quinta-feira, 10 de agosto de 2017



MARCAS DE CANTARIA

Autor: Xavier Musquera

Os signos lapidários que aparecem em silhares, colunas, abóbadas e até nos cantos mais inesperados dos edifícios estão profundamente ligados aos grêmios de construtores. A imensa maioria dos especialistas atribui tais signos a marcas com as quais os pedreiros faziam constar o cumprimento de seu trabalho para poder estabelecer seu salário, o que equivaleria a uma espécie de controle contábil. Outros estudiosos opinam que esses signos estão relacionados com a Astrologia, Alquimia ou inclusive a própria Magia. Alguns deles eram identificados com antigos alfabetos como os que podemos observar em edifícios egípcios, romanos ou gregos.

Se por definição um signo é o que possui um significado, um sentido, quando se trata de signos lapidários, sempre aludem à realizada do que se considera sagrado, o mais importante não é a grafia por si mesma, ou melhor, sua forma, e sim o que isso significa, que vai além da forma, que cumpre apenas a missão de ser um veículo de transmissão. Na realidade, conecta duas realidades entre si, a material e a espiritual, a natural e a sobrenatural, a individual e a universal, humana e divina. Isso fica claramente unificado em razão de uma série de correspondências e analogias que a mensagem torna possível.

Um dos signos mais difundidos é, sem dúvida alguma, a estrela conhecida como de Davi ou Selo de Salomão. Dois triângulos entrelaçados que representam a união do inferior com o superior, o de acima com o de abaixo, o vertical (o celeste) com o horizontal (o terrestre). Outra marca que aparece sob o aspecto da letra Z é uma figuração simbólica do raio, que, em seu fulgor, nascido do Céu, fecunda a terra com sua luz, unindo assim ambos os mundos, o superior e o inferior. A quantidade quase infinita de marcas de cantaria impossibilita uma descrição pormenorizada delas. No entanto, alguns outros exemplos podem ser de utilidade em nossas viagens.

Uma meia-lua ou semicírculo côncavo com um ponto no centro pode estar nos advertindo que nos encontramos diante de um recipiente disposto a receber e hospedar as emissões ou eflúvios celestiais. Essa figura, por sua vez, se converte em um símbolo da “matriz” cósmica e também pode se relacionar com o coração, no qual reside o Espírito no mais profundo do ser. O centro das emoções. Apesar de a cruz ser o símbolo mais representado em suas diferentes formas e em combinação com outros signos como, por exemplo, o círculo (símbolo do mundo ou símbolo solar).




Esses são alguns exemplos ilustrativos que nos aproximam dos autênticos objetivos dos signos lapidários. Eles nos oferecem uma compreensão mais clara de por que os antigos maçons “operativos” e pedreiros medievais os gravaram na pedra; a transmissão de algumas ideias e alguns conceitos relacionados com a cosmogonia, suas leis e princípios fundamentais, sempre utilizando formas geométricas. Tendo em vista que a Geometria era para eles uma ciência sagrada do mesmo modo que a Arquitetura.


Os esquemas básicos geométricos: o círculo, a linha (eixo), o quadrado, o espiral, o triângulo ou a cruz são os que geram todos os outros signos e inclusive o desenho de suas próprias ferramentas, como o martelo, o cinzel, o nível, o prumo, o esquadro, a colher de pedreiro, o compasso, etc. tudo isso tem um significado profundo que envolve a senha ou a chave, para que possamos entender essas estruturas harmônicas que configuram a própria construção. Tudo isso realizado à imagem e semelhança do modelo cósmico, pois, para eles, o Cosmos manifestado é uma estrutura perfeita criada pelo Grande Arquiteto do Universo.



Segundo contam os historiadores, os pedreiros costumavam receber por peça. Cada pedra era marcada duas vezes: uma com as iniciais do obreiro e outra com um signo correspondente ao lugar onde seria colocada na construção[1]. Antes de a pedra ser levada ao edifício, o capataz ou o mestre de obras tinha de examiná-las para dar sua aprovação, acrescentando por sua vez suas iniciais. Se ele encontrava algum defeito, multava-se o pedreiro e aquele que controlava o trabalho efetuado com duas jornadas de serviço. No dia do pagamento semanal, se inspecionava o trabalho executado na semana anterior e se anotava na conta de cada operário, acrescentando uma bonificação ou uma pequena multa, segundo a qualidade do trabalho realizado.

Prova disso é a existência de signos lapidários correlativos e de maneira ordenada nos arcos, abóbadas ou muros. Apesar de se levar muito tempo na pesquisa dessas marcas, que são catalogadas por datas, tipos e estilos, contexto social e muitos outros grupos de identificação, é certo que tais marcas vão desde letras do alfabeto até inscrições ou signos indecifráveis.

Existem signos idênticos aos utilizados pela Astrologia ou pela alquimia. Entretanto, o mais curioso é que muitos deles são os mesmos que podem ser vistos nos petróglifos pré-históricos. Essas gravuras rupestres que se encontram no norte da África, na América, nas Ilhas Canárias, na Galícia, na Bretanha francesa, em Gales, etc., são iguais a inúmeros signos lapidários. Outros remetem às inscrições rúnicas dos países escandinavos ou os conhecidos tiffinagh[2] do norte da África.


Pude observar como algumas dessas marcas, que ignoro se eram de pedreiros ou adicionadas por pessoas da época, pareceriam estar indicando umas pautas ou umas constantes quanto a sua localização geográfica. Nos supostos enclaves da Ordem do Templo[3], onde tais marcas aparecem em seus edifícios, os signos se repetem. São os mesmos, apesar de se encontrarem muito distantes entre si. 

O conhecido abacus, bastão terminado em espiral, empregado pelo Magister ou Mestre de obras, era empregado pelo Mestre da Ordem.



Esse signo pode ser contemplado em lugares como a famosa capela de Eunate, em Navarra, no castelo-convento de tomar, em Portugal, ou, na Galícia, na igreja de Portomarin, apesar de ter pertencido à Ordem de San Juan, mais conhecida como dos Hospitalários, adversários do Templo. Outro caso realmente curioso é o do signo chamado “chapéu do bobo da corte” que encontramos nas já citadas Eunate e Tomar, como também em uma pia batismal octogonal na catedral velha de Tarragona, assim como no castelo de Peralada, em Gerona.

Signos similares ou iguais encontraram-se nos templos e edifícios próximos ou no próprio caminho de peregrinação a Santiago. Supostas possessões do Templo com as mesmas marcas de canteiro geram interrogações e dúvidas. Trata-se de signos especificamente distintivos, cujo significado ignoramos, ou de um grupo de construtores itinerantes, que é uma possibilidade extremamente remota?


Outro dado curioso é aquele que nos oferecem muitos dos edifícios com signos lapidários. Alguns apresentam grande quantidade de marcas, e outros, apenas algumas poucas. Seguindo ao pé da letra o que dizem os especialistas, teríamos meia dúzia de signos em um edifício, o que viria a supor que seis operários passaram quase a vida toda levantando a construção. Pelo contrário, e seguindo essas pautas, o templo com muitas marcas suporia grande quantidade de artesãos e pedreiros, que, em um período muito curto, teriam levantado a catedral. Algo não encaixa, tendo em vista que, voltando à igreja-fortaleza de Portomarin, chegou-se a contabilizar nada menos que 22 marcas de cantaria distintas. Na realidade, ignoramos se tais marcas estão oferecendo informação que não sabemos interpretar ou se são simplesmente assinaturas, como assegura a imensa maioria dos estudiosos.

Essas marcas não guardam uma orientação concreta, e sua disposição não parece seguir nenhuma lógica. A mesma letra pode aparecer corretamente ou invertida, inclinada ou caída. Geralmente são de escassa profundidade, e seu tamanho oscila em torno de dez centímetros. Essa profundidade escassa faz com que muitas delas tenham desaparecido diante dessa ânsia de muitas administrações de “restaurar” o patrimônio local, muitas vezes, incorrendo em autênticas barbaridades.

Vi taparem portas porque não conduziam a lugar algum ou bloquearem uma janela porque o seu vitral estava quebrado. Alguns templos perderam a sacralidade da luz, que entrava por uma abertura e um raio do sol nascente incidia em um ponto concreto da igreja, indicando que ali se encontrava um signo ou uma imagem que devia se destacar por algum motivo concreto. Isso ocorre, por exemplo, na igreja de Santa Maria a Nova, na Galícia, onde se encontravam lápides sem restos humanos e cujos ladrilhos estão repletos de relevos ou incisões representando os ofícios. Esse tempo possuía uma janela à esquerda do portal de entrada, caso pouco frequente nesse tipo de construção, que dava luz a um sarcófago que contém os restos de um estranho personagem chamado Ioan de Estivadas, cujo nome se encontra em uma inscrição colocada no travesseiro em que sua cabeça repousa. O curioso é que esse nome está escrito de trás para a frente e é preciso lê-lo de forma especular, ou seja, através de um espelho. Na parte superior da janela, havia duas cabeças como se estivessem custodiando o sarcófago. Isso foi informado no momento oportuno pelo admirado pesquisador e autor Juan Garcia Atienza. Pois bem, as cabeças desapareceram e a janela foi tapada.

Prosseguindo com essas marcas de cantaria e já finalizando, podemos nos transladar ao Principado de Astúrias para comprovar a possível existência desses tipos de construções itinerantes. Na igreja de San Pedro de Villanueva, no conselho de Cangas de Onis, aparecem P e R, pelo direito, obliquamente e de cabeça para baixo, junto a uma série de B que seguem as mesmas pautas. Se nos transladarmos agora a San Pedro de Quirós, no conselho do mesmo nome, veremos as mesmas B com certa profusão. Por fim, no conselho de Villaviciosa, em San Juan de Amandi, voltam a aparecer, mas, desta vez acompanhadas por outras marcas mais complexas, com um M maiúsculo inscrito em uma cruz, um X que lembra o Cistograma e que se encontra entre duas linhas paralelas, e alguns N, que, mais uma vez, estão cinzelados do lado direito e ao revés. Entretanto, as mais abundantes são a letra B.

Se situarmos as igrejas citadas no mapa de Astúrias e as unirmos como uma linha, obteremos um percurso que, partindo das cercanias da costa oriental, chega-se até a zona central do Principado. “Casualmente”, esta linha se acha extraordinariamente perto a um dos antigos caminhos que conduziam a Santiago, antes de se oficializar o denominado Caminho Francês, de acesso muito mais fácil.

A nova ciência que estuda esses signos que se encontram aos milhares e divididos em distintos países recebe o nome de Gliptologia. Sua principal área de pesquisa são os desenhos gravados fundamentalmente sobre pedra, como as marcas de cantaria, os petróglifos e os signos das estrelas ou laudas funerárias. A pesquisa voltada às suas formas e seu possível significado, os grupos que a realizaram e os distintos pontos de vista para sua catalogação permitem agrupar tais signos sob vários aspectos, desde o histórico ou social até o relativo à organização e ao tecnológico.

Desde 1979, são celebradas reuniões periódicas em Braine-le-Chânteau, Bélgica, organizadas pelo Centre Internacional de Recherches Glyptographiques (C.I.R.G.) para o intercâmbio de pesquisa, coordenação de estudos e a promoção de grupos interdisciplinares.

Alheio ao mundo dos símbolos e em consequência ao seu significado, o mundo moderno não nos permite dilucidar o mistério que pode envolver essas formas que possivelmente estão transmitindo chaves que desconhecemos. As fraternidades medievais legaram mensagens pétreas que representam uma linguagem própria que não sabemos interpretar. Geralmente, essas marcas de cantaria são de escassa profundidade, e sua dimensão oscila em torno de dez centímetros. Essa escassa profundidade tem feito com que, com o passar do tempo, muitas delas sejam quase irreconhecíveis, sendo que outras já desapareceram diante da ânsia de algumas administrações de “limpar” o patrimônio local, executando autênticas barbaridades.

De tudo isso, temos apenas uma vaga lembrança, uma ligeira intuição, talvez impressa no nosso chamado inconsciente coletivo, que nos faz suspeitar que a alma da pedra, em sua mudez de séculos, guarda uma lição ou uma mensagem. Resta muito caminho por percorrer e muita pesquisa de campo por realizar, para tentar saber um pouco mais sobre os signos lapidários. Sempre teremos a suspeita de que aqueles grêmios medievais artesanais deixaram para trás indícios, pistas e sinais, que contêm conhecimentos que merecem ser descobertos e analisados de todos os pontos de vista possíveis. Na atualidade, sabemos como e quando, mas talvez, um dia não muito distante, também descubramos o porquê de tudo isso.

(Texto extraído do livro “As Chaves e a Simbologia na Maçonaria – Ocultismo Medieval – Musquera, Xavier, Editora Madras)


[1] N.E. Sugerimos a leitura de O Grau da Marca, de David Mitchell, Madras Editora. 
[2] O tiffinagh ou tiffanag é o alfabeto utilizado para transcrever várias línguas berberes. Sabe-se de sua existência desde o século IV a. C. em todo norte da África e nas Ilhas Canárias. Supõe-se que são de origem púnica. 
[3] N.E. Sugerimos a leitura de Os Templários – e o Pergaminho de Chinon, de Bárbara Frale, Madras Editora.

quarta-feira, 9 de agosto de 2017



A INFLUÊNCIA DOS TEMPLÁRIOS ATRAVÉS DAS CORPORAÇÕES DE COMPANHEIROS


José Castellani


“A soberana Ordem dos Cavaleiros do Templo de Jerusalém, a par de diversas atividades, empenhava-se também na construção de fortalezas, igrejas, estradas e pontes, desempenhando papel influente nas guildas e nos ofícios francos de hoje chamada Maçonaria Operativa”.

A Ordem dos Templários (Soberana Ordem dos Cavaleiros do Templo de Jerusalém), foi criada em 1118, sendo a mais importante das ordens religiosas militares da época (as outras foram a dos Hospitalários ou Cavaleiros do Hospital de São João de Jerusalém, e a dos Cavaleiros Teutônicos ou Cavaleiros do Hospital de Santa Maria dos Teutões).

A Ordem foi criada com a primordial finalidade de garantir a guarda dos lugares santos da Palestina e proteger os peregrinos, sendo baseada em regras recebidas do abade Clairvaux (S. Bernardo). Essas regras eram bastante severas, impondo aos cavaleiros, castidade, pobreza e obediência e prevendo, entre outras coisas, que eles não deviam “olhar demais para o roto das mulheres”, nem “beijar fêmea, nem viúva, nem donzela, nem mãe, nem irmã, nem tia, nem qualquer outra mulher” (N.A.: fêmea, nesse caso, é referência a meretrizes); durante as guerras, deveriam aceitar combate de um contra três e não podiam ser resgatados mediante pagamento, caso caíssem em mãos inimigas; não lhes era permitido, também, caçar nenhum animal, a não ser o leão.

Como as demais ordens, ela comportava três classes: os Clérigos, ou seja, os que recebiam ordenação sacerdotal, encarregando-se dos serviços religiosos da instituição; os Irmãos Leigos, que representavam o papel de escudeiros; e os Cavaleiros, que representavam a força combatente da ordem e que deviam ser recrutados, exclusivamente, entre os nobres, cabendo a eles, e somente a eles, o governo efetivo da instituição e de suas províncias.

Sendo a única força militar organizada da época, os cavaleiros lideravam os heterodoxos contingentes que formavam os exércitos das Cruzadas, mas eram, também, indevidamente usados nos combates, constrangidos pela incompetência ou rivalidade dos príncipes que comandavam aquelas hordas de ataque, e na retaguarda de todas as retiradas, o que acabou lhes valendo, em dois séculos, a perda de vinte mil de seus membros nos campos de batalha, o que é um número bastante grande para a época e considerando-se os reais efetivos da Ordem.

O “MAGISTER CARPENTARIUS” ERA UM ARQUITETO E INSTRIU OS OPERÁRIOS

Os templários tornaram-se, todavia, hábeis administradores, explorando muito bem a necessidade que os governantes da época tinham de seus serviços. Graças a isso, o ouro da Europa desembocava em seus cofres; províncias inteiras eram colocadas sob sua guarda. Eles movimentavam-se como verdadeiros senhores do mundo, sem serem obrigados a pagar impostos ou tributos, dependendo, apenas e tão-somente, do Papa: possuíam comendadorias em toda a Europa e em todo o Oriente Médio, mas o centro de sua administração ficava em Paris, onde o seu estabelecimento chegou a ocupar um terço da cidade.

Os castelos serviam, muitas vezes, de bancos e eles acabaram estabelecendo um grande sistema bancário, sendo que a Santa Sé e os principais soberanos europeus tinham contas correntes com eles, que emprestavam dinheiro sob garantia e adiantavam os resgates dos prisioneiros, fazendo, assim, com que a Ordem fosse credora de reis e nobres. Na Inglaterra, eles arrecadavam, cobravam e administravam vários impostos, chegando a criar, para maior facilidade de seus clientes, as chamadas “cartas de crédito”, que permitiam diversas transações. Foi por meio desse sistema bancário que o rei Luiz (depois S. Luiz), da França enviou em 1254, dinheiro à Palestina, o rei João Sem Terra, da Inglaterra, pagou suas dívidas na França e o Papa Honório III enviou 5.000 marcos aos seus representantes na Quinta Cruzada.

A par dessa atividade, a Ordem empenhava-se na construção de fortalezas, igrejas, estradas e pontes, sofrendo influência dos monges cistercienses e das associações arquitetônicas existentes no Oriente e desempenhando papel importante nas guildas e nos ofícios francos (da, hoje, chamada Maçonaria de Ofício, ou Operativa). Entre os ofícios de cada comendadoria encontrava-se um Magister Carpentariuis (Mestre Carpinteiro) que era um verdadeiro arquiteto, que dirigia e instruía os operários construtores a serviço da Ordem. Nos estabelecimentos templários, os artesãos gozavam do direito de franquia, que lhes permitia o livre exercício do ofício, sem a sujeitão aos pesados impostos reais e municipais aos quais estavam sujeitos os burgueses de Paris, na jurisdição do prebostado real (os Prebostes eram funcionários reais que acumulavam, mais ou menos, as funções hoje atribuídas aos prefeitos e subprefeitos, aos chefes das subdivisões militares, aos comissários das divisões, aos controladores das contribuições, aos recebedores e agentes do fisco).

O PRETEXTO DE HERESIA FORAM AS CERIMÔNCIAS INICIÁTICAS DOS TEMPLÁRIOS

A Ordem dos Templários, apesar de todo o seu poder, teve vida efêmera, em parte devido à animosidade existente e crescente entre os devedores (príncipes e reis) e os credores e, em grande parte, devido aos seus tesouros, cobiçados pelas cabeças coroadas. Foi o que aconteceu com o rei da França Filipe IV, cognominado Filipe, o Belo, que investiu, violentamente, contra a Ordem, com a total conivência do Papa Clemente VI, dominado por ele.

No início do século XIV Filipe reinava sobre a França como senhor absoluto, pois tinha vencido o orgulho dos grandes barões, vencido os flamengos revoltados, derrotado os ingleses na Aquitânia, vencido até o papado, instalando-o, à força, em Avignon. Além disso, os parlamentos estavam às suas ordens e os concílios a seu soldo. Conseguira, até, com o Papa Bonifácio VIII, antecessor de Clemente V, canonizar seu avô, o rei Luiz, que seria, então s. Luiz, o qual odiava os judeus e os tinha perseguido, tenazmente, durante o seu reinado.

Riqueza alguma escapava às mãos de Filipe; ele havia, sucessivamente, taxado os bens da Igreja, espoliado os judeus e golpeado o truste dos banqueiros lombardos; os impostos eram extorsivos, as crises econômicas provocavam revoltas, que eram sufocadas em sangue. Só um poder ousava enfrentá-lo: a Ordem dos Templários, cuja independência inquietava Filipe e cujos imensos bens excitavam-lhe a cobiça. Por isso, ele instaurou, contra a Ordem, o mais vasto processo da História, que durou sete anos, atingiu cerca de 15.000 acusados e perpetrou todos os tipos de infâmias. O pretexto para o processo por heresia foram as cerimônias iniciáticas da Ordem, que serviram para que a inquisição a acusasse de práticas demoníacas, feitiçaria e adoração de ídolos, fazendo com que o Papa Clemente V a extinguisse, através da bula “Vox in Excelso”, enquanto Filipe apossava-se de seu ouro.


OS GRÃOS-MESTRES VIVERAM OCULTOS ATÉ O SÉCULO XVIII

Após sete anos de prisão, sob torturas engendradas pelo terrível Guilherme de Nogaret, guarda-selos e secretário-geral do reino, os principais líderes templários, como Tiago De Molay (também conhecido como Jacques De Molay), com 71 anos, Grão-Mestre da Ordem e Godofredo de Charnay, preceptor da Normandia, eram executados nas fogueiras do Santo Ofício. No meio das chamas, na agonia da inocência imolada pelo arbítrio, De Molay, olhando para o rei, com voz terrível, gritou:

- “Papa Clemente... cavaleiro Guilherme de Nogaret...rei Filipe; antes de um ano eu vos intimo a comparecer diante do tribunal de Deus, para receberdes o justo castigo. Malditos! Malditos! Todos malditos, até a décima terceira geração de vossas raças...”

E morreu.

Trinta e seis dias depois, o Papa Clemente morria de causa indeterminada, pouco depois, Nogaret morria, provavelmente envenenado, em terrível agonia; e, finalmente, em fins de novembro do mesmo ano (1314), ocorria a morte de Filipe, o Belo, por apoplexia. Estava cumprida a maldição.

Os templários, todavia, não haviam se extinguido com a extinção da Ordem, em 1312, muitos que haviam escapado à “justiça” real e papal, agregaram-se às comunidades de ofício. A Ordem do Templo, inclusive, imediatamente depois de sua destruição oficial, reconstituiu-se na forma de uma sociedade secreta internacional, cujos Grão-Mestres viveram ocultos até o século XVIII.

Os templários deram origem ao Compagnonage (Companheiros), ainda hoje existente. Eles tinham necessidade, em suas distintas comendadorias, de trabalhadores cristãos, e, assim, organizaram-nos de acordo com sua própria filosofia e dando-lhes um regulamento chamado de “Santo Dever”. Esses trabalhadores que se vestiam de branco e não usavam espadas, construíram, no Oriente Médio, formidáveis cidadelas, adquirindo certo número de métodos de trabalho, herdados da Antiguidade. Em Paris, esses companheiros (que não devem ser confundidos com Companheiros Maçons) também viviam dentro da área do Templo que, durante 500 anos foi o centro dos trabalhadores Iniciados.


A ASSOCIAÇÃO DE COMPANHEIROS DEU ENORME CONTRIBUIÇÃO A MAÇONARIA MODERNA


Através do Compagnonnage[1], a Ordem dos Templários liga-se às origens da Franco-Maçonaria. Na moderna Maçonaria encontram-se as “provas” dos Ritos iniciáticos e até emblemas muito precisos, que não são apenas os das antigas companhias de artesãos, mas podem, também, ser encontradas nas paredes de muitas tumbas de arquitetura do antigo Egito; essas paredes representam verdadeiros manuais de iniciação profissional. Tudo leva, portanto, à conclusão de que os Ritos, emblemas, símbolos e processos de trabalho só podem ter sido trazidos para aquele período medieval pelos membros do Compagnonnage, chegando até a Maçonaria atual.

A Associação dos Companheiros, o Compagnonnage, foi de fundamental importância para a evolução das organizações de ofício e apresenta uma enorme contribuição à moderna Maçonaria; lamentavelmente, essa contribuição tem sido omitida por grande número de autores que negam, ao Compagnonage, essa importância, cometendo um lamentável erro.

A revista francesa “Le Monde Maçonique”, edição de 1870, afirma o seguinte:

- “ A Franco-Maçonaria moderna nasceu em 1717, quando quatro Lojas de Londres se reuniram em Grande Loja que se arrogou o poder de federar todas as outras oficinas. Mas a Maçonaria é depositária de uma longa cadeia de tradições. Não se pode contar a sua história sem primeiro evocar os companheiros construtores da Idade Média, porque a Maçonaria chocou o ovo do Companheirismo. ”

Existia no Compagnonnage, um tipo de anedota secular que mostrava a diferença essencial que separa os seus membros dos outros trabalhadores: 

No recinto de obras de uma catedral, no coração da Idade Média, três homens, lado a lado, esquadrejam as pedras, quando se aproxima um curioso que lhes pergunta o que eles fazem:

“Eu ganho a minha vida” responde, simplesmente o primeiro.
- Eu esquadrejo uma pedra”, responde o segundo.
- Eu edifico uma catedral” diz o terceiro, com manifesto orgulho. 
Este último era um companheiro”.


CONSTITUÍRAM-SE EM OFICINAS ITINERANTES DE CANTEIROS, DE CARPINTEIROS, DE PEDREIROS

Os membros do compagnonnage são, acima de tudo, homens de tradição e dos manuais. Depois de um milênio, eles estão reunidos em sociedade secretas ou pelo menos fechadas, cuja origem se perde nas brumas da lenda que afirma encontrar sua fundação durante a época da construção do templo de Jerusalém, mil anos antes de Cristo (o que, evidentemente, é mesmo lenda, como a de que a Maçonaria é multimilenar). Baseados nisso, os companheiros possuem três lendas, nas quais aprecem Hiram Abi, Mestre Jacques e Mestre Soubise. A lenda de Hiram Abi não é a atual lenda do terceiro Grau Maçônico, mas, sim, aquela que relata o envio do artífice Hiram Abi, a Salomão, pelo rei fenício Hiram, de Tiro, e que dá conta de que ele, por sua sabedoria, impôs-se como dirigente dos trabalhos, sendo reconhecido, por todos, como o mestre da ordem dos companheiros construtores. Mestre Jacques era um canteiro (esquadrejador de pedras) de origem gaulesa que trabalhou, segundo a lenda, no templo de Jerusalém, em companhia de seu amigo subisse. Uma outra lenda, totalmente diferente, afirma que Mestre Jacques não seria outro senão Jacques De Molay, o último Grão-Mestre dos templários, executado por ordem de Filipe, o Belo, em 1314. Uma terceira lenda fala de um certo Jacques Moler, construtor das torres da catedral de Orleans, enquanto que Soubise seria um beneditino construtor de igrejas e amigo de Moler. De qualquer maneira, Salomão, Mestre Jacques e Mestre Soubise são os três “pais” do compagnonnage, venerados e celebrados, até hoje, por aqueles que se dizem seus filhos.

Na realidade, o Compagnonnage saiu da lenda para entrar na história mais precisamente pouco depois do ano 1000¸na época das Cruzadas (a primeira é de 1096). Foi a partir daí, sem dúvida, que os companheiros serviram de tropas de gênio militar aos cruzados, constituíram-se em verdadeiras oficinas itinerantes de canteiros (esquadrejadores de pedras), de canteiros, de pedreiros. Esses acompanharam os guerreiros e edificaram pontes, obras de defesa militar e os santuários necessários.


NENHUM PROFANO ASSISTE AS CERIMÔNIAS QUE CONFERIAM OS GRAUS DE APRENDIZ E COMPANHEIRO

Foi nessa oportunidade que esses trabalhadores manuais receberam o título de Homens do Santo Dever, ou do Santo Dever de Deus, sendo que a palavra DEVER lembrava-lhes as práticas e as técnicas que eles haviam aprendido no exercício de seu trabalho e, também e principalmente, as regras, os Ritos iniciáticos que os uniam em cada um dos ofícios agrupados no Compagnonnage e que eram originalmente, os de pedreiro, canteiro, carpinteiro, marceneiro e serralheiro.

Desde essa época, eles já correspondiam à definição que lhes daria 800 anos mais tarde, o economista francês Fréderic Le Play:

- “Uma sociedade formada entre obreiros de um mesmo corpo de estudo, sob o triplo objetivo de formação profissional, assistência mútua e moralidade”.

Naturalmente, quando eles voltaram de suas expedições às longínquas terras orientais, reconstituíram, na França, suas oficinas, encontrando, então, muitas ocasiões para exercer o seu ofício em toda a Europa, profundamente impregnada de fervor e de fé cristã, nas inúmeras vilas e cidades, igrejas e catedrais brotavam da terra, assim como os primeiros monumentos civis. A arquitetura romana em sua fase mais sólida e mais calma, e a extraordinária ascensão das ogivas góticas, um pouco mais tarde começaram a elevar seus pilares sobre um autêntico e formidável formigueiro de canteiros (esquadrejadores de pedras), carpinteiros, serralheiros, pedreiros, marceneiros e entalhadores de imagens. Agrupados em suas oficinas volantes, eles eram estritamente solidários, a ponto da função de mestre-de-obras ser entregue sempre a um deles, mas experiente que os demais.

Por ocasião das festas de seus patronos (S. José, para os carpinteiros, Sant´Ana, para os marceneiros. Santo Eloi, para os ourives, Santa Bárbara, para os telhadores, a Assunção, para os pedreiros e canteiros, etc), cada corpo de ofício reunia seus membros numa sala secreta – a Loja – e procediam à recepção iniciática daqueles que haviam demonstrado uma melhor posse de seu ofício, pela execução de uma obra-prima. Nenhum Profano, sob pena de morte, podia assistir a essa cerimõn9ia, que conferia os “Graus” do Compagnonnage Aprendiz e Companheiro.

Pode-se notar, assim, a grande influência dos “Compagnonnages” sobre as demais organizações de ofício e sobre a moderna Maçonaria, ou seja, a dos Aceitos. Esta influência não é sentida apenas nas práticas ritualísticas e na divisão dos Obreiros, mas, também, nos Símbolos que chegaram até à Maçonaria moderna com o mesmo significado original: os principais, que, de alguma maneira, ornamentam os Templos Maçônicos ou os próprios Obreiros, estão relacionados no box:

- Acácia = a alma, a imortalidade
- Alavanca = a firmeza de caráter
- Avental = o trabalho
- Cinzel = a razão, a inteligência
- Cinzel + Malho = a sabedoria
- Coluna Coríntia = a beleza
- Coluna Dórica = a força
- Coluna Jônica = a sabedoria
- Compasso = o julgamento
- Compasso + Régua = a lei moral
- Delta = a divindade
- Delta Radiante = Deus, o princípio universal
- Esquadro = a equidade, a justiça
- Espada Flamejante – o fogo do céu, a criação
- Espada Reta = o raio de luz, o influxo espiritual
- G = Geometria
- Hexagrama = o universo
- Iod = o espírito, o princípio fecundante
- Lua = a imaginação
- Luvas brancas = a pureza de sentimentos, a lealdade, a brancura
- Nível - a igualdade
- Números= as ideias
- Nuvens = as paixões, os preconceitos
- Olho (direito) = o Sol
- Ponta (dirigida para o alto) = o fogo, o universo inteligível
- Ponta (dirigida para baixo) = a água, o universo sensível
- Régua = a imparcialidade
- Régua + Alavanca = o respeito à Lei
- Régua + Esquadro = a criação de uma ética
- Sol = o intelecto, a razão
- Triângulo equilátero = a sabedoria
- Trolha = a concórdia, a união, a fraternidade.

Por tudo isso, pode-se reafirmar a verdade contida na citada publicação de 1890; não se pode escrever a História da Maçonaria, sem primeiro abordar o Compagnonnge e a Ordem dos Templários que lhe deu origem.

BIBLIOGRAFIA 

- Guia de Curiosidades Históricas – Uma viagem através dos séculos – Os fatos inesquecíveis da Antiguidade, das Idades Médias, Moderna e Contemporânea – Editora On Line – Ed. 01 (não consta nome do autor) – Visualizado em 09 Ago 17)

- Castellani, José – Curso Básico de Liturgia e Ritualística – Editora Maçônica “A Trolha” Ltda.P

[1] COMPAGNONNAGE = Na França a Compagnonnage, ou “caramadaria” de construtores, surgiu em um primeiro momento para enfrentar o poder dos patrões, que controlavam todos os aspectos da profissão, da aprendizagem à promoção. Durante o período medieval, as condições dos operários eram – para dizer o mínimo – precárias. Submissos a um patrão, eram muitas vezes mal pagos e maltratados. Além disso, era quase impossível para eles obter o título de “mestre”, o que lhes permitia estabelecer por conta própria. A Compagnonage surgiu nesse contexto como uma espécie de união sindical embrionária, que, além do trabalho, garantia a seus afiliados o recebimento de ajuda de todo tipo: alojamento, alimentação e roupas. Além disso, a camaradaria também visava dar a seus membros uma formação tanto técnica como moral. Dessa forma, pertencer à organização significava ter uma vida mais digna e segura. Diminuindo a importância do título de “mestre”, valorizaram o de “companheiros” ou “camaradas”, destacando o aspecto fraternal da organização. Há indícios de que este tipo de sociedade existia desde a antiguidade. As guildas de construtores romanos reuniam-se m suas Colegiae, como se chamava sua organização. Acredita-se que os símbolos e as regras de ofício eram detidos pela misteriosa Colegiae Comacini, uma guilda de arquitetos sediada numa ilha fortificada no lago Como,, após a desintegração do Império Romano. Através deles, os segredos da geometria sagrada e métodos de construção para os construtores italianos de Ravena e Veneza, e por meio deles, às guildas de arte e comércio da Idade Média. Os lugares de encontro dos comacinos era chamado “loggia” de onde, supõe-se, a palavra “loja” deriva. Os símbolos dos comacinos incluíam o nó, o rei Salomão e a Infinita Corda da Eternidade entrelaçada.