sexta-feira, 2 de setembro de 2016


O FIO DE PRUMO


Pesquisa: José Roberto Cardoso



Na abertura do Livro da Lei, no Grau de Companheiro Maçom, lemos o seguinte versículo:

                                                              “Assim me fez ver : Eis que o Senhor estava de pé sobre um muro e Iahweh me disse: Que vês, Amós? Eu disse: Um fio de prumo. O Senhor disse: Eis que vou pôr um fio de prumo no meio do meu povo, Israel, não tornarei a perdoá-lo” (Am 7:7-9)

Mas por quê esse texto foi escolhido?

Primeiro precisamos saber quem foi Amós e na sequência teremos os motivos pelos quais a Maçonaria adotou este versículo.

Todos sabemos que a doutrina maçônica está assentada na filosofia judaico-cristã.

Amós foi um dos 12 profetas menores do Antigo Testamento e autor do Livro que leva o seu nome. Nasceu em Tecoa, cidade a cerca de 20 Km, nos limites do deserto de Judá, a Sudeste de Belém e faleceu no ano de 745 a. C.. Também era um homem de família humilde.

O “Profeta” Amós foi o introdutor do monoteísmo universal e criticava no seu livro, a hipocrisia religiosa, os costumes impuros e a corrupção no governo. Amós pedia para o povo estudar para deixar de serem escravizados, para purificarem suas mentes com a prática da virtude, aplicando as tradições dos antepassados para o retorno à estrutura de um povo forte e respeitado (essa crítica era dirigida, na época, principalmente a Judá e Israel). Amós era um cultivador de sicômoros[1], árvore que servia para a construção. Ele anunciava que os muros dos Templos, dos Tribunais e das casas dos hebreus iriam todos cair, pois foram construídos sem as ferramentas que lhes conferem a devida estabilidade. Conhecimento que foi esquecido por preguiça ou por soberba. Aqui, o prumo aparece como símbolo de retidão moral e intelectual. Amós deixa claro a imperdoável falta cometida pelo povo de Israel.

Amós era um “no·qedhím”, ou seja, “criador de ovelhas”, e a presença dessa palavra só ocorre em mais um lugar na Bíblia (2Rs 3:4), e está relacionada com naqqad, palavra árabe para uma raça especial de ovelhas, um tanto desgraciosa, mas de grande valor, por causa do seu velocino[2]. Lá naquela região selvagem, Amós também se empenhava em trabalhos servis temporários como riscador de figos de sicômoros, uma variedade considerada alimento apenas para os pobres. O costume de riscar ou pungir os figos destinava-se a apressar seu amadurecimento, e aumentar o tamanho e a doçura dos frutos. — Amós 7:14;

Semelhante ao pastor Davi, que foi chamado ao serviço público por Deus, assim também “Jeová passou a tomar [Amós] de atrás do rebanho”, e fez dele profeta. — Am 7:15.

Da solidão do ermo no Sul, Amós foi enviado ao idólatra reino de dez tribos, no Norte, com sua capital Samaria.

Amós começou sua carreira como profeta dois anos antes do grande terremoto que ocorreu no reinado de Uzias, rei de Judá. Ao mesmo tempo, Jeroboão II, filho de Joás, era rei de Israel. (Am 1:1) Por conseguinte, a profecia de Amós se situa em algum tempo do período de 26 anos, de 829 a cerca de 804 AEC, quando os reinados destes dois reis, de Judá e de Israel, coincidiram. O grande terremoto, que ocorreu dois anos depois de Amós ter sido comissionado como profeta, foi de tal magnitude que, quase 300 anos depois, Zacarias fez menção especial dele. — Za 14:5.

É incerto por quanto tempo Amós serviu qual profeta no reino setentrional. Amazias, o iníquo sacerdote adorador de bezerros, da religião estatal centralizada em Betel, tentou expulsá-lo do país, à base de que ele era uma ameaça para a segurança do estado. (Am 7:10-13) Não se revela se Amazias teve êxito nisso. De qualquer modo, ao se cumprir a missão profética de Amós junto a Israel, ele presumivelmente voltou ao seu território tribal nativo de Judá. Jerônimo e Eusébio relatam que o sepulcro do profeta, nos dias deles, estava localizado em Tecoa. Também parece que, depois de retornar a Judá, Amós assentou por escrito a profecia que de início fora proferida oralmente. Ele é com frequência chamado de um dos 12 profetas “menores” (seu livro sendo catalogado em 3. ° lugar entre os 12), todavia, a mensagem que proferiu de modo algum é de pouca significância.

O seu ministério foi exercido no século VIII a. C. durante os reinados dos Reis Uzias (ao sul de Israel) e Jeroboão II (ao norte de Israel). Sua obra foi marcada por uma profunda crítica social e religiosa. Ele denunciou a desigualdade social de seu tempo, bem como o uso idólatra da religião, transformada em mero instrumento que serve à alienação e usada como fachada para a iniquidade.

O Profeta Amós é um revolucionário, um socialista de seu tempo que não se deixou levar pelas aparências de uma época marcada sobretudo pela prosperidade material. Contudo, mesmo com abundância, o povo de Israel passou por uma profunda inversão de valores, deixando-se levar pela soberba, ganância, luxúria e todo tipo de perdições.

Dessa forma, a obra de Amós é caracterizada pela crítica ao enriquecimento da sociedade à custa dos pobres; ao suborno e corrupção de juízes nos tribunais; à opressão, violência e à escravidão dos pobres; ao comportamento das mulheres ricas, que para viverem no luxo, estimulavam seus maridos a oprimirem os fracos.

No que toca à religião, Amós denuncia seu caráter meramente ritualístico e vazio. Assim ele diz em seu livro: “eu odeio, eu desprezo as vossas festas e não gosto de vossas reuniões. Porque, se me ofereceis holocaustos não me agradam as vossas oferendas e não olho para o sacrifício de vossos animais cevados. Afasta de mim o ruído de teus cantos, eu não posso ouvir o som de tuas harpas! Que o direito corra como água e a justiça como um rio caudaloso.

E dentro desse contexto de críticas, Amós, na terceira parte de seu livro, relata cinco visões, sendo que a terceira delas interessa de forma particular à maçonaria. Trata-se da visão do fio de prumo. No capítulo 7, versículos 7 e 8, Amós assim relata: “Assim me fez ver: Eis que o Senhor estava de pé sobre um muro e tinha sobre a sua mão um fio de prumo. E Iahweh me disse: Que vês Amós? Eu disse: Um fio de prumo. O Senhor disse: Eis que vou por um fio de prumo no meio do meu povo, Israel, não tornarei a perdoá-lo”

Ora, é o Senhor mesmo Quem estava sobre o muro na visão de Amós. E o prumo que segurava em Suas mãos é altamente revelador. Ele revela nossa intrínseca tortuosidade, nosso desalinhamento e desequilíbrio moral.

Da mesma forma como o pedreiro se utiliza do prumo para procurar falhas na obra em que se debruça, assim se dá quando Deus coloca seu prumo em nossas vidas, fazendo aparecerem todas as falhas, todas as misérias escondidas em nossos olhares dissimulados, em nossas palavras vazias e em nossas ações e omissões egoístas.

Mas o que é este prumo de Deus em nossas vidas? Será a Bíblia (ou qualquer outro livro sagrado, ou doutrina que seguimos?). Será nosso caminho pessoal? Os padrões sociais e políticos de nosso tempo? Nossa consciência?

A Ordem Maçônica tenta nos mostrar qual será este prumo na vida particular de cada maçom, transmitindo por meio de alegorias e símbolos antigos mistérios que podem ser traduzidos em retidão moral e bons costumes para aquele que de fato os persegue em seu íntimo construtor.

Mas há um fato curioso nesta passagem. Nem mesmo Deus julgou aleatoriamente o seu povo. Antes disso, Ele passou sobre nós o seu prumo sagrado, para que toda falha fosse posta às claras. Assim, não cabe ao Homem passar seu prumo particular na parede alheia, achando-se ridiculamente capaz de medir os erros de seu irmão com a medida própria. Não cabe em nós tamanho amor para realizar essa tarefa de sublime construção da alma do nosso próximo. Isto é assunto entre o Pai e seu filho, porque no prumo do homem há juízos e preconceitos, medidas diferentes alicerçadas na miséria de nossa alma. Mas o prumo de Deus contém a dádiva do arrependimento e a certeza da retidão no amor maior de sua caridade.

O prumo de Deus revela nossos pecados à luz do dia, não deixando nada a coberto. E ao lança-los à luz, Ele espera de nós tão-somente humildade e trabalho para quebrarmos nossos tijolos mal assentados e recomeçar nossa obra fundada na promessa de que O seguindo encontraremos pela frente apenas consequências do Amor.

Na caminhada do Companheiro Maçom, durante seu aprendizado é fundamental a prática da virtude. Virtude se reflete na tolerância em relação às opiniões alheias, na fraternidade para com os indigentes, no socorro aos que sofrem, no consolo aos aflitos e na instrução aos ignorantes. O prumo simbolizando a elevação do espírito do ser humano, representa a reunião de todas as virtudes onde a Justiça forma o sustentáculo de toda uma sociedade democrática e igualitária – um fim que Amós buscava com suas pregações/críticas na época, ao povo de Israel. Convém lembrar que, na passagem bíblica que representa a abertura da Loja no Grau de Companheiro, o prumo encontra-se na mão de Deus e não nas mãos do profeta, de onde podemos concluir que, como Companheiro devemos colocar o prumo em nossas vidas para que possamos perceber nossas falhas e então, corrigi-las, e não se fazer de prumo e iniciarmos o questionamento de outros irmãos quanto ao seu desvio de conduta. “A função do prumo na Maçonaria não é revelar falhas ou defeitos para arrastar-nos a Juízo e desespero. A função do prumo é revelar falhas e defeitos, para que possamos renascer a cada dia, lapidar a pedra bruta que somos e encontrar a verdade, a justiça e a perfeição”


[1] Sicômoro - Ficus sycomorus, conhecida pelos nomes comuns de sicómoro, sicômoro ou figueira-doida, é uma espécie de figueira de raízes profundas e ramos fortes que produz figos de qualidade inferior, cultivada no Médio Oriente e em partes da África há milénios.
[2] Velocino = a pele do carneiro, da ovelha, do cordeiro recoberta com sua lã; velo.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

DEUS “NÃO JOGA DADOS”

Autor: João Anatalino


O bem e o mal

Em termos de cosmologia o discurso científico não deixa de conter certo esoterismo e na mística contida no discurso esotérico também podemos encontrar fumos de ciência. Isso porque a matéria bruta é feita de átomos, os átomos se juntam para formar compostos e os compostos constituem a maior parte da matéria universal.

Igualmente a matéria orgânica se forma a partir de células que se juntam para formar moléculas e estas se reúnem em sistemas. Todos com seus domínios e funções, da mesma forma que cada vida, humana ou animal, tem o seu domínio, sua função e sua missão na estrutura do universo. No imenso do espaço cósmico e no ínfimo do núcleo atômico da matéria, fundem-se os domínios da física com os da metafísica para nos dar a compreensão de como o universo funciona e como ele está sendo construído. É uma verdadeiraCosmogênese que se processa, segundo um plano e uma finalidade que talvez nunca cheguemos a compreender, mas que é possível entrever nas leis que regem a formação dos corpos materiais e do próprio fenômeno da vida.[1]

A natureza não faz nada que não seja absolutamente útil. A menor partícula existente na matéria universal cumpre papel extremamente importante nessa formidável rede de relações em que vai se tornando o universo físico que saiu do Big-Bang. Essa rede de relações parece obedecer á um plano extremamente lógico, como se ela estivesse sob o comando de uma Mente Universal que tudo planeja e controla. 

Ás vezes temos a impressão de que todos os eventos universais acontecem aleatoriamente, como em um jogo de dados. [2]

Mas isso é porque, do nosso limitado campo de visão, nós só temos a perspectiva do imediato. Se nos fosse dado o privilégio de ver todos os desenhos futuros que o tecido universal assumirá, ou no passado todos que já assumiu, então a nossa preocupação seria apenas a de procurar entender o nosso papel nesse processo. Pois, como bem expressa Teilhard de Chardin,nós somos o ápice momentâneo de uma Antropogênese, que por sua vez, coroa uma Cosmogênese, ou seja, somos a espécie mais elaborada que o fenômeno da vida produziu, até agora, dentro de um projeto de vida cósmico, elaborado pela Mente Universal.[3]

Conscientes desse processo, podemos evitar ações que possam causar “defeitos” na urdidura desse tecido, pois embora o universo tenha mecanismos de recomposição para todos os desequilíbrios que nele são gerados, qualquer ação que viole os princípios de organização e desenvolvimento postos na natureza sempre exige um custo maior em dispêndio de energia para realizar uma recomposição. Essa é noção que a Cabala nos dá sobre a finalidade dos conceitos do bem e do mal. O bem é a ação que concorre para realizar a ordem cósmica; o mal, o seu contrário. É nesse mesmo sentido que a Maçonaria ensina: “a virtude é uma disposição da alma que nos induz a praticar o bem, e o vício é o hábito desgraçado que nos arrasta para o mal”.[4]


Ciência e religião

Os livros sagrados de todas as religiões do mundo, sejam elas “reveladas” ou frutos da especulação que o homem faz em busca de uma realidade que está além da sua própria sabedoria, sustentam que o universo começou pela ação de uma Divindade, que de alguma forma, deu início ao mundo, tal como o vemos.[5]

A Bíblia, por exemplo, que é a fonte mais conhecida de uma religião revelada, diz que Deus fez todas as coisas tirando a luz das trevas. E quando viu que a luz era boa, Ele fez o restante do universo com ela. Para os cientistas, como já vimos, o universo teve início com a explosão de um “campo” carregado de energia, há cerca de uns quinze bilhões de ano atrás. Essa explosão, que pode ser vista ainda hoje, liberou “quantas” de energia, em forma de luz. Nesse sentido, luz e energia são sinônimos do mesmo fenômeno, constituindo aquilo que Teilhard de Chardin chama de “estofo do universo”. [6] 

Assim, ciência e religião, no fundo, dizem a mesma coisa: Deus é luz, o mundo foi feito de luz, todas as coisas existentes no universo são condensações de energia luminosa. Inclusive nós mesmos. Por isso temos um espírito, que também é pura luz. E conforme nos ensina a Gnose, a nossa alma é uma centelha de luz (ou energia) presa em um invólucro material. E de uma forma ou de outra, usando diferentes figuras de linguagem, todas as doutrinas trabalham com esse mesmo princípio: a de que somos uma massa corpórea animada por alguma forma de energia. 

Essa é uma interessante concepção que nos dá muito que pensar. Mas ela só pode ser expressa através de símbolos, metáforas e analogias. A mente humana cria figuras de linguagem para descrever realidades que a nossa intuição sabe que existem, mas não consegue descrevê-las porque o sistema de comunicação que desenvolvemos não tem elementos suficientes para fazer uma exata configuração delas. 

Na verdade, o que seduz tanto os místicos quanto os cientistas é a ideia de que toda a matéria universal tem sua origem em uma forma de energia. No principio do universo ─ nisso tanto a religião quanto a ciência concordam ─, existia apenas a energia da grande explosão do Big-Bang. Nesse estágio embrionário do Cosmos, aquilo que chamamos de massa ainda não havia se formado. Nada tinha peso ou qualquer outra qualidade que pudesse ser identificada como matéria. Todos os corpos que existem, existiram e existirão eram somente uma coleção de partículas subatômicas dispersas, movendo-se à velocidade da luz. Um certo tipo dessas partículas (fótons, elétrons, neutrinos) formavam uma espécie de oceano invisível, um campo energético de infinita radioatividade. Foi na interação com esse “oceano” que certas partículas, como os quarks (que formam basicamente toda a matéria universal, inclusive o nosso corpo), adquiriram massa e vieram a se tornar o que conhecemos como universo físico.[7]

Na força que os quarks fazem para atravessar esse oceano oleoso, dizem os cientistas, é que a massa física do mundo acaba sendo gerada. Isso significa que sem esse “oceano primordial” não haveria matéria. Mais ou menos como diz a Bíblia: “No princípio, ao criar Deus os céus e a terra, a terra era sem forma e vazia, e havia escuridão sobre a face do abismo, e o espírito de Deus pairava sobre a face das águas.”[8]


O que diz a Cabala

Cientista é um bicho teimoso. Não importa que sua teimosia seja chamada de pragmatismo, racionalismo, positivismo ou qualquer outro nome que se queira dar a essa mania de buscar prova material para tudo. E para isso leva anos e anos pesquisando e gastando milhões de dólares em recursos para tentar provar aquilo que o espírito humano já sabe desde que o primeiro homem experimentou a sua primeira reflexão: que Deus existe e que é Ele, seja lá o que Ele for − uma entidade ou uma forma de energia − que dá existência a toda realidade cósmica.
Galáxias, estrelas, planetas, asteroides, tudo são condensações de energia, presas por um vínculo de união e organizadas segundo um padrão de estabilidade. Como disse o físico Heisenberg, se a gravidade fosse retirada do universo, a luz também desapareceria e o mundo desabaria sobre si mesmo.[9]

Por seu turno Hawking nos mostra que no universo existem duas forças que regem a sua formação: a força da expansão, que faz com que o universo se expanda na velocidade da luz e a força da contração, que faz com que as massas cósmicas se agrupem e formem os sistemas planetários. Essas duas forças se traduzem em duas leis: a relatividade e a gravidade. Assim, o que hoje se descobre nos laboratórios já estava presente na intuição dos taumaturgos e pensadores do passado. Bastaria uma consulta ao Zhoar, para ver que a descrição do Big-Bang já estava lá com todas suas cores: “No início, quando a vontade do Rei começou a ter efeito, Ele imprimiu signos na esfera celeste. Uma flama escura brotou do fundo do recesso mais escondido, do mistério do Infinito, qual uma névoa formando-se no informe, encerrado no anel daquela esfera, nem branca nem preta, nem vermelha nem verde, de cor nenhuma. Só quando a flama começou a assumir tamanho e dimensão foi que produziu cores radiantes. Pois do centro mais íntimo da flama brotou uma fonte, da qual emanaram cores que se alastraram sobre tudo que estava embaixo, oculto no mistério do ocultamento do Infinito. A nascente irrompeu, e no entanto, não irrompeu através do éter (da esfera). Não era possível reconhecê-la de modo algum, até que um ponto escondido, sublime, raiou sob o impacto do irrompimento final. Nada para além desse ponto é cognoscível, e é por isso que se chama reschit, o começo, a primeira daquelas palavras criadoras, por meio das quais o universo foi criado.” [10]


A “partícula Deus”

É muito bom que os cientistas tenham descoberto (se é que de fato descobriram) o DNA do universo físico (que eles chamam de bóson de Higgs). Mas nada disso nos leva á compreensão do que realmente Deus é, e qual o caminho mais seguro e correto para se chegar a Ele. Isso porque o caminho para Deus nunca será desvelado no estudo do que é simplesmente material. Por isso é que a ciência jamais prescindirá da filosofia (e dentro desta a teologia) como ferramenta de investigação dessa parte oculta do universo, que é a sua porção espiritual.

Talvez, se os cientistas não fossem tão teimosos eles já teriam descoberto como o universo nasceu na descrição que o cronista bíblico faz da criação do mundo e assim não precisaríamos gastar tanto tempo, fosfato e dinheiro para comprovar o que a intuição taumatúrgica já sabe desde o princípio dos tempos. 

Um respeitado cientista, ao explicar a importância do bóson de Higgs para a formação da matéria universal, utilizou uma interessante comparação: “ele é como a água para os peixes”. [11]

Nesse sentido, é interessante observar que a Bíblia diz, textualmente, que no início “o Espírito de Deus movia-se sobre as águas”. E com isso chegar-se-ia mais fácil á conclusão de que céu e terra (ou seja, o universo) nasceram com o surgimento da luz. Que a luz foi a primeira manifestação da Existência Positiva de Deus (na linguagem da Cabala), e essa luz é o “Espírito de Deus” promovendo a fecundação da vida sobre as “águas primordiais”, como diz um belo poema gnóstico.

A sabedoria arcana é resultado da intuição do espírito humano, registrada na forma de símbolos e metáforas, porque a humanidade ainda não conseguiu desenvolver linguagem escrita e falada suficiente para explicar os noventa e nove por cento do universo que ainda permanecem desconhecidos para nós.

Tudo isso nos mostra que o universo não é caótico e que Deus não é indiferente ao seu destino. Que existe um processo regulando a sua criação, orientando o seu desenvolvimento. Há uma “Ordo ab Chaos”, da qual participamos, talvez inconscientemente. Por enquanto sabemos apenas que existem duas margens nesse imenso rio que precisam ser ligados por uma ponte. Algumas pilastras já foram postas pelos grandes sábios do passado e do presente. Uma boa parte delas é obra dos mestres da Cabala e da Gnose. Sobre elas caminham os maçons, os rosa-cruzes, os gnósticos, os teosofistas e os cientistas que não perderam a sua espiritualidade. É só andando sobre elas que nós podemos, com muito cuidado, encetar esta nossa aventura espiritual.[12)


[1] Segundo Teilhard de Chardin (O Fenômeno Humano, citado), a evolução do universo físico obedece á duas grandes leis: a lei da união, pela qual as partículas elementares que formam a matéria tendem a se unir para formar átomos e estes se unem para formar os elementos químicos; e a lei da complexificação, segundo a qual essa união vai produzindo compostos cada vez mais complexos, dando um sentido á evolução. 
[2] É nesse sentido que Einstein disse que “Deus não joga dados”. Que dizer, Deus não constrói o universo aleatoriamente, testando alternativas para ver no que vai dar.
[3] Teilhard de Chardin- op. citado pg. 27.
[4] Cf. o Ritual do Aprendiz (REEA)
[5] Religiões reveladas são aquelas cuja doutrina, supostamente, foram transmitidas aos seus fundadores pela própria Divindade. O Judaísmo, o Islamismo e o Cristianismo são exemplos de religiões reveladas. Já o Budismo, o Taoísmo, o Espiritismo são exemplos de religiões metafísicas, pois seus pressupostos são deduzidos a partir de especulações filosóficas ou de experiências psíquicas feitas pelos seus fundadores.
[6] O que Teilhard de Chardin chama de “estofo do universo” é a energia primordial que atua na base de todas as coisas existentes no universo. “quantas” são medidas da energia contida nos núcleos atômicos dos elementos, que se apresentam como ondas e partículas
[7] Stephen Hawking- O Universo Em Uma Casca de Nóz.
[8] Gênesis, 1: 1,2. 
[9] Werner Karl Heisenberg (19011976) físico teórico alemão, Prêmio Nobel de Física em 1932, pela descrição dos princípios da mecânica quântica.
[10] .Sepher Há Zhoar, I 15, a.
[11] O “bóson de Higgs” é a partícula atômica que segundo os teóricos da física nuclear é responsável pelo surgimento da massa física do universo. Essa partícula essencial, apelidada de “partícula Deus”, foi descoberta pelo cientista Peter Higgs em 1964. Em 2013, a existência e atuação desse padrão energético foi observado e comprovado pela primeira vez através de pesquisas realizadas nos laboratórios do CERN (Centro Europeu de Pesquisas Nucleares).
[12] Na imagem, o bóson de Higgs-“a partícula Deus”- Fonte Wikipédia Fundation.


João Anatalino

A MAÇONARIA E O SENTIDO DA VIDA

Autor: João Anatalino


O que é a vida?


Quando se considera o universo e a vida que nele habita somente como um acidente cósmico sem sentido nem finalidade, perde-se o norte da própria existência. Para que, então se preocupar com os rumos do mundo e o próprio destino individual se, se façamos o que façamos, nada disso tem uma finalidade? Se tudo se perde, irremediavelmente, na voragem do tempo?

Será a vida apenas um fenômeno físico-químico que um acidente cósmico um dia produziu? Ou terá ela sido produzida como parte de algum projeto que envolve, não somente o seu próprio desenvolvimento, mas um plano bem maior, de escala cósmica? E se cada vida fosse o elo de uma corrente que transmite, no tempo e no espaço, a energia criadora que faz do universo um ser vivo e convergente, que por dentro e por fora se metamorfoseia e vai adquirindo contornos e qualidades que no fim, servem á uma finalidade definida por uma Mente Universal?

São exatamente essas as perguntas e as elucubrações feitas pela Maçonaria, quando se interroga pelo sentido da vida. Um dos graus do Ritual coloca exatamente essa questão quando pergunta: “De onde viemos? O que somos? O que a morte fará de nós? Que é o homem? É apenas um átomo, gestado no corpo da mulher e que progressivamente se organiza, se harmoniza em suas inúmeras partes? Que cresce, pensa, cai, transforma-se e volta á causa primária, deixando apenas reminiscência de sua última forma ou conservando uma partícula essencial, mutável e mortal? [1//

Nesse questionamento a Maçonaria enfrenta a questão metafísica que tem desafiado a mente humana através de toda a sua história de vida. Afinal, somos apenas uma sombra que passa, um fenômeno despregado de qualquer sentido, que um dia aconteceu no universo como resultado de causas exclusivamente naturais, ou ele é o desvelar de uma Vontade que se manifesta e percorre um longo processo evolutivo que começou, um dia, num átomo que rompeu, por um processo ainda desconhecido, os limites da matéria inanimada?

Um maçom não pode acreditar na hipótese materialista, advogada na tese que sustenta ter a matéria as condições suficientes para explicar todos os fenômenos existentes no universo, inclusive a vida. Porque, se adotar essa crença, estará negando qualquer virtude á prática que adotou. Se o fenômeno da vida e principalmente a do ser humano, fosse um acaso perpetrado por leis exclusivamente naturais, “um vírus” inoculado na corrente sanguínea do universo, como o definiu uma vez um romancista, então ele não teria um espírito, e não se poderia falar na existência de um Criador, e nem haveria qualquer motivo para se tentar uma união com Ele. Tudo que fazemos nesse sentido seria apenas uma simulação fantasiosa. É nesse sentido que Anderson, em suas Constituições, diz: “um maçom é obrigado a obedecer à lei moral; e se ele bem entender da arte, jamais será um estúpido ateu nem um libertino irreligioso.” [2]

Um processo dirigido

Se os materialistas estivessem certos, toda religião, bem como toda prática iniciática não passaria de uma distração infantil, que mentes incapazes de conviver com a realidade desenvolvem para mitigar a incômoda impressão de que a nossa existência não tem qualquer finalidade além daquela que os nossos sentidos nos indicam. Mas, felizmente, temos razões para pensar que as coisas não são assim; que nós não somos apenas matéria desprovida de espírito, seres organizados por leis naturais que só obedecem ao determinismo dos grandes números. O surgimento da vida em meio á matéria universal, como está a indicar a metáfora bíblica da Criação, é fruto de um processo dirigido e bem elaborado por quem o projetou e o controla, ou seja, O Grande Arquiteto do Universo. 

Mais uma vez é o grande Teilhard de Chardin que nos socorre nessa visão, mostrando como o surgimento da vida resulta de uma síntese que a união dos átomos transforma em moléculas, e estas, também por um processo de sínteses cada vez mais elaboradas, dão origem ao fenômeno humano. Em páginas de extraordinária lucidez e envolvente poesia, esse grande pensador escreve: “Aqui reaparece, á escala do coletivo, o limiar erguido entre os dois mundos da Física e da Biologia. Enquanto se tratava apenas de um processo de mesclar as moléculas e os átomos, podíamos, para explicar os comportamentos da Matéria, recorrer ás leis numéricas da probabilidade, e contentarmo-nos com elas. A partir do momento em que a mônada, adquirindo as dimensões e a espontaneidade superior da célula, tende a se individualizar no seio da plêiade, desenha-se um arranjo mais complicado no Estofo do Universo. Por duas razões, ao menos, seria insuficiente e falso imaginar a Vida, mesmo tomada em seu estágio granular, como uma espécie de fervilhar fortuito e amorfo.” [3]

Quer dizer: a vida não surgiu no universo como surgem as bactérias em um processo de fermentação. Ela é, sim, o resultado de um processo, mas esse processo está longe de ser regido apenas pelas leis da natureza. Ela surge como consequência de um processo dirigido como se fosse alguém, em uma cozinha, ou um laboratório, trabalhando para fazer um bolo, ou para destilar uma bebida. Nesse processo as bactérias surgem como resultado do processo empregado e não como obra do acaso, ou da evolução natural do processo. Por isso a notável argúcia do nosso jesuíta complementa o seu pensamento dizendo: “(...) os inumeráveis componentes que compunham, nos seus inícios, a película viva da Terra, não parecem ter sido tomados ou juntados exaustivamente ou ao acaso. Mas a sua admissão nesse invólucro primordial dá antes a impressão de ter sido orientada por uma misteriosa seleção ou dicotomia prévias (...).” [4]


Recordando Plotino

Deus é a causa atuante de todas as coisas existentes no universo. Essa foi a intuição que inspirou o filósofo Plotino há quase dois milênios atrás: “Imagine uma enorme fogueira crepitando no meio da noite,” escreveu ele.“Do meio do fogo saltam centelhas em todas as direções. Num amplo círculo ao redor do fogo a noite é iluminada, e a alguns quilômetros de distância ainda é possível ver o leve brilho desta fogueira. À medida que nos afastamos, a fogueira vai se transformando num minúsculo ponto de luz, como uma lanterna fraca na noite. E se nos afastarmos mais ainda, chegaremos a um ponto em que a luz do fogo não mais consegue nos alcançar. Em algum lugar os raios luminosos se perdem na noite e se estiver muito escuro não vamos enxergar nada. Nesse momento, contornos e sombras deixam de existir".

"Agora imagine a realidade como sendo esta enorme fogueira. O que arde é Deus - e as trevas que estão lá fora são a matéria fria, onde a luz está fraca, da qual são feitos homens e animais. Junto a Deus estão as ideias eternas, as causas de todas as criaturas. Sobretudo, a alma humana é uma centelha do fogo. Mas por toda a parte na natureza aparece um pouco desta luz divina. Podemos vê-la em todos os seres vivos; sim, até mesmo uma rosa ou uma campânula possuem um brilho divino. No ponto mais distante do Deus vivo está a matéria inanimada.” [5]

Plotino (205-270 e. C) é considerado o fundador da escola neoplatônica. O Gnosticismo deve a ele algumas de suas concepções mais originais, especialmente a ideia de que o verdadeiro conhecimento não pode ficar apenas no terreno intelectual, mas exige uma experiência direta dos sentidos com aquilo que se propõe a conhecer. É nesse sentido que se pode colocá-lo como precursor das chamadas escolas iniciáticas, ou seja, grupos que desenvolviam rituais com a finalidade de ”sentir” as próprias realidades que idealizavam. Plotino é um dos inspiradores de famosos mestres do misticismo como Mestre Eckhart, Papus, MacGregor Mathers, Eliphas Levy e outros. Os autores maçons lhe votam um grande respeito e os modernos gnósticos vêem nele um precursor das teses científicas que descrevem o universo como um organismo único que se constrói através de uma rede de relações. Suas palavras são por demais eloquentes e não necessitam de comentários explicativos. Se o universo existe é porque tem uma causa de existir: essa causa é Deus.

Os rituais maçônicos e a doutrina da Cabala

Por isso é que os rituais maçônicos fazem muitas especulações sobre o sentido da vida e o papel que nós exercemos na construção da Obra do Criador. Essas especulações nos levam á conclusão de que nós não somos meras relações estatísticas derivadas de interações ocasionais ocorridas na matéria física, sem qualquer conteúdo finalístico, como pensam os adeptos do nihilismo, mas sim, unidades conscientes do todo amorfo, que só ganha forma e consistência na medida em que nós mesmos vamos encontrando o nosso lugar no desenho estrutural do universo. [6]

E com isso a Maçonaria canta um dueto bem afinado com a doutrina da Cabala. Para os cabalistas, nosso corpo é como uma lâmpada que se acende em meio a um quarto escuro. Brilhamos por um tempo iluminando o espaço que nos cabe como jurisdição. E quando o combustível, que é a energia encerrada em nossas células se esgota, apagamos. O corpo é o filamento que canaliza a energia e quando ele deixa de ter condição para hospedá-la, ela o abandona. Mas a energia, como mostra a lei de Lavoiser, não se perde nem se extingue. Ela só se transforma. Ela continua a existir mesmo depois que a lâmpada que a refletia se extingue.

Essa energia acenderá outras lâmpadas que também brilharão por algum tempo e depois se apagarão. Cada uma a seu tempo, preenchendo o vácuo e realizando a missão que lhe cabe. Assim a vida nos aparece como uma estrada cheia de luzes que se apagam e se acendem á medida que o tempo passa por elas e avança para o futuro. Por isso encontraremos nos rituais maçônicos, que tratam especificamente desse tema, expressões do tipo (...)Sois uma parcela da vida universal, um germe que apareceu em um ponto do espaço infinito. Vosso ser sofreu inconscientes transformações. Tivestes sensações, depois ideias incoerentes, que mais tarde, foram se tornando precisas. Por fim vos considerastes capaz de perceber a verdade. Esta é a luz que vistes. A humanidade levou séculos incontáveis antes de percebê-la. Nós consideramos o estado atual da nossa espécie sem que saibamos se ela está em seu começo, ou se prestes a alcançar o seu fim, e sem conhecermos seu destino, nada compreendemos do mundo a qual ela pertence (...).[7]

Dessa forma, Cabala e Maçonaria concordam que o sentido de cada vida que vivemos é fornecer o seu “quanta” de luz para a construção da Obra de Deus. E por essa razão poderemos viver várias vidas. Nasceremos e morreremos tantas vezes quantas forem necessárias para a complementação dessa obra. Por isso Jesus disse: “Assim deixai a vossa luz resplandecer diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus.” [8]
Pois não é com asas que se sobe aos céus, mas com as mãos. Pela simples e singela razão contida nessa metáfora, os maçons adotaram a profissão do pedreiro como símbolo da sua Arte.

[1] O Cavaleiro do Arco Real- pgs. 14 -15 REAA
[2] As Constituições, citado, pg 12.
[3] O Fenômeno Humano, citado, pg. 94.
[4] Idem, pg. 95-Imagem de Teilhard de Chardin. Fonte Enciclopédia Barsa
[5] Jostein Garner. O Mundo de Sofia, Companhia das Letras, São Paulo, 1995. Na imagem, o filósofo Plotino.
[6] Nihilismo é a doutrina filosófica que coloca o questionamento do sentido da vida perante um universo que parece ser indiferente á tudo que nos acontece. É uma atitude de pessimismo e ceticismo perante a possibilidade de que a vida tenha aparecido no mundo para cumprir algum propósito. Nega todos os princípios religiosos, políticos e sociais, definindo-os apenas como atitudes dos sentidos, dirigidos para a necessidade de preencher o vazio da existência. Este conceito teve origem na palavra latina nihil, que significa "nada". O principal arauto dessa doutrina foi o filosofo alemão Nietszche. Sartre retomou esse tema nas suas obras “ O Ser e o Nada” e “a Náusea”.
[7] Cf. o ritual Grau 14-REAA pg. 17/18.
[8] Mateus, 5:16.
João Anatalino