aquelas que, direta ou indiretamente, são emanações ou derivações da Grande Loja de Londres, na suposição de que esta derivação, e somente ela, possa conferir a “regularidade”.

Isso posto, é muito importante observar que as Constituições de Anderson afirmam explicitamente que, para ser iniciado e pertencer à franco-maçonaria, a única condição é ser um homem livre de costumes irrepreensíveis, e exaltam (ao contrário das diversas seitas cristãs) o princípio da tolerância de cada qual pelos credos dos demais, ressalvando somente que um maçom não será nunca um “ateu estúpido”. Poder-se-ia pensar que Anderson admite que o franco-maçom pode ser um ateu inteligente, mas é mais verossímil que, como bom cristão, pensasse que um ateu é obrigatoriamente um imbecil, segundo a máxima que diz: Dixit stultus in corde suo: Non est Deus, (O estúpido diz em seu coração: Deus não existe). Aqui, seria necessário fazer uma digressão e observar que nesta disputa tanto o que afirma como o que nega não possui em geral nenhuma noção se aquilo que afirma existe ou não e que a palavra Deus é empregada habitualmente em um sentido tão vago que toda discussão é inútil. Seja como for, as Constituições da franco-maçonaria são explicitamente teístas; e os profanos, que acusam a franco-maçonaria de ateísmo, ou o fazem de má fé ou ignoram que ela trabalha para a glória do Grande Arquiteto do Universo. Observemos ainda que esta designação, que se harmoniza com o caráter do simbolismo maçônico, tem, igualmente, um sentido preciso e inteligível, ao contrário que certas designações vagas ou carentes de sentido como as “Nosso Senhor”, “Pai de todos os homens”, etc.

A qualidade de homem livre, exigida ao profano para iniciá-lo ou ao maçom para considerá-lo como irmão, é de grande interesse. Anderson não deixa de chamar de franco-maçons aos Free Masons, restando então examinar em que consiste essa freedom (liberdade) dos Freemasons. Trata-se somente da franquia econômica e social que exclui aos escravos e servos, e das franquias e privilégios que a corporação dos franc-maçons desfrutava frente aos governos dos estados e das distintas regiões onde exercia sua atividade? Ou essa denominação de maçons francos ou liberados deve ser tomada em outro sentido, referindo-se a pessoas que não são escravas dos preconceitos nem dos credos, liberdade que seria inútil trazer à luz? Se fosse assim, resultaria vão querer buscar as provas documentais e a pergunta ficaria pendente. Não obstante, pode aportar-se um esclarecimento graças a um documento de 1509 cuja existência ou cuja importância não foi, ao que parece, destacada até o presente.

Trata-se de uma carta escrita em 4 de fevereiro de 1509 a Cornelius Agrippa por seu amigo italiano, Landolfo, para recomendar-lhe um iniciado. Landolfo lhe escreve[xi]: “É alemão como tú, originário de Nuremberg, mas que vive em Lyon. Investigador curioso nos arcanos da natureza, é um homem livre, completamente independente dos demais, que deseja, por causa da reputação que já possuis, explorar também teu abismo… Lança-o, pois, para prová-lo ao espaço; e levado nas asas de Mercúrio voa das regiões do Austro às do Aquilão, toma também o cetro de Júpiter; e se nosso neófito quer jurar nossos estatutos, associa-o à nossa fraternidade”. Tratava-se de uma associação secreta hermética criada por Agrippa, e há uma evidente analogia entre a prova do espaço que o iniciado deve enfrentar e as terríveis provas e viagens simbólicas da iniciação maçônica, inclusive quando a prova, aqui, se faz nas asas de Hermes. Hermes Psicopompo, o pai dos filósofos segundo a tradição hermética, é o guia das almas no além clássico e nos mistérios iniciáticos. Nesta carta também, se destaca a qualidade de homem livre, suficiente para abrir ao profano a porta do templo ao qual aspira; também aqui se manifesta substancialmente o princípio da liberdade de consciência e, ao seu lado, a tolerância. Ambas as tradições paralelas, hermética e maçônica, impõem idêntica condição para iniciar o profano: a de ser um homem livre, de onde se pode presumir que ela não se referia às franquias particulares das corporações de ofício, e por outro lado não faria sentido pedir isso aos accepted Masons que não eram pedreiros de profissão mas sim franco-maçons.

O caráter fundamental das Constituições de Anderson reside, pois, no princípio da liberdade de consciência e de tolerância, que permite também aos não cristãos pertencer à Ordem. Nas Constituições de Anderson a franco-maçonaria conserva seu caráter universal, não está subordinada a nenhum credo filosófico particular nem a qualquer seita religiosa, e não manifesta nenhuma inclinação por trabalhos de ordem social ou político. Pode ser que este caráter aconfessional e livre tenha inspirado igualmente à Maçonaria anterior a 1717 e que Anderson apenas o retificou nas Constituições.

Ao ser implantada na América e no continente europeu, a franco-maçonaria conservou em geral seu caráter universal de tolerância religiosa e filosófica e permaneceu à parte de todo movimento político e social, inclusive acentuando às vezes, como na Alemanha, seu interesse pelo hermetismo. Ao redor de 1740, começaram a multiplicar-se os novos ritos e os altos graus, mas conservando cuidadosamente os rituais e o rito dos três primeiros graus, os da verdadeira franco-maçonaria, chamada igualmente Maçonaria simbólica ou azul.

Os rituais destes altos graus são por vezes um desenvolvimento da lenda de Hiram, ou se relacionam com os rosacruzes, o hermetismo, os templários, o gnosticismo, os cátaros…, e já não têm um autêntico caráter maçônico. Do ponto de vista da iniciação maçônica, são absolutamente supérfluos. A franco-maçonaria está completa nos três primeiros graus, reconhecidos por todos os ritos, e nos quais se baseiam os altos graus e as lojas superiores dos diferentes ritos. O companheiro franco-maçom, uma vez que tenha chegado a mestre, acabou simbolicamente sua grande obra. Os altos graus só poderiam ter uma função verdadeiramente maçônica se contribuíssem para uma interpretação correta da tradição maçônica e para uma compreensão e aplicação mais inteligente do rito, ou seja, da arte real.

Isto não significa que se tenha que abolir os altos graus, já que os irmãos que foram agraciados com eles são livres, e que quem gosta de reunir-se em ritos e corpos para efetuar trabalhos que não se opõem às obras maçônicas devem ter a liberdade de fazê-lo. Não obstante, do ponto de vista estritamente maçônico, sua pertinência a outros ritos e a outras lojas superiores não os põe acima dos mestres que querem apenas efetuar o trabalho da Maçonaria universal dos três primeiros graus. Além disso, é evidente que ritos distintos como o de Swedenborg, os Escoceses, os da Estrita Observância, de Memphis…, ao serem diferentes, já não são universais, ou o são apenas na medida em que se baseiam sobre os três primeiros graus. Esquecer ou tentar desnaturalizar o caráter universal, livre e tolerante da franco-maçonaria, para impor aos irmãos das lojas pontos de vista ou objetivos particulares, seria ir contra o espírito da tradição maçônica e contra os termos das Constituições da Fraternidade.

É na França onde aparece a primeira alteração, ao mesmo tempo em que afloram os altos graus. A efervescência das ideias nessa época, o movimento da Enciclopédia, repercutem na franco-maçonaria que se difunde ampla e rapidamente. E, pela primeira vez, o interesse da ordem se dirige para as questões políticas e sociais e nelas se concentra. Afirmar que a revolução francesa seja obra da franco-maçonaria nos parece pelo menos exagerado. Por outro lado, é inegável que a franco-maçonaria sofreu na França – e seria difícil que isso não tivesse ocorrido – a influência do grande movimento profano que levou à revolução e culminou no império. A franco-maçonaria francesa tornou-se então e seguiu sendo desde esse momento, uma Maçonaria comprometida e interessada nas questões políticas e sociais. Alguns quiseram considerá-la como “tradicional” quando no máximo representa a tradição maçônica francesa, bem distinta da antiga tradição. Este desvio e este compromisso é a causa principal, se não a única, da oposição que seguidamente nasceu entre a Maçonaria anglo-saxônica e a francesa; na Itália, criou as divergências destes últimos cinquenta anos, que tiveram como consequência sua desunião e a debilitação ante os ataques e a perseguição dos jesuítas e os fascistas. Seja como for, inclusive os irmãos que seguem a tradição maçônica francesa não esqueceram o princípio de tolerância, e nas lojas maçônicas italianas, muito antes da perseguição fascista, havia irmãos de todas as crenças religiosas e de todos os partidos políticos, inclusive católicos e monárquicos.

Há que se recordar também, que no período que antecedeu a revolução francesa, nem todos os maçons esqueceram a verdadeira natureza da franco-maçonaria, mesmo quando ficaram desorientados pela plêiade de ritos diversos e opostos. No Convento dos Philalèthesreuniram-se maçons de todos os ritos, animados todos eles pelo mesmo desejo de restabelecer a unidade. Só Cagliostro, que havia fundado o rito da Maçonaria Egípcia, que unicamente constava de três graus e era exclusivamente dedicado à obra de edificação espiritual, se negou a comparecer a este Convento por razões que seriam muito extensas para explicar.

A influência maçônica francesa ocorreu também na Itália, depois da revolução e durante o império. Ainda hoje, a presença de certos termos técnicos nos “trabalhos” maçônicos, como o “malhete” do Venerável (traduzido, no italiano, literalmente, por “maglietto”) assim como outros termos (louveton, tradução fonético-semântica de Lufton, filho de Gabaon, nome genérico do maçom segundo os primeiros rituais ingleses e franceses) são prova de isso. A franco-maçonaria francesa e a italiana mantiveram estreitas relações durante todo o último século, e por vezes uma atitude revolucionária, republicana, mas também materialista e positivista que seguia a moda filosófica da época. Não obstante, não se pode dizer que a franco-maçonaria italiana se converteu numa franco-maçonaria materialista, pois ainda que tenha sido tolerante diante de todas as opiniões, nem por isso deixou de venerar, e muito particularmente, um grande espírito como Giuseppe Mazzini e grandes franco-maçons como Garibaldi, Bovio, Carducci, Filopanti, Pascoli, Domizio Torrigiani e Giovanni Amendola, todos idealistas e espiritualistas.[xii] Foi a selvageria furiosa e o vandalismo dos incultos fascistas que devastou os nossos templos, as nossas bibliotecas e quebrou os bustos de Mazzini e Garibaldi que decoravam as nossas sedes.

Por outro lado, há de se reconhecer que se a franco-maçonaria inglesa conservou sempre um caráter espiritualista e nunca lhe ocorreu negar a existência do Grande Arquiteto do Universo, frequentemente esteve tentada, e ainda está, a conferir um certo tom cristão ao seu espiritualismo, afastando-se dessa forma do espírito de imparcialidade absoluta e não confessional das Constituições de Anderson. Não se pode negar que o fato de obrigar a prestar juramento sobre o Evangelho de São João não é uma prova de tolerância perante profanos e irmãos agnósticos ou pagãos, judeus ou livre pensadores, que não têm uma especial simpatia pelo Evangelho de São João e ignoram tudo da tradição joanista. A intolerância acentua-se com o mau costume de impingir a leitura e o comentário dos versículos do Evangelho durante os trabalhos da Loja. Se este hábito criticável adquirir importância, terminará por reduzir os trabalhos da Loja a um simples serviço religioso corriqueiro ou puritano, uma espécie de “rosário” ou de “vésperas” fastidiosas, inúteis e insuportáveis para a livre consciência de tantos irmãos que, na Inglaterra e na América, não vão à missa, não aceitam a infalibilidade do papa, nem tampouco a autoridade da Bíblia. É necessário criar mal-estar e irritação nas nossas colunas sem uma contrapartida apreciável? Pode acreditar-se que, por esses meios, se converterá os outros às próprias crenças e que dessa forma se conterá o agnosticismo inglês e americano?

Estas considerações exortam a conservar o caráter universal da franco-maçonaria acima dos credos religiosos e filosóficos e dos compromissos políticos. Isto não significa que se deva ignorar a política. Com efeito, devemos nos proteger dela. A intolerância não pode tirar o espaço da tolerância e a tolerância pode tolerar tudo exceto a intolerância deliberadamente hostil. Desde o momento em que apareceram as Constituições de Anderson com o seu princípio de liberdade e de tolerância, a Igreja católica excomungou a franco-maçonaria, culpável precisamente de tolerância; e o encarniçamento contra a franco-maçonaria nunca seria desmentido. Na Itália, a perseguição à franco-maçonaria durante estes últimos vinte anos foi iniciada e mantida pelos jesuítas e pelos nacionalistas[xiii]; enquanto os fascistas, para ganharem a simpatia destes senhores, não vacilaram em provocar a aversão do mundo civilizado, no que diz respeito à Itália, com o seu vandalismo contra a franco-maçonaria. Os jesuítas perderam esta guerra, mas a lepra da intolerância propaga-se sempre, reveste-se de novas formas e é necessário que nos protejamos dela. Por outro lado, chegou a hora, se não nos enganamos, de difundir a franco-maçonaria por toda a Terra e estabelecer uma fraternidade entre os homens de todas as raças, civilizações e religiões. Para levar a bom termo esta tarefa é necessário que a franco-maçonaria não assuma uma fisionomia e um tom pertencente a uma minoria perante a qual as grandes civilizações orientais, China, Índia, Japão, Malásia, o mundo do Islã, têm se mostrado refratárias. Isso é possível desde que a franco-maçonaria não se circunscreva a uma crença qualquer e permaneça fiel ao seu patrimônio espiritual, que não consiste nem de uma fé codificada, um credo religioso ou filosófico, um conjunto de postulados ou de preconceitos ideológicos e moralistas, nem de uma bagagem doutrinal considerada detentora e portadora da verdade, à qual os não crentes devam ser convertidos. Há que se pensar que, ainda que a verdadeira religião e a verdadeira filosofia existam, é uma ilusão crer que pode conquistá-las ou comunicá-las mediante uma conversão, uma confissão ou o recitar de certas fórmulas, porque cada qual entende as palavras destes credos e fórmulas à sua maneira, de acordo com a sua civilização e a sua inteligência; e no fundo, não são, como dizia Hamlet, mais que “words, words, words“[xiv].

Enquanto não se reflete sobre isto, tem-se a ilusão de que essas palavras são compreendidas de igual maneira; tão rápido como se começa a raciocinar, surgem seitas e heresias, cada uma convencida de que detém a verdade. A sabedoria não pode ser compreendida racionalmente, nem expressada, nem comunicada. É uma visão, uma vidya, essencial e necessariamente indeterminada, incerta. E quando os olhos se abrem à luz com o nascimento na nova vida, aproximamo-nos dessa visão. A arte maçônica ou arte real é a arte de trabalhar a pedra bruta para tornar possível a transmutação humana e a percepção gradual da luz iniciática. O que não significa, naturalmente, que a franco-maçonaria tenha o monopólio da arte real.

No decurso dos dois últimos séculos a maior parte dos inimigos da franco-maçonaria recorreram sistemática e unicamente à injúria e à calúnia, apoiando-se em sentimentos moralistas e patrióticos. Afirmaram, assim, que os trabalhos maçônicos consistiam de orgias abomináveis, e com isso se tem manipulado os rituais, se tem desvelado as cerimônias maçônicas expondo-as ao ridículo, se tem acusado os maçons de trair a sua pátria pelo caráter internacional da Ordem, se tem afirmado que a franco-maçonaria é apenas o instrumento dos judeus, sempre para enganar e levantar os crentes e o público em geral contra a “Sociedade Secreta”. Os franco-maçons, naturalmente, sabiam muito bem que se tratava apenas de calúnias. E, como nada conseguia convencê-los, pensou-se em suprimi-los ou em retirar-lhes a possibilidade de se reunirem para trabalhar ou de responder e defender-se. Recentemente, um escritor católico[xv]publicou um estudo histórico sobre “Tradição Secreta”, conduzido com competência e habilidade. As habituais e costumeiras calúnias, destinadas a impressionar os profanos, foram habilmente substituídas nele por uma crítica insidiosa, destinada a impressionar o leitor culto e o espírito dos nossos irmãos.

Esta crítica afirma que, no fundo, a tradição secreta não contém senão o vazio absoluto (pág. 139) e conclui afirmando que “na Escola Iniciática ou por meio dela a Tradição Secreta não tem ensinado absolutamente nada à humanidade” (pág.155). Não se compreende muito bem então como se pode afirmar igualmente que este vazio absoluto, “esta tradição secreta coincide (pág. 141), ainda que frequentemente de uma forma corrompida, com as doutrinas gnósticas“. Mas não pretendamos demasiado. A franco-maçonaria é, pois, segundo o autor, uma esfinge sem segredo, dado que não ensina nenhuma doutrina. Desse modo o leitor se vê levado a concluir que, ao estar desprovida de conteúdo, a Maçonaria não tem nenhum valor.

Nas páginas precedentes mostramos que a franco-maçonaria não ensina nenhuma doutrina e nem deve ensiná-la, destacando que esta atitude é um de seus méritos. Isso posto, para chegar a concluir que a Tradição Secreta contém o vazio ao não conter uma doutrina, deve-se crer que somente uma doutrina pode ocupar o vazio. Na página 153, o autor afirma ainda: “o sistema iniciático supõe que o homem possa chegar a compreender, por um esforço da inteligência, os problemas inexplicados do cosmos e do além”. Na página 152 escreve: “a Igreja católica opõe às vãs elucubrações dos que se autodenominam iniciados, a força intangível de seu dogma que deve ser único porque não podem existir duas verdades” e que o sistema iniciático é incompatível com o cristianismo. A estas afirmações respondemos que ignoramos a existência de um sistema iniciático, que não conhecemos iniciados que façam suposições, e ainda menos que criem ilusões sobre a possibilidade de resolver por meio de sua inteligência ou de elucubrações os problemas inexplicados. Mas nos é impossível admitir que a fé em um dogma possa constituir um conhecimento, pois saber não é crer. De fato compreendemos que a verdade é necessariamente inefável e indizível. Deixamos aos profanos a consoladora e ingênua ilusão de crer que é possível formular de alguma maneira esta verdade e este conhecimento em credos, fórmulas, doutrinas, sistemas e teorias. Além disso, até Jesus sabia que suas parábolas eram apenas parábolas. Mas dizia também a seus discípulos que a eles “lhes era dado entender o mistério do reino dos céus”. Evidentemente só fides sufficit ad firmandum cor sincerum[xvi], mas non sufficit[xvii] para entender os mistérios. O que é igualmente válido para o simples raciocínio. Com isso não queremos diminuir de nenhuma maneira o valor da fé e do raciocínio. A fé isoladamente conduz ao desespero filosófico. E ambos são um pouco como o tabaco e o café: dois venenos que se compensam, mas certamente não basta fumar cachimbo e degustar um café para alcançar-se o conhecimento. Ao conhecimento multi vocati sunt[xviii], mas não todos e, entre estes muitos, pauci electi sunt[xix]. Segundo a Igreja católica, pelo contrário, é suficiente com ter fé no Dogma, e o conhecimento e o paraíso estão ao alcance de todos os bolsos a preços realmente insuperáveis.

Resumindo: não existe uma doutrina maçônica secreta[xx]; mas existe uma arte secreta, chamada arte real ou mais simplesmente Arte. É a arte da edificação espiritual à qual corresponde a arquitetura sagrada. Os instrumentos maçônicos têm, pois, um sentido figurado na obra da transmutação, e ao segredo da arte real corresponde o segredo arquitetônico dos construtores das grandes catedrais medievais. É natural que os franco-maçons venerem o Grande Arquiteto do Universo, mesmo que não se defina o que se deve entender por esta fórmula.

Na arquitetura antiga, especialmente na arquitetura sagrada, as questões de relação e proporção tinham uma importância capital. A arquitetura clássica estabelecia a proporção das diferentes partes de um edifício, e em particular dos templos, baseando-se em um módulosecreto ao qual alude Vitrúvio. Existe toda uma literatura referente à arquitetura egípcia e sobretudo à pirâmide de Queops, que ilustra seu caráter matemático. E, inclusive, procedendo com a maior circunspeção, é certo, por exemplo, que esta pirâmide se encontra exatamente a 30o de latitude para formar com o centro da Terra e o Polo Norte um triângulo equilátero. É certo que está perfeitamente orientada e que a face volta para o setentrião é exatamente perpendicular ao eixo de rotação terrestre, em função da posição que este tinha na época de sua construção. Quanto aos construtores da Idade Média, não eram guiados somente por alguns critérios estéticos. Preocupavam-se com a orientação da igreja, com o número de naves, etc. A arte dos construtores estava relacionada à ciência da geometria. O esquadro e o compasso são os dois símbolos de ofício fundamentais na arte maçônica; e a régua e o compasso os dois instrumentos fundamentais na geometria elementar. A Bíblia afirma que Deus fez omnia in numero, pondere et mensura[xxi]. Os pitagóricos criaram a palavra cosmos para indicar a beleza do universo no qual reconheciam uma unidade, uma ordem, uma harmonia, uma proporção. E entre as quatro ciências liberais do quadrivium pitagórico, a aritmética, a geometria, a música e a astronomia, a primeira estava na base de todas as demais. Dante comparava o céu do Sol com a aritmética porque “como da luz do Sol todas as estrelas se iluminam, assim da luz da aritmética se iluminam todas as ciências” e da mesma forma “que o olho não pode olhar ao sol, assim o olho do intelecto não pode olhar o número que é infinito”[xxii].

Sem entrar na crítica desta passagem, não deixa de ficar estabelecida a posição que a Aritmética ocupa segundo Dante. Por outro lado, tanto a Bíblia como a arquitetura aconselhavam considerar os números. Hoje em dia, ainda que se negue a reconhecer no cosmos uma unidade, uma ordem, uma harmonia, uma lei, e aceitando apenas o determinismo limitado pela lei das probabilidades, a física moderna continua considerando os números e as relações numéricas. De fato, não ficam senão eles, e tanto Einstein como Bertrand Russell constataram e reconheceram que a ciência moderna retornava ao pitagorismo.

Assim, pois, não há nada de surpreendente no fato de que os franco-maçons tenham identificado a arte arquitetônica com a geometria e tenham dado ao conhecimento dos números uma importância tal que ela (geometria) justifica sua tradicional pretensão de serem os únicos a conhecer os “números sagrados”.

Mas ainda temos de fazer algumas observações. A geometria, em seu aspecto métrico, ou seja, nas medidas, exige o conhecimento da aritmética. Isso posto, antigamente a acepção da palavra geometria era menos específica que hoje, e geometria significava genericamente toda a matemática. Assim a identificação da arte real com a geometria, tradicional na franco-maçonaria, não se refere à geometria tomada em seu sentido moderno, mas também à aritmética. Além disso, devemos observar que a relação entre geometria, arte real da arquitetura e edificação espiritual é a mesma que inspira a máxima platônica: “Que ninguém entre aqui se não é geômetra”. Máxima cuja atribuição é algo duvidosa, pois apenas é mencionada por um comentarista bastante tardio. Mas em obras que indiscutivelmente são de Platão podemos ler: “…a geometria é um método para dirigir a alma para o ser eterno, uma escola preparatória para um espírito científico, capaz de voltar as atividades da alma para as coisas supra-humanas”, […] “inclusive é impossível chegar a uma verdadeira fé em Deus caso não se conheça a matemática, a astronomia e a íntima união desta última com a música”[xxiii].

Estas concepções e atitudes de Platão devem ser as da Escola Itálica ou pitagórica, que exerceu sobre ele uma grande influência, o que permite dizer quando se quer sustentar que a Maçonaria se inspirou em Platão, que, em última análise, se volta sempre à geometria e à aritmética dos pitagóricos. O vínculo entre a franco-maçonaria e a ordem pitagórica, sem que se trate de uma derivação histórica ininterrupta, mas somente de uma filiação espiritual, é seguro e manifesto. O arcipreste Domenico Angherà no prefácio que escreveu para a reedição dos Estatutos Gerais da Sociedade dos Franco-maçons do Rito Escocês Antigo e Aceito (1874), que já haviam sido publicados em Nápoles em 1820, afirma categoricamente que a ordem Maçônica é idêntica à ordem pitagórica. Mas mesmo sem ir tão longe, a afinidade entre ambas as ordens é certa. A arte geométrica da franco-maçonaria, em particular, provém direta ou indiretamente da geometria e da aritmética pitagóricas. E não é anterior, porque os pitagóricos foram os criadores destas ciências liberais, segundo o que se pode deduzir historicamente e a partir dos testemunhos de Proclo. “Aparte de algumas propriedades geométricas atribuídas, sem dúvida equivocadamente, a Tales, a geometria – diz Paul Tanery – brotou completa do cérebro de Pitágoras da mesma forma que Minerva saltou inteiramente armada do de Júpiter. E os Pitagóricos foram os primeiros a estudar a aritmética e os números”.

Para estudar as propriedades dos números sagrados dos franco-maçons e sua função na franco-maçonaria, a via que se oferece por ela mesma é, pois, a do estudo da antiga aritmética pitagórica. E o estudá-la tanto do ponto de vista aritmético ordinário como do ponto de vista da aritmética simbólica ou formal, como a chama Pico da Mirandola, correspondente à tarefa filosófica e espiritual que Platão atribui à geometria. Ambos os sentidos se encontram estreitamente ligados no desenvolvimento da aritmética pitagórica. A compreensão dos números pitagóricos facilitará a dos números sagrados da Maçonaria.



Arturo Reghini (1878-1946), matemático e filólogo, ocupou um alto cargo na Maçonaria italiana (Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceito, e membro honorário de Supremos Conselhos de outros países). Manteve correspondência com René Guénon, fundou e dirigiu as revistas Atanor – onde este último publicou em primeira versão o Esoterismo de Dante e o Rei do Mundo – e Ignis (1924-25) e contribuiu com a Ur (1927-28); escreveu numerosos artigos, e foi também chefe de redação da Rassegna Massonica. Entre suas obras,Cagliostro, documents et études; Notes brèves sur le Cosmopolite; Considérations sur le Rituel de l’Apprenti Franc-Maçon; les Mots sacrés et de passe des trois premiers grades et le plus grand mystère maçonique; Aritmosofia; les Nomes Sacrés dans la Tradition Pythagoriciene Maçonique, todos editados hoje por Archè, Milano, e uma obra inédita em sete tomos: Dei Numeri Pitagorici.

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[i] Libertà va cercando ch’è si cara
Come sa chi per lei vita rifiuta. (Dante, Purgatorio. I, 71-72.)
[ii] Hutchinson, Spirit of Masonry; Preston, Illustrations of Masonry; G. De Castro, Mondo segreto, IV, 91; A. Reghini, Noterelle iniziatiche, Sull’origine del simbolismo, en Rassegna Massonica, junio-julio 1923.
[iii] The Grand Mystery of Freemasons discovered wherein are the several questions put to them at their Meetings and installation, Londres 1724.
[iv] Virgilio, Bucólicas, Égloga VIII
[v] Máximo de Tiro, Discours philosophiques, tradução Formey, Leyden, 1764: Discurso XI, pág. 173.
[vi] Cf. Oswald Wirth, Le Livre du Maître, 1923, pág. 7.
[vii] Johannes Daniel Mylius, Basilica Philosophica, Francfort, 1618.
[viii] Cf. Pietro Negri [= A. Reghini], Un codice plumbeo alchemico italiano, en UR, números 9 e 10, 1927
[ix] Cf. A. Reghini, Le parole sacre e di passo ed il massimo mistero massonico, Todi 1922.
[x] O. Wirth expressa categoricamente esta opinião, cf. Le Livre du Maître, pág. 189.
[xi] Cornelius Agrippa, Cartas. Cf. também a monografía de A. Reghini, prefacio da versão italiana da Filosofía Oculta de Agrippa
[xii] Giuseppe Mazzini (1805-1872), fundador da “Jovem Itália” (sociedade secreta que trabalhava para o estabelecimento da república na Itália). Giuseppe Garibaldi (1807-1882), patriota italiano que luchó para libertar a Itália do domínio austríaco, dos Bourbons (reino das Duas Sicílias) e, finalmente, do papado. Giovanni Bovio (1841-1903) filósofo e político radical de esquerda. Giosue Carducci (1835-1907) poeta. Quirico Filopanti (1812-1894) patriota e universitário. Giovanni Pascoli (1855-1912) poeta. Domizio Torrigiani (1879-1932). Giovanni Amendola (1882-1926) político, filósofo, fundador do Movimento União Democrática Nacional.[xiii] Cf. os artigos de Emilio Bodrero em Civiltà cattolica, orgão da Companhia de Jesus, e em Roma Fascista, periódico; cf. tambémIgnis y Rassegna Massonica, ano de 1925.
[xiv] palavras, palavras, palavras (N.T.)
[xv] Cf. Raffaele Del Castillo, La tradizione segreta, Milão 1941
[xvi] a fé é sincera o suficiente para compreender (N.T.)
[xvii] não suficiente (N.T.)
[xviii] muitos são chamados (N.T.)
[xix] poucos foram escolhidos (N.T.)
[xx] O. Wirth já havia dito a mesma coisa em 1941: “Como o método iniciático se nega a inculcar o que quer que seja, apenas é admissível que se tenha ensinado uma doutrina positiva no seio dos Mistérios”, no Livre du Maître, pág. 119.
Del Castillo sustenta, ao contrário – e sem nenhuma prova – que a Maçonaria pretendeu ensinar uma doutrina secreta, e constata que não se encontra traço desta doutrina positiva. Ao invés de reconhecer que seu ponto de vista não é defensável, acusa a Maçonaria de ser redundante e incapaz. O vos qui cum Jesu itis, non ite cum Jesuitis.[xxi]Todas as coisas em número, peso e medida (N.T.)
[xxii] “come del lume del Sole tutte le stelle si alluminano, così del lume dell’aritmetica tutte le scienze si alluminano […] che l’occhio dell’intelletto non può mirare […] il numero […] è infinito”. Dante, O Banquete, II, XIII, 15 e 19.
[xxiii] Gino Loria, Le scienze esatte nell’antica Grecia, 2ª edição, Milão 1914, pág. 110.

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INSTALAÇÃO DO VENERÁVEL MESTRE - RELATOS HISTÓRICOS


Instalação do Venerável Mestre – Relatos históricos

Luciano R. Rodrigues – www.oprumodehiram.com.br

Uma das acusações que os “Antigos” fizeram aos “Modernos” no século XVIII era a de ter caído no esquecimento ou negligenciado a cerimônia secreta de Instalação do Mestre Eleito da Loja, atualmente chamado de Venerável Mestre. Em 1813, após a união das duas Grandes Lojas rivais da Inglaterra, esta cerimônia passou a ser considerada como um dos marcos tradicionais.

Este artigo é baseado na escrita do pesquisador francês Rene Guilly, também conhecido como René Desaguliers, que por sua vez revisou o trabalho de Harry Carr na revista Ars Quatuor Coronatorum vol.89 de 1976 sob o título “A Evolução da Cerimônia de Instalação e Ritual” e foi exibido por Harry Carr na loja de mesmo nome em 19 de fevereiro de 1976.

Como a cerimônia de instalação é difundida na França, René Desaguliers tem interesse especial em estudar as fontes desta cerimônia secreta, através das divulgações maçônicas, que são importantes registros históricos. Interesse este que não é diferente das pesquisas realizada para o “Prumo de Hiram”.

De qualquer forma, Harry Carr limita seu estudo apenas às fontes inglesas, embora, enfatiza Désaguliers, as fontes irlandesas pareçam ser de seu interesse.

Primeiro de tudo, Harry Carr remonta à história da Maçonaria Inglesa por 600 anos, até a Maçonaria operativa e descobre que não há nenhum vestígio de cerimônias de instalação ou eleição antes da maçonaria especulativa de 1717, mesmo com relação aos Diáconos, Vigilantes e Mestres.

As Constituições de Anderson de 1723, no entanto, descrevem o caminho para constituir e criar uma nova loja. Cita também a Cerimônia de Instalação de Wharton. Estamos falando de Philip Wharton, 1º Duque de Wharton, Grão-Mestre da Grande Loja de Londres e Westminster em 1722.

Philip Wharton, 1º Duque de Wharton

É a descrição mais antiga da instalação do Mestre de uma nova loja e o que aprendemos com ela?

Em primeiro lugar, o Grão-Mestre pergunta se o “candidato” foi examinado por seu vice/adjunto. Aquele candidato que é um Companheiro do Ofício, de boa moral e grande experiência, está localizado à esquerda do Grão-Mestre e após o consentimento unânime dos irmãos, a nova loja é constituída, os deveres do Mestre são apresentados e ele é instalado.

Infelizmente, nem esses deveres nem a cerimônia de instalação são conhecidos.

Em seguida, todos os membros curvam-se para a sua vez para cumprimentá-lo como sinal de submissão. A primeira coisa que está provada é que a Maçonaria de 1723 tinha dois graus, mesmo que, nesse caso, não esteja claro em que grau a cerimônia está aberta.

Os membros são, sem dúvida, Mestres e Companheiros do Craft, e nenhuma obrigação do Mestre eleito foi encontrada, nem um sinal, um toque ou uma palavra. Observe finalmente que, embora as Constituições de Anderson não descrevam a cerimônia, existem os encargos e requisitos para ter a honra de acessar tal cargo.

E somente nas “Três Batidas distintas” (Three Distinct Knocks) de 1760, que é descrita a primeira cerimônia de instalação durante a cerimônia de constituição de uma nova loja. Fala-se de “a obrigação dos oficiais de uma loja”, sendo a primeira do Mestre “na Cadeira”.

A loja parece aberta no terceiro grau e nada se sabe da eleição. O texto se concentra na parte esotérica da cerimônia. O futuro Mestre ajoelha-se em ambos os joelhos ao sul e assume uma obrigação que retoma as idéias clássicas: de não revelar a palavra e o toque, de respeitar os deveres de sua posição e de trabalhar para o bem da Maçonaria, etc etc … sob pena de receber as punições do Aprendiz Admitido, do Companheiro de Ofício e do Mestre Maçom!

Elevado com o aperto de mão do Mestre, o Instalador desliza até o cotovelo e sussurra a palavra e, presumivelmente, agora está instalado na Cadeira. Então o aplauso do Mestre é dado, descrito como o grande sinal de um Mestre Maçom que é feito levantando as mãos em sua cabeça, depois descarregando-o no avental e ao mesmo tempo batendo no chão com os dois pés.

As divulgações, “As três batidas distintas” e “Jakin e Boaz” apresentaram em 1762 a mesma cerimônia.

Em 1730, John Pennel, Secretário da Grande Loja da Irlanda, retoma a cerimônia de Wharton para a redação do Livro das Constituições irlandesas, mas sem mencionar Wharton. Da mesma maneira que Laurence Dermott que foi instalado em 1746, como Mestre da Loja nº26 em Dublin, também retoma a mesma cerimônia com algumas modificações na sua publicação do “Ahiman Rezon” de 1756.

Em 1775, será William Preston em sua “Ilustrações da Maçonaria”, que mostra uma nova evolução. Retoma a Instalação de Wharton e insere o primeiro texto completo dos Deveres do Mestre, muito próximo dos usados hoje em dia. Ao novo Mestre da Loja é entregue a insígnia do seu cargo e a carta patente da loja, apresenta-se o Volume da Lei Sagrada, o livro das Constituições, as ferramentas e jóias dos oficiais a serem empossados, que são felicitados conforme suas funções.

Mas como Preston escreveu sobre a cerimônia de instalação em 1775, se ele pertencia a uma loja dos Modernos?

William Preston foi iniciado em 1763 na loja nº111 da Grande Loja dos Antigos. Em 1764, sua loja mudou de obediência e de nome, passando a se chamar Loja Caledonian nº325 da Grande Loja dos Modernos.

Posteriormente, a Loja Caledonian tornou-se, a principal componente do primeiro Grande Capítulo do Sagrado Arco Real. Acredita-se que os membros da loja, apesar de estarem sobres a égide dos Modernos, continuavam praticando o chamado quarto grau dos Antigos ou Arco Real.

Em 1774, irmãos da Loja Antiquity participaram de uma palestra de William Preston e ficaram impressionados com seu conhecimento sobre os Antigos e o convidaram para ser membro da Loja que outrora, com o nome de Ganso e a Grelha, fora fundadora da Grande Loja dos Modernos. A Loja Antiquity se orgulhava de ser uma das primeiras lojas da obediência e por não estarem muito satisfeitos com as mudanças realizadas pelos Modernos, tinham especial interesse nas práticas descritas por Preston.

A partir de 1801, há vestígios da cerimônia de instalação, mas ao contrário do livro de William Preston, não há palavras de passe, sinais, toques ou penalidades. E será somente em 1822, nas atas da Loja Antiquity, que algo novo aparecerá.

De fato, em um certo momento da cerimônia, os Irmãos Mestres instalados se retiram. Preston frequentemente utilizou a noção de “uma sala adjacente”, uma sala onde o Mestre Eleito será apresentado ao Mestre Instalador, fazendo uma apologia de suas qualidades e méritos, o secretário irá recitar os antigos deveres e regulamentos, prestando seu juramento de Mestre Eleito (Venerável Mestre).

Especificamente, é mostrado que nada se sabe sobre se houve ou não uma abertura e fechamento daquela cerimônia, e se isso deve ser feito na presença de pelo menos três Mestres Instalados.

O novo Mestre é descrito saindo da sala adjacente vestido com suas insígnias, colocando-se na cadeira e sendo aclamado. Então, em procissão, os membros prestam homenagem a ele, como sinal de submissão; a loja fecha no terceiro grau, em seguida, descendo até o primeiro grau, onde todos os oficiais são empossados.

Vamos voltar no tempo, agora estamos em 1810 com a instalação da Loja de Promulgação. Parece, segundo Harry Carr, que os Modernos haviam negligenciado totalmente essa cerimônia, ao contrário do que os Antigos fizeram sob a direção de Dermott. E, de fato, a Cerimônia de Instalação foi considerada um dos “Marcos” em vista da reunificação que deu lugar a Grande Loja Unida da Inglaterra.

Progressivamente, vai se constatando, pelas atas que chegaram até nós, que o ensino das cerimônias de instalação estava evoluindo, pelo menos em teoria, já que não há nada que nos permita dizer como ela realmente foi praticada em sua totalidade.

A próxima evolução está no MS. Turk de 1816, que constitui a terceira Instrução de William Preston, da qual existem cinco versões manuscritas, mas a MS. Turk é a única completa conhecida.

Verifica-se que o Mestre Eleito é apresentado à Loja no Segundo Grau, que lhe são dados os Antigos Deveres, os regulamentos gerais, onde ele assume o compromisso que assina e sela, os Mestres Maçons e os Mestres Instalados saem para uma “sala de Instalação” onde os trabalhos do terceiro grau são abertos, então os Mestres Maçons se retiram, deixando apenas o “Conselho de Mestres Instalados”.

O Mestre Eleito é novamente apresentado e recebe “o benefício da Instalação”, ele se ajoelha em ambos os joelhos e os dois Mestres Instalados juntam suas mãos formando um arco acima dele. Todos os irmãos se ajoelham.

Uma vez cumprida, se faz uma invocação ao Pai Todo Poderoso, observando que é a versão antiga de um ritual que contém uma oração de abertura e que difere pouco da usada hoje na Inglaterra.

Retomando o curso da cerimônia, o Mestre Instalado assume seu juramento e é colocado na cadeira pelo toque e pela palavra, é saudado e, por fim, o Conselho é fechado ou, mais exatamente, suspenso. Note aqui que as noções de trabalhos abertos e suspensos, não vêm de um ritual específico. Os Mestres Maçons são reintroduzidos e a Loja é fechada no terceiro grau, retornando a todos para a Sala da Loja, onde os trabalhos também são fechados.

E, com efeito, essa instalação é observada melhor em “Três Batidas Distintas” e “Jackin e Boaz”. Note também que, embora haja um sinal de reconhecimento e um toque específico nessa cerimônia. Na história de William Preston, este sinal e toque não são encontrados.

Pode-se pensar que, se Preston formalizou esta cerimônia, ela pode ter sido praticada por lojas dos Modernos, já que o controle da Grande Loja sobre a ritualística das lojas, não era muito grande.

Assim, com o tempo, o Grão-Mestre da Grande Loja Unida da Inglaterra, em 1827, teve que intervir pessoalmente para padronizar as cerimônias no país e ainda instalar como se deveria, os Mestres de Loja, mesmo aqueles que já estavam em exercício.

Dez irmãos foram nomeados, incluindo o Grande Secretário e o Grande Arquivista para formar uma comissão especial chamada “Loja ou Conselho de Mestres Instalados”, que tinha como objetivo manter regularmente lojas de instrução de Mestres Instalados, esse Conselho também podia instalar os Mestres Eleitos.

Há apenas um documento referente ao trabalho daquela estrutura de Mestres Instalados, a ata de 24 de fevereiro de 1827 da Loja ou Conselho de Mestres Instalados. Algumas perguntas que seguem, permanecem sem resposta e acima de tudo neste texto, René Désaguliers deixa as seguintes dúvidas:

1. Como dar forma para declarar ou constituir um Conselho de Mestres Instalados, bem como a abertura e encerramento dos trabalhos.

2. A palavra do Mestre Instalado e a maneira de comunicá-lo eventualmente.

3. A cláusula penal da obrigação.

4. A inspeção do templo por Salomão e o papel de Adonhiram.

5. A saudação dada pela Assembléia nos três graus da cerimônia.

Para responder a essas perguntas, é preciso consultar o que René Guilly reagrupou sob o termo “Documentos Mais Tardios” e o “MS Henderson”, que é um manuscrito de 350 páginas.

Em 1832, John Henderson foi 1º Vigilante da Loja Antiquity nº2 e foi Presidente do Departamento de Assuntos Gerais da Grande Loja Unida da Inglaterra em 1836-1837. No início dos trabalhos do Conselho de Mestres Instalados, ele descreve em seu caderno, entre outros, a terceira instrução de William Preston do MS. Turk, que citamos anteriormente.

Da mesma forma, em 1838, aparece a publicação do ritual do terceiro grau e a Cerimônia de Instalação de Georges Claret, que de alguma forma é o precursor ou o pai dos rituais impressos, como os que conhecemos hoje.

Voltemos à conclusão desta primeira parte, as contribuições históricas para responder a cinco questões anteriores.

1. Os dois textos confirmam que após a abertura da Loja nos três graus, os Mestres Maçons se retiram e pelo menos três Mestres Instalados constituem por uma simples declaração e um simples golpe de malhete, o Conselho de Mestres Instalados; não há cerimônia de abertura ou encerramento.

2. Se a palavra do Mestre Instalado parece omitida na ata de 1827, pode-se simplesmente pensar que ela foi voluntária por razões de prudência.

3. Para o sinal penal, a omissão também foi prudência? De fato, pode-se pensar que não existia antes de 1827 e que Claret e Henderson foram os primeiros a fazer uma referência direta.

4. Para a inspeção do Templo por Salomão, nada existe antes de 1827 se não é uma referência ao “sinal e saudação de um Mestre de Artes e Ciências”. Henderson fala de sinal e saudação e um pouco de sua história, Claret dá na plenitude também a introdução da Rainha de Sabá.

5. Finalmente, a saudação ao Mestre Instalado pelos participantes parece ser uma recente inovação, sendo que Claret e Henderson não evocam mais do que uma simples saudação do Mestre Instalador.

Para entender o interesse de pesquisar a prática dessas cerimônias hoje, para entender a história e sentir o simbolismo, eu poderia terminar o resumo citando um parágrafo de René Desaguliers:

“A instalação é, acima de tudo, a mais alta honra que uma loja pode conferir, implicando os deveres e responsabilidades de um significado profundo para o feliz recipiendário e a cerimônia é sempre interessante e bela, desde que seja conduzida com dignidade e o decoro que eles impõem”.

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Bibliografia:

Constituições da Grande Loja de Londres e Westminster – 1723

Constituições da Grande Loja da Irlanda – 1730

A Maçonaria Dissecada – 1730

Ahiman Rezon – 1756

As Três Batidas Distintas – 1760

Jackin e Boaz – 1762

Ilustrações da Maçonaria – William Preston – 1775

The Evolution of the Installation Ceremony and Ritual – Harry Carr – 1976

L’evolution de la céremonie et du rituel d’Installation secréte du Maitre Elu, René Desaguliers – 1991