sexta-feira, 5 de maio de 2017

A MATEREGRA (REGRA MÃE)  DOS TALHA-PEDRAS DE VENEZA

LA MARIEGOLA[1] DEI TAGIAPIERA[2] DI VENEZIA


— Tradução, adaptação e notas por Tiago Roblêdo M\ M\


INTRODUÇÃO


A intenção desta análise é melhor compreender qual seria a relação entre os irmãos da Escola de "Tagiapiera" de Veneza no período medieval e entender, também, seus posicionamentos para com os membros de outros Ofícios edificativos, suas relações com as instituições eclesiásticas e com o governo local, seu sistema de proteção e de salvaguarda contra os estrangeiros, a comparação com outras realidades em outros lugares etc. Pede-se ao leitor compreensão, pois em alguns casos a transcrição ou tradução, não estar rigorosa em determinados momentos, isto, devido às más condições do documento original.

O TALHA-PEDRA


Em Veneza, a Corporação tinha uma característica predominantemente artesanal, apesar de ter sido posteriormente descoberto que, em paralelo, havia um mercado típico, ou seja, a atividade do comércio de matérias-primas e produtos finais.

A Corporação era dividida em três categorias: os Tagiapiera ou pedreiros, os Fregadoriou ilustradores, os Segadori ou serradores. Os Intagiadori, ou entalhadores de pedras, aqueles que entalhavam folhas, flores e frutos, formavam um outro pequeno ofício, que se se tornaria por decreto do Senado em 1724 parte do Colégio de Scultori, ou escultores.A Escola poderia aceder aqueles que tinham atingido a idade de 15 anos. Neste Ofício estavam contemplados quatro graus:

- O primeiro era caracterizado pela figura do aprendiz, jornaleiro ou Peão;
- O segundo pela figura do operário ou do Trabalhador;
- O terceiro era representado pela figura do Mestre;
- O quarto era caracterizado pela figura do Mestre da Corte ou "Paron de Botega", ou Patrono da Oficina, o dito "Paron de Corte";

Em Veneza dominava uma aristocracia de Mestres, que gozavam de privilégios especiais estendidos ainda aos seus filhos, que não eram obrigados a submeter a formação de aprendizes, e ao esforço daquele trabalho. Cada aprendiz se sabia, passava por um estágio como Peão, se tornava um trabalhador e, após bons serviços prestados, submetia-se a um teste no qual provava que era um perito, tornava-se um Mestre e legava aos seus filhos o privilégio de se tornarem por sua vez, Mestres sema necessidade de provações. Foi de fato uma aristocracia sempre vívida, e sempre revivida. Todos que ingressavam no Ofício tinham poder de voz, entretanto, as propostas e as eleições eram feitas por um conselho de 40 eleitos pelo Capítulo Geral a cada ano. O teste para se tornar Mestre consistia em esculpir uma base ática[3] que tinha de projetar e conduzir a si mesma com fruição plena, sem a utilização de uma forma e feita meramente a partir de um desenho. Em seguida, este trabalho era medido com uma forma de cobre.

A Escola, que se reuniu sob a proteção dos Quatro Santos coroado, foi inicialmente instalada no Hospital São João Evangelista, onde, em um cômodo no andar térreo disponibilizado pelo Prior, dava lugar as reuniões do Capítulo, ou seja, o Conselho da Associação, presidido pelo Gastaldo[4]. Como outras Escolas Menores, também a deTagiapiera tinha tarefas de assistência mútua e de controle de qualidade do trabalho. Em 1515, a Irmandade se mudou para Igreja de São Apolinário, onde graças em especial, o envolvimento de Pietro Lombardo, comprou os fundos ao lado do campanário para construir as suas próprias instalações, tal construção, na rua do Campanário, e ainda hoje se mantém no topo da fachada um baixo-relevo com os Quatro Santos Coroados e a inscrição: "MDCLII SCOLA DI TAGIAPIERA". 


Havia também um altar de mármore esculpido em ambos os lados com ferramentas doOfício. O altar está agora sob custódia da Igreja de São Silvestre.

A fraternidade entre os escultores e pedreiros anda iria durar muito tempo. Ela só seria dissolvida em 1727 por um certo Antonio Corradini e outros escultores barocchi (barrocos).

A MATEREGRA

A definição de "Mariegola" provavelmente remonta ao nome latino “matricola”, diminutivo de “matrix” (mãe em latim), consequentemente derivado para “mare”, mãe no dialeto veneziano, combinado com “regola”, regra (do latim, regula), ou seja, "regra mãe" ou “máter regra”. Ele era o principal documento da fraternidade e, como tal, era tido em consideração máxima por seus membros.

As Escolas, eram corporações de categorias, sendo orientados a defesa da classe e ao interesse da assembleia de membros: de fato, estas corporações tentaram impor formas de privilégio exclusivo e barreiras protecionistas, o que limitava o exercício de atividades estrangeiras, impunha leis e estabelecia um monopólio rígido para o exercício do Ofício e do ingresso na corporação.

Na cidade de Veneza o termo Escola termo refere-se tanto a uma antiga instituição de caráter associativa-corporativa, quanto ao edifício que lhe constitui a sede. Cada Escola no exercício das suas funções tinha necessidade de expedir e receber documentos que acabavam por descrer a vida da própria comunidade, por isso, seria criado o seu próprio arquivo e nomeado um secretário para o gerir, a Escola também regulava a sua atividade através do estatuto e seus capítulos.

Os estatutos das bancadas eram recolhidos para estes Mariegolas. Os itens preservados na Escola eram decorados lindamente e transferidos para a custódia do chefe da bancada. Eram uma forma de compromisso e cumprimento entre as pessoas que praticam o mesmoOfício qual possuíam um papel bem definido na sociedade. Seus capítulos dirimiam disputas, mantinham listas periódicas de membros e empregados, era, portanto, um documento disponível ao tempo e a necessidade. O Mariegola também era exibido em uma procissão durante as cerimônias religiosas mais importantes e era mantido em casos especiais com outros documentos importantes.

Com a queda da República e da crise econômica, juntamente com muitas outras obras de arte, e com o mobiliário das Escolas, o Mariegola foi vendido, o que restou, sobreviveu parcialmente intacto, ou seja, despojado de suas decorações preciosas e reduzido as iluminaras de suas páginas: tudo isso para pagar as dívidas das Escolas. Mas muitas foram salvas graças aos grandes colecionadores, estudiosos e historiadores como Teodoro Correr, Domenico Zoppetti, Agostino Corrier, Sante della Valentina, Cesare Augusto Levi, Emmanuele Cicogna, Giovanni Rossi, Girolamo Soranzo e outros. Hoje, em particular, o museu Correr possui 246 além de 14 provindos do Museo del Vetro di Murano.

O MARIEGOLA DE TAGIAPIERA DE VENEZA

O mais antigo documento sobre os pedreiros como uma corporação legalmente reconhecido são os capítulos de 1307, elaborados como XVII tópicos e aprovados porGiustizieri Vecchi, seguido depois pelo Mariegola, elaborado em vernáculo, no início de 1500, que receberia outros conteúdos destes capítulos, porém, sem este processo respeitar uma ordem cronológica. Neste se encontra registrado, que a Corporação foi governada por trêsSoprastanti (Superiores), dos quais um seria então nomeado o Gastaldo, um secretário e posteriormente, também, dois sindicantes, o que seria perpetuado até o final do século XVIII.

Os capítulos são ricos em miniaturas, ornamentações e outros itens decorativos, era uma obra de grande arte, mas não apenas uma pilha de documentos importantes para a instrução de fraternidades corporativas, confrades que exerciam a mesma profissão. Também são uma série de documentos históricos, estatutos, capítulos e informações muito importantes para a 
compreensão dos diversos significados histórico-sociais e culturais da Veneza nos tempos antigos.
No Mariegola, um documento raro e único em seu gênero, foi estabelecido as regras de conduta internas e normas legais confiadas ao Gastaldo, esses capítulos resolviam contendas, asseguravam as cerimonias, estabeleciam os procedimentos eleitorais, atualizavam a lista dos Gastaldi, dos guardiões e dos irmãos. Ainda aplicava os impostos tributários, como a taxa chamada de luminária anual que servia para manter e despesas doOfício. Diante do altar da Escola dedicado ao padroeiro aos novos membros prestavam seu juramento pela leitura do estatuto.

Em sua página 13, há uma fachada decorada com quadro filigranas com flores, folhas, botões de ouro outros motivos, no painel superior, figuram os padroeiros da fraternidade, os Quatro Santos Coroados, que estão segurando a palma do martírio. No painel inferior, mostra uma bênção do Deus Pai: provavelmente tal iluminura remonte ao século XVI, embora nela encontremos também o texto do estatuto que é datado de 15 de setembro de 1307.




Nela ainda pode ser encontrada, a referência à Virgem Maria, os Quatro Santos Coroados não são mencionados, esses patronos do Ofício, no entanto, são mencionados no texto da convenção com o prior da Igreja de São João Evangelista, datado de 1396, para ser então ser registrado no Cap. XIV, na mesma data. Eles seriam nomeados no capítulo sete. Se pode deduzir, portanto, que provavelmente a adoção dos Quadro Santos Coroados como os santos padroeiros da Escola de "Tagiapiera" tenha ocorrido no período entre 1307 e 1396.

Ao se analisar a convenção assinada pelo Ofício com o Prior da Igreja de São João Evangelista sobre a sede da Escola, se contata uma datação de 16 de novembro 1396, o documento é composto por cinco fachadas (5R-7R), nele é feito o acordo entre o nobre Marco Badoer, Pior do Hospital de São João Evangelista e Girard Tagiapiera, CesarioTagiapiera e Zorzi Tagiapiera, os Soprastanti do Ofício.
O Badoer acorda para o Ofício dos terrenos no térreo, um cômodo para as reuniões do Capítulo, e, caso não fosse possível, em seu lugar, um cômodo superior entre a Igreja e o Hospital. Ele compromete-se a celebrar uma missa na Igreja vizinha toda terça-feira no altar de Santa Clara e uma missa solene em 8 de novembro, um dia dedicado aos “Quatro Sancti Coronati confaloneri delarte predicta”. Toda segunda-feira, o sacerdote, celebraria a missa e estaria comprometido a atravessar pelo “larário” recitando o ofício dos mortos. O ano contratual teria início no primeiro domingo do mês de março.

O Ofício de Tagiapiera, representado por Girard, Cesario e Zorzi, em contrapartida seria obrigado a pagar a Badoer o valor de cinco "pizoli" para cada morto, qual seria enterrado à custa do Ofício, e para aqueles do Ofício que fossem enterrados à custa da família do falecido, além da soma dos cinco “pizoli”, seria também oferecido valor que o Badoer acordou com as pessoas que tiverem as despesas do funeral.

O Ofício prometia dar esmolas aos pobres do Hospital mantidos pela caridade da casaBadoer, e, para ele e seus sucessores, em entregar os “honorantie infrascripte”, ou seja, seis doses de vinho e seis porções de pães brancos qual seriam doados aos pobres do Hospitalcitado e um quarto de um Cordeiro mais um quarto de carne de Bode, como era de costume naquele tempo. Para os necessitados das terças-feiras e a sua solenidade, foi estabelecida a obrigação de pagar dois ducados de ouro por ano.

Isto foi seguido por declarações de cumprimento do acordo, e, no caso da ausência de uma das partes, a obrigação de pagar uma multa de 50 ducados de ouro. O contrato foi gravado por um notário, na presença de testemunhas.
Se segue agora, uma análise dos primeiros 63 capítulos do Mariegola, cada item será apresentado começando com o número do capítulo em algarismos romanos[5] como o original, seu conteúdo é em ordem seguido de:

Dat.: A data, no caso a data que é encontrada no capítulo.
Col.: A possível correlação, quando indicada, com os capítulos de 1307.
Com.: Quaisquer elementos para comparação de diferentes estatutos de corporações na Itália e em outros estados.
Ext.: Em alguns casos, um extrato do capítulo no vernáculo.

I. Cap. I: Estabelece que se deve realizar os Capítulos no primeiro domingo de abril, qual deve nomear o Gastaldo e os oficiais e também que no primeiro domingo do mês de maio subsequente, os oficiais da antiga bancada deverão entregar os cargos aos novos oficiais.
Dat. 1363.
Col. provém do capítulo II do Capítulo[6].
Com. Ao contrário de Antuérpia, são nomeados dois anciões e dois jurados.

II. Cap. II: Refere que o Gastaldo e seus companheiros devem eleger entre eles 40 pessoas, incluindo os patronos e Mestres do Ofício que se tornarão eleitores.
Col. provém do capítulo II do Capítulo.

III. Cap. III: Emenda a idade mínima para quinze anos, a fim de eleger o Gastaldo e oficiais da "Bancha" (Bancada).
Dat. 21 de agosto de 1325.
Ext. “Ordenamos que a partir doravante que nenhum membro deste Ofício, qual não tenha a idade de completa de quinze anos, possa ou deva participar da eleição de Gastaldo nem a de qualquer dos outros oficiais da bancada, sob a pena qual o Chefe de Justiça julgar conforme o mérito”.

IV. Cap. IV: Zela quanto à hegemonia numérica de estrangeiros em relação aos Venezianos, em função da rogativa dos últimos, os Provveditori[7] exigiam que, em reunião, o número de estrangeiros eleitos não excedesse o de venezianos.
Dat. 25 de outubro de 1491.

V. Cap. V: Exige a eleição, a cada ano, de um secretário a quem é atribuído à transcrição das entradas, das saídas e tudo o que fosse intrínseco ao Ofício. Ficava entendido que não poderia expressar qualquer opinião ou estimativas, mas apenas escrevê-las.


VI. Cap. VI: Exige que dentro do prazo de um mês o antigo Gastaldo entregue todos os bens e recursos para o novo Gastaldo da Escola.
Dat. 08 de novembro de 1412.

VII. Cap. VII: Exige para os oficiais a anuência das taxas internas.
Dat. 03 de março de 1375.
Col. Recorde Capítulo III do Capítulo.
Ext. "Que nenhum dos nossos oficiais que estejam engajados no Ofício possa refutar o seu encargo sob a devida pena[8].".

VIII. Cap. VIII: Exige que seja instituído um grupo de três “Soprastanti" formado por um “Paron da Corte” (Patrono da Corte) e dois “Lavoradori” (Trabalhadores). Seus encargos teriam mandato de um ano.
Dat. Corrigido em 05 de outubro de 1329.
Col. Corresponde ao capítulo I do Capítulo.

IX. Cap. IX: Ordena que os "Soprastanti” do Ofício devem diligentemente visitar, pelo menos uma vez por mês, todas as cortes ou oficinas de talha-pedras dirimindo, a eventual existência de imbróglios entre os colegas relacionados ao trabalho e aos materiais.
Col. Corresponde ao capítulo IV do Capítulo.

X. Cap. X: Ordena que os Soprastanti, presente e futuro, tenham autoridade para aplicar penalidades, caso seja necessário, no valor de “XX de pizoli”.
Col. Corresponde ao capítulo V do Capítulo.

XI. Cap. XI: Estabelece que ninguém deva ousar a insultar ou proferir injúrias aoGastaldo, ao Soprastanti e nem ninguém a serviço do Ofício sob a pena de "libre X de pizoli" para cada infração e para cada incidência.

XII. Cap. XII: Ordena que seja realizada uma missa pela "a salvação de nossas almas" e pelos irmãos falecidos, no terceiro domingo do mês e que todo aquele do Ofício lá vá e salde um centavo.

XIII. Cap. XIII: Ordena que todo Soprastanti ou oficial do Ofício, não gaste arbitrariamente os bens da Escola, sob a pena de “libre 5” para cada infração.
Dat. 17 de julho de 1339.

XIV. Cap. XIV: Ordena que toda terça-feira da semana, se deva celebrar uma missa na Igreja de São João Evangelista[9] e também a cada ano, no dia 8 de novembro, em memória dos Quatro Santos Coroados[10], aqueles que não se fizerem presentes na última função pagarão a pena de "soldi 10”, salvo um justo impedimento.
Dat. 1396.
Com. Em Luxemburgo, o patrono escolhido foi São Teobaldo.
No Malines eram celebrados os Quatro Santos Coroados.
Em Audenarde ao santo padroeiro escolhido foi São João Batista.
No Auvergne é comemorando no Dia da Assunção.
Em Maiorca encontramos a Virgem Maria e os Quatro Santos Coroados.
Ext. "que se deva celebrar uma missa a todos os mártires por semana: Na igreja do misericordioso São João Evangelista, e anualmente em oito de novembro em memória dos Quatro mártires do Ofício, misericordioso São Cláudio, misericordioso São Castório, misericordioso São Nicóstrato e o misericordioso São Sinfrônio, ou seja, uma missa solene em louvor & reverencia do misericordioso Senhor Deus e da mão Santa Maria que sempre se mantém em sua graça.”.

XV. Cap. XV: Ordena que seja celebrada uma missa todas as terça-feira na qual será obrigado a saldar “libre 3 de pizoli”.
Dat. 28 de abril de 1430.

XVI. Cap. XVI: Ordena que seja celebrada, festejada e respeitada a festa dos Quatro Santos Coroados com a proibição de trabalhar ou ordenar trabalhar naquele dia, sob pena no valor de "cento de pizoli” para cada um e para cada infração, tal compensação será destinada em um terço para a Escola, um terço a câmara e um terço ao acusador.
Dat. 01 de abril de 1403.
Ext. “que todos aqueles do Ofício de “Tagiapiera” devam celebrar e festejar a festa dos quatro mártires patronos do dito Ofício quais constituem São Nicóstrato, São Cláudio, São Castório e São Sinfrônio a qual é realizada no dia 8 de novembro: E não possa ninguém do Ofício de “Tagiapiera” trabalhar ou fazer trabalhar para que si possa ou para outros, na dita festa que os ditos mártires são venerados...”.

XVII. Cap. XVII: Obriga o Soprastanti a visitar os membros enfermos a fim de oferecer concretas ações de caridade[11] para estes necessitados.
Col. Corresponde ao capítulo XII do Capítulo.

XVIII. Cap. XVIII: Requer a visita do irmão ao funeral de um membro do Ofício e no cortejo de seu sepultamento.
Col. A primeira parte corresponde ao capítulo XII do Capítulo.
Ext. "e nesta ocasião todo aquele da Escola deverá ir a casa daquele que veio a falecer & qual deverá acompanhar até o lugar que será sepultado: e lá perdurar até que o corpo seja enterrado sob pena no valor de “X”, para cada um que infringir a presente ordem a cada vez que incidir...".

XIX. Cap. XIX: Regula o pagamento da luminária[12] e entrega da vela no dia do Capítulo e no dia da festa dos Quatro Santos Coroados.
Dat. Ratificado em 18 de outubro 1424 e 17 de fevereiro de 1439.

XX. Cap. XX: Exige a presença na festa dos Quatro Coroados e para aqueles que não o cumprirem, saldar a pena no valor de “XXXII” para cada um dos infratores e a cada vez que incidir, revisto no capítulo XIII anterior de 1396 qual cuja pena foi fixada para o valor de "10".
Dat. 08 de abril de 1462.


XXI. Cap. XXI: Exige aos filhos ou parentes dos patronos a entrada na Escola após de cinco anos de trabalho com seu pai ou parente.
Ext. "Ainda que cada filho de patrono, parente de mestre não possa trabalhar mais que cinco anos com o pai, parente, ou ambos, tendo de ingressar na dita Escola de forma que trabalhe com outro, sob pena de livre de “XXV de pizoli” a ser dividida por três como o supracitado”.

XXII. Cap. XXII: Veta o trabalho à noite e durante os dias de festa sob pena no valor de "XL" para cada infrator, e para cada incidência.
Col. Corresponde ao capítulo VIII do Capítulo.
Ext. "Ainda se estabelece e ordena que nenhum mestre empregador súpero a Peão do presente Ofício não ousará ou presumirá trabalhar ou escriturar em nenhuma das festas que sejam celebradas a qualquer “câmara” de Justiça sob pena de “XL”...".

XXIII. Cap. XXIII: Regula o trabalho noturno possibilitando o pagamento de um ducado de ouro com a respetiva liberação de uma publicação válida por um mês.

XXIV. Cap. XXIV: Regula a relação com outros mestres e os seus comitentes, proibindo o trabalho em grandes obras não pagas com antecedência, sem um acordo prévio entre os mestres e estes comitentes.
Dat. 27 de setembro de 1465.

XXV. Cap. XXV: Indica como aconselhar o comitente fazendo referência em especial à qualidade, tipicidade e valor dos materiais utilizados.
Col. Corresponde ao capítulo VII do Capítulo.

XXVI. Cap. XXVI: Ocupa dos irmãos que nasceram de pais estrangeiros em Veneza, considerando aqueles associados como cidadãos "nativos", também estipula que aqueles quais são noivos de uma mulher veneziana possam ser eleitos Gastaldi eJuízes do Ofício.
Dat. 07 de fevereiro de 1460.

XXVII. Cap. XXVII: Declara que o Soprastanti do Ofício de “Tagiapiera” tem “liberdade de fazer justificadamente todas as coisas concernentes ao Ofício...”.

XXVIII. Cap. XXVIII: Veta o gasto de dinheiro da Escola para comer ou beber no dia do Capítulo, sob pena de “libre X...".
Col. Corresponde em parte ao capítulo XVI do Capítulo.
Dat. 08 de novembro de 1412.

XXIX. Cap. XXIX: Afirma que, a fim de ampliar os bens da Escola a partir de então, cada Patrono da Oficina, terá que pagar por sua luminária, a cada ano, no dia do Capítulo o valor de “XXXIV” e para outros mestres e trabalhadores o valor de “XIV” no prazo de quinze dias, sob pena no valor de “X” para os patronos e “V” para os outros mestres e trabalhadores.
Dat. 08 de novembro de 1412.



XXX. Cap. XXX: Trata de disputas com membros de outros Ofícios, como muratori (mureiros), marangoni (carpinteiros), etc., e os proíbe qualquer trabalho de "Tagiapiera".
Reexaminada em um capítulo de 1519.
Dat. 04 de abril de 1412.
Ext. "... que doravante nenhum mureiro ou carpinteiro forasteiro sem ocupação não arvore sobre qualquer trabalhador pertencente ao Ofício de “Tagiapiera” sob pena no valor de “libre cento pizoli”, mas bem poderá o citado mureiro ou carpinteiro vir a compensar de outras formas”.

XXXI. Cap. XXXI: Ocupa daqueles que pertencem ao Ofício de “Tagiapiera” e estejam fora de Veneza com a família por mais de um ano, que, após o seu regresso, para realizar novas obras, deverá reingressar na Escola e pagar as taxas devidas.
Dat. 03 de janeiro de 1319.

XXXII. Cap. XXXII: Estabelece que aqueles que não tenham dominado o Ofício em Veneza não possam trabalhar para os mestres por mais de oito dias sem serem registrados no Ofício e pagarem a sua inscrição.
Col. corresponde em parte ao capítulo XV do Capítulo.
Com. Na cidade D'Anversa, seria recebido no Ofício quem pagasse uma inscrição de 10 florins de ouro do Reno, ou o mesmo valor em outra moeda além de, para cada ancião ou jurado, uma medida de vinho do Reno e ao Peão um copo de vinho do Reno.
Ext. "... E porque quando alguém desta terra, for nesta terra trabalhar para um mestre, deverá pagar um ducado e uma libra a sua Escola. Porém, caso este seja oriundo de fora, para trabalhar cá em Veneza, deverá pagar além do devido a nossa Escola, um ducado pela inscrição como é justo e conveniente já que em tudo que se usa, outrossim, é da terra ... ".

XXXIII. Cap. XXXIII: Veta o trabalho em pedra de "mão branca", pedra mais frágil e não muito consistente qual é mais pobre, excluindo no caso qual tenha sido solicitado pelo comitente, com a exigência de se registrar o acordo na Justiça Antiga.
Dat. 28 de setembro de 1311.
Ext. "... que doravante qualquer um do citado Ofício não ouse ou pretenda trabalhar ou fazer trabalhar na pedra a qual é chamada de mão branca a fim de fechar aquele trabalho: Mas se alguém exigir a dita na pedra qualquer trabalho, que todo aquele do presente Ofício a qual foi exigido seja compelido e obrigado pela presente parte, em proceder condicionado nesta pedra...”.

XXXIV. Cap. XXXIV: Veta o uso de diferentes tipos de pedras no mesmo trabalho, também é liberado o uso de "pedra de Pola[13] de mão forte" para a construção de soleiras, janelas e varandas...
Dat. 26 de setembro de 1313.

XXXV. Cap. XXXV: Veta a introdução de pedras de "mão branca" em Veneza.

XXXVI. Cap. XXXVI: Especifica que todas as penalidades devem ser subdivididas em três partes: um terço ao Soprastanti, um terço para o Ofício e o outro terço à Justiça Antiga.
Com. Em Antuérpia, por exemplo, um terço ia para o senhor, um terço para a cidade e o outro terço para a Escola.
No Malines iria para a igreja e para o erário dell'Elemosina.
Em Audenarde o lucro das penas iria para o senhorio e “São João”. 
No Luxemburgo, o lucro das penas iria para o serviço de Deus.
Dat. 12 de agosto de 1314.

XXXVII. Cap. XXXVII: Impõe a proibição de misturar diferentes tipos de pedras no mesmo trabalho, ou seja, nas portas, janelas, varandas, etc.
Col. Corresponde ao capítulo VIX do Capítulo.

XXXVIII. Cap. XXXVIII: Veta aqueles que estão fora da Escola de vender, trabalhar ou prover trabalho em Veneza em tudo o que diz respeito ao Ofício de “Tagiapiera”.
Col. Corresponde ao capítulo XI do Capítulo.

XXXIX. Cap. XXXIX: Mais uma vez, refere-se à matéria-prima ordenando a especificar a origem do material, por exemplo, Pola, Parenzo ou Rovigno.
Col. Corresponde ao capítulo X do Capítulo.

XL. Cap. XL: Neste Capítulo de 1397 é nomeada a obrigação de assistir à festa de 8 de novembro, sob pena do valor de "X".
Dat. 01 de abril de 1397.
Ext. "... Que aqueles que não se fazerem presentes à missa qual foi deliberada para cada ano em oito de novembro pagará a pena no valor de “X”...”.

XLI. Cap. XLI: Trata da relação de trabalho entre os Mestres e os Peões, ou seja, os aprendizes, e obriga sua inscrição na Justiça Antiga, pelo prazo de ao menos cinco anos[14].
Com. Em Antuérpia durava quatro anos, em Bruxelas três anos (artigo 12), em Maiorca 4 anos, em Alicante 4 anos (artigo 2), em Bolonha 5 anos, em Malines (massoni) 3 anos, (Cleynstekers) 4 anos, 2 anos em Audenarde, em Luxemburgo 5 anos (artigo 13), em Louvain 2 anos, em Bruges 4 anos (artigo 2).
Dat. 30 de abril 144Q.
Ext. "... O que doravante um Mestre de nossa profissão de “Tagiapiera” não possa pretender ter Peão algum a empregar consigo se não estiver inscrito na câmara da Justiça Antiga ao menos por cinco anos, sob pena de “libri cento”...”.

XLII. Cap. XLII: Trata do pagamento a Escola no montante de "32 pizoli" ao ano para ser permitido transportar pedras em Veneza e trabalhá-las.

XLIII. Cap. XLIII: Impõe sobre aqueles que estiverem fora de Veneza, o pagamento da luminária e um valor ao mês para a missa, como se estivesse em Veneza.
Dat. 2Q de abril de 1450.

XLIV. Cap. XLIV: Veta o emprego ou fazer empregar estrangeiros para trabalhar em Veneza, com exceção o trabalho em mármore e lista todas as questões relacionadas a trabalhadores importados que criariam grandes perdas para ao Ofício.
Dat. 27 de setembro de 1465.

XLV. Cap. XLV: Veta a introdução na cidade de Veneza de pedras importadas, a pena seria dividida em quatro partes: um quarto aos “Senhores Provedores", o quarto "Senhores Justiceiros", um quarto ao "Acusador" e a último a Escola.
Com. Esta prática também é encontrada em Bruxelas, em que a terça parte era atribuído ao Acusador.

XLVI. Cap. XLVI: Autoriza o Gastaldo a defrontar as despesas para a celebração doOfício em benefício do Prior da Igreja de São João Evangelista.
Ext. "... Ainda constando no dito Capítulo que o dia da nossa celebração de “Tagiapiera” deverá haver música e procissão: e o Gastaldo deverá liberar a verba para a dita música para o benefício de nossa Escola...".
Dat. 28 de outubro de 1461.

XLVII. Cap. XLVII: Afirma que, se alguém desejar vir e trabalhar em Veneza e não tenha aprendido seu Ofício nesta terra, que não irá poder cá trabalhar, se, previamente, não tenha sido inscrito nessa Escola, pagando a "boa-entrada de quatro ducados de ouro" que serão destinados aos necessitados em aprendizado.

XLVIII. Cap. XLVIII: Veta aos forasteiros de possuírem oficinas em Veneza, para comprar para si ou para os outros e para vender, excetuando os que residem permanentemente na cidade com sua família.
Dat. Ratificada 14 de maio de 1474.

XLIX. Cap. XLIX: Repudia a corrupção entre os mestres que tomam quatro, seis, dezPeões, que executem trabalhos sem as circunstâncias adequadas qual necessitam e por vezes não trabalhem o suficiente, tudo isto em detrimento dos trabalhadores pobres que vivem de jornada. Se ordena que cada mestre possa tomar até um máximo de três Peões inscritos na Justiça Antiga, além de seus irmãos e filhos.
Dat. 13 de junho de 1507.
Ext. “... tal coisa se converte em prejuízo dos nossos trabalhadores necessitados que vivem de jornada: E por isso um prejuízo da Escola e do patrono. Porém, ficou decidido pelo Gastaldo Lorenzo de Vielmo e seus companheiros de bancada que patrono algum ou mesmo mestre de oficina, doravante, não possam ter mais de três Peões inscritos consigo na Justiça Antiga além de seus irmãos e filhos...”.

L. Cap. L: Veta o trabalhador de modo algum a manter Peões quais não estejam inscritos na Escola há pelo menos 10 anos.

LI. Cap. LI: Ordena que cada Peão inscrito, quando terminado seu período de aprendizagem com o patrono ou mestre, deva apresentar-se ao Gastaldo para fazer sua "boa-entrada", entende-se que os patronos por sua vez, já possam então, o designar ao Gastaldo.
Ext. “... para cada um obreiro antes um Peão inscrito qual havendo comprido seu tempo, os patronos e os mestres serão obrigados a comunicar ao Gastaldo e aos companheiros a fim de realizar sua boa-entrada e igualmente os patronos são obrigados a informar ao Gastaldo seu tempo de aprendizado como concluído...”.

LII. Cap. LII: Especifica que os patronos de oficinas têm de pagar "lire 2 soldi 4" todos os anos para suas luminárias, os trabalhadores, no entanto, terão de pagar "24 soldi".

LIII. Cap. LIII: São nomeados dois sindicantes para revisar as contas da Escola e se impõe que sejam eleitos um mestre e um trabalhador, homens de boa reputação e discrição.
Dat. ratificada 20 de julho de 1507.

LIV. Cap. LIV: Estabelece que os oficiais do Ofício não possam recusar-se aos encargos, sob pena de "lire X de pizoli" e que os mestres estrangeiros que vivam em Veneza por ao menos seis anos podem ser eleitos Gastaldi da Escola.
Dat. 13 de maio de 1408.

LV. Cap. LV: Repudia a situação de na qual o Gastaldo em visita aos patronos, a fim de verificar se os Peões estão em um número não superior a três, conforme afirmado em capítulo anterior (Cap. XLIX), e muitos mestres escondem sua demasia dePeões, também falsificando seus nomes. O Capitulo estabelece que o "Patrono da Oficina" e os trabalhadores têm de entregar uma nota para o Gastaldo no prazo de oito dias em que todos os seus Peões, filhos, irmãos e sobrinhos sejam listados e quais trabalhos respectivamente executam, especificando o seu nome e sobrenome.
Dat. 1 de abril 1509.

LVI. Cap. LVI: Autoriza a aquisição de terrenos para a construção da Escola e ordena a eleição de quatro pessoas, dois "Patronos de Oficinas" e dois Trabalhadores comoSoprastanti dos trabalhos...
Dat. 08 de novembro de 1514.



LVII. Cap. LVII: Estabelece que aqueles que não pagaram suas luminárias dentro do prazo de dois meses a partir da festa dos Santos Padroeiros, possivelmente convocados a quaisquer trabalhos, os patronos não deverão contratá-los para o trabalho, sob pena de pagar as luminárias devidas.

LVIII. Cap. LVIII: Estabelece que aqueles que se recusarem a contribuir e estando devendo a Escola, não deverão receber caridades do Gastaldo, sob pena deste último pagar a mesma quantidade de caridades as dando aos necessitados da Escola. Também estipula que a Escola não estará obrigada, no caso da morte do irmão, prestar-lhe as honras da Escola e acompanhá-lo até a sepultura que lhe reservarem, exceto no caso deste ter caído em ruína, o qual deverá se formalizado ao Gastaldo.

LIX. Cap. LIX: Trata daqueles que tiverem encargos na Escola quais terão de permanecer por mais de cinco anos à revelia.
Dat. Ratificada 29 de maio de 1515.

LX. Cap. LX: Trata dos devedores da Escola quais não deverão receber trabalho de seus irmãos.

LXI. Cap. LXI: Obriga o Gastaldo e seus companheiros a irem "buscar por trabalho” e caso não cumpram, que paguem 10 ducados como pena.

LXII. Cap. LXII: Obriga o Gastaldo, os dois companheiros e ao secretário a ceder os cargos, uma vez concluído o mandato, sob pena de pagar 12 ducados: metade que irá para a Justiça Antiga e a outra metade para a Escola.
Dat. Ratificada em 31 de julho de 1516.

LXIII. Cap. LXIII: Impõe que cada irmão seja obrigado a pagar suas luminárias na festa dos Santos Padroeiros e aqueles que não o pagarem no prazo de quinze dias após a festa, terão perdido seu pão e sua vela.
Dat. 15 de fevereiro de 1516.

CONSIDERAÇÕES

Após esta análise do Mariegola se podem realizar algumas considerações que destacam as peculiaridades de Veneza, em comparação com outras realidades da mesma época.
Como a atenção para com a matéria de alguns capítulos que ao longo dos séculos foram várias vezes retomadas e revisadas.

Outra observação diz respeito aos graus abrangidos neste Ofício em Veneza; eram ao menos de 4 graus: o “Patrono da Oficina" (Paron de Bottega), Mestres (Maestri), os Trabalhadores (Lavoranti) e Peões (Fanti), diferentemente de outras cidades da Europa.

Outro fato curioso é que em Veneza, em alguns casos, o acusador se beneficiava de uma parte do lucro das penas.

Ao se abordar a questão dos Santos Padroeiros do Ofício de “Tagiapiera”, que eram osQuatro Santos Coroados, se observa que figuraram no documento pela primeira vez em 1396 e posteriormente foram resgatados em vários capítulos. Também é possível encontrá-los em outras agremiações europeias deste Ofício e podem ser observados em instruções pertinentes a vários artigos. Tudo isso leva a pensar que havia alguma forma de comunicação entre estas organizações ou até mesmo uma origem comum.

Muitos capítulos são impregnados com referências a caridade, a ajuda mútua para aqueles que caíram em necessidade ou foram atingidos pela moléstia, os irmãos mais velhos, a obrigação de velar os falecidos e acompanhá-los até a sepultura, em ajudar viúvas e a imposição à prática da adoração. Tudo isso também pode ser justificado pelo fato de que há muitos séculos, em Veneza, os Ofícios foram frequentemente associadas a entidades religiosas, e que foram afetados pela cultura religiosa através da figura representada em Veneza peloDoge[15].

Por fim, segue uma classificação, onde se observa o expediente dos 63 capítulos analisados:

- 19 são dedicados à organização da Escola.
- 15 são atribuídos às obrigações e feriados religiosos.
- 10 são voltados para as relações de trabalho.
- 08 são relativos às relações com forasteiros.
- 08 referem-se os materiais empregues.
- 03 reservados para as relações sociais.

REFERÊNCIAS

[1] O Mariegola, do latim "matricula", ou Materegra (Regra Mãe), nas Escolas de Veneza eram o estatuto dos direitos e deveres dos membros. Consistia dos capítulos da versão inicial e as alterações e adições feitas ao longo dos anos, como resultado de resoluções, decretos ou proclamações. De modo mais geral, uma Mariegola é um livro em que são recolhidas leis sistemáticas de algumas corporações de Ofício e até mesmo define seus lugares e dias santos.
[2] "Tagiapiera" em dialeto veneziano significa “Talha-Pedra” ou Pedreiro (mesmo que Maçom). Durante a "Sereníssima República" em Veneza, havia muitos pedreiros que trabalharam com cinzéis para gravar e desbastar pedras e esculturas ornadas, pilares ou vergas de igrejas e edificações. Eles usavam principalmente pedras de Ístria (Croácia), mas também Trachyte e calcário das Colinas Euganei perto de Pádua.
[3] Base ática é uma base que consiste de uma escócia entre dois toros sem plinto, ou mais frequentemente com um plinto na parte inferior. O toro inferior é um pouco mais largo e tem o diâmetro maior, também chamado bocelão. Seu uso era próprio debaixo das colunas jônica e coríntia.
[4] Gastaldo, ou Castaldo, foi um título administrativo que surgiu entre os lombardos na Idade Média. Era uma posição de alta hierarquia, sendo administradores do patrimônio régio, nomeados pelo monarca e sob sua supervisão direta, eram enviados para províncias e cidades para administrá-las em seu nome, tendo atribuições similares às dos duques. Os Gastaldi mais destacados usualmente recebiam o título de conde, indicativo da sua elevada dignidade. Seu ofício era temporário e primariamente executivo e administrativo, mas também podiam ser encarregados de atribuições judiciárias e policiais, bem como, em tempos de guerra, assumiam o comando de milícias. No período comunal da história italiana, o título passou a ser conferido a administradores de burgos e vilas, com a função principal de administrar o patrimônio público. Também foram chamados Gastaldi os chefes de algumas corporações de ofícios.
[5] Os números romanos da versão original do texto em Italiano empregavam uma sequência ligeiramente diferente de nosso vernáculo, os mesmos foram adaptados a nossa utilização usual para melhor entendimento do leitor.
[6] Para manter maior fidedignidade a expressão empregada no texto original, o termo “Capítulo” foi repetido por falta de termo mais próximo no vernáculo. Entenda-se “capítulo” em minúscula, como o tópico do estatuto e, “Capítulo” em maiúscula, como o estatuto em si.
[7] Na República de Veneza o título de Provveditori (Superintendente) era atribuído a um número de magistrados indicados pelos vários conselhos no qual era articulado o governo de ”provvedere”, para temas específicos ou para o governo das províncias, para regimentos, ou regiões inteiras. Os Provveditori eram nomeados por um período de tempo específico, alguns exerciam em estruturas monocráticas, outros, no entanto, constituíam colégios. Em alguns casos, também faziam parte do colégio um ou mais Provveditori, que também poderiam ter competência para recorrer das decisões de outros Provveditori.
[8] No curso dos demais capítulos a pena tem caráter predominantemente monetário (apesar de haver sugestão de serviços prestados como alternativa em certas situações), a forma como as cifras foram registradas no texto original variam, possivelmente em função do próprio desgaste do Mariegolaenquanto fonte a ser decifrada, e da variação linguística das diferentes épocas na qual o texto foi acrescido de novas regras.
[9] A proximidade da corporação com uma igreja dedicada a São João talvez tenha originado ou reforçada (caso o costume seja ainda mais antigo) a reverência que este santo em suas diferentes representações (Evangelista, Batista, Esmoler, da Escócia etc.) teve da maçonaria operativa (e mesmo especulativa).
[10] Os Quatro Santos Coroados, na literatura hagiológica são os chamados "Santi Quatro Incoronato" quem tinham os nomes de Cláudio, Nicóstrato, Castório e Sinfrônio que foram torturados e depois martirizados em Panônia (hoje Hungria), pois se recusaram a esculpir uma estatua de uma divindade greco-romana para o Imperador Diocleciano (243-305). Um quinto mártir chamado Simplício também morreu com eles, mas a Igreja celebra apenas 4 deles. Os Quatro Santos Coroados figuram em diversas das Antigas Obrigações Maçônicas (período operativo) como os padroeiros do Ofício (em contraste ao predomínio de São João no período especulativo).
[11] Já da à ideia de que o costume ainda hoje praticado de “hospitalaria” no aspecto da ajuda mútua maçônico estava bem estabelecido. No curso do texto se observa que determinas regras estabeleciam procedimentos que angariavam renda para estas caridades.
[12] A luminária era uma contribuição ou oferta típica da época, a coleta desse donativo financeiro tornou-se prática usual das corporações de ofício. As contribuições exigidas aos irmãos constituíam a principal fonte de renda para uma escola. Estas incluíram a “benintrada”, ou boa-entrada, a taxa de entrada e a luminária, ou taxa de velas, taxas funerárias e uma contribuição anual de caridade. A luminária como seria de esperar, era diretamente destinada para a aquisição das velas (dentre outros utensílios fúnebres ou religiosos necessários) que a escola distribuída aos membros (principalmente aos mais necessitados) nas ocasiões pertinentes (missas, procissões, velórios etc.).
[13] Pola ou Pula é a maior cidade do Condado de Ístria, Croácia, situada na ponta sul da península de Ístria. Como o resto da região, que é conhecida por seu clima ameno, o mar calmo e natureza intocada. A cidade tem uma longa tradição de vinificação, pesca, construção naval e turismo. Foi também o centro administrativo da Ístria desde tempos romanos antigos. Os venezianos assumiram Pola em 1331 e iriam governar a cidade até 1797.
[14] O período de estágio típico para a graduação, ainda hoje utilizado (simbolicamente) na maçonaria especulativa.
[15] O Doge de Veneza (derivado do latim dux, "líder militar"), às vezes traduzido como Duque, era o magistrado chefe e líder da Sereníssima República de Veneza por mais de 1.100 anos (697-1797). Os Doges de Veneza tinham mandato vitalício e eram eleitos pela aristocracia da cidade-estado. Comumente, o homem escolhido como Doge era o mais velho e douto na cidade. O Doge não era um duque, no sentido moderno, o título "doge" na realidade, foi o título do mais alto-funcionário eleito de Veneza e Genova.

Os “obreiros de Salomão”

Autor: João Anatalino


Sinopse


Poucos acontecimentos na história da humanidade provocaram tantos desdobramentos na vida dos povos quanto a extraordinária experiência deixada pelos Cavaleiros Templários. Uma verdadeira cultura de lendas, mitos e tradições, derivadas da estranha saga vivida por esses monges guerreiros continua, ainda hoje, a despertar o interesse e a excitar a imaginação das pessoas. Quem eram esses bravos defensores da fé cristã que acabaram sendo sacrificados justamente pela suspeita de profanarem essa mesma fé? Possuiam mesmo segredos históricos e científicos que poderiam subverter todo o curso da história da civilização ocidental? Eram realmente hereges e conspiradores, que por estarem muito adiantes do seu tempo, se tornaram perigosos demais para o sistema e por isso tiveram que ser eliminados? Os Templários foram os inspiradores da Maçonaria e da Companhia de Jesus? Qual o fundamento histórico dessa tradição? Porque eram chamados de Filhos de Viúva? Quem era a misteriosa Virgem que eles adoravam? Quem, ou que, era o ídolo conhecido como Baphometh? Os Templários foram vítimas de uma conspiração, ou eles mesmos eram conspiradores?
Usando a forma literária do romance, o autor penetra a fundo na história dos Cavaleiros Templários, abordando esses e outros assuntos relativos á fantástica experiência vivida por esses famosos monges guerreiros, ao mesmo tempo santificados e amaldiçoados. Fundamentando-se nas crônicas escritas por autores antigos e modernos, e especialmente nas atas do processo que os condenou, a estranha e misteriosa saga dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo do Rei Salomão é reconstruída e mostrada em toda sua dramaticidade épica, com especial destaque para as influências e tradições que ela inspirou e ainda estão presentes na imaginação e no comportamento popular. Um misto de romance e história que leva ao leitor a uma fascinante viagem ao mundo do mistério e das sociedades secretas, que ainda hoje influenciam o comportamento das pessoas.


Depois da primeira oitiva, Jacques de Molay voltou para sua cela, muito preocupado. Primeiro porque, até aquele momento, o papa não havia se pronunciado acerca da prisão dos membros da Ordem e nem da sua própria detenção. Talvez não tivesse ainda sido informado disso. Afinal, Poitier, onde ele agora estava enclausurado, ficava a mais de trezentos quilômetros de Paris. 

Tinha certeza que Clemente V não concordaria com aquela violência praticada por Filipe, mas sabia também que o pontífice era politicamente fraco e o rei tinha muita ascendência sobre ele. 

Pelas perguntas do inquisidor-mor e pela amostra que dera no interrogatório, ele sabia o que o esperava. Tortura. Tortura moral e física. Horas sendo esticado no cavalete, fatiado na roda de esviceramento, humilhado e martirizado no “berço de Judas”, submetido ao suplício da forquilha ou do garrote, com os pés untados com gordura de porco e assados em fogo brando. Ele imaginava o que estava por vir e já antecipava as dores que sentiria. Estava velho, mas era ainda um soldado rijo e valente. Não cederia aos desejos de Nogaret, não diria para onde mandara o tesouro do Templo, nem confessaria os crimes que estavam sendo imputados á irmandade que ele chefiava. Ele estava pronto a morrer pelos segredos da Ordem e pelos seus objetivos. 

Jurara isso quando fora elevado a grão-mestre geral e se fizera guardião desses segredos. Mas esse, agora, se revelava ser um grande problema. Jacques de Molay sempre se ocupara dos assuntos militares, políticos e administrativos do Templo, porém jamais se preocupara com questões doutrinárias. A Ordem, desde que se tornara uma grande potência econômica, multiplicara suas atividades, se tornando, ela mesma, uma igreja dentro da Igreja e um estado dentro dos estados onde se instalara. 

Ele sabia que dentro da complexa organização que comandava, existiam vários grupos de interesses, cada qual se ocupando de seus proprios assuntos, nos quais a Ordem havia se envolvido nos últimos dois séculos. O Templo mantinha uma organização militar que cuidava das campanhas nas quais a irmandade estava envolvida; essa organização estava agora desmobilizada, com o fim das cruzadas, e isso o preocupava, pois soldados sem atividade, confinados em seus claustos, estão mais afeitos a influências ruins; havia um organismo burocrático, constituido por monges juristas, contabilistas e advogados, que cuidava dos interesses econômicos da Ordem, que eram muitos; isso, pensava de Molay, também era um perigo, pois a riqueza, tanto quanto o poder, era um poderoso elemento corruptor. 

Havia também um corpo eclesiástico, que cuidava da parte espiritual. Esse era o canal por onde as ideias estranhas á ortodoxia da Igreja havia penetrado na Ordem, e ali estava a maior de suas preocupações, pois ele pouco entendia sobre o cerne daquelas doutrinas, embora as repetisse para os seus irmãos e até nelas acreditasse, pois as recebera de seus antecessores e nunca lhe passara pela cabeça contestá-las. Jacques de Molay era um bravo soldado e um exímio administrador, mas em política e principalmente em questões filosóficas, que compunham a doutrina divulgada intramuros na Ordem que presidia, ele era tão despreparado quanto era iletrado. 

Havia dentro da Ordem um grande contingente de artesãos e mestres em construção civil, que cuidava das construções templárias, atividade essa que era uma das mais importantes dentro da organização que ele comandava. Desde os primórdios de sua origem, os templários haviam aprendido a construir seus próprios edifícios, arquitetonicamente projetados e erguidos de acordo com os seus propósitos, fossem eles militares ou religiosos. Dessa forma, espalharam pela Europa e pelo Oriente Médio um sem número de capelas, preceptorias, fortalezas e castelos, que causavam inveja nos nobres senhores feudais e no próprio clero. Pierre de Montreil, o famoso arquiteto, mestre dos maçons franceses, dizia-se, era um afiliado da Ordem. Nesse mesmo instante, seu primo, o cavaleiro Jean de Longwy, mestre eleito da Compagnonnage, estava comandando uma associação de compagnons, trabalhadores em construção civil, na construção de mais um transepto na Catedral de Notre Dame de Paris. 

Molay tinha conhecimento de que os chamados pedreiros-livres, conhecidos como maçons, formavam uma poderosa confraria, a qual tinha a sua própria liturgia e usavam, em sua cultura interna, uma estranha simbologia que ele não entendia nem fizera muita questão de conhecer. Tratava-se de símbolos ligados á geometria, á astrologia e á estranha ciência cultivada pelos judeus, que eles chamavam de Cabala. Ele sabia que tudo isso revelava um universo místico e transcendental, feito de conhecimentos muito profundos que a simplicidade do seu espírito não lograva alcançar. E isso, ele sabia, também despertava bastante desconfiança entre as autoridades eclesiásticas, sempre muito ciosas em relação á qualquer tipo de prática litúrgica que escapasse ao seu controle.

Algumas vezes conversara com seu primo, Jean de Longwy, sobre esses assuntos, tentando entender um pouco da complicada ciência que os maçons aplicavam em suas obras. Longwy lhe dissera, por exemplo, que a arte dos compagnons mantinha profundas ligações com conhecimentos do passado, conhecimentos esses que remontavam ás antigas civilizações como os egípcios, os caldeus, os gregos e os romanos. E que essa arte era uma forma de transcendência do espírito através do trabalho das mãos.

─ Como nosso mestre Vitrúvio ensinou ─ explicou-lhe Longwy─ a arte de construir edifícios, arquitetura, como a chamamos, possui duas faces. Uma, que é profana, consiste na aplicação da ciência para a obtenção da obra, e a outra, sagrada, que pr

Jacques de Molay, um rústico monge-soldado, não tinha a chave intelectual para entrar nesse estranho mundo da simbologia usada pelos maçons. Por isso pediu uma explicação mais simples.

─ Deus é como se fosse um arquiteto ─ disse Longwy. Ele constroi o mundo com as energias que tranforma em coisas sólidas, usando os princípios da Geometria. Por isso nós o chamamos de Grande Arquiteto do Universo.

─ Ainda não dissestes nada que me seja inteligível ─ queixou-se Jacques de Molay.

─ Pensai no seguinte ─ disse Longwy. Um artesão pega uma pedra e esculpe nela uma forma. Ao fazer isso ele está imitando o gesto criador de Deus. Ele está colocando sobre a matéria bruta a força do seu espírito, como Deus faz com o mundo. É a energia divina, transformada em formas físicas, que constitui este mundo em que vivemos. Quanto mais perfeita for a obra obtida, mais se revela a perfeição do espírito criador. No trabalho na pedra o espírito do artesão se realiza. É a mesma coisa quando construímos um edifício. Nele se revela o espírito do seu idealizador. Prestando culto aos seus deuses ou perpetuando as virtudes da pessoa ou do povo que os construiu, os edifícios revelam o verdadeiro espírito do homem e do tempo em que ele viveu. É o espírito humano que flui, pela habilidade de suas mãos. Por isso a arte do maçom é sagrada e precisa ser tratada como se fosse uma verdadeira religião.

─ É por isso então que vossas reuniões são secretas e vossos conhecimentos não podem ser transmitidos a não ser aos aprendizes de vossa própria escolha? ─ perguntou de Molay.
─ Exatamente ─ respondeu Longwy. Nossa ciência se assemelha aos segredos que nos são transmitidos no Círculo Superior da nossa Ordem eclesiástica. Da mesma forma que eles só podem ser compartilhados pelos irmãos que detém o mesmo grau de conhecimento, na nossa confraria dos pedreiros-livres essa estratégia também é usada.

─ No nosso caso eu posso entender a razão ─ disse de Molay. ─ Imaginai se os noviços, os capelães, os sargentos e todos os membros da Ordem viessem a conhecer os nossos mais altos segredos. O que aconteceria se todo o conhecimento acumulado pela nossa irmandade viesse a público e fosse compartilhado por pessoas sem caráter, ambiciosas, maldosas? Que mal isso não faria ao mundo?

─ Tocastes no ponto sensível da questão ─ disse Longwy. ─ Pois o segredo dos maçons também exige o mesmo cuidado. Porque só verdadeiros iniciados na nossa arte sabem que o movimento giratório da terra emite forças que seguem uma trajetória horizontal. Essas forças são as correntes que fazem movimentar os mares, os ventos, os assentamentos da crosta terrestre, a direção dos vapores que se formam no interior do planeta, enfim, tudo que constitui a força telúrica que dá vida á terra. Essas correntes percorrem o interior do planeta numa trajetória sinuosa que parece uma serpente no seu movimento. Por sua vez, os astros no firmamento despejam sobre a terra forças que se projetam nela numa trajetória vertical. No cruza-mento dessas linhas energéticas, horizontais e verticais, situam-se os pontos telúricos do planeta, que os orientais chamam de “chacras” da terra. É nesses pontos que devem ser construídos os edíficios que estão destinados a se tornar símbolos da passagem do homem sobre o nosso planeta. Edifícios que ligam o espírito humano com a divindade. A ciência para fazer esses cálculos e determinar o local e a estrutura do edifício a ser construído, só um mestre maçom possui. E esse é um segredo que só pode ser compartilhado com um iniciado. Assim como os marinheiros do Templo utilizam o conhecimento que têm das correntes marítimas para velejar para continentes distantes, nós também usamos nosso conhecimento das correntes telúricas para construir esses centros de captação dessa energia. Pois se um dia os “pontos de encontro” entre Deus e o homem forem construídos em qualquer lugar, sem a devida técnica, então a própria espiritualidade do homem estará comprometida.

─ Estais a dizer que alguns edifícios realizam um propósito divino só conhecido pelos maçons? ─ perguntou, incrédulo, de Molay.
─ Isso mesmo ─ respondeu Longwy. ─ Os antigos mestres sabiam identificar esses pontos de cruzamento das forças cósmicas. A Bíblia está cheia desses exemplos. O lugar onde Jacó viu uma escada, pela qual anjos subiam e desciam, é um deles. As pirâmides do Egito, os menires de Stonehenge, o templo da deusa Athena, que vós conheceis como Partenon, também. E o próprio Templo de Salomão, que como sabeis, foi construido sobre a Rocha do Domo e por mais que seja destruído, sempre é reconstruído no mesmo lugar. Várias catedrais e outros templos, em todo o mundo, também são construídos segundo essa ciência. Aqui mesmo em Paris, temos a nossa Notre Dame, que como sabeis, foi construída no local onde havia um Templo dedicado á Isis, nossa mãe viúva. Sobre essas coisas, só os mestres maçons sabem...

Jacques de Molay nem estava ouvindo mais a bizarra arenga do seu sobrinho e irmão de armas. Pensava na estranha concidência de os templários terem sido alojados exatamente nas ruínas do antigo Templo de Jerusalém, que fora erguido por Herodes, sobre as ruínas do antigo Templo de Salomão. Teria alguma coisa a ver com essas crenças que Longwy professava?

─ E nós, irmão grão-mestre ─ disse Longwy, sem se dar conta de que pensamento do monge comandante havia se evadido para longe ─ somos o Templo do Senhor. Ele nos constroi com a mesma fórmula com que faz o universo. Cada um de nós é uma composição numérica e geométrica que resulta em uma forma específica. O nosso grande mestre Vitrúvio nos ensinou isso. “Estudai a estrutura do corpo humano, e encontrareis a fórmula pela qual Deus constrói o universo” ─ completou ele.

Jacques de Molay não respondeu. Limitou-se a olhar para Longwy com olhos de quem estava tentado concatenar, em sua cabeça, algumas informações que tinha, mas nunca entendera. A terra e o homem. Forças que se cruzam no interior da terra em movimentos ondulatórios, que parecem o rastejar de uma serpente. O ritual de iniciação templário. O beijo no umbigo, o beijo na boca, o beijo na base da espinha dorsal. Algumas conexões, ainda muito tênues para fazer sentido, começaram a surgir na sua mente. Aquilo que sempre lhe pareceu uma perversão do ritual de iniciação templário, talvez tivesse, afinal, alguma razão de ser...

O grão-mestre do Templo ficou sabendo então a razão de os maçons manterem aquela estranha tradição que os remetia aos construtores do Templo de Salomão, a quem se diziam ligados por laços de conhecimento e transmissão iniciática, que eram compartilhados entre eles através de sinais, símbolos e palavras de passe. 

Não via nada de estranho nisso, porquanto a própria Ordem que ele comandava também tinha seus segredos ritualísticos, seus sinais de reconhecimento e suas palavras de passe, que foram desenvolvidos na Terra Santa para que os irmãos se reconhecessem e conservassem as regras da irmandade dentro dos círculos restritos a que cada capítulo se circunscrevia. Toda confraria, fosse ela religiosa ou laica, tinha sua própria linguagem simbólica, que lhes servia de meio de comunicação. Na própria Ordem do Templo, palavras como Montjoie, Beauséant, Shibbolet, Moabon, Huzah, eram palavras de passe ou de reconhecimento, usadas pelos templários na Terra Santa para se identificarem em um ambiente infiltrado de espiões dos inimi-gos.

A guilda dos pedreiros-livres, associação conhecida como Compagnonnage, formada pelos profissionais da construção civil era uma confraria laica, mas se comportava como se fosse uma seita religiosa. E como tal já havia chamado a atenção da Igreja, por causa dos seus “segredos iniciáticos.” Esses segredos incorporavam uma simbologia e uma linguagem própria, que lhes permitia comunicar entre si os conhecimentos da profissão de uma forma que quem fosse estranho ao metier não os pudesse entender. Era um conhecimento que passava de mestre para aprendiz, em uma cadeia iniciática feita de símbolos, diagramas, lendas, palavras de passe e ritos de passagem, que se assemelhavam ás antigas práticas dos hierofantes egípcios e gregos. Destarte, a tradição dos pedreiros-livres, incorporava antigas tradições egípcias, fenícias, persas, gregas e principalmente judaicas, sempre relacionadas com o mistério da construção do Templo de Salomão. Nisso estava a sua ligação simbólica com a Ordem do Templo, pois os compangnons, também chamados de “Pedreiros do Bom Deus”, eram, como os monges-cavaleiros do Templo, ‘obreiros’ do Templo do Rei Salomão ─ símbolo da construção da humanidade autêntica ─ guiada pelo verdadeiro e único Deus. Nessa identidade mística e simbólica estava o elo que os ligava.

(síntese do capítulo VIII do livro Os Monges Malditos, São Paulo, 2014)


João Anatalino