domingo, 14 de junho de 2020


ÁGAPE



O ágape é a refeição que os maçons partilham logo após (de preferência) ou imediatamente antes (se assim tiver de ser) de uma reunião de Loja. É considerado a extensão dos trabalhos da Loja. Destina-se a aprofundar os laços de amizade e fraternidade entre os elementos que compõem a Loja e a debater assuntos de interesse comum, num ambiente mais descontraído e informal do que os trabalhos rituais.

Em termos de formalismo, pode ser ritual, formal com libações ou informal.

O ágape ritual processa-se com a execução de um ritual próprio, similar ao ritual dos trabalhos em Loja, com abertura, encerramento e outros momentos próprios do trabalho em Loja.

Este tipo de ágape só ocasionalmente ocorre. As condições logísticas, temporais e anímicas necessárias para um ágape deste tipo são estritas e de difícil verificação. Para garantir a sua simultânea existência, é necessário que a Loja antecipadamente deseje, programe e organize um ágape desse género. É necessário garantir um espaço adequado, exclusivamente destinado aos intervenientes no ágape. Estes terão, obrigatoriamente, de ser maçons, não sendo admitida a presença, ainda que ocasional ou por curto período, de profanos. Isto implica que o ágape decorra, ou nas instalações da Loja, ou em local cedido para acesso reservado exclusivamente para os maçons participantes. Implica também que os mantimentos a consumir sejam preparados pelos próprios maçons, na hora ou pouco antes, ou que sejam encomendados e recebidos já preparados antes de se iniciar o ágape. Implica a disponibilidade de todo o equipamento necessário para uma refeição de um considerável número de comensais: mesa de tamanho adequado, cadeiras, toalhas, pratos, copos, talheres, guardanapos, etc.. Implica prévia organização de como decorre o repasto: quem faz o quê, quando e como. Enfim, não é prático nem fácil organizar rotineiramente – e que, portanto, só ocorre extraordinariamente, seja para celebrar algo, seja para permitir aos seus participantes a experiência de um ágape inteiramente ritual.

Acresce ainda que, saídos de uma reunião com ritual, não apetece propriamente passar a uma refeição… igualmente ritual, com óbvia proscrição da informalidade e diminuição da descontração…

O Antigo Grão-Mestre e Grão-Mestre ad vitam da G.·. L.·. L.·. P.·./G.·. L.·. R.·. P.·. Luís Nandin de Carvalho elaborou, em 2002, adaptado de vários rituais de tradição oral, portugueses e franceses, um ritual de ágape que, segundo creio, nunca chegou a ser formalmente adotado pela Obediência, mas que é detido por várias Lojas, que o poderão, quando desejarem, executar.

O ágape formal com libações não é ritualizado, exceto quanto a estas, mas seguem-se tradicionalmente algumas regras, designadamente quanto à posição na mesa do Venerável Mestre (e, quando possível, também dos Vigilantes), quanto à invocação inicial e mais um ou outro aspeto, variável de Loja para Loja. As libações, isto é, os brindes, são obrigatoriamente no mínimo de sete e ocorrem segundo uma ordem determinada. Este tipo de ágape pode ocorrer apenas com a presença de maçons ou também como ágape branco, isto é, com a presença de profanos.

Finalmente, o ágape absolutamente informal destina-se essencialmente ao convívio. Não ocorrem libações. É o ágape possível quando apenas se tem disponível um local público, não exclusivamente utilizado pelos maçons presentes.

Havendo condições para tal (local e tempo), pode e deve providenciar-se para que, integrado no ágape, ocorra um debate sobre qualquer tema, maçónico ou profano, ou a apresentação de uma prancha, igualmente de cariz maçónico ou profano. Obviamente que o debate ou apresentação de tema de cariz maçónico só ocorre em ágapes em que estão exclusivamente presentes maçons. Já os debates ou apresentações de temas profanos podem ocorrer em ágapes de maçons ou ágapes brancos.

Podem ser convidados profanos a proferir uma comunicação ou a intervir num debate, em ágape branco, em regra sobre temas profanos da especialidade do convidado. Pode também ocorrer que esse convidado, profano, conferencie sobre um tema de interesse maçónico – do ponto de vista do profano.

As intervenções são abertas a todos – isto é, não vigora a regra do silêncio de Aprendizes e Companheiros. O ágape funciona, assim, como meio importante da integração dos Aprendizes na Loja e reforço dessa integração, quanto aos Companheiros.

In Blog “A Partir Pedra” – Texto de Rui Bandeira (27.01.2010)

DOS DEMÔNIOS E FALSOS DEUSES



É infelizmente frequente – e, na última década, tem-no sido mais do que nas anteriores – ouvir-se os seguidores de uma religião atacarem e denegrirem os seguidores de outras. De cada lado se vê quem, aferrado às suas “razões”, esgrime argumentos teológicos, brande razões sociais e antropológicas, e por fim crava os ferros do mais baixo e vil preconceito. Em cada fação se incita o espírito de cerco, se exacerba a diferença entre o “nós” e o “eles”, e se exorta ao ataque e à conquista (pela força, claro) do outro, do herege, do infiel, do adorador de demónios. Sim, que quase todas as religiões, de um modo ou de outro, reclamam a posse da Verdade, o monopólio do Caminho, a exclusividade da Luz – o que, infelizmente, é interpretado por muitos como “quem não é dos nossos está condenado”.

Um dos pilares de base da maçonaria especulativa, desde que esta existe, tem sido, precisamente, a oposição a este mindset, a esta forma mesquinha de gerir a diversidade, a esta incapacidade de ver o mundo por outros olhos, de outro ângulo, sob outra luz. Num contexto histórico em que o confronto entre lados opostos tinha dado origem a uma guerra civil, a maçonaria estimulava a contenção, a tolerância e o amor fraterno entre homens que, de outro modo, nunca demonstrariam sequer um mínimo de urbanidade uns para com os outros. Estabelecendo conceitos passíveis de ser considerados um mínimo denominador comum, uma plataforma base de estabelecimento de pontes culturais e religiosas entre crentes de diversas fés, a maçonaria proibia – de modo a manter a harmonia custosamente conquistada – que cada um ultrapassasse esses frágeis compromissos e, em loja, manifestasse o que quer que fosse de próprio e exclusivo de uma qualquer denominação religiosa.

Logo vozes clamaram que a maçonaria queria destruir esta ou aquela religião, e que a maçonaria era um anátema, uma abominação, uma obra dos seguidores de satanás. Ao pretender conciliar várias crenças sob uma mesma égide, a maçonaria teria tocado num ponto nevrálgico: a maioria das pessoas não estava (e não está…) na disposição de admitir que o “outro” possa, seguindo um caminho diverso do seu, chegar ao mesmo lugar. Muitas religiões ensinam, mesmo, que os “deuses” das outras religiões são, na verdade, demónios empenhados em confundir os incautos, e que segui-los é caminho certo para a danação eterna. Esta perspetiva é, de facto, absolutamente incompatível com a maçonaria, por ser diametralmente oposta ao conceito de tolerância que a maçonaria promove e defende. Como poderia um maçon sentar-se em loja ao lado de alguém que ele considerasse um adorador de demónios, e com ele dizer estarem ambos a trabalhar “à Glória do Grande Arquiteto do Universo”, expressão que congrega os diversos conceitos de divindade de cada um dos maçons sob uma denominação comum? Por outro lado, quem tivesse a alma grande e quisesse “salvar” o seu irmão do erro em que este estivesse metido, apresentando-lhe as virtudes da sua própria fé, logo se veria remetido ao silêncio, senão voluntário, logo imposto. Como conciliar esta limitação ao proselitismo com deveres assumidos para com a sua igreja ou religião?

A resposta é simples: a maçonaria não é para esses. Quem assim pensar e quiser juntar-se a nós, melhor será que o não faça, ou rapidamente se verá confrontado com situações que lhe serão desconfortáveis e que pode entender serem contrárias aos ditames da sua fé. Nesse caso, o melhor que teria a fazer – pois nunca deveria ter sido admitido, no seu próprio interesse – seria pedir o atestado de quite e abandonar a maçonaria, pois os deveres de cada um para com a sua fé sobrepõem-se aos deveres para com a maçonaria. Quem achar que é sua obrigação converter o mundo a uma determinada fé, pois que o faça (ou que o tente…) mas sem a condição de maçon a atrapalhar. E quem, no mais fundo do seu coração, achar que todos quantos abraçam outras fés são adoradores de falsos deuses, ou mesmo de demónios, então nada tem que aprender connosco.

Mas quem aceite as limitações do seu entendimento, que a fé e a certeza são coisas distintas, e que várias pessoas podem olhar para a mesma coisa e ver coisas diferentes; quem queira ultrapassar o preconceito, praticar a virtude e tornar-se numa pessoa melhor; quem queira fazê-lo acompanhado, ajudando e sendo ajudado num espírito de fraternidade que ultrapassa as diferenças e as diversidades de pontos de vista; então encontrará entre nós verdadeiros irmãos na pessoas de uns quantos homens bons que, sob um mesmo Deus – mas respeitando as diferenças de entendimento que cada um tem d’Ele – se juntam para se tornarem melhores.

In Blog “A Partir Pedra” – Texto de Paulo M. (20.09.2010)


A MAÇONARIA ESPECULATIVA NASCEU DE UMA SOCIEDADE DE JANTARES?

Este não é um questionamento novo, já foi sugerido nos escritos do chamado “primeiro livre pensador e maçom”, o Irlandês John Toland, com sua Sociedade de Banquetes Socráticos do século XVIII.

Também aparece em algumas passagens, quase esquecidas, de Gotthold Ephraim Lessing, considerado um dos três filósofos e poetas mais importantes do iluminismo alemão, junto com Johann Wolfgang von Goethe e Friedrich Schiller.


Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781)

Gotthold Lessing foi iniciado na loja “Zu den drei Goldenen Rosen” (As três rosas de ouro) em Hamburgo e foi feito um mestre maçom em 14 de outubro de 1770.

Foi um defensor da tolerância e liberdade contra o dogma, argumentando, em suas obras, que a razão humana evoluiria sem revelações divinas, e somente impulsionada por críticas e contradições.

Entre suas obras estão os “5 Diálogos para os Maçons (ou Ernest e Falk)”, onde no quinto diálogo, escrito em 1779, ele afirma abertamente que o discurso de James Anderson era pura “falsificação”, “digno de merecer a PICOTA”1 e passa a desenvolver sua idéia da criação da sociedade especulativa que ele chama de maçonaria livre, entendendo-a como uma reunião de companheiros dos jantares para filósofos e maçons da guilda da construção.

Não há notas, referências ou qualquer bibliografia, mas aqui está este escrito algo mais próximo no tempo, para essa fundação quase mítica de 1717.

Um fragmento do quinto diálogo entre Ernest e Falk, de Gotthold Lessing, é transcrito abaixo:
Ernst – Entenda: A Maçonaria.
Falk – Com certeza! Pois ela não se baseia em relações externas que são tão facilmente convertidas em convenções sociais, mas repousa sobre os sentimentos de uma comunidade de espíritos em simpatia.
Ernst – E quem se atreve a dominar isto?
Falk – No entanto, a Maçonaria sempre e em toda parte, teve que ceder e se moldar às demandas da sociedade, porque esta, sempre foi a mais forte.
Seja qual for a forma em que a sociedade tenha sido constituída, por mais diversificadas que sejam, a Maçonaria não foi capaz de deixar de admiti-las, apenas que, como é natural, cada nova forma tem seu nome distinto.
Como podemos supor que o nome da Maçonaria é mais antigo do que a opinião dominante dos estados, segundo a qual estes eram tão subdivididos?
Ernst – E qual é essa opinião dominante?
Falk – Deixo isso para suas próprias investigações – basta dizer que o título de maçom para designar um membro de nossa associação secreta fraternal, nunca foi conhecido ou pronunciado antes do século atual (1780). Certamente esse título não aparece antes desse tempo em qualquer livro impresso, e vem apresentá-lo a mim em um manuscrito autêntico de uma data anterior!
Ernst – Você quer dizer o nome alemão?
Falk – Nada disso! Nem o nome original de FREEMASON, nem qualquer um dos nomes imitados ou traduzidos a partir deste, ou qualquer outro idioma.
Ernst – É isso mesmo? Lembre-se, em qualquer livro impresso antes do presente século? em nenhum?
Falk – Em nenhum!
Ernst – No entanto, eu mesmo ……
Falk – É possível? Que um pouco de poeira também voe sobre seus olhos, que não para de se espalhar por aí?
Ernst – Mas quem diz é ……
Falk – Em Londonópolis. Não estou certo? … é poeira!
Ernst – E o ato do parlamento de Henrique VI?
Falk – É poeira!
Ernst – E os grandes privilégios concedidos por Charles XI, rei da Suécia, à loja de Gothemburg?
Falk – É poeira!
Ernst – E Locke?
Falk – Qual Locke?
Ernst – O filósofo, seus escritos para o conde de Pembrock, suas observações sobre um interrogatório escrito de próprio punho e letras de Henrique VI.
Falk – Isso talvez seja uma novíssima descoberta, eu não sei, mas novamente Henrique VI, é poeira e nada além de poeira!
Ernst – Nunca, Jamais!
Falk – Você conhece uma designação mais moderada para qualificar uma deturpação do texto e a substituição de originais?
E – É possível que o público e a impunidade tenham conseguido continuar por tanto tempo com esse engano?
F – Por que não? Não é grande o número de pessoas que podem se opor ao absurdo, desde o começo. É suficiente que eles não sejam prescritos, embora seja melhor para o público não tomar conhecimento deles, porque o mais desprezível é que, ninguém se dá ao trabalho de atacá-los, então acontece que com o tempo eles adquirem aparência de assuntos muito sérios e quase sagrados.
E assim, depois de mil anos, será dito: “Eles teriam permitido se escrever tais coisas se não fossem verdadeiras? ”.
Ou talvez. – “Ousa agora, contradizer a autoridade daqueles homens dignos de todo crédito? ”.
E – Oh, história, história! Por que que você é tão reduzida!
F – A rapsódia fria e descarnada de Anderson, onde a história da arquitetura é substituída pela história da Ordem. Isso deve passar!
Por uma vez e naquela época, isso seria ótimo, mas a impostura era óbvia demais!
Mas que se siga edificando em um terreno tal pantanoso, e que sempre se queiram manter impressos, os que têm vergonha de sustentar verbalmente, na presença de qualquer homem digno, sustentando uma farsa que deveria ter sido abandonada a tempo, é cometer uma falsificação para tratar de miseráveis ​​interesses civis, deve ser punido com a PICOTA (Pelourinho).
E – Mas e se for verdade, se além de um simples trocadilho, ele tiver mantido o segredo da Ordem desde a sua criação, principalmente pelos membros dessa arte homônima?
F – Se fosse verdade?
E – E por que não há de ser? De outro modo, como poderia ter ocorrido da Ordem apropriar-se dos símbolos precisos do Craft, precisamente dele não de qualquer outro?
F – A pergunta é um tanto capciosa.
E – Tal circunstância certamente tem uma causa.
F – E ela tem!
E – Tem, e é diferente do que se supõe?
F – Tem uma causa muito diferente.
E – Eu tenho que adivinhar ou você me permite perguntar?
F – Se você tivesse me perguntado antes o que estou esperando, não seria difícil para você fazer agora.
E – Outra pergunta que você estava esperando?
F – Se eu te disse antes, que o que chamamos de Maçonaria, nem sempre foi chamado dessa forma, teríamos agora uma conclusão mais natural e lógica …
E – Perguntar como ela era chamada antes? Bem, eu te pergunto agora!
F – Você me pergunta como a Maçonaria era chamada antes de ter este nome?
MASONEY
E – Sim, em inglês eu suponho, MASONRY.
F – Não em Inglês MASONRY, e sim MASONEY, mas não de Maçom, construtor, mas de MASE, a mesa.
E – MASE, a mesa, em que idioma?
F – Na língua anglo-saxônica, e não apenas nela, mas na dos godos e francos, trata-se de uma palavra de origem alemã da qual muitos outros derivados ainda são conservados ou mantidos, como MASCOPIE, MASLEIDIG, MASGENOSSE. Mesmo no tempo de Lutero, a palavra MASONEY era frequentemente usada, embora seu significado tivesse se degenerado um pouco.
E – Ignoro tanto seu bom significado, quanto o degenerado.
F – Mas você não vai ignorar o costume de nossos antepassados em relação às questões mais importantes depois do jantar? Então foi MASE, a mesa e MASONEY, uma sociedade secreta de JANTARES.
Como uma sociedade fechada e íntima de jantares, se tornou uma sociedade de bebedores, e em que sentido ela usa a palavra MASONEY, você pode facilmente deduzir.
E – E não faz muito tempo, algo semelhante estava prestes a acontecer com a palavra LOGIA!
F – Mas antes que o MASONEY degenerasse a tal extremo na opinião pública, ela gozava de autoridade e bom crédito.
Não havia um único tribunal na Alemanha, por menor que fosse, que não tivesse o MASONEY. Isso é comprovado nos velhos livros de canções e nas antigas publicações históricas. Construções especiais, que se comunicavam com os palácios e castelos dos senhores governantes, tinham seus nomes, nos quais agora, nestes tempos modernos, diversas interpretações circularam. E eu não preciso lhe contar mais, para sua maior glória, que a Sociedade da MESA (Távola) Redonda foi o primeiro MASONEY e o mais antigo e do qual todos os outros têm sua origem.
E – A Távola Redonda? Isso remonta a uma antiguidade fabulosa.
F – Por mais fabulosa que seja a história do Rei Arthur, a Távola Redonda não é tão boa.
E – Mas sua fundação é atribuída ao Rei Arthur.
F – Não é assim. Nem mesmo de acordo com a lenda, nem Arthur, nem seu pai teriam herdado isso dos anglo-saxões, como a palavra MASONEY parece sugerir.
E que suposição é mais natural e lógica de que os anglo-saxões importaram para a Inglaterra os costumes de sua terra natal?
Nas tribos germânicas da época, percebe-se o carinho peculiar de se formar dentro da sociedade civil, outras menores da mais íntima confiança.
E – Você crê nisso?
F – Tudo o que agora conto a você, com leveza e sem a devida precisão, prometo prová-lo em minha biblioteca assim que retornarmos à cidade. Por enquanto, apenas me escute, como se recebesse as primeiras notícias de um grande evento, que é mais para incitar a curiosidade do que satisfazê-la.
E – Do que está falando?
F – Que o MASONEY era um costume alemão que os saxões transportaram para a Inglaterra.
Escritores ainda estão em desacordo sobre quem entre eles foram os MASE-THANES, e com toda probabilidade seriam os nobres da Masoney, que sendo profundamente enraizada, foi mantida durante as mudanças posteriores de vários governos e instituições, manifestando-se de tempo em tempo com todo esplendor.
Especialmente o Masoney dos … dos séculos XII e XIII gozavam de grande popularidade.
E um “masoney” foi aquele que tinha preservado o centro de Londres até o final do século XVII, apesar da abolição da Ordem, e aqui começa a era em que você nota a ausência da história escrita, mas em uma tradição bem preservada e que mostra tantas visões da verdade, disposta a reparar a falha.
E – E o que impede que esta tradição se eleve no status da história, através da manifestação de documentos escritos?
F – Impede? Não há nada que o impeça! Pelo contrário, a razão aconselha, e pelo menos eu me considero habilitado, e até mesmo obrigado, a revelar o segredo, tanto para você como para todos os outros que estão nessa circunstância.
E – Pois, então … estou na maior expectativa.
F – Bem, aquele “masoney” que ainda permanecia no final do século passado, conservado em Londres, mas na maior reserva, tinha seu ponto de encontro nas proximidades da Catedral de São Paulo, que então estava em construção.
O arquiteto disso, a segunda catedral do mundo foi …
E – Christopher Wren!
F – Você acabou de nomear o criador de toda a maçonaria atual no mundo …
E – Ele?
F – Wren, o arquiteto da Catedral de St. Paul, em cuja vizinhança conheceu um antigo Masoney de tempos imemoriais, era ao mesmo tempo um membro dela e o frequentou durante os mais de trinta anos que foram usados na construção daquele templo.
E – Eu começo a perceber o erro.
F – Nem mais nem menos! O verdadeiro significado da palavra Masoney tinha sido esquecido pelo povo inglês, e uma Masoney localizada tão perto de um edifício tão importante e onde o seu principal arquiteto foi muita frequência, o que mais poderia ser uma MAÇONARIA, ou seja, uma sociedade de homens versados ​​em arquitetura a quem Wren consultava e com quem ele discutia as dificuldades que lhe foram apresentadas?
E – Naturalmente!
F – O prosseguimento da obra de tal catedral interessava toda a Londres. Para adquirir notícias em primeira mão sobre o estado obra, aqueles que acreditavam possuir algum conhecimento de arquitetura estavam determinados a obter a admissão a esta suposta MAÇONARIA, mas seus esforços eram em vão.
Eu suponho que eles finalmente encontraram Wren pessoalmente e que ele era um ser muito talentoso e ativo.
Ele já havia participado na formação de um projeto de sociedade científica, cujo objetivo era: UTILIZAR E APLICAR NA PRÁTICA DA VIDA CIVIL, CERTAS VERDADES FILOSÓFICAS ESPECULATIVAS, e chegou a ideia do inverso desta sociedade, que NA PRÁTICA DA VIDA CIVIL, SE ELEVA A ESPECULAÇÃO FILOSÓFICA.
Lá, ele pensou, o que era verdadeiro seria examinado se fosse útil, e aqui o que era útil era verdade.
E se eu definisse algumas regras ESOTERICAS do masoney?
E se eu ocultasse sob os hieróglifos e símbolos do mesmo ofício, o que não pode ser definido esotericamente e estender o que pode se entender por Masoney como uma Maçonaria Livre, em que muito mais pessoas pudessem participar?
Ernst, o que há de errado com você?
E – Eu me sinto ofuscado.
F – Tem agora um pouco mais de luz?
E – Um pouco? Demasiado de uma só vez ..
F – Você entende agora?
E – Eu imploro a você, meu amigo, não continue! Não te chamaram em sua empresa na cidade?
F – Você me quer lá?
E – E se eu quiser? Você me prometeu!
F – Bem, eu tenho bastante coisa para fazer lá, e repito, que de memória talvez eu tenha expressado hesitação em muitos pontos, mas entre os meus livros você tem que ver e palpitar. O sol se põe e tenho que voltar para a cidade. Adeus!
E – Outro sol veio para mim. Adeus!

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FIM DO QUINTO DIÁLOGO

Monumento de Lessing (Berlim)

CONCLUSÃO

Com o texto de Lessing, observamos que já no século XVIII, havia uma forte crítica a James Anderson e sua descrição da origem maçônica, presente nas Constituições da Grande Loja de Londres. Talvez por estar na Europa continental, o texto não tenha ficado tão “famoso” quanto outros textos ingleses da mesma época, além de ir de encontro com a história de uma Grande Loja que naturalmente não queria ter sua origem questionada.

Lessing também nos apresenta uma interessante conexão da maçonaria com o famoso arquiteto e geômetra Inglês, Christopher Wren, também abordada por William Preston em suas Ilustrações da Maçonaria, fortalecendo assim, a origem operativa da maçonaria.

Wren, foi fundador e presidente da Royal Society of London for Improving Natural Knowledge no século XVII, instituição de desenvolvimento científico que muito contribuiu para a organização da maçonaria especulativa, pois sabe-se que entre os fundadores da Grande Loja de Londres, estavam diversos membros da Royal Society.

Wren, além de ter planejado a reconstrução de Londres após o grande incêndio de 1666, também tivera diversos trabalhos científicos em astronomia, óptica, o problema em medir a longitude no mar, cosmologia, mecânica, microscopia, medicina e meteorologia, sendo acompanhado por seus companheiros da Royal Society, entre eles, Isaac Newton e Robert Boyle, e também, sob influências do matemático e físico Blaise Pascal que era conhecido de Wren, mas que faleceu anos antes da fundação da Royal Society.
Notas
Picota – Pelourinho, é uma coluna de pedra colocada em local público de uma cidade ou vila, onde eram punidos e expostos os criminosos.
Em 1920, uma Grande Loja na Tchecoslováquia foi chamada de “A Grande Loja Lessing dos Três Anéis”. Os nazistas destruíram esta Grande Loja, pois Hitler não tolerava a Maçonaria. Havia apenas um grupo que os nazistas e os fascistas odiavam mais do que os judeus, eram os maçons.
Para baixar o arquivo com os “5 Diálogos para os Maçons (ou Ernest e Falk)” de Gotthold Ephraim Lessing, em alemão – Clique aqui -> Ernst-und-Falk-Original
Bibliografia
http://www.masoniclibrary.org.au/research/list-lectures/163-gotthold-ephraim-lessing.html




PEQUENAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O "3"



Para qualquer Maçon o número “3” tem uma relevância especial, pois este é um número cujo o seu carácter esotérico encontra presença na Arte Real.


O número “3” na sua forma numeral/sinal foi nos dado a conhecer pelos Povos Árabes que utilizavam esta sinalização. Mas existe a teoria de que a sua origem remonta à Índia e que fora conhecida pelos árabes através das suas incursões comerciais por terras do Extremo Oriente. O número “3” ao ser desenhado, ele é formado por três ângulos.


Por sua vez, na Escola Pitagórica, este número era tido em grande importância, mas não na sua forma numeral, mas antes na sua forma geométrica. E isto porque na Escola Pitagórica era estudada a Geometria e tudo o que em Natureza era análogo à relação entre ambas.


Mas o número “3” também representa a “Trindade”. Não uma trindade apenas, mas as várias trindades existentes, sejam elas de cariz religioso, social ou filosófico. E é quase sempre nesta forma que ele aparece à Luz profana.


Eis algumas de entre as várias trindades conhecidas:
A trindade Cristã: Pai, Filho e Espírito Santo.
A trindade Hindu: Brahma, Shiva e Visnhu.
A trindade Egípcia: Hórus, Ísis e Ósiris.
A trindade Cabalística: Kether, Chokmah e Binah.
A trindade Familiar: Pai, Mãe e Filho.
A trindade Alquímica: Nigredo, Rubedo e Albedo.
Os três Planos ou Dimensões: Material, Espiritual e Físico.
O Lema: Bem Pensar, Bem Falar e Melhor Fazer…


E por aí fora…


Sobretudo na Maçonaria (o mais relevante neste texto por razões óbvias) o “3” tem presença “obrigatória”, ou seja:
Nos três princípios Maçónicos: Liberdade, Fraternidade e Igualdade.
As três Luzes da Loja Maçónica: Venerável Mestre, Primeiro Vigilante e Segundo Vigilante.
As três Ordens Arquitectónicas Gregas usadas nas colunetas maçónicas: Dórica, Jónica e Coríntia.
As três qualidades maçónicas: Sabedoria, Força e Beleza.
Os três pontos usados nas Abreviaturas e Códigos Maçónicos.
A célebre frase latina que aborda a aprendizagem maçónica (na qual são citados os três principais sentidos): “Audi, Vide et Tace”.
O Triângulo Equilátero (também ele, símbolo da Divindade).
As romãs que se encontram sobre as Colunas que estão à entrada do Templo…


E principalmente nos seus deveres principais de um Maçom (outra manifestação da presença do “3”):
O respeito pelos Usos e Costumes da Maçonaria Regular,
A vontade em aprender, trabalhar e em progredir como Ser Humano,
e finalmente, o guardar absoluto silêncio do que assistir ou ouvir em sessão maçónica, principalmente nunca revelando a condição de um Maçom a profanos.


E desta forma simples, ficaram demonstradas algumas das formas com que o “3” nos aparece no nosso dia-a-dia…


Nuno Raimundo

O RITO DE INICIAÇÃO: UMA ABORDAGEM ANTROPOLÓGICA


O presente trabalho busca estabelecer alguns conceitos antropológicos para se analisar, em seguida, o rito de iniciação maçónico no R∴ E∴ A∴ A∴ como uma busca de apaziguamento da ânsia do sagrado que a humanidade vem procurando nos últimos tempos.
A Função Social do Rito

Um dos componentes fundamentais dos grupos e das sociedades humanas é o processo ritual. Os ritos e as cerimónias permeiam todo o grupamento social, desde as sociedades primitivas até as modernas sociedades pós-industriais. Os antropólogos contemporâneos afirmam que temos um comportamento ritual quando amamos e fuzilamos, quando nascemos e morremos, quando noivamos ou casamos, quando ordenamos e oramos. Os rituais revelam os valores mais profundos do comportamento humano e o estudo dos ritos tornou-se a chave para se compreender a constituição essencial das sociedades humanas.

Se o processo ritual é tão remoto quanto a própria criação do Homem, o estudo sistemático e científico dos ritos advém com a formação da antropologia no século XIX.

Estudam-se hoje os ritos como um fenómeno social que possui um espaço independente, isto é, como um objecto dotado de uma autonomia relativa em termos de outros domínios do mundo social, e não mais como um dado secundário, uma espécie de apêndice ou agente específico e nobre dos actos classificados como mágicos pelos estudiosos.

Esta autonomia relativa da antropologia foi conseguida a duras penas no processo de formação da própria antropologia. Os antropólogos ingleses, da época vitoriana, evolucionistas e etnocêntricos, estudavam os fenómenos mágicos e ritualísticos das sociedades primitivas como um meio, no fundo, de provar a superioridade biológica e cultural do europeu de então. Para os estudiosos da época, o ritual não surgia como algo socialmente relevante, pois nem mesmo o facto social existia conceitualmente como algo socialmente independente, como viria a ser descoberto pela sociologia de Durkheim posteriormente.

Para os antropólogos vitorianos, por desconhecerem o facto social, reduzia-se o mesmo às suas componentes biológica, psicológica ou geográfica.

Para os reducionistas biológicos, os fenómenos sociais ou antropológicos eram explicados como resultantes de tensões e caracteres raciais. O social submergia no biológico do mesmo modo que o diferente, o outro, desaparecia na sua história natural.

Na outra vertente, a do reducionismo psicológico do século XIX, o social liquefaz-se na vontade dos agentes individuais, vontade, depois projectada, por meio de um fiat obscuro para toda a sociedade. Segundo o antropólogo brasileiro Roberto da Matta, na apresentação do livro clássico de Van Gennep, Os Ritos de Passagem, “Tylor é um excelente exemplo desta posição (psicológica). Ele (Tylor) explica a origem da religião como uma especulação na crença da alma, especulação que nasce dos sonhos dos primitivos. Sonhando com tudo e principalmente com os mortos, os homens primitivos descobrem – diz Tylor – a noção de alma, de imagem, de duplo e assim constroem o domínio do ‘outro mundo’, o domínio do sagrado e do sobrenatural. Descobrem também, segundo o mesmo estudioso, que pode haver uma relação entre os dois domínios e procuram então controlar um pelo outro. Estaria agora fundada a estrutura mais elementar da religião: a crença em espírito e em almas e a condição necessária a esta crença, a divisão entre o mundo dos vivos e o dos mortos. Daí, como sabemos, o nome ‘animismo’ para designar a religiosidade básica e enganada do primitivo. Nesta perspectiva psicológica, que engloba estudiosos de Tylor e Frazer, o interesse é discutir o religioso nas suas formas mais primitivas, fazendo um corte evidente entre as religiões com tradição escrita (do Ocidente e, às vezes, das grandes civilizações) e a magia, forma de religiosidade vigente nos grupos tribais, selvagens e primitivos” (pg. 13).

A terceira variante explicativa era a do reducionismo geográfico ou ecológico. Reduzia-se, mais uma vez, o social à dinâmica dos climas, dos solos, das vegetações, do regime de chuvas e ventos. Presume-se que até mesmo o escritor brasileiro Euclides da Cunha, em “Os Sertões”, sofreu este reducionismo geográfico ao explicar o comportamento do sertanejo.

Todos estes três reducionismos – biológico, psicológico e geográfico – liquidam o social como um fenómeno específico de estudo. Contudo, a tomada do facto social como um fenómeno não explicável nem pela biologia, nem pela psicologia e muito menos pela geografia, nasce da tradição francesa de Comte e sobretudo pela sociologia de Émile Durkheim. Já não se trata aqui de subdividir o social para estudá-lo, fazendo dele um fenómeno individualizado e redutível a uma das suas partes, mas tomar o estudo da sociedade, partindo da sua totalidade. O social adquire então a sua feição contemporânea: são factos capazes de coagir e sobretudo de não serem redutíveis aos seus componentes geográficos, psicológicos, etc. Não se negam estes aspectos – biológico, psicológico e geográfico – do facto social ou cultural, mas não é isto que os faz socialmente significativos. Pela sociologia de Durkheim, somente quando se tornam socialmente significativos é que são levados em consideração.

O modelo a ser apresentado para a análise do ritual de iniciação maçónico não será contudo o de Durkheim, que escreveu sobre a magia e a religião, por ser o seu foco centrado na religião elementar, nas formas mais simples da vida religiosa, como também por apresentar uma polaridade rígida entre o sagrado e o profano.

O modelo escolhido será então o de Van Gennep, no seu famoso “Ritos de Passagem”. Este autor não toma mais o rito como um apêndice do mundo mágico ou religioso, mas como algo em si mesmo. Como um fenómeno dotado de certos mecanismos recorrentes (no tempo e no espaço) e também de certos conjuntos de significados, o principal deles sendo o de realizar uma espécie de costura entre posições e domínios sociais, pois a sociedade é concebida em Van Gennep como uma totalidade dividida internamente.

Se Durkheim percebe a sociedade composta de um sistema coercitivo de regras, sobretudo as regras penais e religiosas, com uma divisão interna entre o sagrado e o profano, Van Gennep concebe o sistema social como estando departamentalizado, como uma casa, com os rituais sempre ajudando e demarcando os quartos e as salas, os corredores e as varandas, por onde circulam as pessoas e os grupos na sua trajectória social.

Concebendo a sociedade como internamente dividida, Van Gennep introduz um dinamismo no mundo social que nem vitorianos nem durkheimianos foram capazes de reconhecer. Se a divisão clássica entre o sagrado e o profano é vista como cerne e raiz do mundo social, Durkheim trabalha numa perspectiva dualista do mundo, com um jogo do sagrado ao profano, do mecânico ao orgânico, como domínios fixos e mutuamente exclusivos. Em suma, Durkheim é um evolucionista de sequências duais e também um sociólogo dos pontos polares, jamais das margens e da posições mais confusas, quando a totalidade social não se encontra nem no polo do sagrado nem do profano.

Em Van Gennep, o sagrado e o profano são totalmente relativos, pois sempre haverá um lado mais sagrado dentro da própria esfera tomada como sagrada, o mesmo sendo válido para o profano. O sentido não estará equacionado a uma essência do sagrado (ou profano), mas na sua posição relativa dentro de um contexto de relações.

Van Gennep no seu “Ritos de Passagem” estuda diversos ritos, tais como: da porta e da soleira, da hospitalidade, da adopção, da gravidez e parto, do nascimento, da infância, da puberdade, da iniciação (que nos interessará mais de perto), da ordenação, do noivado, do casamento, dos funerais, das estações, etc.

Ele separa antologicamente os ritos em três grandes subdivisões: ritos de separação, ritos de margem e ritos de agregação. Segundo Van Gennep (1978, pg.31) “estas três categorias secundárias não são igualmente desenvolvidas numa mesma população nem num mesmo conjunto cerimonial. Os ritos de separação são mais desenvolvidos nas cerimónias dos funerais, os ritos de agregação nas do casamento. Quanto aos ritos de margem, podem constituir uma seção importante, na gravidez, no noivado, na iniciação, ou se reduziriam ao mínimo na adopção, no segundo parto, no novo casamento, na passagem da segunda para a terceira classe de idade etc. Se por conseguinte, o esquema completo dos ritos de passagem admite em teoria ritos preliminares (separação), liminares (margem), e pós-liminares (agregação), na prática estamos longe de encontrar a equivalência dos três grupos, quer no que diz respeito à importância deles quer no grau de elaboração que apresentam. Além disso, em certos casos, o esquema se desdobra, o que acontece quando a margem é bastante desenvolvida para constituir uma etapa autónoma. Assim é que o noivado constitui realmente um período de margem entre a adolescência e o casamento. Mas, a passagem da adolescência ao noivado comporta uma série especial de ritos de separação, de margem e de agregação à margem. A passagem do noivado ao casamento supõe uma série de ritos de separação da margem, de margem e de agregação ao casamento. Esta mistura é também verificada no conjunto constituído pelos ritos de gravidez, do parto e do nascimento. Embora procure agrupar todos estes ritos com maior clareza possível, não escondo que, tratando-se de actividades, não se poderia chegar nestas matérias a uma classificação tão rígida quanto a dos botânicos, por exemplo”.

Antes de terminar esta parte teórica convém tecer algumas considerações sobre o sagrado e o profano. Segundo ainda Van Gennep (pg.25) “toda sociedade contém várias sociedades especiais, que são tanto mais autónomas e possuem contornos tanto mais definidos quanto menor o grau de civilização em que se encontra a sociedade geral. Nas nossas sociedades modernas só há separação um pouco nítida entre a sociedade leiga e a sociedade religiosa, entre o profano e o sagrado… Entre o mundo profano e o sagrado há incompatibilidade, a tal ponto que a passagem de um ao outro não pode ser feita sem um estágio intermediário… À medida que descemos na série das civilizações, sendo esta palavra tomada no sentido mais amplo, constatamos a maior predominância do mundo sagrado sobre o mundo profano, o qual nas sociedades menos evoluídas que conhecemos, engloba praticamente tudo. Nascer, parir, caçar etc. são então actos que se prendem ao sagrado pela maioria dos seus aspectos… Se nas nossas sociedades a solidariedade sexual é reduzida ao mínimo teórico, entre os semicivilizados desempenha considerável papel em consequência da separação dos sexos nas questões económicas, políticas, e sobretudo mágico-religiosas… A vida individual, qualquer que seja o tipo de sociedade, consiste em passar sucessivamente de uma idade a outra e de uma ocupação a outra. Nos lugares em que as idades são separadas, e também as ocupações, esta passagem é acompanhada por actos especiais que, por exemplo, constituem, para os nossos ofícios a aprendizagem, e que entre os semicivilizados consistem em cerimónias, por que entre eles nenhum acto é absolutamente independente do sagrado. Toda alteração na situação de um indivíduo implica aí acções e reacções entre o profano e o sagrado, acções e reacções que devem ser regulamentadas e vigiadas, afim de a sociedade geral não sofrer nenhum constrangimento ou dano”.

Mircea Eliade (1958, pg.9), por sua vez, afirma que “a originalidade do homem moderno, a sua novidade com respeito às sociedades tradicionais, está precisamente na vontade de se considerar como um ser unicamente histórico, no desejo de viver num Cosmos radicalmente dessacralizado… Em certo sentido, podemos dizer que, para o homem das sociedades arcaicas, a História está fechada, esgotadas nuns quantos acontecimentos grandiosos do começo. Ao revelar aos polinésios, in illo tempore, as modalidades da pesca em alto mar, o herói mítico esgotou de uma só vez as possíveis formas desta actividade; desde então, cada vez que vão pescar, os polinésios repetem o gesto exemplar do herói mítico: imitam um modelo trans-humano”.

O homem moderno perdeu o contacto com o sagrado em muitas acções diárias. Frequentemente, viajamos dentro do país e ao exterior como factos absolutamente corriqueiros. Nas sociedades arcaicas, as viagens eram raras, e antes de viajar realizavam-se cerimónias de purificação (rito de separação) para que o viandante não se poluísse ao entrar em contacto com o estrangeiro. Ao chegar ao destino, o viajor poderia ou não ser recepcionado com um banquete (rito de agregação) que significava o seu ingresso noutra dependência do sagrado.

Contudo, por mais profanos que sejamos no mundo moderno, ainda mantemos os rituais, na maioria das vezes de forma inconsciente. Observe-se, por exemplo, as despedidas dos astronautas em Cabo Kennedy, momentos antes de partir em viagem de exploração. A cerimónia de despedida não deixa de ser um rito de separação, o tensionamento da viagem está inserido num rito de margem e quando a viagem é bem sucedida o retorno triunfal se insere num rito de agregação.

Visto esta parte mais conceitual, tenta-se agora aplicar tais conceitos vangennepianos ao rito de iniciação.
Análise do Rito de Iniciação

A ânsia do sagrado no mundo moderno também faz parte do ideário do Maçom que busca sair do profano em direcção ao sagrado.

Uma vez iniciado, o aprendiz evade-se um pouco de um mundo essencialmente profano e ingressa numa área um pouco mais sagrada, buscando alcançar o grau de companheiro, para finalmente atingir a plenitude maçónica. A senda em busca de apaziguar esta ânsia do sagrado prossegue nos altos graus e por que não dizer só termina com a morte. Todo este período, que vai da iniciação até a morte terrena, pode ser chamado de um rito de margem ou de liminaridade, pois o processo de aprendizagem e maturação só encontrará o seu final, para efeito de análise, na morte terrena. Dentro desse período de margem de longo prazo, assistir-se-á aos mais diversos ritos de passagem de um grau para o outro.

Esta análise somente levará em conta o período de iniciação propriamente dito. A cerimónia de iniciação será, assim, o rito de passagem do mundo profano ao mundo sagrado.

Vejamos a introdução e a preparação do neófito. Denota-se já aqui um rito de separação, pois o mesmo não é separado dos metais, talvez simbolizando o despojamento das suas riquezas do mundo profano? Nem nu nem vestido simbolizando o desnudamento das vestes profanas, como num ritual de separação, pedindo humildemente o ingresso no sagrado.

A venda dos olhos simboliza a morte de um órgão vital estratégico que deverá renascer num novo estágio de consciência compatível com um recinto mais sacralizado. A Câmara, o testamento, a prova da Terra seriam, mais uma vez, a morte do profano para um renascimento mais consciente em outra esfera do sagrado. Simbolicamente esta descida aos infernos ou pelo menos às profundezas da terra, como nos antigos mistérios greco-orientais, seria rito de separação para uma longa viagem.

As outras três provas, já no interior do templo, podem ser vistas como ritos de aprofundamento de passagem, de purificação crescente, agora defronte os altares da Beleza, da Força e da Sabedoria. Podem ser analisadas como ritos de margem neste vestibular espiritual para uma esfera mais sagrada. Neste processo de alquimia mental e espiritual estar-se-ia matando, homeopaticamente, o profano para o renascer, simbolicamente doloroso e ao mesmo tempo glorioso, do aprendiz tacteante.

E aqui socorremo-nos de Mircea Eliade (1958, pg. 12) quando diz que


“a maior parte das provas iniciáticas implicam de maneira mais ou menos transparente, uma morte ritual a que se segue uma ressurreição ou novo nascimento. O momento central de toda iniciação vem representado pela cerimónia que simboliza a morte do neófito e a sua volta ao mundo dos vivos. Mas o que volta à vida é um homem novo, assumindo um modo de ser distinto. A morte iniciática significa ao mesmo tempo o fim da infância, da ignorância e da condição profana”.

O baptismo de sangue significaria o começo de um ritual de agregação, algo que na Igreja Católica se chama de Comunhão dos Santos, isto é, o iniciante depois de purificado pelas provas começaria a participar, a ser agregado simbolicamente à comunhão de todos os maçons.

O juramento teria algo do rito de margem, pois o iniciante, já agora menos poluído pelo profano e mais ciente do sagrado, teria então os pré-requisitos mínimos para um juramento mais consciente.

O nascimento – o fiat lux – pode ser analisado como o nascer biológico do novo ser, um rito de agregação ao mundo da Luz e da comunidade dos irmãos, que, em seguida, é baptizado pelo ritual de iniciação propriamente dito. Nasce-se e imediatamente se é iniciado, sem perda de tempo, em suma, um rito sumário de agregação, a culminância do processo iniciático.

A passagem dos segredos de reconhecimento pode ser entendida como um reforço do ritual de agregação, um modo e um processo de comunicação rápido e instantâneo para melhor agregar a comunidade dos eleitos. Os aventais seriam, então, a nova vestimenta do sagrado para cobrir a nudez simbólica do ex-profano.

E por último, mas não menos importante, o banquete, que não fazendo parte directa da cerimónia do templo, insere-se num contexto de um ritual de re-agregação. Aqui, já se está de volta ao mundo profano, mas como alguém que circulou pela esfera do sagrado e volta ao mundo profano aureolado pela sacralidade. É como uma espiral; deu-se um giro de 360º, mas num outro nível, outro patamar; está-se no mundo profano mas como um ser consagrado.
Conclusão

A sociedade moderna assiste, cada vez mais, ao crescimento da onda avassaladora do profano em relação ao sagrado. Os núcleos de sacralidade são como pequenas ilhas no imenso oceano do profano. Tem razão Mircea Eliade (1958, pg. 9) quando afirma que “uma das características do mundo moderno é o desaparecimento da iniciação. De capital importância nas sociedades tradicionais, a iniciação é praticamente inexistente na sociedade ocidental dos nossos dias. É bem verdade que as diferentes confissões cristãs conservam, em diferentes graus, vestígios de um Mistério iniciático. O baptismo é essencialmente um rito iniciático; o sacerdócio implica uma iniciação. Não se deve esquecer que o cristianismo triunfou precisamente e chegou a ser uma religião universal senão por se ter liberado dos Mistérios greco-orientais, proclamando ser uma religião de salvação acessível a todos”.

Esta tendência secular de profanização da sociedade tem encontrado, contudo, nos últimos tempos, uma busca, por parte de alguns homens, de uma volta ao sagrado, ou um revolta contra o monopólio do profano, o que talvez tenha contribuído para que L. Kolakowski escrevesse o seu famoso ensaio em 1973: “A Revanche do Sagrado na Cultura Profana”.

Talvez se assista, no limiar do século XXI, a uma revivescência espiritual. As grandes religiões, que sempre foram matrizes de moralidade exotérica, estão em crise neste final do milénio, e estão sofrendo um processo crescente de profanização da sua cultura religiosa. A luta frenética de alguns fundamentalismos, principalmente os de base muçulmana, para barrar o processo de modernização, inevitável no mundo actual, é prova cabal. Na faixa esotérica, considera-se a Maçonaria como uma das mais poderosas alavancas do sagrado no mundo laico, que avidamente necessita dos eternos valores maçónicos.

A resultante da crise deverá ser, não a negação das ciências e das liberdades humanas mais fundamentais, não uma volta ao passado preconceituoso, supersticioso e retrógrado, mas a busca de uma nova moralidade, que incorpore as raízes profundas da Verdadeira Tradição, compatibilizando-a com a Liberdade e a Ciência.

E, neste momento, cremos profundamente que a maçonaria terá um papel de escol a desempenhar.

William Almeida de Carvalho
Bibliografia
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PIKE, Albert, Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry, Charleston, 1871.
TURNER, Victor, O Processo Ritual, ed. Vozes, Petrópolis, 1974.
VAN GENNEP, Arnold, Os Ritos de Passagem, ed. Vozes, Petrópolis, 1978.

VÍCIOS E VIRTUDES NA VISÃO MAÇÔNICA

Por Luiz Marcelo Viegas



INTRODUÇÃO


Durante o ritual de Iniciação, o Venerável Mestre pergunta ao iniciando:

– “Senhor, que entendeis por Virtude?“

– “Senhor, que pensais ser o Vício?” 

Após, dadas as devidas respostas e definições, o Venerável Mestre deixa a decisão e escolha ao livre arbítrio do profano ao lhe perguntar:

– “Senhor, preferis seguir o caminho da Virtude ou do Vício?”

Meus Irmãos, se aqui estamos todos, é porque escolhemos o caminho da Virtude e renegamos o caminho dos Vícios.

Mas, o que, mais profundamente, são vícios e são virtudes? Como eles afetam as nossas vidas e nossos relacionamentos? Por que eles existem? Como eles aparecem e se manifestam?

Procurando buscar estas respostas e entender o mecanismo de aparecimento desses vícios e virtudes em nossas vidas, é que pensamos em elaborar este trabalho que é sintético, visto que a complexidade do assunto requereria mais tempo de pesquisa, consulta aos especialistas e mais tempo de exposição. Para tal, buscamos respaldo na Filosofia, Teologia e na Psicologia para melhor entender estes mecanismos.
História / Filosofia

Somos seres relacionais, estamos sempre relacionando com os outros. Este ato relacional sempre foi motivo de preocupação e estudos de legisladores e pesquisadores, uma vez que ele estabelece a harmonia e o equilíbrio do grupo e da sociedade. E nós, meus Irmãos, sabemos muito bem que para a construção deste ser social é necessário desbastarmos as asperezas e arestas representados pelos nossos vícios e aspirarmos às virtudes, caminho que escolhemos para esta construção social.

O estudo das virtudes se iniciou com Sócrates, na Grécia antiga… Para ele, a virtude é o fim, o objetivo da atividade humana e se identifica com o bem que convém à natureza humana.

Platão, também na Grécia antiga, desenvolveu a doutrina de Sócrates e apresentou a virtude como o meio para atingir as bem-aventuranças. Foi ele que descreveu as quatro virtudes Cardeais: a Sabedoria, a Fortaleza, a Temperança e a Justiça.

Aristóteles, sempre na antiga Grécia, ensinou que as virtudes não são hábitos do intelecto, mas sim, da vontade. Para ele, não existem virtudes inatas, mas todas se adquirem pela repetição dos atos, que gera o costume (mos ou more) gerando o nome virtude moral. O homem atormentado pelo vício perde de vista seu fim moral.

A filosofia de Aristóteles é a que melhor trabalha a questão dos vícios e virtudes, pois ele sustenta que todos os atos do homem têm consequências e essas consequências têm que ser pensadas. Conforme ele, no tocante à ética, toda ação humana tende a um fim, que é fazer o bem. O homem deve aperfeiçoar-se naquilo que o distingue de todas as outras criaturas: a razão. Para Aristóteles, a virtude deve ser o ponto de partida das ações para se fazer o bem. Ele reforça a virtude moral como sendo aquela que guia nosso comportamento e nossos relacionamentos, sendo, portanto, uma virtude relacional.

Tornamos-nos justos praticando atos justos e para a prática destes atos justos, Aristóteles nos indica o caminho da “moderação”, sinônimo de “prudência ” e mesmo de “sabedoria”, a primeira das quatro virtudes cardeais. Moderação, porque, toda virtude, toda ação, todo sentimento ou conduta que praticamos, sendo deficiente (falta) ou excessiva (excesso) pode tornar-se um vício. Há vícios por falta e vícios por excesso. Também sentimentos e paixões tendem à falta (deficiência) ou ao excesso. A virtude é a moderação. Entre os extremos, situa-se a virtude num justo meio.

A questão levantada por Aristóteles é: qual é este justo meio? Por isto a Prudência tem um papel importante. Há uma relação de algumas virtudes e seus vícios decorrentes das deficiências (falta) ou excessos. Por exemplo:

VÍCIOS POR DEFICIÊNCIA                             VIRTUDES                     VÍCIOS POR EXCESSO
covardia                                                                coragem                         temeridade
insensibilidade                                                     temperança                     libertinagem
avareza                                                                 liberalidade                    esbanjamento
modéstia                                                               respeito próprio             vaidade
desavergonhado                                                   modéstia                         timidez
moleza                                                                  prudência                       covardia
rusticidade                                                            agudez de espírito          zombaria

Aristóteles preconizava a Prudência como qualidade que devem ter todos os chefes de família e todos os homens de Estado. Para ele, a Prudência é uma qualidade que, quando guiada pela verdade e pela razão determina nossa conduta sobre as coisas que podem ser boas para o homem.
Teologia

São Tomaz de Aquino, em sua Suma Teológica, reafirma a colocação de Aristóteles, ao dizer que a Prudência é uma virtude especial, distinta das demais, regendo todas as outras virtudes. Enquanto para Aristóteles as quatro virtudes cardeais são frutos do esforço humano, a elas os teólogos acrescentaram outra três virtudes, ditas teologais, que não originam do homem, mas são concedidas a ele como dom de Deus. Vamos rapidamente repassar estas virtudes, seus significados e suas representações nas artes.

VIRTUDES CARDEAIS

Prudência (Sabedoria): dispõe a razão para discernir em todas as circunstâncias o verdadeiro bem e escolher os justos meios para o atingir. Todas as outras virtudes devem ser reguladas por ela. É representada pela imagem refletida no espelho, simbolizando o homem prudente que pondera e reflete antes de agir. Modernamente tem significado “cautela”;
Fortaleza: assegura a firmeza de superar adversidades e de não retroceder, bem como a constância na procura do bem. Por isto, “a Paciência”, é uma virtude subordinada à Fortaleza e consiste na capacidade constante de suportar adversidades. É representada pelo Leão;
Temperança: virtude que consiste no constante aperfeiçoar da potencialidade sensitiva de modo a conseguir equilibrar, colocar sob limites, moderar a atração dos prazeres, assegurando o domínio da razão sobre os instintos e propiciar o equilíbrio no uso dos bens. Serve, por exemplo, para controlar a gula;
Justiça: consiste na atribuição, na equidade, no considerar e respeitar o direito e o valor que são devidos a alguém ou alguma coisa. É a constante e firme vontade de dar ao outro o que lhe é devido. É representada por uma estátua de Sofia, a Sabedoria, com os olhos vendados, representando a imparcialidade, e a espada, símbolo do poder que dispõe para exercê-la. Nalgumas representações há também uma balança, representando o equilíbrio, e a ponderação entre partes em litígio.
Virtudes Teologais
Fé: é o consentimento do intelecto que crê, com constância e clareza, em alguma coisa. Não se geste a fé dentro de si. Ou a tem, ou não. A fé é uma crença acompanhada de ações que dão testemunho de suas convicções. É representada pela cor branca;
Esperança: é a expectativa, a espera de algo superior e perfeito. Não é um produto de nossas vontades, mas sim de uma espontaneidade que se manifesta nos corações daqueles que têm fé. É representada pela cor verde;
Caridade: é a mãe de todas as virtudes. É a raiz de todas as virtudes, pois ela a bondade suprema para consigo mesmo e para com os outros. A caridade supera nossa natureza, pois graças a ela o homem avança além de si mesmo, além de suas exigências biológicas. A caridade é representada pela cor roxa.
“Qual a mais meritória de todas as virtudes?”

Perguntam a Allan Kardec. E ele responde:

– “É aquela que se baseia na caridade mais desinteressada”.

O apóstolo Paulo, ao descrever o arco-íris do Amor, nos adverte: “permanecem a fé, a esperança e a caridade. Destas, no entanto, a caridade é a maior.”

Da mesma forma que os teólogos estudaram as virtudes, eles também se ocuparam de catalogar os vícios. Um monge da Idade Média, preocupado com as tentações da alma humana, catalogou os vícios em número de oito. O Papa Gregório Magno as reclassificou em número de sete, para que pudessem ser a contraposição das sete virtudes, e as chamou de “sete pecados capitais”, assim chamados, pois geram outros vícios. Estes pecados ou vícios são, portanto, uma interpretação dos cristãos da Idade Média feita a partir da Bíblia, já que não fazem parte das Sagradas Escrituras e sim, da tradição e doutrina cristã. Contudo em Provérbios, há um texto que diz:

“Seis coisas detesta Javé e sete lhe são abominação: olhos altivos, língua mentirosa,mãos que derramam o sangue inocente, coração que maquina planos malvados, pés que correm para a maldade, testemunha falsa que profere mentiras, e o que semeia discórdia entre irmãos.”

Como citado acima, estes vícios ou pecados eram as tentações que afligiam a alma humana. Procurou-se descrevê-los e mesmo catalogá-los, sem, contudo, entender suas causas e os mecanismos que os desencadeia. Hoje, com o avanço da ciência, da Psicologia e da Psiquiatria, estes mecanismos podem ser melhores conhecidos e suas causas trabalhadas e debeladas. Afinal sobre Freud se escreveu que ele “lançou seu bisturi nos horrores da alma”.
Psicologia

Para algumas vertentes da Psicologia, esses pecados capitais ou vícios, servem de base e referência para quem busca trilhar o caminho do autoconhecimento. Para enfrentá-los, é preciso conhecê-los e seus mecanismos de formação.

PECADOS CAPITAIS

Inveja: É uma das emoções mais primitivas do homem, geralmente negada por todos. Este mecanismo, responsável pelos nossos ressentimentos é o mecanismo da comparação. Nunca haverá inveja sem que antes tenha havido uma comparação. É um sentimento de inferioridade, fruto desta comparação que se faz com o outro, em algum aspecto específico, como bens materiais, sucesso na vida, beleza, e diversas outras qualidades. É um sentimento que mistura raiva e tristeza. E também pode se manifestar em um forte desejo que o outro se dê mal. Ao se sentirem menores que o os outros, geralmente as pessoas tendem a se aumentar, vangloriar, se enaltecer, como um mecanismo de defesa, para tentar evitar o mal-estar deste desequilíbrio na comparação. Também quando se critica em demasia, diminui ou se fala mal de alguém, provavelmente se está sentindo inferior a ela. “Olho gordo” também é sinônimo de inveja.

A inveja é a incapacidade de se ver a luz das outras pessoas, porque na verdade não nos percebemos com esta mesma luz. O que há de negativo na inveja é a rejeição, em algum momento, de seu próprio tamanho e sua incapacidade de acreditar ser capaz de também conseguir. Por isto, se a pessoa possui autodomínio, autoconhecimento, ela vai usar esta situação como motivação, alavancagem, para ações transformadoras em sua vida.

Ira: A ira é a indignação descontrolada da cólera, raiva e desejo de vingança. São emoções destrutivas tanto para quem a sente quanto para quem se torna objeto delas. Ao longo de sua existência, o homem conseguiu controlar sua agressividade através da razão. A agressividade gerada pela ira demonstra a incapacidade de raciocinar. Pode estar associada a fatores inconscientes, como traumas de infância, falta de amor ou mesmo incapacidade de amar. O que os psicólogos aconselham para extravasar e aliviar as crises de ira: surrar colchões ou travesseiros, imaginar que a outra pessoa está a sua frente e lhe dizer tudo que sente, entre outras coisas. Quanto mais se busca o autoconhecimento, melhor se domina as crises de ira. Não deixe que o outro determine seu nível de humor, seja dono de você mesmo.

Gula: Pode ser entendida como uma forma de fuga de problemas, dificuldades e sentimentos, bem como, forma de compensação para se proteger, por exemplo, de excesso de sexualidade no caso de algumas mulheres que se reprimem. A ansiedade também pode provocar a busca compulsiva por comida. Ao se devorar compulsivamente a comida, tenta-se, inconscientemente, destruir o problema. Pode se formar um círculo vicioso: come-se em excesso, para fugir do que se sente; depois se culpa por isto, se pune, comendo ainda mais. Hoje em dia se fala muito em bulimia, que são transtornos alimentares caracterizados por compulsões alimentares, seguidos de comportamentos compensatórios inadequados como o vômito. Então está claro que o que se queria colocar para dentro não era a comida, senão não precisaria de se livrar dela. O mais recomendado para evitar os excessos que a gula pode gerar, é descobrir o que está levando a pessoa àquela situação e lidar com ela com a consciência de que as suas necessidades estão muito além de comer, beber, ter poder: sua maior necessidade é ter amor por si mesmo.

Avareza: A palavra vem do latim “avere”, ter. Avareza é o excessivo e sórdido apego ao dinheiro, falta de generosidade e mesquinhez. A avareza geralmente gera outras atitudes negativas: falsidades, mentiras, fraudes, sempre na tentativa de enganar os outros para lucrar mais. Gera também a desumanidade derivada do excesso de apego e a inquietude e preocupação em sempre ganhar mais, isto é, aniquila qualquer paz de espírito. Ela está relacionada ao medo de faltar, à carência. Geralmente tem origem na infância, principalmente quando se passou privações, principalmente alimentares, ou se a criança associou dos pais ou dos adultos que o dinheiro compra tudo, dinheiro traz felicidade. A avareza é o produto de uma necessidade que se encontra na “psiquê”, na mente humana. Ela tenta disfarçar o conflito com a busca de bens, mas nunca consegue suprir a sensação de carência, fazendo com a pessoa sinta uma insatisfação constante. Na realidade, a avareza é a falta de contato com nosso próprio mundo interior, buscando incessantemente o que é exterior, tentando compensar o vazio que tem dentro de si. Jung, um dos pais da psiquiatria, relata que para este problema a solução é buscar um sentido para a vida. Somente quando o homem tomar conhecimento de seu próprio mundo interior, poderá deixar a doentia preocupação com o exterior. E um bom sentido para a vida pode ser o socorro às necessidades dos mais carentes, através de gestos concretos de caridade.

Luxúria: Luxúria representa o desejo desordenado pelos prazeres sexuais. Apesar de ocorrer também em mulheres, é mais uma característica dos homens. Procura-se compulsivamente satisfazer as próprias necessidades sexuais, não se importando com a satisfação da parceira. Sua origem pode estar na infância, quando os pais reprimem a criança de todo e qualquer impulso sexual. Estes pais geram, através da repressão, muita culpa e criam, assim, adultos reprimidos sexualmente ou liberados excessivamente. Do ponto de vista psíquico, a mulher dá mais valor ao amor e à intimidade do que ao sexo, ao contrário do homem que valoriza mais este último, fugindo do amor e da intimidade. E isto é uma das principais fontes de conflitos entre casais. Vivemos hoje a cultura da beleza, da aparência, da estética, do prazer. A mídia mostra isto o tempo todo. O apelo sexual entra em nossos lares, sem a nossa permissão, pela televisão, tornando-se um padrão de referência para nossos filhos…

Ora, se a vontade e a razão obedecem apenas ao prazer, a pessoa passa a buscar somente o que lhe dá prazer. E se vicia no prazer. Perde os valores espirituais e muitas vezes também os valores morais. O autoconhecimento, e, em conseqüência o crescimento emocional podem retomar o equilíbrio e restabelecer a capacidade de amar ao outro.

Preguiça: É a pouca ou falta de disposição ou aversão ao trabalho, demora ou lentidão para fazer qualquer coisa. É um sentimento que faz com que as pessoas desqualifiquem os problemas e as possibilidades de solução. Não é somente física, mas também mental; preguiça de pensar, de analisar e ponderar. Geralmente o preguiçoso usa o bordão: “deixa para depois”. São pessoas que não conseguem administrar o tempo, adiam compromissos, decisões e até mesmo simples afazeres rotineiros, comprometendo o resultado esperado. Na verdade ocultam uma insegurança exagerada sobre sua própria capacidade de agir, isto é, falta-lhes a autoconfiança. Utilizam-se do desânimo e do esquecimento como estratégia para fugir da necessidade de enfrentar a tarefa que lhes cabe. É como se estivessem imobilizados perante a vida. Somente com a pressão de outros e um trabalho profundo de conscientização, é que poderão sair deste estado de letargia.

Soberba: É o desejo destorcido de grandeza. A soberba leva o homem a desprezar os superiores e desobedecer as leis. Tem ligação com ambição desmedida, que é a cobiça, com a vanglória, a hipocrisia, a ostentação, a presunção, a arrogância, a vaidade, o orgulho excessivo, um conceito exagerado de si mesmo e, por fim, com a sede de poder. A soberba acarreta muitos conflitos nas relações pessoais, pois o soberbo, busca manter o controle, criticando, manipulando e dominando o outro com forma de poder. Ele precisa fazer com que o outro se sinta diminuído para que ele se sinta superior. Geralmente as pessoas acometidas pela soberba usam disto como uma máscara para compensar a falta de autoconfiança, falta de amor próprio, vazio interno, sensação de desamparo, provavelmente adquiridos na infância quando não encontraram este amparo nos adultos com quem conviviam. A soberba está muito distante da humildade, característica básica de quem possui autoconhecimento. Infelizmente algumas pessoas só percebem esse comportamento no fim de suas vidas, muitas vezes num leito de hospital, quando pouco ou nada se pode fazer para reconstruir o que destruíram nos outros e em si mesmo.

Para teólogos de várias religiões, a soberba é um pecado específico, uma forma básica de pecado. Os demais pecados podem encontrar uma explicação biológica ou psicológica, pois podem ser movidos pelo instinto de sobrevivência do homem, e mesmo dos animais. Mas soberba não encontra uma explicação nem biológica, nem instintiva. Ela não é percebida no comportamento do animal, por exemplo. Só o homem desenvolve a vaidade e a soberba. Ela foi, por exemplo, o pecado de Adão, que teve a ambição de se tornar Deus.

É preciso desenvolver a consciência de que seu valor como pessoa independe da posição que ocupa ou dos bens que possui e que somos seres humanos em constante processo de evolução.

Perguntaram a Allan Kardec qual era o vício mais radical e ele respondeu:

– “O egoísmo. Dele deriva todo o mal. No fundo, em todos os vícios existe o egoísmo. Nele se encontra a verdadeira chaga da sociedade”.
Conclusão

A Maçonaria conclama todos os Irmãos a desempenhar o glorioso papel de construtor social. Somos recebidos Pedras Brutas, para que, em nosso ser moral, desbastemos as arestas e asperezas e nos tornemos elementos úteis à construção deste edifício social que a ela compete erigir. Estas arestas, asperezas, são os vícios que atrapalham esta convivência relacional, e impedem a construção desta sociedade moral. Algumas destas asperezas são de difícil desbaste, mas as virtudes da Fortaleza e da Paciência por certo as removerão. Por isto nos reunimos em Loja, para levantar templos à Virtude e cavar masmorras ao Vício. A Maçonaria nos conclama a praticar a virtude, a pautar nossas ações pelas virtudes. Por isto, conhecendo nossa condição humana, nos adverte a não abusarmos de nossas próprias fraquezas e muito menos do enlevo de nossas vaidades, pois o mal e a tentação estão por todas as partes. Mas por todas as partes também está o bem e estão os bem-aventurados homens de boa-vontade. Portanto, direcionemos todas as nossas ações para o bem.

Hoje em dia outro tipo sorrateiro de vício toma conta da sociedade, invadindo os nossos lares fazendo de nossos filhos, seus reféns. São os chamados “vícios sociais”, causados pela dependência química do álcool, do fumo e das drogas. A droga é hoje o câncer que corrói a nossa sociedade. Basta vermos nos meios de comunicação, diariamente, o quanto ela destrói vidas, destrói lares e mobiliza todo um aparato policial para tentar contê-la. Por isso que é oportuna e louvável a campanha da Grande Loja Maçônica de Minas Gerais, conclamando a todos nós a engajarmos nesta luta.

Estas reflexões sobre virtudes e vícios visaram conhecermos melhor nossos instintos mais primitivos, nossas sombras, o lado escuro que todos nós temos, mas que é possível, através da conscientização e do autoconhecimento, colocarmos luz onde só era escuridão.

Afinal, meus Irmãos “não somos nós que deixamos os vícios; são eles que, desprovidos de nossa atração, nos deixam”.

Autor: Sílvio Maria de Abreu
ARLS Obreiros da Verdade nº 52- GLMMG