sábado, 27 de maio de 2017



AS LENDAS DA MAÇONARIA


Albert G. Mackey


O caráter composto de uma ciência especulativa e de uma arte op0erativa, que a instituição maçônica assumiu na construção do templo do Rei Salomão, em consequência da união, naquela época da Maçonaria Pura dos noaquidas[1] com a Maçonaria Espúria dos operários de Tiro, havia fornecido dois tipos distintos de símbolos – o mítico, ou lendário, e o material; mas eles estão perfeitamente unidos em objetivo e propósito, o que fica impossível de apreciar em uma, sem a investigação da outra.

Assim, para ilustrar, pode-se observar que o próprio templo foi adotado como um símbolo material do mundo, enquanto a lendária história do destino de seu construtor é um símbolo mítico do destino do homem no mundo. Seja visível ou tangível aos sentidos, em nossos símbolos ou emblemas – como os implementos da maçonaria operativa, a mobília e os ornamentos de uma Loja ou a escada de sete degraus – é um símbolo material; enqu8anto o que quer que derive sua existência da tradição e se apresente na forma de uma alegoria ou lenda, é um símbolo mítico. Hirão, o construtor, portanto, e tudo que se refere à lenda de sua ligação com o templo, e o seu destino – como o ramo da acácia, a montanha próxima do Monte Moriá e a palavra perdida – devem ser considerados pertencentes à classe dos símbolos míticos ou lendários.

Esta divisão não é arbitrária, mas depende da natureza dos símbolos e o aspecto no qual eles se apresentam à nossa visão.

Então o ramo de acácia, embora seja material, visível e tangível, não é tratado como um símbolo material, pois como ele deriva toda sua significância de sua relação íntima com a lenda de Hirão Abif, que é um símbolo mítico, ele não pode, em uma ruptura violenta e inadequada ser separado da mesma classe. Pela mesma razão, a pequena montanha próxima ao Monte Moriá, a busca pelos doze Companheiros e o conjunto completo de circunstâncias relacionadas à palavra perdida devem ser vistos simplesmente como míticas ou lendárias, e não como símbolos materiais.

Essas lendas da Maçonaria constituem uma parte verdadeira e importante do ritual. Sem elas, as partes mais valiosas do sistema maçônico como um sistema científico deixaram de existir. Na verdade, é nas tradições e lendas da Maçonaria, muito mais que em seus símbolos materiais, que devemos encontrar a profunda instrução religiosa que a instituição pretende inculcar. Deve-se lembrar que a Maçonaria tem sido definida como “um sistema de moralidade, velada em alegoria e ilustrada por símbolos”. Símbolos, então, sozinhos não constituem o sistema como um todo: a alegoria vem a contribuir com a sua parte e esta alegoria, que vela a verdade divina da Maçonaria, é apresentada ao neófito em várias lendas que foram tradicionalmente preservadas na ordem.

A íntima relação, pelo menos quanto ao propósito e ao método de execução, entre a instituição da Maçonaria e os Mistérios antigos, que foram amplamente imbuídos com o caráter místico das religiões antigas, levam, indubitavelmente, à introdução do mesmo caráter místico ao sistema maçônico.

Tão geral, na verdade, foi a difusão do mito ou lenda entre os sistemas filosófico, histórico e religioso da antiguidade, que Heyne observa, sobre o assunto que toda história e filosofia dos antigos procederam desses mitos[2].

A palavra mito, do grego, uma história, em sua acepção original, significava uma afirmação ou narrativa de um evento, sem qualquer implicação necessária de verdade ou falsidade, mas, como a palavra é usada agora, ela transmite a ideia de uma narrativa pessoal remota que, embora não seja necessariamente inverídica, é certificada apenas pela evidência interna da própria tradição[3].

Creuzer, em seu “Symbolik”, diz que os mitos e os símbolos foram derivados, por um lado, da condição indefesa, e dos pobres e limitados princípios do conhecimento religioso entre os povos antigos, e por outro lado9, dos desígnios benevolentes dos sacerdotes educados no Oriente, ou de origem oriental, que os transformaram em um conhecimento mais puro e superior.

As observações feitas pelo altamente filosófico historiador Grote, dão uma visão correta da provável origem da universalidade do elemento mítico em todas as religiões antigas, e são, também, muito apropriadas ao assunto das lendas maçônicas que discutirei, por isso as cito livremente.

“A interpretação alegórica dos mitos”, ele diz, “tem sido ligada por vários investigadores, especialmente Creuzer, à hipótese de um antigo grupo de sacerdotes altamente instruído, que se originou no Egito ou no Oriente e comunicou aos bárbaros e rudes gregos o conhecimento religioso, físico e histórico, sob o véu dos símbolos. Acredita-se que na fase inicial da linguagem, símbolos visíveis eram os meios mais vividos de agir sobre as mentes de ouvintes ignorantes. O próximo passo foi passar à linguagem e às expressões simbólicas, pois uma exposição plena e literal, mesmo se inteligível a todos, poderia ao menos ser escutada com indiferença, caso não correspondesse a qualquer demanda mental. Dessa maneira alegórica, então, os antigos sacerdotes estabeleceram suas doutrinas respeitando Deus, a natureza e a humanidade – o monoteísmo refinado e a filosofia teológica – e a este propósito os antigos mitos se voltaram. Mas outra classe de mitos, mais popular e mais cativante, cresceu sob as mãos dos poetas – mitos puramente épicos e descritivos de eventos reais ou supostamente passados. Os mitos alegóricos, difundidos pelos poetas, insensivelmente se tornavam confundidos com a mesma categoria dos mitos puramente narrativos, a questão simbolizada, não era mais o pensamento, enquanto as palavras simbólicas eram construídas em seu próprio sentido literal, e a base das primeiras alegorias, então perdida para o público geral, só foi preservada como um segredo entre várias fraternidades religiosas, compostas por membros unidos na iniciação em determinadas cerimônias místicas, e administradas por famílias que descendiam de sacerdotes dirigentes.

“Nas seitas órficas e de Baco, nos Mistérios de Elêusis e da Samotrácia, foram encerrados a doutrina secreta e os antigos mitos teológicos e filosóficos, que certa vez já haviam constituído o inventário lendário e primitivo da Grécia nas mãos do clero original e nas épocas anteriores a Homero. Pessoas que participaram das cerimônias preliminares de iniciação puderam conhecer, embora sob estreita obrigação de sigilo, esta antiga religião e doutrina cosmogênica, revelando o destino do homem e a existência de determinadas recompensas e punições póstumas, todas livres das corrupções dos poetas, assim como dos símbolos e alegorias que ainda permaneciam ocultos aos olhos vulgares. O Mistério da Grécia foram então traçados até as mais antigas eras, e representados como os únicos depositários fiéis da mais pura teologia e física que foram originalmente comunicadas, embora sob a inevitável inconveniência de uma expressão simbólica cunhada por um ilustre clero que vinha de fora para esclarecer os rudes bárbaros do país”[4]

Neste longo e interessante trecho encontra-se não apenas um relato filosófico da origem e do propósito dos mitos antigos, mas uma sinopse mais justa de todos aqueles que podem ser ensinados em relação à construção simbólica da Maçonaria, assim como dos depositários da teologia mítica.

Os mitos de Maçonaria, de início, talvez não passassem de tradições simples da Maçonaria pura do sistema antediluviano, tendo sido corrompidas e mal interpretadas na dissociação das raças, foram novamente purificadas e adaptadas ao ensinamento da verdade, primeiro, pelos discípulos da Maçonaria Espúria, e então, mais completa e perfeitamente, no desenvolvimento do sistema que agora praticamos. Se houver qualquer tendência ao erro que tenha ainda permanecido na interpretação de nossos mitos maçônicos, devemos procurar livrá-los das corrupções que a ignorância e má interpretação tenham lhes conferido. Devemos dar aos mitos os seus verdadeiros significados e traçar sua origem das antigas doutrinas de fé até onde as ideias que eles pretendiam incorporar derivam.

Os mitos ou lendas que tomaram a nossa atenção no decorrer do estudo completo do sistema simbólico da Maçonaria podem ser divididos em três classes:

1. O mito histórico;

2. O mito filosófico;

3. A história mítica.

E três classes podem ser definidas da seguinte forma:

1. O mito pode ser empregado na transmissão de uma narrativa das façanhas e dos eventos antigos, tendo sua fundação na verdade, a qual, no entanto, foi bastante distorcida e corrompida pela omissão ou introdução de circunstâncias e personagens, então ele constituirá o mito histórico.

2. Ou ele pode ter sido inventado e adotado como um meio de enunciar um pensamento particular, ou de ensinar uma determinada doutrina, quando ele se torna um mito filosófico.

3. Ou, por fim, os elementos verdadeiros da história efetiva podem predominar sobre os materiais fictícios e inventados do mito, e a narrativa poderá ser, na maior parte, composta de fatos com um leve colorido de imaginação, quando ela se torna uma história mítica[5].

A cada uma dessas três divisões da lenda, ou mito (pois eu não estou disposto, na presente ocasião, como alguns dos escritores mitológicos alemães, a fazer uma distinção entre as duas palavras[6]), devemos destinar todas as lendas que pertençam ao simbolismo mítico da Maçonaria.

Esses mitos maçônicos compartilham, de forma geral, da natureza dos mitos que constituem a fundação de religiões antigas, como acaram de ser descritas nas palavras de Grote. Dos últimos mitos, Mulller[7] diz que “ a fonte deles será encontrada, na maior parte, em tradições orais”, e que o real e o ideal – ou seja, os fatos históricos e as invenções da imaginação – concorrem, por sua união e fusão recíproca, na produção do mito.

Aquelas são os verdadeiros princípios que governam a construção dos mitos ou lendas maçônicas. Eles também devem a sua existência inteiramente à tradição oral e foram compostos, como eu acabei de salientar, de uma mistura do real e do ideal – do verdadeiro e do falto – dos fatos históricos e das invenções alegóricas.

Dr. Oliver observa que “as primeiras séries de fatos históricos, depois da queda do homem, devem necessariamente ter sido tradicionais e transmitidos de pai para filho pela comunicação oral”[8]. O mesmo sistema, adotado em todos os Mistérios, continua a ser usado na instituição maçônica; e todas as instruções exotéricas contidas nas lendas da Maçonaria estão proibidas de serem escritas, e podem ser difundidas apenas através da comunicação oral entre maçons.[9]

De Wette, em seu Criticismo sobre a História Mosaica, estabelece o teste pelo qual um mito deve ser distinguido de uma narrativa estritamente histórica: o mito não deve se originar na intenção do inventor em satisfazer a sede natural de verdade histórica por meio de uma simples narrativa de fatos, mas em contentar ou tocar os sentimentos, ou ilustrar algumas verdades filosóficas e religiosas.

Esta definição precisamente se encaixa no caráter dos mitos da Maçonaria. Tome, por exemplo, a lenda do grau de mestre, ou do mito de Hirão Abif. Como “uma simples narrativa dos fatos”, ela não tem grande valor – certamente não o valor comensurável do trabalho que foi empreendido em sua transmissão. Esta invenção – que não pretende ser a invenção ou a imaginação de todos os fatos dos quais ela foi composta, pois há materiais suficientes da verdade e da realidade com seus detalhes, mas a invenção ou composição na forma de um mito pelo acréscimo de algumas características, a supressão de outras, e o arranjo geral do todo – não quis acrescentar um único item à grande massa da história, mas em geral, assim como De Wette diz: “ilustrar uma verdade filosófica ou religiosa”, cuja verdade, eu nem preciso dizer que é a doutrina da imortalidade da alma.

Deve ser evidente, a partir de tudo que foi dito a respeito da analogia da origem e do propósito entre os antigos mitos maçônicos e religiosos, que ninguém familiarizado com a verdadeira ciência desse assunto pode afirmar, por um momento, que todas as lendas e tradições da ordem são, literalmente, fatos históricos. Tudo que se pode afirmar com relação a eles é que em alguns há simplesmente um substrato de história, e o edifício construído sobre esta fundação é pura invenção, servindo como um meio de transmitir algumas verdades religiosas; em outros, há apenas uma ideia à qual a lenda ou mito deve a sua existência e da qual é, como um símbolo, o expoente; e em outras, novamente, uma grande parte da narrativa é verdadeira, mais ou menos misturada com ficção, mas a história sempre predomina.

Há uma lenda, contida em alguns de nossos antigos registros, que afirma Euclides ser um distinto maçom, e que ele introduziu a Maçonaria entre os egípcios.[10] Não é necessário a ortodoxia de um credo maçônico acreditar literalmente que Euclides, o grande geômetra, foi realmente um maçom, e que se antigos egípcios estariam em débito com ele por conta do estabelecimento da instituição entre eles. Na verdade, o anacronismo palpável na lenda que faz de Euclides o contemporâneo de Abraão, necessariamente proíbe qualquer crença na afirmação, e mostra que essa história toda é uma absoluta invenção. O maçom inteligente, entretanto, não rejeitará completamente a lenda como ridícula ou absurda; mas, com o devido senso da natureza e do propósito de nosso sistema simbólico, que raramente aceitará isso como se lhe apresenta; a partir da classificação estabelecida na página anterior, poderia chama-la de “mito filosófico” – um engenhoso método de transmitir, simbolicamente, uma verdade maçônica.

Euclides é aqui muito adequadamente usado como um símbolo da geometria, de cuja ciência ele foi um eminente professor; e o mito ou lenda então simbolizará o fato de que houve no Egito uma ligação íntima entre aquela ciência e a grande moral e o sistema religioso adotado pelos egípcios, assim como em outras nações antigas. Algo semelhante ao que a Maçonaria é atualmente – uma instituição secreta, estabelecida para o ensinamento dos mesmos princípios, e transmitindo-os simbolicamente de maneira semelhante. Assim, interpretada, esta lenda corresponde a todos os desenvolvimentos da história egípcia, que nos ensina como ocorreu naquele país a estreita ligação entre os sistemas religioso e científico. Kenrick nos conta que “quando lemos sobre estrangeiros (no Egito) serem obrigados a se submeter a dolorosas e tediosas cerimônias de iniciação, não é porque eles não podiam aprender o significado secreto dos ritos de Osíris ou Isis, mas porque eles podiam partilhar do conhecimento de astronomia, física, geometria e teologia”.[11]

Outra ilustração será encontrada no mito ou lenda das Escadas em Espiral, através das quais se acredita que os Companheiros ascendiam à câmara do meio para receber suas recompensas. Tomando este mito em sentido literal vemos que todas as suas partes se opõem à história e à probabilidade. Como um mito, ele encontra a sua origem no fato de que havia um lugar no templo chamado “Câmara do Meio”, e que, havia “escadas em espiral” através das quais ele era alcançado; pois nós temos, no Primeiro Livro de Reis, que “eles subiam pelas escadas em espiral até a câmara do meio”.[12] Mas nós não termos nenhuma evidência histórica de que as escadas eram da construção, ou que a câmara era usada para o propósito indicado na narrativa mítica como se faz no ritual do segundo grau. A lenda toda é, na verdade, um mito histórico cujo número místico de degraus, o processo de passar para a câmara e as recompensas que eram recebidas são invenções acrescentadas ou inseridas na história fundamental contida no sexto capitulo de Reis para transmitir importante instrução simbólica relativa aos princípios da ordem. Essas lições podem, na verdade, ter sido ensinadas de uma forma direta, didática; mas o método alegórico e mítico adotado tende a causar uma impressão mais forte e mais profunda à mente, e ao mesmo tempo serve para conectar a instituição da Maçonaria com o antigo templo.

Novamente, o mito que traça a origem da Instituição da Maçonaria até o início do mundo e que torna seu começo contemporâneo à criação – um mito mesmo hoje em dia erroneamente interpretado por alguns como fato histórico, como uma referência ainda preservada na data do anno lucis, e que está afixada em todos os documentos maçônicos, - não passa de um mito filosófico que simboliza a ideia e conecta analogicamente a criação da luz física no universo com o nascimento da luz maçônica ou espiritual e intelectual no candidato.

A primeira é o símbolo da outra. Quando, portanto, Preston nos diz que “do início do mundo nós podemos traçar a fundação da Maçonaria”, e quando ele continua a afirmar que “desde que a simetria começou e a harmonia exibiu seus encantos, nossa ordem teve início “, nós não devemos entender sua afirmação como se uma loja maçônica tivesse se instituído no Jardim do Éden. Tal suposição absolutamente nos submeteria ao ridículo de qualquer julgamento. A única ideia que se pretendia transmitir é a de que os princípios da Maçonaria, que, na verdade, eram inteiramente independentes de qualquer organização social, são contemporâneos ao nascimento do mundo; e quando Deus disse: “Que haja luz”, a luz material então produziu um antítipo da luz espiritual que deve ter incidido sob a mente do candidato quando seu mundo intelectual, portanto, “sem forma e vazio”, foi adornado e povoado com os pensamentos vigorosos e os princípios divinos que constituem o grande sistema da Maçonaria Especulativa, e quando o espírito da instituição considerando a vasta profundidade de seu caos mental, o trouxe da escuridão intelectual à luz intelectual[13].

Nas lendas do grau de Mestre e do Arco Real há uma mistura do mito histórico e da história mítica, o que requereu um profundo julgamento e a discriminação desses diferentes elementos. Por exemplo, a lenda do terceiro grau é, em alguns de seus detalhes, indubitavelmente mítica – em outros, apenas e tão-somente histórica. A dificuldade, no entanto, de separar uma da outra, e de distinguir o fato da ficção, necessariamente produziu uma diferença de opinião sobre o assunto entre os escritores maçônicos. Hutchinson e, depois dele, Oliver, consideraram a lenda toda uma alegoria ou um mito filosófico. Eu estou inclinado, como Anderson e os escritores antigos, a supor que esta seja uma história mítica. No grau do Arco Real, a lenda da reconstrução do templo é claramente histórica; mas há tantas circunstâncias ao redor, que não são oficiais, exceto pela tradição oral, que dão à narrativa toda a aparência de uma história mítica. A lenda particular dos três peregrinos exaustos com certeza é um mito e, talvez, meramente filosóficos ou enunciação de uma ideia – uma recompensa da verdade divina.

“Criar e interpretar símbolos”, diz o sábio Creuzer, “era a principal ocupação do antigo clero”. Sobre o maçom estudioso a mesma tarefa de interpretação recai. Aquele que deseja apreciar adequadamente a profunda sabedoria da instituição da qual é discípulo com credibilidade não inquisitiva, não se deve dar por satisfeito em aceitar todas as tradições que lhe são transmitidas como histórias verdadeiras; nem com incredulidade não filosófica, em rejeitá-las em massa, como invenções fabulosas. Nesses extremos há o mesmo erro. “O mito”, diz Hermann, “é a representação de uma ideia”. Ele faz parte da ideia que o estudante deve buscar nos mitos da Maçonaria. Sob cada um deles há algo mais rico e mais espiritual que a mera narrativa.[14] É a essência espiritual que ele deve aprender a extrair de um estado bruto no qual, como um metal precioso, permanece incrustado. É isso que constitui o verdadeiro valor da Maçonaria. Sem seus símbolos e seus mitos ou lendas, e as ideias e conceitos que residem em sua origem, o tempo, o trabalho, e o gatos incorrido na perpetuação da instituição seriam desperdiçadas. Sem eles, seria um “show vão e vazio”. Seus hábitos sociais e seus atos de caridade não passariam de pontos incidentais de sua constituição – de fato bons para si mesmos, mas capazes de ser alcançados de forma mais simples. Seu valor verdadeiro como uma ciência, consiste em seu simbolismo – pelas grandes lições de verdade divina que ensina e pela maneira admirável com a qual transmite seus ensinamentos. Cada um, portanto, que deseja ser um habilidoso maçom, não deve supor que a tarefa realizada em busca do conhecimento perfeito seja mera frasealogia do ritual, para um pronto abrir e fecha loja, nem para uma indiferente capacidade de conferir graus. Todas as tarefas são necessárias em seus propósitos, mas sem o significado interno, elas não passarão de mera brincadeira de criança. Deve-se estudar os mitos, as tradições e os símbolos da ordem, e aprender sua verdadeira interpretação, pois só isso constitui a ciência e a filosofia – o fim, o objetivo e o propósito da Maçonaria Especulativa.

[1] Noaquidas, ou noaquitas, os descendentes de Noé. Como este patriarca preservou o nome verdadeiro e a adoração a Deus entre uma raça de idólatras ímpios, os maçons reivindicam ser seus descendentes, porque eles preservaram a religião pura que distinguia este segundo pai da raça humana do resto do mundo. (Ver o Lexicon da Maçonaria do autor.) Os operários de Tiro no Templo de Salomão eram descendentes de outra divisão da raça que ocorreu em Sinar, da verdadeira adoração, e repudiaram os princípios de Noé. O povo de Tiro, no entanto, como muitos outros místicos antigos, recuperou uma parte da luz perdida, e a recuperação completa foi finalmente alcançada pela sua união com os maçons judeus que eram os noaquitdas. 

[2] “A mythis omnis priscorum hominum tum historia tum filosofia procedit” – Ad. Apollod. Biblioteca de Aten. Not. F. p. 3 – Faber diz: “Alegoria e personificação eram bastante adequadas ao gênio da antiguidade; e a simplicidade da verdade foi continuamente sacrificada no santuário de decoração poética”. – No Cabiri. 

[3] Ver Grote, História da Grécia, vol I. Cap. XVI. P. 479, de onde essa designação foi substancialmente derivada. As definições de Creuzer, Hermann, Buttmann, Heyne, Welker, Voss e Muller não são melhores, e algumas nem são tão boas. 

[4] Hist. Da Grécia, vol. I. Cap. XVI. P. 579. A ideia da existência de um povo iluminado, que viveu em uma era remota, e veio do Oriente, foi uma nação muito prevalente entre as antigas tradições. Corrobora disso que a palavra hebraica Kedem, significa, com respeito ao local, o Oriente, e, com relação a tempo, tempo passado, dias antigos. A frase em Isaías XIX. 11: “Eu sou o filho do sábio, o filho dos reis antigos”, poderia ter sido assim traduzida: “o filho dos reis do Oriente”. Em uma nota à passagem de Ezequiel XI.III. 2, “a glória de Deus de Israel veio do caminho do Oriente”. Adam Clarke diz: “ Todo conhecimento, toda religião, e todas as artes e ciências viajaram, de acordo com o curso do sol. DO ORIENTE AO OCIDENTE 

!” Bazor nos diz (em seu Manual da Franc-maçonaria, p. 154) que “a veneração que os maçons têm pelo Oriente confirma uma opinião previamente anunciada de que o sistema religioso da Maçonaria veio do Oriente, e faz referência à religião primitiva, cuja primeira corrupção foi a adoração do sol”. Por fim, o leitor maçônico recordará a resposta dada no Manuscrito Leland à questão com relação a origem da Maçonaria: “isso começou (eu modernizei a ortografia) com os primeiros homens do Oriente, que surgiram antes dos primeiros homens do Ocidente; e vindo ocidentalmente, trouxe consigo consolo aos selvagens e sem conforto”. O comentário de Locke sobre sua resposta pode concluir esta observação: ”Parece que os maçons acreditam que havia homens no Oriente antes de Adão, que eram chamados de “primeiro homem do Ocidente”, e que as artes e ciências começam no Oriente. Alguns autores notáveis pela experiência, tinha a mesma opinião; certamente a Europa e a África (que, com respeito à Ásia, podem ser chamados de continentes ocidentais) ainda eram desertas e selvagens muito tempo depois de as artes e a delicadeza nas maneiras alcançarem um estado de perfeição na china e nas Índias”. Os talmudistas fazem as mesmas alusões à superioridade do Oriente. Então, Rabbi Bechai diz: “Adão foi criado com sua face em direção ao Oriente para que pudesse contemplar a luz e o sol nascente, de onde o Oriente foi a ele a parte anterior do mundo”. 


[5] Strauss fez uma divisão de mitos em histórico, filosófico e poético. – Leben Jesu. – Seu mito poético com minha primeira divisão, seu filosófico com meu segundo, e seu histórico com meu terceiro. Mas eu oponho à palavra poética como um termo distintivo porque todos os mitos têm sua fundação na ideia poética. 

[6] Ulmann, por exemplo, faz distinção entre o mito e a lenda – o primeiro contendo bastante ficção combinado com história, e o últimas alguns poucos ecos da história mítica. 

[7] Em seu Protegem-na zu einer wissenshaftlichen Mythologic, Ca. PIV. Essa importante obra foi traduzida em 1844, por Jonh Leitch 

8] Landmarks Históricas, I. 53. 

[9] Ver artigo do autor sobre As Landmarks Não-Escritas da Maçonaria, no primeiro volume da Miscelânea Maçônica, na qual este assunto é tratado detalhadamente. 

[10] Como uma questão de algum interesse ao curioso leitor, eu acrescento a lenda conforme publicada no Gentleman´s Magazine, em junho de 1815, de um rolo de pergaminho escrito no início do século XVII, e que, se for o caso, foi muito provavelmente copiada em uma data ainda mais antiga: “além do mais, quando Abraão e sua esposa Sarra foram ao Egito, aprenderam as Sete Ciências liberais. Em seus dias sobreveio que o senhor e os escravos do reino haviam feito muitos filhos com suas esposas e outras senhoras do reino, pois esta era uma terra quente e propícia à procriação. Eles não tinham como ter uma vida digna com seus filhos; motivo pelo qual se preocupavam muito. Então o Rei da terra um grande conselho e um parlamento para que pudessem criar seus filhos honestamente como cavalheiros. E de maneira nenhuma conseguiam encontrar um bom caminho. Então eles chamaram por todo esse reino que se houve qualquer homem que pudesse prepara-los, que viesse até eles, pois seria recompensado por seu trabalho, o que o manteria satisfeito. Depois desse clamor, o respeito do Sr. Euclides apareceu e disse ao Rei e a todos seus senhores: “Se desejar, leve-me seus filhos para eu os ensinar e ministrar a eles uma das Sete Ciências, por meio da qual eles consigam viver honestamente como cavalheiros devem viver, sob a condição de que me conceda uma comissão para que eu possa ensiná-los da maneira que a ciência deve ser ensinada. Que o Rei e todo seu conselho concedam apenas a ele, e selem sua comissão. Assim retomou para ele os filhos dos senhores e lhes ensinou a ciência da Geometria na prática para trabalharem nas pedras de todas as maneiras possíveis, construindo igrejas, templos, castelo, torres, mansões e todas as outras formas de construção”. 

[11] Antigo Egito sob os Faraós, vol 1 p. 393. 

[12] I Reis VI, 8. 

[13] Uma alusão a este simbolismo consta em um dos mais bem conhecidos lemas da ordem – Luz e tenebris. 

[14] “Uma alegoria é aquilo que, sob personagens e alusões emprestadas, transmite alguma ação real ou instrução moral; ou, para manter mais estritamente a sua derivação (alius e dico), é por meio dela que uma coisa é relatada e outra entendida. Dessa forma fica aparente que uma alegoria deve ter dois sentidos – o literal e místico, e por esta razão sua instrução deve ser transmitida sob personagens e alusões emprestados do mundo todo”. – A Antiguidade, Evidência e Certeza do Cristianismo Debatido ou A Análise do Dr. Middleton dos Discursos sobre a Profecia do Bispo de Londres. ANSELM BRAYLY, LL.B. Canon Minor de São Paulo, Lodres, 1751.

sexta-feira, 26 de maio de 2017



A LENDA DAS ESCADAS EM ESPIRAL





Albert G. Mackey


Antes de prosseguir com a análise das lendas míticas mais importantes que pertencem ao grau de Mestre, não será, eu acho, desagradável ou pouco instrutivo considerar a única coisa que está ligada ao grau de Companheiro – que se refere ao ascendente alegórico das Escaldas em Espiral à Câmara do Meio e o pagamento simbólico do salário dos operários.

Embora a lenda das Escadas em Espiral seja uma tradição importante da Antiga Arte da Maçonaria, a única alusão a isso nas Escrituras deve ser encontrada em um único verso no sexto capítulo do Primeiro Livro de Reis: “A porta parra a câmara do meio estava do lado direito da casa; e eles subiram pelas escadas em espiral à câmara do meio, saíram da do meio para a terceira”. Desse escasso material foi criada uma alegoria que, se adequadamente considerada em suas relações simbólicas, revelará uma beleza inigualável. Mas é apenas como um símbolo que nós podemos considerar esta tradição toda, pois os fatos históricos e os detalhes arquitetônicos igualmente impediram-nos, por um momento, de supor que a lenda, como é realizada no segundo grau da Maçonaria, não passaria de um magnifico mito filosófico.

Permita-nos inquirir ao verdadeiro propósito desta lenda, e aprender a lição de simbolismo que se pretende ensinar.

Na investigação do verdadeiro significado de todos os símbolos, alegorias maçônicas, devemos ser guiados pelo único princípio de que o desígnio completo da Maçonaria como uma ciência especulativa é a investigação da verdade divina. Para este grande objetivo tudo é subsidiário. O maçom é, desde o momento de sua iniciação como Aprendiz até o momento em que recebe toda a fruição da luz maçônica, um investigador – um operário na pedreira e no templo – cuja recompensa deve ser a Verdade. Todas as cerimônias e tradições da ordem tendem a esse derradeiro fim. Que luz podemos encontrar lá? É a luz intelectual da sabedoria e da verdade. Há uma palavra a ser buscada? Esta palavra é o símbolo da verdade. Há uma perda de algo que havia sido prometido? Esta perda é típica da falha do homem, na enfermidade de sua natureza, em descobrir a verdade divina. Há um substituto a ser aprontado para essa perda? Ela é uma alegoria e nos ensina que neste mundo o homem pode apenas se aproximar do conceito completo da verdade.

Sendo assim, sempre há na Maçonaria Especulativa um progresso, simbolizado por suas cerimônias peculiares de iniciação. Há um avanço de um estado inferior para um estado superior – da escuridão para a luz – da morte para a vida – do erro para a verdade. O candidato sempre ascende; ele nunca fica parado; ele nunca volta atrás, mas cada passo que ele dá o leva a alguma nova iluminação mental – ao conhecimento de algumas das doutrinas mais elevadas. O ensinamento do Mestre Divino é, com respeito a este progresso contínuo o ensinamento da Maçonaria: “Nenhy8um homem que tenha posto as mãos no arado e olhado para trás é digno do reino dos céus”. E similar a isso é o preceito de Pitágoras: “quando for viajar, não volte, pois se você fizer isso as fúrias o acompanharão”.

Este princípio de simbolismo maçônico é aparente em muitos dos lugares e em cada um dos graus. No grau de Aprendiz, o encontramos sob a forma de uma escada teológica, que ficando na terra, seu topo leva até os céus, então passando a ideia da ascensão de uma esfera inferior para uma superior como objeto do trabalho maçônico. No grau de Mestre, nós o encontramos em suas formas mais religiosas, na restauração da morte à vida – na mudança da obscuridade da sepultura ao santo dos santos da Divina Presença. Em todos os graus encontramos isso apresentado como na cerimônia de circum-ambulação, na qual há uma inquisição gradual, e uma passagem de um oficial inferior para um superior. E por fim, a mesma ideia simbólica é transmitida ao grau de Companheiro Maçom, na lenda das Escadas em Espiral.

Em uma investigação do simbolismo das Escadas em Espiral, somos levados à verdadeira explicação acerca da referência de sua origem, seu número, os objetos que elas lembram, e seu término, mas acima de tudo por uma consideração do grande propósito que é a ascensão sobre elas queira realizar. 

Acredita-se que os degraus da Escada em Espiral começavam no pórtico do templo, ou seja, em sua verdadeira entrada. Mas nada é mais certo na ciência maçônica do que o templo ser um representante do mundo purificado pela Shekinah, ou Presença Divina. O mundo do profano não tem templo; o mundo do iniciado está dentro de suas paredes sagradas. Assim, entrar no templo e passar por dentro do pórtico para se tornar maçom, e nascer no mundo da luz maçônica, são todos sinônimos e termos conversíveis. Aqui, então, começa o simbolismo das Escadas em Espiral.

O Aprendiz, tendo adentrado o pórtico do templo, começa sua vida maçônica. Mas o primeiro grau na Maçonaria, como o menor dos Mistérios dos antigos sistemas de iniciação, é apenas uma preparação e uma purificação para algo superior. O Aprendiz é a criança na Maçonaria. As lições que recebe pretendem simplesmente purgar o coração e preparar o recipiente para a iluminação mental que deve ser feita nos graus sucessivos.

Como um Companheiro Maçom, ele avançou outro degrau, e como o grau é emblemático da juventude, então é aqui que a educação intelectual do candidato começa. Portanto, este é o lugar que separa o Pórtico do Santuário, onde a infância termina e a idade adulta começa, ele encontra diante de si uma escada em espiral que o convida a ascender, e que, como o símbolo do discípulo e da instrução, ensina-lhe onde deve começar seu trabalho maçônico – aqui ele deve iniciar as pesquisas gloriosas, embora difíceis, que o levarão à posse da verdade divina. As Escadas em Espiral começam depois que o candidato passou por dentro do Pórtico e entre as colunas de Força da Intuição, como um símbolo significativo elas ensinam que quando os anos da infância irracional passarem e ele adentrar a vida principal a tarefa laboriosa do autodesenvolvimento é a primeira obrigação que lhe será imposta. Ele não poderá ficar parado, se digno de sua vocação; seu destino como um ser imortal requer que ele ascenda, passo a passo, até que alcance o cume, onde os tesouros do conhecimento o aguardam.

O número de degraus em todos os sistemas tem sido ímpar. Vitrúvio observa – e a coincidência é ao menos curiosa – que os antigos templos foram sempre ascendidos por um número ímpar de degraus, e determina racionalmente que, começando como pé direito no degrau inferior o adorador chegaria com o mesmo pé ao entrar no templo, o que foi considerado um presságio afortunado. Mas o fato é que o simbolismo de números foi emprestado pelos maçons de Pitágoras, em cujo sistema de filosofia ele desempenha um papel importante, e cujos números ímpares foram considerado como mais perfeitos que os pares. Sendo assim, por todo sistema maçônico vamos encontrar uma predominância de números ímpares; e, enquanto três, cinco, sete, nove, quinze e vinte e sete, são símbolos importantes, raramente encontraremos referência a dois, quatro, seis, outo ou dez. O número ímpar nas escadas tinha o intuito de simbolizar a ideia de perfeição, objetivo que o aspirante almeja atingir.

Como o número particular de escadas, isso variou em períodos diferentes. Tabuas de delinear do último século foram encontradas, nas quais apenas cinco degraus são delineados, e outras nas quais eles são sete. As leituras de Preston, usadas na Inglaterra no início deste século deram o número completo como 36, dividindo-os em séries de um, três, cinco, sete, nove e onze. O erro de usar número par, que foi uma violação do princípio pitagórico de números ímpares como símbolo da perfeição, foi corrigido nas leituras de Henming, adotadas na união das duas Grandes Lojas da Inglaterra, ao eliminar o onze, que também foi repreensível, pois recebeu uma explicação sectária. Nos Estados Unidos, o número foi ainda mais reduzido a quinze, dividido em três séries de três, cinco e sete. Eu adotarei esta divisão americana ao explicar o simbolismo, embora, apesar de tudo, o número particular de degraus, ou o método peculiar de sua divisão em séries, não afetará de forma alguma o simbolismo geral da lenda.

O candidato, então, no segundo grau da Maçonaria, representa um homem começando a jornada da vida, com a grande tarefa de auto aprimoramento. Para o desempenho fiel dessa tarefa uma recompensa é prometida, e que consiste no desenvolvimento de todas as suas faculdades intelectuais, a elevação moral e espiritual de seu caráter e a aquisição da verdade e do conhecimento. Alcançar esta condição moral e intelectual supõe uma elevação de caráter, uma ascensão de uma vida inferior a uma vida superior, e uma passagem do trabalho da dificuldade, por meio de rudimentar instrução, à total fruição da sabedoria. Muito bem simbolizado pelas Escadas em Espiral em cuja base o aspirante se apronta para subir o cansativo escarpado, enquanto no ápice se situa “aquele brilho hieroglífico que somente os maçons da arte já viram”, como o emblema da verdade divina. Um distinto escritor disse que “esses degraus, como os símbolos maçônicos, são ilustrativos do discípulo e da doutrina, assim como da ciência natural, da matemática e da metafísica, e nos abrem uma ampla gama de investigação moral e especulativa”.

O candidato, incitado pelo amor à virtude e pelo desejo de conhecimento, e com grande ânsia pela recompensa da verdade que lhe é oferecida, finalmente começa a fatigante subida. Em cada lance de escadas ele recebe a instrução do simbolismo que se lhe apresentam.

Na primeira pausa que faz, é instruído na organização peculiar da ordem da qual se tornou discípulo. Mas essa informação, se tomada de forma crua e literal, é improdutiva e indigna de seu trabalho. O nível dos oficiais que governam e os nomes dos graus que tem na instituição podem dar a ele nenhum conhecimento a mais do que possuía anes. Portanto devemos procurar qualquer significado simbólico que faça alusões ao valor a ser extraído dessa parte da cerimônia.

A referência à organização da instituição maçônica pretende lembrar o aspirante da união dos homens na sociedade e o desenvolvimento da natureza do estado social. Então ele é alertado bem no início dessa jornada, das bênçãos que surgem da civilização, e dos frutos da virtude e do conhecimento que se originam dessa condição. A própria Maçonaria é o resultado da civilização; enquanto, em contrapartida, ela foi um dos meios mais importantes de extensão daquela condição da humanidade.

Todos os monumentos da antiguidade que foram poupados da destruição pela ação do tempo, contribuem para provar que o homem não havia emergido antes do estado selvagem ao estado social, que ele começou a organização dos mistérios religiosos, e a distinção, por um tipo de instinto divino, do sagrado para o profano. Então a invenção da arquitetura tornou-se um meio de fornecer residências convenientes e abrigos necessários às inclemências e vicissitudes das estações com todas as artes mecânicas ligadas a isso; e, por fim, a geometria como uma ciência necessária para que os agricultores pudessem medir e estabelecer os limites de suas posses. Todas essas formaram as chamadas características peculiares da Maçonaria Especulativa, que podem ser consideradas um símbolo da civilização, a primeiro mantendo a mesma relação com o mundo profano assim como a última faz em relação ao estado selvagem. Imediatamente vemos a oportunidade de o simbolismo iniciar o progresso ascendente do aspirante no cultivo do conhecimento e na busca da verdade, relembrando sua mente da condição da civilização e a união social da humanidade como preparações necessárias para ele atingir aqueles objetivos. Nas alusões aos oficiais de uma Loja, e aos graus da Maçonaria como explicação da organização dessa própria sociedade, abarcamos com a nossa própria linguagem simbólica a história da organização da sociedade.

Avançando em seu progresso, o candidato é convidado a contemplar outra série de instruções. Os sentidos humanos, como os canais apropriados para recebermos todas as ideias de percepção e que, portanto, constituem as fontes mais importantes de nosso conhecimento, são aqui referidos como símbolos de cultivo intelectual. Arquitetura, a mais importante das artes que conduzem ao conforto da humanidade, é também aludida, não simplesmente porque está tão intimamente ligada à instituição operativa da Maçonaria, mas também como símbolo de todas as outras artes úteis. Em sua segunda pausa, na ascensão das Escadas em Espiral, o aspirante é lembrado da necessidade do cultivo do conhecimento prático.

Até então, as instruções que recebeu estavam relacionadas à sua própria condição na sociedade como membro do grande acordo social, o que para ele significa tornar-se por um conhecimento das artes da vida prática, um membro necessário e útil daquela sociedade.

Mas este lema será “Excelso”, pois ainda progredirá e regredirá. A escada ainda está diante dele; seu cume ainda não foi alcançado, e, e mais tesouros de sabedoria devem ser buscados, ou a recompensa não será ganha, nem a câmara do meio, o local permanente da verdade será alcançado.

Em sua terceira pausa, ele chega no ponto no qual o círculo completo da ciência humana deve ser explicado. Nós sabemos que os símbolos são arbitrários e seus significados convencionalizados, e o círculo completo da ciência humana deve ser também simbolizado por qualquer outro signo ou série de doutrinas, assim como pelas sete artes e ciências liberais. Mas a Maçonaria é uma instituição antiga, e esta seleção das artes e ciências liberais como um símbolo de completude da aprendizagem humana é uma das evidências mais férteis que temos de sua antiguidade.

No século VII, e por um longo tempo depois, o círculo de instrução ao qual toda a aprendizagem das mais eminentes escolas e dos mais distintos filósofos ficou confinada, estava limitado ao que foi então chamado de artes e ciências liberais, e que consistia de dois ramos, o trívio e o quadrívio[1]. O trívio incluía a gramática, a retórica e a lógica; o quadrívio compreendia a aritmética, a geometria, a música e a astronomia.

“Essas sete diretrizes”, diz Enfield, “supostamente incluíam o conhecimento universal. Quem fosse mestre dessas artes não precisava de um preceptor para explicar nenhum livro ou para resolver quaisquer questões situadas no compasso da razão humana, o conhecimento do trivio fornecia-lhe a chave de toda linguagem, e o quadrívio abria-lhe as leis secretas da natureza”[2].

Em um período, diz o mesmo escritor, quando poucos foram instruídos no trívio, e poucos estudaram o quadrívio, ser mestre de ambos era suficiente para completar o caráter de um filósofo. A conveniência de adotar as sete artes e ciências liberais como um símbolo da completude da aprendizagem humana é aparente. Supõe-se que o candidato, tendo alcançado este ponto, agora tenha completado a tarefa para a qual foi iniciado – ao alcançar o último degrau, ele agora estará pronto para receber a total fruição da aprendizagem humana.

Até então, fomos capazes de compreender o verdadeiro simbolismo da Escada em Espiral. Elas representam o progresso de uma mente investigadora, com os trabalhos e labores do estudo e do cultivo intelectual, e a aquisição preparatória de toda ciência humana, como passos preliminares para o alcance da verdade divina, que devemos lembrar, ela sempre é simbolizada na Maçonaria pela palavra.

Aqui me permito novamente aludir ao simbolismo dos números que é pela primeira vez apresentado à consideração do estudante maçônico na lenda das Escadas em Espiral. A teoria dos números com os símbolos de determinadas qualidades foi originalmente agregada pelos maçons da escola de Pitágoras. Será impossível no momento presente, entretanto, desenvolver esta doutrina em toda sua extensão, pois o simbolismo numérico da Maçonaria constitui materiais por meio de um ensaio amplo. Será suficiente advertir ao fato de que o número total de degraus, num total de quinze, no sistema americano, é um símbolo significativo. Pois quinze foi um número sagrado entre os orientais, uma vez que as letras do nome sagrado Jah `n, era, em valor numérico, equivalente a quinze; assim uma figura na qual os nove dígitos eram dispostos para totalizar quinze em qualquer direção perpendicular, horizonta ou diagonal, constituía um dos seus mais sagrados talismãs. Os quinze degraus das Escadas em Espiral são, portanto, símbolos do nome de Deus.

Mas nós ainda não acabamos. Uma recompensa foi prometida a toda essa ascensão fatigante das Escadas em Espiral. Agora, quais são as recompensas do Maçom Especulativo? Nem dinheiro, nem milho, nem vinho, nem óleo. Todos esses são símbolos. Sua recompensa é a Verdade, ou a aproximação mais apropriada ao grau em que ele foi iniciado. Esta é uma das mais belas e ao mesmo tempo das mais recônditas doutrinas da ciência do simbolismo maçônico, na qual o Maçom ainda está em busca da verdade, mas nunca a encontrará. A verdade divina, objeto de todos os seus trabalhos, é simbolizada pela PALAVRA, da qual sabemos que ele poderá apenas obter uma substituta; pretende-se, assim, ensinar a humilhante, mas necessária lição de que o conhecimento da natureza de Deus e a relação do homem com Ele constitui a verdade divina que nunca poderá ser adquirida nesta vida. Somente quando as portas do túmulo se abrirem para nós e nos derem passagem para uma vida mais perfeita, esse conhecimento, será atingido. “Feliz é o homem “, diz o pai da poesia lírica, “que desce abaixo da esfera terrena, tendo contemplado os mistérios e sabe o fim, ele conhece a origem da vida”.

A Câmara do Meio simboliza esta vida, onde apenas o símbolo da palavra pode ser fornecido, onde a verdade deve ser alcançada somente por aproximação, e nós ainda estamos por aprender que a verdade consistirá em um conhecimento perfeito do G.´.A.´.D.´.U.´. Esta é uma recompensa do maçom investigativo; nisto consistem as recompensas de um Companheiro Maçom; dele está direcionado à verdade, mas deve viajar mais adiante e ascender ainda mais para atingi-la.

É, então, como um símbolo, apenas como um símbolo que devemos estudar a bela lenda das Escadas em Espiral. Se tentarmos adorá-la como um fato histórico, o absurdo de seus detalhes nos encara, e os homens sábios se espantarão com a nossa credulidade. Seus inventores não tinham desejo de se impor sobre a nossa tolice, mas ofereciam-na como um grande mito filosófico, por um momento eles não supuseram que nós deveríamos ignorar seus ensinamentos morais sublimes para aceitar a alegoria como uma narrativa histórica, sem significado, totalmente incompatível com os registros das Escrituras e oposto a todos os princípios possíveis. Supor que 8.000 operários fossem pagos semanalmente em estreitos precitos[3] das câmaras do templo, é simplesmente presumir um absurdo. Mas para acreditar que toda essa representação ilustrada de uma ascensão pela Escadaria em Espiral situa onde os pagamentos pelo trabalho eram recebidos foi uma alegoria para nos ensinar a ascensão mental da ignorância, por todos os trabalhos de estudo e as dificuldades em se obter conhecimento, recebendo aqui e ali um pouco, acrescentando algo ao estoque de nossas ideias a cada passo, até que, no meio da câmara da vida – na total fruição da idade adulta – a recompensa seja alcançada, e o intelecto purificado e elevado seja investido com a recompensa na direção de como buscar Deus e a Verdade de Deus – acreditar nisso é acreditar e saber o verdadeiro desígnio da Maçonaria Especulativa, o único desígnio que o torna digno de estudo a um homem bom ou as sábio.

Seus detalhes históricos são difíceis, mas seus símbolos e alegorias como instrução são férteis.








[1] As próprias palavras são puramente clássicas, mas os dignificados a elas aqui atribuídos são de uma latinidade medieval ou corrupta. Entre os romanos antigos, um trívio significa um local onde três caminhos se encontram, e um quadrívio, seriam quatro, ou o que nós chegamos de cruzamento. Quando falamos dos caminhos de aprendizado, nós prontamente descobrimos a origem do significado que os filósofos escolásticos deram a esses termos. 


[2] História da Filosofia, vol. II, pag. 337. 


[3] [Religião] Que, de acordo com determinada doutrina, está previamente condenado. Que foi alvo de maldição; réprobo.


O GALO, O PELICANO E A ÁGUA - SIMBÓLICOS OU REAIS - ESTES ANIMAIS QUE NOS INTERROGAM SOBRE NOSSA CONDIÇÃO HUMANA


Tradução José Filardo

Publicado 17 de maio de 2017 – por John Moses Braitberg




Do galo do gabinete de reflexão à águia de uma ou duas cabeças, passando pelo pequeno povo do Livro da selva de Kipling, os animais, embora raros, estão simbolicamente presentes na Maçonaria. E assim eles nos lembram que a observação da natureza é instrutiva sobre a nossa condição humana. Tomemos cuidado, entretanto, de não humanizar demais a natureza, sob risco de distorcer o humanismo.

Devemos admitir que, entre os maçons, os animais estão mais presentes na mesa do banquete, que em seu simbolismo. Se existe, o bestiário maçônico inclui apenas animais de penas. Animais aéreos, relacionados, portanto, com a respiração, o espírito, o céu. Embora o primeiro deles, o galo, mesmo se ele tem asas para voar, tem as duas pernas bem colocadas sobre a terra e se manifesta principalmente por seu canto matinal, chamando ao despertar, à iluminação, ao renascimento. Razão pela qual o galo está presente no gabinete de reflexão, por vezes associada a esta frase: “Vigilância e perseverança. Ele vela na escuridão e anuncia a luz”.

O galo anuncia a chegada da luz e, portanto, da iniciação. Seu significado simbólico é tão antigo quanto universalmente distribuído. Anteriormente, os companheiros construtores utilizavam o galo para exorcizar suas construções. Sua cor era importante porque correspondia a um dos três cantos que o galináceo canta ao alvorecer. O primeiro galo é preto, porque o seu canto acontece durante a noite; o segundo é vermelho como a cor da aurora e simboliza a luta entre a escuridão e a luz; o terceiro é branco, porque a luz conquistou a escuridão. Cabia ao mais jovem aprendiz ir colocar o frango, o catavento em forma de galo, no topo da torre da igreja.

Na Índia, Skanda, o deus da guerra é acompanhado por um galo, símbolo, ao mesmo tempo, de viril e solar. No Japão, é o canto do galo que faz sair de sua gruta celestial a deusa do sol Amaterasu. Na França, fabricamos seu nome a partir da raiz celta Kog, que designa a cor vermelha, associada ao amanhecer e ao sol. Mas em latim, o galo se diz Gallus, daí o trocadilho com Galus, os gauleses, a origem do galo gaulês das moedas, dos cataventos e sem dúvida dos campanários. Embora, colocado no alto, o volátil evoca, em vez, seu simbolismo bíblico. No Antigo Testamento, primeiro, onde ele é coberto de louvores, ao lado de seu parceiro emplumado, o Ibis:

“Quem fez do Ibis o pássaro cheio de sabedoria?

Quem deu ao galo a arte do discernimento? “(Jó 38: 36)

Na tradição cristã, o galo personifica Cristo anunciando o novo dia da fé. Há também o famoso episódio da negação de São Pedro, a quem Jesus havia predito que ele o iria renegar três vezes antes que o galo cantasse duas vezes.

O galo, finalmente, também está associado à hagiografia de muitos santos: São Vito, o curador por suas qualidades viris, Santa Odila, milagrosamente curada de uma cegueira e que tinha recuperado a luz do dia, como o galo. São Tiago Maior, protetor dos caminhos de Compostela, que, de acordo com uma lenda espanhola trazia em seus braços um infeliz inocente enforcado por engano até que um galo assado comece a cantar para provar a inocência do pobre condenado…

Há também o galo no Islã, onde é associado ao Muezzin que anuncia a oração ao amanhecer. Mas, diz o Corão que, se o galo canta à noite, é que ele viu um anjo. Por outro lado, se um burro zurrar, nas mesmas circunstâncias, é um sinal de que ele viu o diabo. Enfim, o galo branco é evocado por vários Hadîth (tradição oral). De acordo com um deles, Adão, ao sair do Paraíso, foi acompanhado por um galo branco de crista dividida e tão grande quanto um boi, que lhe mostrava as horas de oração.


As dores do pelicano

Se assim, o galo é na ordem da iniciação o primeiro animal que o maçom encontra, será preciso que ele progrida muito para encontrar um segundo símbolo animal, o pelicano.

Quando o pelicano, cansados de uma longa viagem,
Na névoa da noite retorna às suas canas,
Seus pequenos esfaimados correm sobre a margem
Vendo-o ao longe cair sobre as águas.
Já, acreditando capturar e compartilhar sua presa,
Eles correm para o pai com gritos de alegria
Sacudindo seus bicos sobre seus bócios hediondos.
Ele, lentamente ganhando uma alta rocha,
Sua asa pendente abrigando sua ninhada,
Melancólico pescador, ele observa os céus.
O sangue flui em longas ondas do peito aberto;
Em vão, ele procurou na profundidade do mar;
O oceano estava vazio e a praia deserta;
Para todo alimento que ele traz seu coração.
Sombrio e silencioso, estendido sobre a pedra
Compartilhando com seus filhos as entranhas de pai,
Em seu amor sublime ele embala sua dor,
E, olhando correr seu peito ensanguentado,
Sobre seu festim de morte, ele cambaleia e cai,
bêbado de prazer, de ternura e de horror.

Com sua verve romântica, Alfred de Musset detalha em um longo poema o destino glorioso e trágico do pelicano, pássaro igualmente mítico e simbólico que a Fênix, mas, neste caso, muito real.

Este pássaro, raramente encontrada no sul da França habita principalmente os pântanos, canaviais e paisagens lacustres do Sudeste da Europa, da África, da Ásia e da América. É um grande pássaro que pode exceder os dez quilos, vive em bandos e se alimenta de peixe. O interesse nele remonta pelo menos ao antigo Egito. Presente na decoração dos templos, parece ter sido assemelhado, se não confundido com o cisne.

É junto aos padres da Igreja que se precisa buscar o simbolismo associado ao Pelicano. Isto se baseia no fato de que a ave acumula peixes em seu papo, de modo que o sangue escapa de seu bico quando ele volta ao ninho, onde abre o bico para que seus filhotes dali retirem seu alimento. Uma observação superficial dessa cena podia levar a acreditar que o pelicano levava a abnegação paterna ao ponto de alimentar seus filhotes com a sua própria carne. Uma lenda persistente, retomada por Leonardo da Vinci dizia também que um pelicano, vendo seus filhotes mortos por uma serpente, lhes devolvia a vida pulverizando seu sangue sobre eles. Outra versão foi dada pelo “Physiologos”, bestiário cristão escrito no Egito no século II que influenciou toda a Idade Média. Nesta versão, os pequenos pelicanos, no nascimento, batiam em seu pai. Como retaliação, eles eram mortos e depois ressuscitavam três dias depois, graças às gotas de sangue que sua mãe pingava sobre eles. Naturalmente, associa-se esse mito ao sacrifício de Cristo para salvar o mundo. Assim como seu sangue, associado à cruz e à Eucaristia promete a ressurreição, o pelicano tornou-se um símbolo da ressurreição. Eusébio de Cesarea e Santo Agostinho o mencionam no início do século IV. O pássaro, a partir de então ligado ao simbolismo cristão, apareceu em seguida em muitos livros de iluminuras, nos capiteis de igrejas e mais tarde nos brasões. Ele á tão comum na heráldica que adorna o cetro de Ottokar que Tintin devolve ao rei da Sildavia, Muskar XII antes de ser recebidos na ordem do pelicano de Ouro, a mais alta distinção desse país imaginário. Bem real este, o reino da dinastia escocesa dos Stuarts havia adotado o Pelicano em seus brasões que incluem um pelicano de prata alimentando seus filhotes, acompanhado pela frase: “Virescit vulnere virtudes” “A coragem se fortalece com um ferimento”. Talvez esta seja a origem da presença do pelicano no grau 18 dos ritos chamados “escoceses”. Pelo menos se seguirmos as premissas segundo as quais a Maçonaria foi trazida para a França pelos regimentos exilados leais ao Rei da Escócia, James Stuart II. Mais provavelmente, devemos ver neste grau muito católico, chamado Rosacruz, um dos muitos caminhos esotéricos que os altos graus emprestam da sabedoria hebraica, de Pitágoras, dos Templários ou da alquímica, e tanto é verdade, que não existe tradição maçônica diferente daquela que a Maçonaria toma emprestado das mais diferentes tradições.

Altura de vista da águia

Na origem de sua criação, em 1765, na quarta ordem do antigo Rito Francês, equivalente ao 18 escocês, o grau se chama Cavaleiro da Águia e do Pelicano. Eis aqui o maçom provido de dois pares de asas, sem dúvida para voar ainda mais alto em direção à sabedoria.

Compreensivelmente o fascínio muito antigo com a águia se impõe à imaginação por sua envergadura, a altura de seu voo, a acuidade de sua visão, sua força, mas também sua crueldade. O simbolismo ligado a ela junto aos maçons está enraizado na antiguidade greco-latina e nos primeiros textos cristãos. De fato, reconhecemos na águia as duas propriedades eminentemente maçônicas que são a capacidade de ver a luz de frente e a capacidade de renascer. Lucano, autor latino do século I escreveu em seu épico A Pharsalia: “O pássaro de Júpiter quando faz eclodir o ovo enquanto quente, seus filhotes desprovidos de plumas, os vira para o nascer do sol; aqueles que podem suportar seus raios e suportar o dia sem piscar os olhos são reservados para a tarefa celestial (…) aqueles que não resistem a Phoebo são deixados lá”. O Physiologus escrevia sobre ele: “Quando a águia envelhece seus olhos se sobrecarregam, bem como suas asas e ela voa mal. E então o que ela faz? Ela busca uma fonte de água pura e voa em direção ao sol e queima suas velhas asas, e o escurecimento de seus olhos, e desce em direção à fonte e mergulha três vezes e se renova e se torna jovem” .

Embora às vezes seja comparada a abutres e temida como predador, a águia alça, durante a Idade Média ao posto de ave se não sagrada, pelo menos, símbolo de propriedades sagradas ligadas a Cristo. O bestiário de Ashmole, manuscrito inglês do século XIII resume bem este simbolismo:

“Livrar-se de suas velhas penas é perder o gosto por ações enganosas, assumir novas é adotar um estilo de vida suave e macio; as penas do antigo modo de vida são pesadas, mas novas penas, voo mais leve (…) é em um abrigo quente e fechado que em torno se espalham suas velhas penas, por isso o homem deve se retirar para se tornar um novo homem (…) mas guarda sua presa e constrói sobre ela, o cristão deve tomar também ele a altura para derrotar o pecado (…) ele cuida de seu ninho com muito carinho. ”

Se este simbolismo é amplamente suficiente para explicar o interesse na águia pelos maçons, eles o compartilham com muitas outras culturas nas quais o rei dos pássaros é ao mesmo tempo símbolo de clarividência, de renovação e de poder. Atributo de Zeus-Júpiter, ela era o emblema dos exércitos de César, Napoleão e Hitler. Na América do Norte e Central, na China, na Sibéria, no Japão, governantes, sacerdotes e xamãs tomaram emprestados os seus atributos para participar de seus poderes sobrenaturais e divinos. Os Salmos a tornaram símbolo de regeneração espiritual e no Hinduísmo, ela é Garuda, a montaria de Vishnu.

Mas é no início do cristianismo e, mais especialmente, no simbolismo ligado a João Evangelista que é preciso buscar o interesse dos Maçons pela águia, às vezes branca, às vezes preta, que coroa, se assim pode-se dizer, vários dos altos graus de diferentes ritos. O simbolismo ligado aos evangelistas – a águia de João, o touro de Lucas, o leão de Marcos, e Mateus o único plenamente humano – encontra sua fonte na visão tomada como empréstimo a Ezequiel no Velho Testamento: “Eu discernia algo que parecia ser quatro animais que tinham esse aspecto: tinham forma humana. Eles tinham, cada um deles, quatro faces e quatro asas… quanto à forma de suas faces, eles tinham o rosto de um homem, e todos os quatro tinham uma face de leão à direita, e todos os quatro tinham uma face de touro no lado esquerdo, e todos os quatro tinham uma face de águia ”

João chamado de a águia de Patmos, ilha grega onde teve a revelação do Apocalipse recebe esse apelido por sua clarividência e sua altura de vista, pois ao argumentar que Deus é Logos, isto é verbo, ele leva ao mais alto a visão de um homem, criatura de natureza essencialmente espiritual. Assim se explica a importância atribuída a João e ao seu evangelho na maioria das tradições maçônicas. Estes se encontram em uma visão neoplatônica ou gnóstico na qual a Verdade deve ser procurada na clareza da palavra e da razão para a qual o iniciado não pode se elevar, a menos que ele possa, como a águia, manter os olhos abertos diante da luz.

Mistérios da águia bicéfala

Mas se o simbolismo da águia é facilmente compreensível, a águia de duas cabeças, símbolo ao mesmo tempo profano e maçônico é mais enigmático. Sua origem é muito antiga pois a encontramos nos Hititas, civilização que se estendia sobre o Oriente Médio entre três e quatro mil anos antes do presente. Sem que seja possível estabelecer ligação entre elas, outra águia de duas cabeças aparece na mesma região no século X com a chegada dos Turcomanos e Seljukidas, povos originários da Ásia Central que se converteram ao Islã. A águia de duas cabeças era então parte da iconografia muçulmana, mas isso não impede a adição de uma cabeça suplementar à águia monocéfala romana que já era um emblema do Império Bizantino. A adopção da águia bicéfala pelo cristianismo ortodoxo repousa essencialmente na aliança de poder temporal e poder espiritual tornados inseparáveis por pertencerem a um mesmo corpo. Transformada até hoje em um símbolo da ortodoxia grega, a águia de duas cabeças é encontrada principalmente nos brasões da Rússia e da Sérvia.

No Ocidente, a águia bicéfala apareceu no tempo das Cruzadas por influência oriental. Ela pode ser encontrada em diversos brasões, bem como em baixo relevos em várias capiteis de igrejas e claustros, provavelmente por simples imitação da arte oriental. Na França, o exemplo mais antigo da águia bicéfala é o selo afixado em 1227 por um Cavaleiro da Ordem do Templo, Guillaume de l’Aigle, Comandante do Templo na Normandia.

A águia bicéfala aparece na maçonaria na França na década de 1760 com o grau de Grande Inspetor Grande Eleito ou Cavaleiro Kadosh. Nós a descobrimos também na famosa carta que a maçons de Metz escreveram aos de Lyon, em junho de 1760: “Todos os graus […] são todos subordinados a esse último,” ou: “O pequeno atributo [desse grau] é uma água dourada com as asas abertas e trazendo uma coroa de príncipe sobre as duas cabeças e segurando um punhal em suas garras. O grande atributo é uma Cruz vermelha com 8 pontas semelhantes à de Malta; no centro, em um círculo, estão uma Espada e um Punhal em cruz. ”

Resta que as diferentes razões invocadas para justificar o lugar da águia bicéfala na maçonaria são pouco convincentes. Certamente, no final do século XVIII, quando a referência aos Templários governa amplamente a construção do edifício dos altos graus, alguns quiseram ver na águia um símbolo vingativo “A águia carregando um punhal em suas garras com estas palavras: Neccum Adonay, Vingança a Deus, representa as últimas palavras de Jacques de Molay, o último Grão-Mestre, quando ele amaldiçoou o Papa e o Rei; terrível maldição confirmada pela realização. A águia, o animal que plana mais alto no ar e o único que olha para o sol, é o emblema certo desse velho homem desafortunado ” pode-se ler em uma carta a Jean-Baptiste Vuillermoz, um dos fundadores dos Altos Graus. Mas isso é suficiente para justificar o uso da águia bicéfala?

Como ocorre muitas vezes, o símbolo precede seu significado. E, sem dúvida, a águia bicéfala, já amplamente presente na heráldica europeia não foi simplesmente integrada na Maçonaria, a não ser para marcar um grau que se queria superior a todos os outros e de um brilho comparável àquele que envolvia as potências do mundo secular.

Os iniciados da selva

Se, portanto, o galo, o pelicano e a águia de uma ou duas cabeças resumem o bestiário maçônico, a relação do maçom, se não da própria Maçonaria com o mundo animal não para por aí. Pelo menos se se considera que a Maçonaria, filosofia de vocação universalista, pretende considerar tudo do ponto de vista da razão, do progresso e do humanismo. No entanto, com esta diferença em relação à abordagem secular, que o maçom, focado como é no símbolo, se esforça de outra forma de querer detectar um esoterismo em tudo, pelo menos para facilitar a sua compreensão por meio de uma abordagem mimética ou pelo menos analógica. Conforme mostrou o antropólogo francês Philippe Descola, a maneira de conceber as relações entre o mundo humano e o mundo não-humano e não se funda universalmente na ideia naturalista de que os seres humanos se situam em um continuum biológico habitado por qualquer coisa “maior”. Certos povos animistas acham que os animais têm um pensamento, uma visão de mundo própria e que se baseia em sua relação com o biológico. Outros têm uma visão totêmica e acham que diferentes categorias de humanos e não-humanos pertencem a um mesmo grupo. Algumas culturas, enfim, conseguem unificar sua visão de mundo estabelecendo analogias e correspondências entre os seres e as coisas como o fazem, por exemplo, os taoístas com o Ying e Yang, ou como fizeram os gregos antigos imaginando um Deus para cada fenômeno.

Um bom exemplo de analogias entre o mundo animal e a humanidade nos é dado por Rudyard Kipling, maçom e autor do famoso Livro da Selva. O jovem Mowgli, criança criada por lobos, simboliza a humanização-iniciação daquele que partindo da escuridão da animalidade aprende a humanidade seguindo o exemplo das qualidades daqueles em quem ele sabe reconhecer e apreciar as altas virtudes morais apesar das diferenças que os caracterizam. Assim, cada criatura da selva vai encarnar uma virtude particular necessária para se tornar um homem (ver caixa). É nesta selva, que cada um “em seu lugar e em seu ofício” ajuda a reunir o que está espalhado, fazendo das diferenças uma complementaridade tendendo para a unidade. O que não é possível, como Kipling faz dizer suas criaturas, porque “nós somos do mesmo sangue, você e eu. ” Neste texto, a fraternidade não seria, portanto, reservada apenas aos homens, mas se estenderia a todos os seres vivos.

Rudyard Kipling e as criaturas do Livro da Selva

Akela: Lobo, dito solitário e solidário, encarna o chefe, mas sobretudo o exemplo. O respeito que ele inspira repousa mais em sua sabedoria que em sua autoridade. Capaz de enxergar na escuridão, ele deve esse poder à sua luz interior.

Bagheera: Pantera negra, ensina caça a Mowgli. É ela quem corajosamente agarrada ao rochedo dos velhos, o direito de Mowgli tomar a palavra. Contraponto feminino de Akela, ela simboliza a coragem e, acima de tudo, a justiça.

Baloo: Urso castanho, diz-se dele o “Doutor da lei.” Ele defende com sabedoria uma justiça afável, mas sem fraqueza. Instrutor de usos e costumes da selva, ele é o iniciador que ensina boas maneiras, aquelas que permitem passar da bestialidade selvagem à coexistência pacífica. E assim, à tolerância recíproca.

Bandar-Logs: Estes macacos são lutadores, prepotentes, briguentos e irrefletidos. Eles não têm nem leis nem chefe e preferem se divertir em vez de trabalhar. Eles vivem em cavernas frias, onde nunca penetra a luz. É lá que eles sequestraram Mowgli, com ciúmes de suas qualidades. Inquestionavelmente, esses macacos encarnam o mundo profano. Mas também uma forma de loucura e indisciplina que às vezes se torna uma grande sabedoria.

Kaa: É a Serpente assustadora. Mas é também um animal de sangue frio que inspira respeito e curiosidade. É com ela que Baloo e Bagheera entregam Mowgli mantido prisioneiro dos Bandor-Logs nas “Grutas Frias”. Ela fala pouco, mas criatura cheia de mistério, ela incentiva os outros a falar, a se envolver e representa uma forma de sabedoria adquirida depois de uma longa experiência.

Shere Khan: O tigre tenta semear a discórdia entre os lobos para capturar Mowgli. Ele é enganoso, cruel, ataca os animais indefesos e teme somente o fogo. Ele personifica as paixões que habitam cada um de nós e se dissipam somente sob o efeito da luz.

Raksha: é a loba que sozinha protegeu e alimentou Mowgli. Ela o defendeu contra Shere Khan. Ela simboliza a mãe protetora que passa seu amor acima de todas as outras considerações, mesmo correndo risco de vida. Ele encarna a figura da Viúva. O que pode ser dito de Mowgli que ele é um filho da viúva.


As armadilhas da “vida”

No entanto, se o simbolismo ou as analogias são ferramentas insubstituíveis úteis na conceituação do mundo, não vamos objetiva-las. Não é porque os lobos são exemplos úteis e bonachões no conto de Kipling que, na natureza, eles tenham perdido os dentes e já não ameaçam as ovelhas.

Não projetemos sobre uma história datada da grande era colonial, os valores da ecologia de tendência panteísta que caracterizam hoje o respeito e a defesa do “viver” esta coisa indistinta que apareceu muito recentemente em nosso vocabulário. Todos os pesquisadores em psicologia evolucionista concordam com o fato de que os nossos comportamentos fundamentais, incluindo a capacidade de prever e interpretar os fenômenos são baseados no medo da predação. O que também explica que as representações mais antigas relacionadas com crenças religiosas dão aos agentes sobrenaturais o caráter de animais ameaçadores. Como evidência, especialmente, o homem-leão da caverna de Stadel na Alemanha, com trinta e cinco mil anos de idade. Até meados do século XX, a grande maioria dos habitantes do planeta eram rurais vivendo permanentemente em contacto com animais domésticos de que precisavam para se alimentar e cultivar a terra e a que estavam ligados por uma espécie de relação familiar. Os vários predadores eram unanimemente temidos e considerados como habitados por forças do mal.

Em nossas sociedades cristãs, a separação entre o humano e o não-humano passava por um dualismo dividindo os seres de acordo com a sua superioridade ou sua suposta inferioridade, mas também por uma classificação dos animais em relação à sua utilidade para o homem dentro da “Criação”.

De toda forma, a mecanização e o estilo de vida urbano perturbaram amplamente esta classificação. Ao perder o contato com os animais, os homens os tornaram, paradoxalmente, mais humanos. Kipling e Walt Disney estiveram lá. Certamente, os contos de fadas, as antigas lendas abundam em histórias de animais, mas também de árvores, montanhas e rios que são uma espécie de agentes sobrenaturais “naturais”, dotados de comportamentos humanos. Mas o que mudou com Bambi, Mickey Mouse, Donald e as Aristogatas é que eles mudaram completamente nossa hierarquia de espécies. Desde os anos 1970, as teorias antiespecistas (ver caixa) negando à humanidade o direito de dispor de outras espécies para seu benefício, aos poucos introduziu a ideia de que os animais são se não humanas, pelo menos, têm direitos equivalentes. Se na França, o parlamento aprovou mudar o status de animais de “bem móvel” para “ser sensível”, estamos longe de considerar que os animais são “pessoas não-humanas”. No entanto, isso é o que estabeleceu um tribunal de apelações em Buenos Aires no final de 2015 ao reconhecer em favor de uma fêmea Orangotango “presa” em um jardim zoológico, o direito de ser livre.

Cada vez mais, ser sensível ao sofrimento animal já não significa que um animal pode sofrer como animal em seu corpo de animal e que o fazer sofrer em consciência degrada o próprio homem. Trata-se, por meio do direito, de fazer a admitir que nada autoriza os humanos a se outorgar um lugar especial dentro da “vida”, dispondo à vontade dos animais, e porque não de vegetais e até mesmo de rios ou minerais. Isto resulta na aparição, minoritária no momento, mas em rápido crescimento, de uma nova forma de crença neo-animista que, da mesma forma que se empresta aos agentes sobrenaturais – deuses, espíritos, várias forças – propriedades e intenções humanas, tende a distorcer a natureza em uma humanização generalizada da “vida”.

Talvez se possa objetar que a abordagem não é nova, que La Fontaine e antes dele contos e lendas faziam falar e agir os animais, e às vezes as plantas, como seres humanos. Mas isso não significava absolutamente que os “seres vivos” formavam uma grande família. Não se tratava, como agora, de emprestar realmente sentimentos e emoções do humanas a não-humanos, mas de usá-los de forma analógica para caracterizar simbolicamente as personagens humanas para que essas representações, como no teatro, fossem pretexto para a sátira e a crítica de costumes. O Leão, o Asno, a Lbre, a Formiga e o Carvalho podiam muito bem contar histórias agradáveis e instrutivas. Isso não impedia que os contemporâneos de La Fontaine caçassem leões, batessem em asnos, the prender lebres pelo pescoço, queimar formigueiros e abater os carvalhos.

Hoje tudo mudou. Anteriormente, lutava-se por um mundo melhor, menos duro para a condição humana. Hoje, nas ZDPs (Zonas de Preservação) luta-se contra humanos. Não para preservar a natureza da Natureza, mas, pelo contrário, porque esta, como uma pessoa agora tem direitos no seio do “Grande Tudo” indiferenciado do “Vivente”.

Novo totalitarismo

Este novo totalitarismo, literalmente, também é encontrado nos doces iluminados New Age que acreditam em uma “fonte de vida” ou em um “oceano de unidade”, que os seguidores da ecologia profunda – deep ecology – movimento extremista que não distingue a humanidade de outras espécies e atribui ao homem a realização do “grande ser” em continuidade com todos os “viventes”. O que não é nada novo. O ideólogo nazista Alfred Rosenberg declarava sobre isso “Tudo é vida (…) as almas, os corpos e Deus são apenas um.” 2 Quanto a Hitler, era para apoiar suas teorias raciais e sua filosofia da violência que fazia do homem um animal como os outros: “A observação mais superficial é suficiente para mostrar como as inumeráveis formas que assume a vontade de viver da natureza estão sujeitas a uma lei fundamental (…). Todo animal se acasala somente com um congênere da mesma espécie: pardal com pardal, pintassilgo com pintassilgo, cegonha com a cegonha, o rato com a rata, camundongo com camundongo, o lobo com a loba, etc. (…) nunca encontrar uma raposa que uma disposição natural a levasse a se comportar filantropicamente com os gansos, assim como não existe um gato que sinta uma inclinação cordial pelos ratos”.

Mas, ao contrário da religião nazista da natureza que exaltava a força e a selvageria viril, a nova religião do “vivente” é protetora, materna, feminina. Os homens não são mais lobos selvagens e conquistadores, mas criaturas nocivas e brutais abusando de uma natureza frágil. O mesmo que dizer machos horríveis. Todos os seres vivos são agora, sem distinção de espécie, os filhos de nossa muito amada mãe terra à qual devemos obedecer, sob pena de infligir a nos mesmos graves infortúnios. E que se parece muito com Deus.

Assim, no futuro, ai dos incrédulos e blasfemos – obrigatoriamente do sexo masculino porque necessariamente predatórios e violentos por natureza – que se atreverem a caçoar deste amor geral comendo presunto ou pescando com linha. Estes serão considerados inimigos de nossa Mãe Terra que os novos inquisidores – ou inquisidoras – se encarregarão de reeducar se não os enviar diretamente ao abatedouro.

“Uma natureza sanguinária contra os animais testemunha uma propensão natural para a crueldade. Quando se estava habituado em Roma aos espetáculos de morte de animais, passou-se aos homens e gladiadores. A Natureza, eu temo, deu ao Homem uma tendência à desumanidade. Ninguém gosta de ver animais brincar e se acariciar – e todos são atraídos para vê-los se rasgar uns aos outros e se desmembrar “, escreveu Montaigne, que desprezava muito a crueldade. À imitação de seu humanismo, em vez de ver nos animais outros de nós mesmos, devemos ver na forma como nós os respeitamos enquanto animais uma forma de nos respeitarmos enquanto seres humanos.

quinta-feira, 25 de maio de 2017


ORIGEM E EVOLUÇÃO DOS CARGOS EM LOJA MAÇÔNICA E DIGNIDADES MAÇÔNICAS NA GRÃ-BRETANHA DO SÉCULO XVII ATÉ NOSSOS DIAS

Tradução José Filardo

Por Roger Dachez e Thierry Boudignon


I – OS OFICIAIS DA LOJA, DA ESCÓCIA DE WILLIAM SHAW À PRIMEIRA GRANDE LOJA INGLESA ATÉ 1750


Qual é a origem dos oficiais de uma loja maçônica? Responder a esta pergunta é necessariamente relacioná-la com o sistema primitivo de graus maçônicos e procurar essa origem primeiro na Escócia ao final do século XVII e depois na Inglaterra no início do século XVIII.

Lembremo-nos que na Escócia, no século XVII, o sistema de graus consistia em duas etapas: Aprendiz (isto é, um Aprendiz que fez suas provas durante 7 anos em média como Aprendiz registrado) e o Companheiro ou Mestre este último chegando raramente a ser alcançado em virtude de seu custo. Além disso, existiam dois tipos de estrutura nessa Maçonaria Escocesa: uma estrutura civil, administrativa e pública, a corporação ou Guilda de Mestres que governava a cidade e o emprego, e uma estrutura “secreta” específica do ofício, a loja. Estas estruturas, em princípio independentes eram, de fato, complementares, o que causava rivalidades e conflitos. De qualquer forma, a corporação consiste de Mestres, mestres que tinham na loja o “grau” mais alto que se podia conferir, o de Companheiro de Ofício, categoria na qual são recrutados os futuros mestres da corporação. Fica assim claro que o título de “Mestre” não era um grau da loja, mas uma dignidade civil, que era adquirido através de herança, casamento ou até mesmo compra.

No início do século XVIII, na Inglaterra, na década de 1720, um novo grau apareceria, o grau de Mestre. É certamente atestado em 1730, na forma em que o conhecemos e a composição desse grau, puramente Inglês, aparentemente, era o resultado da adição de uma lenda ao segundo grau, de Companheiro, de origem escocesa.

O novo segundo grau inglês, o de Companheiro “novo estilo” em um sistema agora de três graus, resultou de uma divisão do antigo primeiro grau escocês. Assim, no sistema inglês, o título de “Mestre” tornou-se um grau de loja. Este sistema tem, portanto, a seguinte composição: Aprendiz, Companheiro e Mestre Maçom. Mas o termo “Mestre” vai se tornar rapidamente ambíguo, uma vez que designará tanto um grau, “Mestre Maçom” quanto um cargo, o Mestre da Loja (cargo que sabemos ser também um grau) …


Os cargos da loja no século XVII

Em uma loja de maçons “operativos” na Escócia, no século XVII, havia um presidente que se chamava “Warden”, etimologicamente “o Guarda” (a tradução como Vigilante impôs-se somente no início do século XVIII). Esse termo, “Warden” ou Guarda é encontrado nas organizações tradicionais do ofício. Na Inglaterra também, embora as organizações de ofício (as “Companhias de Londres”, as guildas londrinas, incluindo a Companhia dos Maçons de Londres, “London Masons Company”) não tinham, naquela época, a importância das suas contrapartidas escocesas, no entanto, elas elegiam um presidente que trazia e ainda traz o título de “Warden”. Ao contrário, nas corporações escocesas, o presidente se chamava “Deacon”, ou Diácono (o enviado) ou, no vocabulário contemporâneo, “delegado geral”. As rivalidades entre a corporação e a loja explicam que, em alguns casos, há também “diáconos” nas lojas. Além dos cargos de “Vigilantes” na loja e o “Diácono” na corporação, não se conhecem outros oficiais na Escócia, embora seja provável que houvesse algum tipo de secretário-tesoureiro o “funcionário”, fora da profissão, mas cuja função era essencial a vida da loja.


Os cargos da loja no século XVIII (1717-1723)

Quando, onde e como o sistema escocês foi transmitido na Inglaterra até o aparecimento das lojas, depois de uma grande loja, com seus próprios oficiais? Isso ainda é, em parte, um mistério.

O sistema da primeira Grande Loja em 1723, era o seguinte: o Título IV das Constituições distinguia os Mestres, os Vigilantes, os Companheiros e os Aprendizes. Aqui o termo “Mestre” não se refere a um grau, que ainda não existia, mas um cargo, o “Mestre da Loja”. Há também um outro cargo: o Vigilante (“Warden”). A hierarquia ou o currículo maçônico assim se estabelecia: somos primeiro Aprendizes, depois Companheiros, grau que é uma qualificação indispensável para se tornar, eventualmente, Vigilante, depois Mestre da Loja, função superior à do Vigilante. Além disso, previa-se que em caso de incapacidade do Mestre da Loja, o “Senior Warden (Primeiro Vigilante)”, isto é, literalmente, “o guarda mais antigo” que o substituía, se não existisse um “ex” Mestre de Loja, e na falta do “Senior Warden,” chamava-se o “Junior Warden” (Segundo Vigilante) ou “o guarda mais jovem”. Note-se que a tradução para 1º e 2º Vigilantes é, na verdade, falha, embora seja consagrada pelo uso.

Constatamos assim que se distinguia, que se tratava tanto de Mestres quanto de Vigilantes, o mais velho e o mais novo. Assistimos aqui a origem da passagem de um “Warden” único, para dois “Wardens”? A duplicação de Vigilantes seria então o resultado de se levar em conta a antiguidade no exercício da função, exatamente como existe um “Mestre da Loja” e um “Mestre Instalado” (Past Master). Em suma, em 1723, a loja era presidida por um “Mestre” assistido por dois Vigilantes, o “Senior Warden” e o “Junior Warden”.

Mas existiam outros oficiais? O artigo 17 do Regulamento Geral da Grande Loja distingue um Grão-Mestre, um Grão-Mestre Adjunto, Grandes Vigilantes, um tesoureiro e um secretário, os dois últimos cargos parecendo ainda serem exercidos temporariamente.

Em relação ao período inaugural 1717-1723, faltam-nos documentos, pois o registro das atas da Grande Loja começa precisamente em 1723, e não foi senão em 1738 que Anderson reconstruiu as atas anteriores. Convém, portanto, manusear esses textos com prudência. De acordo com Anderson, havia em 1717, um Grande Mestre, Anthony Sayer, investido pelos mais antigos Mestres de Loja presentes. Havia também dois Grandes Vigilantes. Esta prática, um Venerável e dois Vigilantes, parece vir das quatro lojas fundadoras da Primeira Grande Loja, e se conservou.

Depois de 1730 e do aparecimento do grau de Mestre, foi necessário modificar o conteúdo do Título IV das Constituições. O currículo maçônico torna-se então o seguinte: Aprendiz, Companheiro e Mestre Maçom. Os Vigilantes são escolhidos entre os Mestres Maçons e para se tornar Mestre da Loja, deve-se ter sido Vigilante. A palavra “Mestre”, portanto, designa ao mesmo tempo um grau e um cargo.

Os Diáconos

Não há nenhuma menção dos Diáconos antes de década de 1740, isto é, num momento em que os irlandeses começam a se manifestar. Na obra Maçonaria Dissecada de 1730, bem como no manuscrito Wilkinson (circa 1727), não são os Diáconos que recebem o candidato, como na maçonaria inglesa contemporânea, mas o 2o Vigilante. Esta tradição passará então à França e permanecerá no Rito Escocês Retificado. Assim, constata-se que se o cargo de “Warden”, um cargo da loja escocesa, é facilmente implantado na Inglaterra, por outro lado o cargo de “Deacon” ou “Diácono”, um cargo da Corporação levará mais tempo, provavelmente por ser estranho às organizações de ofício inglesas. Assim, através dos Irlandeses e da Grande Loja dos “Antigos” este cargo tomará pé mais tarde na Inglaterra. Mas existe uma relação entre os cargos escoceses e irlandeses?


O Telhador ou Cobridor Externo

Desde 1723, na Inglaterra, Anderson, nas Constituições refere-se a um irmão encarregado de guardar a porta da Grande Loja, mas se ele designa a função, ele não a nomeia, o que será feito apenas na década de 1730. No entanto, não é certo que este cargo de Grande Loja já existisse nas lojas. Parece, mais, que o cargo de Cobridor, como talvez outros cargos, seria o produto de uma inovação da Grande Loja que, então, se espalhou pelas lojas querendo imitar a Grande Loja. Este fenômeno também foi observado na França. Neste contexto, a palavra e o cargo de “Tuileur (Cobridor)” aplicados a uma loja são atestados nas primeiras divulgações dos anos 1740, e seu papel na estrutura da loja é bem especificado ali.

No entanto, a Grande Loja de Londres começou a se interessar pela estruturação do sistema de cargos nas lojas, pois desde 24 de junho de 1727, ela decidiu, pela primeira vez, que o Mestre e os Vigilantes de todas as lojas, deveriam usar as joias da Maçonaria penduradas em uma fita branca. Em 17 de março de 1731, afirma-se que os aventais de couro bordados com seda branca serão reservados para o Venerável Mestre e os Vigilantes, enquanto a cor dos colares e da seda bordando os aventais dos Grandes Oficiais seria azul, sem especificar a natureza exata deste azul.

A partir de 1750, a Maçonaria Inglesa, no entanto, vai conhecer uma situação radicalmente nova.


II – EVOLUÇÃO DOS CARGOS DE LOJA NOS “MODERNOS” E NOS “ANTIGOS” ATÉ A UNIÃO DE 1813

Vimos que a estrutura da maçonaria inglesa da década de 1720 deriva globalmente das estruturas da maçonaria escocesa do século XVII. No entanto, não sabemos onde, quando, como e por quem essa transmissão foi feita 1. Por outro lado, sabemos que houve, durante a transmissão, uma série de mudanças, das quais as mais significativas são o fato de que a Presidência da lodja não é mais confiada a um “Warden” ou a um “Deacon”, mas a um “Master of lodge (Mestre de loja)”, e que este presidente é ajudado não por um, mas por dois assessores, os “Wardens (Vigilantes)”. Sabemos, também, que esta nova estrutura (isto é, um Venerável Mestre e dois Vigilantes) vai se impor. Aliás, na década de 1740, é a única conhecida, e é aquela da Grande Loja de Londres. É então que aparece um novo sistema, importado pelos irmãos vindos da Irlanda que tinham, provavelmente costumes, práticas e tradições próprias. Em 1751 e depois em 1753, esses maçons constituem uma nova obediência, a “Grande Loja da Inglaterra segundo as Antigas Instituições”.

Como sabemos, esses maçons se auto denominavam “Antigos” porque alegavam ter uma tradição mais antiga que a da GL de Londres, e atribuíam aos membros desta última, entretanto mais antiga que eles o adjetivo pejorativo de “Modernos”. Esta “Grande Loja dos Modernos” é hoje chamada “Primeira Grande Loja”. Em 1772, os “Antigos” elaboraram uma lista de pontos de desacordo com os “Modernos”, em que levantaremos duas questões que são relevantes para o nosso tema:


O Venerável Mestre

Os “Antigos” reprovavam nos “Modernos” ignorar a instalação secreta do Venerável Mestre, considerada fundamental pelos irlandeses. Isto, na prática, permite o acesso ao grau do Arco Real, um grau que é considerado pela tradição irlandesa como a cúpula da Maçonaria. Esta instalação secreta de que não há praticamente nenhum testemunho antes de 1760 em solo britânico, transmite uma palavra, um sinal, um toque e é de fato uma espécie de super-grau de Mestre. Assim, junto aos “Antigos”, o cargo de Venerável Mestre está relacionado com uma cerimônia que tem a estrutura de um grau: a Instalação. Isso rapidamente se imporá aos “Modernos”.

Os Diáconos

Os “Antigos” culpavam os “modernos” por ignorar o cargo de Diácono. Lembremo-nos que os “Diáconos” existiam na Escócia, no século XVII nas corporações de ofício, mas não os encontramos na Inglaterra em 1723. São os irlandeses que implantarão o cargo de Diácono na Inglaterra e isso não é surpreendente uma vez que este cargo é claramente atestado em uma loja na Irlanda desde 1733 e, em 1743, durante uma procissão maçônica onde os diáconos desfilaram com uma espécie de bastão ou cana dourada. O cargo de diácono torna-se assim, em 1753, junto aos “Antigos”, um cargo da loja colocado imediatamente na hierarquia de cargos abaixo dos Vigilantes (2).

No entanto, a origem desses Diáconos vindos da Irlanda permanece um mistério. De fato, parece não haver realmente nenhuma relação entre o Diácono Escocês (que é único e que dirige a Corporação) e os Diáconos irlandeses (que são dois oficiais secundários da loja), apesar da homonímia aparente (3).

Assim é que este cargo, desconhecido dos “Modernos”, vai gradualmente se estabelecer em suas lojas. As divulgações impressas da década de 1760, principalmente originários da tradição dos “Antigos”, certamente contribuíram, de modo que, antes da União de 1813, em 1810 e 1812, já se encontram Diáconos nas lojas dos “Modernos” (4). Estes Diáconos carregam um bastão negro com joias prateadas.


O Telhador (Cobridor Externo)

Originalmente, este cargo (como outros cargos talvez) era provavelmente uma dignidade específica da Grande Loja. Só então, e provavelmente por mimetismo, ele se tornou um cargo nas lojas. O Telhador (5), além da função de guarda externo da instalação secreta e da ordem das palavras sagradas.

Na loja tem por função enviar as convocações aos irmãos, em mãos. Ele deve também traçar o painel da loja (6). O cargo do Telhador evoluirá gradualmente para se tornar uma espécie de zelador da loja mediante uma pequena remuneração, que é sempre o caso na Inglaterra. Ao lado do Telhador apareceu depois de 1813 um Cobridor, tradução mais extensa que “Guarda Interno” ou guarda do interior, cargo que resulta simplesmente da divisão do cargo de Telhador (7).

A estrutura da loja depois da União de 1813, emprestou a maioria de suas formas dos “Antigos”. Seja quanto ao vocabulário utilizado, a presença de Diáconos, no lugar dos três oficiais principais (8), os “Antigos” impuseram seus usos aos “Modernos” (9) que, de fato, já os tinham amplamente adotados antes da União. Então, foi nessa época que foi fixado, e até nossos dias, o sistema de cargos e dignidades de loja na Inglaterra.


III – AS GRANDES LOJAS PROVINCIAIS

Desde meados do século XIX, existem Grandes Lojas provinciais na Inglaterra. Estas Grandes Lojas são dirigidas pelos Grãos Mestres Provinciais (nomeados pelo Grão-Mestre) e os Oficiais provinciais que usam decorações comparáveis às dos Oficiais da Grande Loja Unida da Inglaterra, com a famosa “liga azul,” o azul da Ordem da Jarreteira. As Grandes Lojas Provinciais cobrem todo o país, com exceção da região de Londres administrada diretamente pela GL. Esta particularidade destaca a verdadeira função dessas Grandes Lojas. De fato, para entrar no cursus honorum da maçonaria Inglesa deve-se necessariamente começar pelo escalão provincial. Como os irmãos de Londres não contavam com isso, foi criado para eles no início do século, o “London Rank” e depois o “London Grand Rank,” que são o equivalente exato de uma dignidade de Grande Oficial provincial na jurisdição de Londres. Todos os anos são criados cerca de sessenta “Active Grand Rank” e cerca de 200 “Past Grand Rank ” (10), que envergam, evidentemente, a “liga azul.” Assim, constata-se que os cargos provinciais (ou seus equivalentes) são usados essencialmente para outorgar honras maçônicas (11) a irmãos que, por definição, são todos Past Masters. As Grandes Lojas provinciais, portanto, têm um papel muito mais honorífico que administrativo (12).


História das dignidades de Grandes Lojas Provinciais

Nas Constituições de 1738, não encontramos nenhuma provisão relativa aos Grandes Oficiais Provinciais (e muito menos aos Grãos Mestres Provinciais), embora saibamos que eles já existiam. Mas o fato de que havia Grãos Mestres Provinciais não significa em absoluto que havia Grandes Lojas Provinciais. A distinção pode ser sutil, mas não deixa de ser real. Os Grãos Mestres provinciais realmente apareceram antes das Grandes Lojas provinciais.

Muito cedo na história da Maçonaria Inglesa, nomeavam-se dignatários para representar o Grão-Mestre nas províncias. Estes representantes eram titulares de uma missão que lhes era confiada pessoalmente (eram os Grãos Mestres Adjuntos para as províncias), mas eles não estavam no comando de uma estrutura administrativa regional com que tivessem de se ocupar.

Isso de fato permite entender, de passagem, uma expressão ambígua e muitas vezes citada das Constituições de 1738, sobre países estrangeiros:

“todas as lojas estrangeiras [isto é, fora da Inglaterra] estão sob o patrocínio do nosso GM, mas a antiga loja da cidade de York e as lojas da Escócia, Irlanda e France (13) e Itália (14) assumindo que tenham sua independência [affecting independency] e seu próprio Grão-Mestre, e que tenham a mesma constituição, os mesmos deveres e as mesmas regras que nós e que elas tenham o mesmo zelo com o estilo da Augusta e o segredo de nossa antiga e honrosa fraternidade”.

Este texto nos ensina que na época de Anderson, havia dois tipos de Grão-Mestre. De um lado, havia Grãos Mestres colocados no comando de Grandes Lojas “presumindo sua independência” em relação a Londres e, de outro lado, Grãos Mestres nas províncias inglesas sob o controle do Grão-Mestre da Inglaterra. Esses últimos eram Grãos Mestres intuitu personnae, como pessoa, e, portanto, não estavam à frente de Grandes Lojas provinciais em sentido estrito do termo. Assim, a expressão “affecting independency” não é uma contestação dessa independência por Londres, como alguns autores estimaram imprecisamente, mas a constatação de uma situação diferente da que prevalece na Inglaterra, onde os Grãos Mestres Provinciais dependem diretamente do Grão-Mestre.

A primeira referência oficial aos Grãos Mestres Provinciais na Inglaterra encontra-se nas atas da Grande Loja em 1747. Naquela época, na hierarquia das dignidades, eles ficavam depois (15) dos Primeiros Grandes Vigilantes e antes do Grande Tesoureiro.

Em 1756, no livro das Constituições chamadas “d’Entick” (1ª edição), definem-se regras específicas relativas aos Grãos Mestres. Lê-se:

“O cargo de Grão-Mestre Provincial foi considerado particularmente necessário desde o ano de 1726 [note-se que não se pretende que existissem então Grandes Lojas Provinciais], quando do aumento extraordinário do número de obreiros [ou seja, de homens do Oficio], e suas viagens às vezes a partes mais remotas do mundo, a necessidade de que eles tenham à sua disposição uma autoridade própria”. Isto se dá devido ao afastamento dos irmãos da metrópole que foi criado o cargo de Grão-Mestre Provincial para lhes dar um chefe por delegação. O Artigo II dessas Constituições afirma que “a nomeação deste Grande Oficial é uma prerrogativa do Grão-Mestre que lhe outorga sua delegação”, e que “o Grão-Mestre Provincial assim delegado tem o poder e a honra de um Grão-Mestre Adjunto”.

Em 1756, a instituição dos Grãos Mestres Provinciais está bem integrada na maçonaria Inglesa e seu lugar na hierarquia é elevado: o Grão-Mestre Provincial situa-se na terceira posição, logo atrás da Grão-Mestre Adjunto. Note que mesmo neste texto de 1756, não há menção alguma de Grandes Lojas provinciais nem de oficiais provinciais. Ser Grão-Mestre Provincial é especialmente possuir um título equivalente ao de um Grão-Mestre Adjunto.


Em 1767, na 4ª edição das Constituições d’Entick, o artigo II é modificado:

“O Grão-Mestre Provincial assim delegado fica investido do poder e a honra de um Grão-Mestre em seu distrito particular e tem o direito de usar as decorações de um Grande Oficial, estabelecer lojas em sua própria província e em qualquer reunião pública, de marchar logo atrás do Grande Tesoureiro. Ele também tem o poder de nomear um Adjunto, vigilantes, um tesoureiro, um secretário, um porta-espada, que estão qualificados para usar as decorações de Grandes Oficiais quando eles oficiarem como tal naquele distrito particular, mas em nenhum outro lugar”.

Nessa época, começa então a se constituir em torno do Grão-Mestre Provincial, uma equipe de Grandes Oficiais. É o início de estruturação.

Nas Constituições “de Noorthouck” de 1784, os Grandes Oficiais são finalmente claramente identificados como elementos essenciais para o funcionamento de uma Grande Loja Provincial.

Assim, no período anterior à União de 1813, pode-se distinguir duas fases:
a fase de 1726 a 1767, durante o qual há Grãos Mestres Provinciais, sem que se faça alusão às Grandes Lojas provinciais nem a Grandes Oficiais provinciais.
a fase de 1767-1813, onde os Grãos Mestres provinciais adquirem o poder de nomear Grandes Oficiais Provinciais. Isso pressupõe uma espécie de Grande Loja Provincial, embora o termo não apareça ainda nos textos. Neste momento, a Grande Loja Provincial não está claramente definida e não tem ainda realmente estrutura nem poder.

A partir da União de 1813, a nova Grande Loja Unida da Inglaterra se constitui. As Constituições William (de 1815-1827) precisam então que o Grão-Mestre Provincial “detém [isto é, preside] uma Grande Loja Provincial, pelo menos uma vez por ano”. Mas ainda não se define o que é esta famosa Grande Loja Provincial.

Nos anos que se seguiram, as Grandes Lojas provinciais adquirem sua forma definitiva. Elas devem reunir-se uma vez por ano, os Oficiais provinciais passados e ativos devem estar presentes ali, bem como os Veneráveis, os Past Mestres e os Vigilantes de todas as lojas individuais.

Uma Grande Loja Provincial aparece como a reunião de Grandes Oficiais provinciais (com poderes imprecisos), as quais se juntam todos os Veneráveis e Vigilantes em seu distrito. Esta prática é muito antiga, como é observado em York, e em Chester desde a década de 1730. Naquela época, alguns Grãos Mestres Provinciais já detinham o equivalente a uma Grande Loja Provincial. Eram, na verdade, reuniões com periodicidade indeterminada ocorrendo dentro da loja mais antiga em operação na região. Nessa reunião, e durante os trabalhos, a loja e os seus oficiais tinham uma função provincial. Note-se que é assim que funcionava a Grande Loja dos “Antigos” durante os três primeiros anos de sua existência. De 1751 a 1753, o que ainda era chamado de “Grande Comissão” (antes de se tornar a Grande Loja dos “Antigos”, considerando que eles não se erigiam como uma “Grande Loja” até que ela tivesse encontrado um irmão nobre para a presidir como Grão-Mestre) reunia-se anualmente em uma loja designada por antiguidade e era presidida pelo Venerável desta loja, que agia como Grão-Mestre pro tempore (16).

A organização das províncias é o último ato na evolução das dignidades maçônicas inglesas. A existência desses escalões provinciais não impedia a Grande Loja Unida da Inglaterra de ser muito centralizado e muito hierarquizada. A história dessas Grandes Lojas provinciais mostra bem que se tratava sobretudo no início, de dar dignidades a certos irmãos. Isto é particularmente notório com o caso da região de Londres, onde foram criados a partir do zero um substituto para as dignidades provinciais. As Grandes Lojas provinciais são assim menos um escalão administrativo que um escalão de dignidades intermediário entre as dignidades de uma determinada loja e as da Grande Loja Unida da Inglaterra. Este elemento tardio é certamente devido ao grande desenvolvimento da maçonaria Inglesa no século XIX.

Conclusão

A formação do sistema de dignidades e de cargos da loja no sistema Inglês é algo complexo e ainda parcialmente obscuro. No entanto, podemos identificar dois fatos importantes.

Embora os cargos e dignidades de uma loja inglesa dos anos 1720 fossem fortemente influenciados pela herança escocesa (no vocabulário e na estrutura), o fato é que inovações importantes foram introduzidas (por exemplo, a aparição de dois vigilantes, ou a do diácono).

É provável que alguns cargos de lojas particulares (por exemplo, o Tuileur ou Cobridor Externo) já existiam na Grande Loja antes de serem introduzidos em loja. Este relacionamento da Grande Loja e das lojas individuais coloca a questão do status real da Grande Loja fundada em 1717. Era ela uma potência reguladora, ou era simplesmente a reunião de lojas, uma vez que é provável que tenha sido só mais tarde, por volta de 1721-1723, com a entrada da aristocracia na maçonaria inglesa que Grande Loja tornou-se um poder que se impunha às lojas individuais? Assim, os novos cargos, que parecem necessários nestas grandes reuniões, poderia então ser introduzidos naturalmente nas lojas.


NOTAS:
O sistema escocês ainda está presente no manuscrito Keavan (1714), enquanto que o sistema Inglês é certamente atestado a partir de 1723.
Uma parte do papel dos vigilantes na tradição dos “Modernos” foi transferida para os diáconos que se tornam, de algum modo, seus adjuntos. Por exemplo, são os diáconos, e não os vigilantes como na tradição dos “Modernos” que orientam o candidato nas viagens.
Recordemos uma vez mais que o diácono escocês é uma espécie de delegado geral, enquanto o diácono irlandês, como o diácono da igreja católica, tem uma função subordinada.
Na época da União, em 1813, será reconhecido que o ofício de diácono não é apenas útil, mas necessário.
A palavra “Tyler” (Cobridor externo) aparece pela primeira vez na ata da Grande Loja em 1732.
Estas funções são encontradas na França, cf. O segredo dos maçons do Abade Perau.
O cargo de cobridor é estranho à tradição dos “Modernos”. Por exemplo, no Rito Escocês Retificado, cuja estrutura empresta muita coisa dos “Modernos”, vemos que é o Mestre de Cerimônias que exerce as funções de cobridor.
Nos “Modernos”, os dois vigilantes estão no ocidente, enquanto que nos “Antigos”, há um no ocidente e outro ao sul.
Pode-se acrescentar a isto, a questão da instalação secreta e a da ordem das Palavras sagradas.
Portanto, existem dois tipos de oficiais provinciais: os “Active Grand Officers” e os “Past Grand Officers”. Este último status tem, na verdade, como função recompensar alguns irmãos. Para obtê-lo, não é necessário ter exercido as funções correspondentes. Entretanto, quando se o obtém, desfruta-se dos mesmos benefícios (condecorações etc.) que aqueles que realmente exerceram…
E, em teoria, também instalar lojas. Mas, na maior parte das vezes, o GM provincial delega esse encargo ao GM Adjunto, que por sua vez delega aos GM Assistentes que, eles mesmos, o confia aos Veneráveis ​​Mestres da região.
A administração local real é conduzida pelas Lojas de Mestres instalados, uma verdadeira estrutura que são clubes regionais de Veneráveis.
Sabemos que os três primeiros GGMM da Maçonaria Francesa (o Duque de Wharton, Mac Leane, Lord Derwentwater) eram anglo-saxões. No entanto, não podemos considerá-los “representantes” do GM da Inglaterra pela simples razão de que eles haviam sido eleitos pelos irmãos franceses. Além disso, essas lojas eram provavelmente mais franco-escocesas que franco-inglesas. Esta é a oportunidade de esclarecer que a famosa “GL Inglesa da França”, cara para alguns “historiadores” nunca existiu. Trata-se simplesmente de uma falsificação do Cavaleiro de Beauchaine (ou Beauchesne).
A primeira excomunhão de maçons pelo papado veio, entre outras coisas, da presença de lojas na Itália.
Lembremo-nos que no protocolo maçônico de costume, são os mais altos na hierarquia que são os últimos.
A LNF funciona hoje dessa forma.