domingo, 8 de julho de 2018



QUE TAL CONSTRUIRMOS PONTES NA MAÇONARIA (SÓ PARA VARIAR) OU: COMO NASCEM OS CISMAS MAÇÔNICOS?



Posted By Edgard Costa Freitas Neto on 23 de setembro de 2016


“Cultivai o amor fraterno, pedra angular e de cumeeira, cimento e glória desta antiga Fraternidade, evitando assim o rancor, a intriga, a maledicência, as rixas, não permitindo a difamação contra um irmão honesto, mas defendendo seu caráter e prestando seus bons ofícios” – Thomas Smith Webb, Ilustrações

Se existe algo tão antigo como a Maçonaria são as crises que precipitam mudanças radicais. O próprio surgimento da Grande Loja de Londres em 1717 (ou 1721, conforme recentíssimos desenvolvimentos historiográficos. Confira aqui, aqui e aqui) decorre – aparentemente – de um movimento de insatisfação com a gestão do último Grão Mestre operativo, Christopher Wren. As crises estão aí desde o início: geraram Potências, Ritos, Lojas…

Pois bem. Faço parte de ao menos uma dezena de grupos maçônicos de Whatsapp. Para falar a verdade todos, menos o da minha Loja, o dos meus contemporâneos de DeMolay/Filhas de Jó e da minha família ficam permanentemente no modo silencioso. Mas os grupos estão lá, funcionando 24/7, e esporadicamente eu leio um deles, posto alguma coisa em outro, etc.

Quando olho esses grupos, em especial os mais inespecíficos, me deparo com as seguintes situações:
a. Os infames “bom dia”
b. Calendários de efemérides maçônicas e transcrições do Breviário de Rizzardo da Camino
c. Correntes de alertas duvidosos
d. Correntes religiosas
e. Tretas.
As tretas, por seu turno, costumam ser originadas de
I. Discussões políticas e religiosas, bastante comuns entre os tiozões do caps lock
II. Indiretas reais, oriundas de tretas externas na Loja ou na potência
III. Pseudo indiretas, quando alguém interpreta (erroneamente) uma afirmação como indireta e veste a carapuça inadvertidamente
IV. Diretas, que têm por objetivo criar, semear ou fortalecer tretas.

Muitas se aprofundam por dificuldades de leitura e escrita: Tons de sarcasmo, ênfase, ironia, agressividade, passividade por vezes não são devidamente compreendidos , usados ou aceitos.

Quase na sequência das tretas vêm as comentários de lamentações: “Vaidade!”, “Lamentável!”, “Isso é Maçonaria?”.

Sim, é. As brigas são um dado da realidade. Só que, como bem afirmou Nosso Senhor: “Ai do mundo por causa dos escândalos! Eles são inevitáveis, mas ai do homem que os causa!” (Mt 18:7).

Neste pequeno trabalho pretendo lançar uma hipótese sobre como algumas crises surgem, a partir das minhas observações, e lançar uma proposta de como os maçons devem reagir a elas.

A. O DESPOTISMO ESCLARECIDO COMO FERMENTO DAS CRISES

Em uma certa ocasião uma discussão em um grupo se iniciou a partir de um comentário sobre um determinado problema de intervisitação entre potências. Um dos irmãos disse que o ideal seria que não houvessem tantas potências, mas sim uma unificação geral das potências sob uma só (não por acaso, a dele). Resolvi ponderar que as concepções de Maçonaria às vezes são tão radicalmente diferentes que não é possível a convivência administrativa destas correntes. Explico.

Na história administrativa da Maçonaria podemos identificar, grosso modo, duas concepções radicalmente diferentes de gestão maçônica nacional: Uma concepção centralista e outra, descentralizada.

Faço observar, entretanto, que a diferença de ambas é de grau, pois observo que toda potência maçônica tende à centralização de poder na figura do Grão Mestre. Isto se deve, primordialmente, aos deveres de obediência prestados pelos Maçons às suas respectivas potências, nas pessoas dos seus Grãos Mestres, que não raro redundam num temor reverencial pelos Grãos Mestres.

Por exemplo. Recentemente uma potência maçônica puniu de maneira drástica alguns irmãos pelo delito maçônico de criticar abertamente seu Grão Mestre. Na esteira desta crise uma verdadeira caça às bruxas se instalou contra qualquer forma percebida de dissidência, inclusive em corpos distintos da alçada da Maçonaria Simbólica, como ordens paramaçônicas e altos graus de ritos. É claro que quem está atento aos grandes debates contemporâneos sabe que estou me referindo à crise na Grande Loja do Arkansas, nos Estados Unidos (né?). 

É um lugar comum na ciência política que toda concentração de poder acaba levando ao seu abuso. Isso vale da Loja à Potência. Ocorre que há quem veja na figura do Grão Mestre o papel de um Déspota Esclarecido, ou seja, um monarca com poderes quase totais mas dotado de boas intenções e da razão iluminada. E há quem entenda o contrário, que o Grão Mestre nada mais é do um mestre maçom eleito pelos seus pares para gerir temporariamente a potência, e que portanto não pode ter mais poderes do que a Assembleia que o elegeu.

Estas duas visões são inconciliáveis, do ponto de vista administrativo, e são uma razão mais que suficiente para a existência de uma multiplicidade de potências.

Devemos observar que a exortação à obediência vem desde as Old Charges. Mas nem James Anderson, nas suas Constituições ignorava que a obediência não é devida ipso facto do posto, mas dependia de o Grão Mestre manter sua legitimidade natural ante os maçons, como veremos:

XIX. Se o Grão Mestre vier a abusar do seu poder ou se revelar indigno da obediência e sujeição das Lojas, deve-se lidar com ele com base em novos regulamentos acordados, pois até hoje nossa antiga Fraternidade não tem precedentes disso, já que todos seus antigos Grão Mestres se comportaram de modo condigno ao seu posto

Muitos dirigentes – sejam Grão Mestres ou Veneráveis Mestres – apresentam uma dificuldade, pois, de compreender que a obediência e a reverência não são consequências naturais do posto, mas da conduta. E, desta maneira, enxergam em qualquer dissidência ou crítica pública um verdadeiro crime de lesa majestade a ser expurgado, ignorando por vezes a necessidade de “julgar cada violação às nossas normas com candor, advertir fraternalmente e repreender com justiça.” (Webb, op cit).

Ocorre que, se nos reportarmos a John Locke, filósofo bastante em voga nos tempos de Anderson, veremos que o objetivo do Governo é o bem dos homens. “E o que é melhor para eles? Ficar entregues à vontade desenfreada da tirania ou os governantes por vezes sofrerem oposição, quando exorbitem no uso do poder(…)?”. Governo é confiança da parte de quem o elegeu, e esta confiança pode e deve ser retirada caso o governo não corresponda à confiança em si depositada e invada a propriedade de seus súditos ou tente fazer “de si mesmo ou de seus apaniguados senhores da vida, liberdade ou riqueza do povo”(in Segundo Tratado sobre o Governo. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 148).

Agindo diligentemente para silenciar as dissidências públicas os governos dos déspotas esclarecidos pensam que estão debelando crises. Crise! Na sua origem etimológica indo-europeia, skribh, que significa separar, cortar, distinguir, julgar (cf. DIP, Ricardo. Direito Penal: Linguagem e Crise. São Paulo: Millenium, 2001). E assim as crises se fermentam: numa dissociação cada vez maior entre as pessoas que se aprofunda até o ponto de ruptura.

B. A PRUDÊNCIA COMO MECANISMO DE DESARME DAS CRISES

O filósofo francês René Girard desenvolveu dois conceitos interessantes que podem nos ajudar a desenvolver uma teoria de como debelar as crises maçônicas. O de desejo mimético e rivalidade mimética.

Correndo o risco de imprecisão tentarei conceituar e contextualizar as duas ideias (para mais detalhes, sugiro a leitura de A violência e o Sagrado. São Paulo: Paz e Terra, 1992) . Os nossos desejos derivam dos desejos de outros pelo que elejo como modelo. Desta maneira, os atores de uma crise podem todos, ao menos da boca para fora, invocar as mais altas razões para suas condutas: a preservação dos melhores interesses da sociedade maçônica. E justamente aí surge o problema: os desejos diferentes convergem sobre o mesmo objeto, e não é (sempre) possível conciliá-los. Surge aí a rivalidade, e com ela, em uma espiral, as crises que se sucedem.

Eis um exemplo estritamente hipotético desta espiral de crises. Dois irmãos disputam o posto de Venerável Mestre. Somente um, entretanto, pode ser instalado por vez. O derrotado passa a criticar as ações do vencedor, que por sua vez enxerga aí um obstáculo para a concretização de seu plano de governo. Na primeira oportunidade ele usará do seu poder para punir o irmão dissidente, precipitando uma debandada de membros, ou outra ação retaliatória em outra esfera, que por sua vez demandará outras retaliações.

O que eu venho a propor não se destina primordialmente aos atores da crise, mas aos seus espectadores.

Um dos pontos, por vezes negligenciados nos estudos maçônicos, é a ponderação sobre as virtudes cardeais. Delas pinçamos a prudência como chave para esta proposta.
Thomas Smith Webb, em seu Monitor, nos fala da prudência:

“A prudência nos ensina a regular as nossas ações e nossas vidas aos ditames da razão, ou seja, ao hábito constante a partir do qual julgamos com sabedoria e determinamos os justos meios relativos ao bem nas situações presentes ou futuras. Esta virtude deve ser característica peculiar de cada maçom, não apenas no governo da sua conduta na Loja, mas também no mundo afora”.

A prudência, diz C. S. Lewis em Cristianismo Puro e Simples, “significa a sabedoria prática, parar para pensar nos nossos atos e em suas consequências”. O catecismo católico lembra, sobre a prudência, que ela é a virtude “que dispõe a razão prática a discernir, em qualquer circunstância, nosso verdadeiro bem e a escolher os meios adequados para realizá-lo.”. É precisamente a isso que se refere a Ordem De Molay quando exorta os irmãos a garantirem o benefício da dúvida: Sem saber com precisão o que aconteceu e o que pode acontecer convém agir com parcimônia.

É preciso também vigiar nossas próprias palavras. As discussões e dissensões não devem ser proibidas, mas exercitadas com base na retórica, ou seja, “não apenas com propriedade mas também com a ênfase e a elegância necessárias para cativar o ouvinte pela força do argumento e a beleza da expressão, seja para entretê-lo ou exortá-lo, repreendê-lo ou exaltá-lo” (Webb, op cit)

Os espectadores têm um papel fundamental no desenvolvimento de uma crise. Ao aceitarem um dos lados, eles se tornam atores, pois replicarão em suas esferas o conflito, e incentivarão, pela adulação, os atores principais a continuarem a contenda.

Minha proposta é simples: Todos os homens por acaso não têm direito aos nossos bons ofícios? Esta fórmula, presente em muitos rituais, muitas vezes passa batida. A ideia de bons ofícios foi quase esquecida. A doutrina do direito internacional define os bons ofícios como sendo meios diplomáticos e facultativos de resolução de conflitos que não se preocupam com as normas preexistentes, mas em criar, construir, uma solução pacífica, justa e honrosa o suficiente para ser aceita pelas partes, através de uma terceira parte não envolvida que se voluntaria para essa função.

Exemplos práticos: Em um conflito entre dois irmãos um terceiro, da confiança de ambos, pode se voluntariar para tentar pacificar ambos. Em um conflito entre duas lojas uma terceira loja pode exercer este papel; Entre duas potências, uma terceira potência, e assim sucessivamente.

Isto é diferente de abafar um conflito ou de jogar as tensões para debaixo do tapete. Os bons ofícios oferecem uma proposta de resolução minimamente agradável a ambos. Mas para poder oferecer seus bons ofícios é necessário, antes, que o terceiro não se envolva e evite expressar publicamente qualquer juízo de valor sobre o conflito.

C. CONCLUSÃO

Podemos usar uma analogia com as construções de arcos usados nas pontes. Nos arcos as tensões entre as peças conduzem ao colapso da estrutura se não houver uma peça central, uma pedra-chave, maior que as demais (e resistir à tentação de entrar em certas tretas é uma tarefa hercúlea) capaz de transmitir lateralmente as tensões.
A prudência é esta nossa pedra-chave, neste contexto. Sem ela a estrutura desmorona pela ação implacável das tensões. Os contendores agem como construtores que rejeitam a pedra-chave por não ver utilidade nela e por crerem que o edifício se sustenta apenas em pedras idênticas. O agir prudente, assim, tanto pode servir como estímulo para evitar o surgimento de tensões ou, se não, pode ajudar a reparar a estrutura. Basta que haja um mínimo de boa vontade, torcida a favor e disposição de alguém para demonstrar a utilidade daquela pedra para restaurar a ordem no canteiro e reconstruir a ponte que ligue ambas as partes.

Mas, claro, sem boa vontade dos contendores não há o se fazer senão reconhecer a justeza dos versos de Gregório de Mattos:

O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo, mar de enganos,
Ser louco c’os demais, que só, sisudo.

O CONCEITO MAÇÔNICO DE LIBERDADE: MAÇONARIA E ILUMINISMO


Posted By Edgard Costa Freitas Neto on 13 de fevereiro de 2016

O presente artigo foi publicado no site Pietre-Stones Review of Freemasonry, sendo de autoria do Irmão Alex Davidson, Past Master das Lojas United Masters #167 e Liberal Arts #500 da Grande Loja da Nova Zelândia. Pela sua relevância acadêmica, providenciamos aqui sua tradução para o português.

O conceito maçônico de liberdade: Maçonaria e Iluminismo

Por Alex Davidson, Past Master

Tradução: Thiago Tavares de Figueiredo, C∴ M∴

O recém-iniciado maçom assimila rapidamente os conceitos da Ordem. Ele foi instruído a nunca propor, sob nenhuma hipótese, nenhum ato que venha a subverter a paz e a boa ordem da sociedade e para prestar boa obediência às leis do Estado. Ele é instruído para se abster de discutir qualquer tópico político ou religioso em loja e, por dedução, no jantar após a sessão.

Se ele vier, eventualmente, a assumir a cadeira do Rei Salomão, ele personaliza sua aceitação das Antigas Obrigações, a terceira das quais ordena ele a não se envolver em tramas ou conspirações contra o governo, mas pacientemente se submeta às ordens legais. Ele recebe a aprovação de seus pares se ele for um sujeito pacífico e obediente da lei.

No curso de seus empreendimentos para fazer um avanço diário em conhecimento maçônico, nosso maçom hipotético entende que a Ordem temordens antigas contra discussão política e ação revolucionária. As antigas “Sinclair Charters” da Escócia reconhecem explicitamente o patrocínio e proteção da Coroa, e em um manuscrito do século XVIII, é demandado dos maçons:


“…que você seja um homem leal ao rei sem nenhuma traição ou falsidade, e que caso você saiba de alguma traição ou falsidade você deve tentar muda-la ou informar o rei a respeito.” (Manuscrito de Buchanan)

O 2° dever das Constituições de Anderson (1723) contém a afirmação que “o maçom é um sujeito passivo aos poderes civis, não importa onde resida ou trabalha, e nunca se envolva em tramas ou conspirações contra a paz ou bem estar do país.” Essa situação parece um pouco ambígua.

Entretanto, após mais pesquisas, nosso bom maçom não pode ficar tranquilo que a constatação de uma contradição flagrante na história da Maçonaria. Ele descobre que os líderes revolucionários americanos de 1776, muitos dos escritores da Constituição e Declaração dos Direitos dos Estados Unidos, e também os dois primeiros presidentes americanos foram ao mesmo tempo maçons e rebeldes contra o seu governo e soberano por lei. Ainda mais alarmante, muitos dos atores políticos principais da Revolução Francesa, particularmente durante sua primeira fase, eram proeminentes maçons franceses, mobilizados pelo slogan originalmente maçônico de: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade.”

Avançando no tempo após 1789, ele aprende que grandes revoluções do século seguinte foram lideradas por maçons: Simon Bolivar, José de San Martin e Bernardo O’Higgins na América do Sul; Vicente Guerrero e depois Benito Juarez no México; José Martí em Cuba, José Rizal nas Filipinas e Giuseppe Garibaldi na Itália. Mais notável, os texanos que se rebelaram contra o governo do México e lutaram uma bem sucedida guerra de separação, eram predominantemente maçons, e também, todos os presidentes e vice-presidentes da República do Texas eram maçons! O que ele pensará disso tudo?

O grande paradoxo da Maçonaria é que sua história está entrelaçada de modo inextrincável com a história das Revoluções dos séculos XVIII e XIX, e do mesmo modo seus escritos rejeitam firmemente desobediência política e condena subversão e revolta contra o governo de qualquer país. Eu pretendo desvendar esse paradoxo de duas maneiras; uma filosófica e outra histórica. Para a primeira adotei a avançada tese de Giuliano di Bernardo, professor de filosofia, e para a segunda me refiro particularmente a um volume de Margaret Jacobs, professora de história (obviamente, não maçom).

As duas maneiras, como deveremos ver, não são apenas compatíveis mas também complementares.

É dito com frequência que as Constituições originais da Ordem foram formuladas dentro de um contexto histórico particular na Inglaterra, caracterizado pela dissidência da Casa Real de Hanover de um lado e os apoiadores de James Francis Edward Stuart, ou James III para os jacobitas, do outro lado. Com apoiadores das duas facções nas lojas inglesas, tentativas foram feitas para evitar conflito protegendo as duas. A situação era realmente mais complexa do que isso, como veremos, mas essa representação cria um bom ponto de partida. Não desejando inflamar diferenças políticas entre irmãos, é dito que Anderson sabiamente excluiu dos discursos educados esse tópico, e enfatizou a lealdade e natureza pacífica dos membros da Maçonaria.

Curiosamente, entretanto, as Constituições de 1723 proíbem especificamente a expulsão de um irmão por crimes políticos como fomentar uma revolução, embora eles insistam que “a leal irmandade deve e tem a obrigação de desfazer sua rebelião”. A chave para entender a atitude equivocada perante a divergência do conceito de liberdade e o contexto filosófico em que a irmandade entendia este termo “liberdade”.

Registros de uma loja do século XVIII descreviam muito sobre a “liberdade” dos irmãos, ou enfatiza em um termo mais antigo, “fraternidade”, ou buscando descrever a relação entre todos os irmãos, fala em “igualdade”. O que, precisamente, os maçons dessa época queriam dizer com essas palavras? Liberdade era claramente concebida como algo diferente do costume da Guilda para conferir aos seus membros as “liberdades e privilégios” para praticarem sua profissão. A edição da enciclopédia maçônica de Mackey do começo do século XX diz:


“a palavra independência não está aqui para ser entendida pelo senso moderno de liberdade, mas ao invés no seu significado Anglo-Saxão de franqueza, generosidade, uma vontade generosa de alguém trabalhar ou exercer o seu dever.”

De fato, para os maçons da Inglaterra do século XVIII, a palavra liberdade não era entendida pelo seu sentido primitivo, mas precisamente segundo interpretação dada pelo filósofo John Locke em sua obra de 1690: “Dois Tratados Sobre o Governo Civil”.

Argumenta-se que Locke teria sido maçom baseados em uma carta que ele escreveu datada de 1696. Porém, isso agora é considerado uma fraca evidência, mas o ponto importante é que todos maçons devotos acreditavam, firmemente que Locke havia sido iniciado na Ordem. Ele foi, de fato, feito um membro da Sociedade Real em 1668, um “viveiro” da maçonaria, e seus amigos particulares lá eram Robert Boyle, conhecido maçom e Isaac Newton, membro de uma sociedade semi maçônica. A maçonaria no século XVIII tem sido descrita em algumas ocasiões como rousseauniana, mas principalmente, poderia ser também, e era, no tardar dos anos 1760, lockeniana, como também essencialmente republicana.

Os Dois Tratados Sobre o Governo Civil foi o fruto de anos de reflexão sobre os princípios verdadeiros da política, reflexão baseada nas próprias observações de Locke. O governo, acreditava Locke, é uma instituição baseada em um cargo de confiança, seu propósito é garantir a segurança do indivíduo e da propriedade; e o sujeito tem o direito de cessar sua confiança no governante quando o mesmo fracassa em seu dever. Governo e poder político são necessários, assim como é a liberdade do cidadão; e uma monarquia constitucional e democrática é possível um tipo de governo onde as pessoas sejam livres.

Locke escreveu que não podemos ser obrigados a termos um governo no qual não tenhamos dado algum sinal de consentimento (Livro II, §.119) e que “o objetivo final da lei é para preservar e aumentar a liberdade” (II, 57). Governos são dissolvidos quando o “Legislativo, ou o príncipe, agem de forma contrária a seu cargo de confiança depositada neles” (II, 221), e “o poder é revertido ao povo“, que então deverá estabelecer um novo legislativo e executivo (II, 222). É o povo que decide quando sua confiança foi violada, porque somente o homem que é mandado pelo poder pode dizer quando é abusado (II, 240). No caso de um impasse “o apelo final é por Deus“, o que significa para Locke, revolução.

Liberdade é a antítese de tirania, pois “como uma usurpação do exercício de poder, em que o outro tem o mesmo direito; então a tirania é o exercício de poder além do direito, em que ninguém tem o direito. E isso faz com que o uso do poder que alguém tenha em mãos seja usado para sua vantagem pessoal e não para o bem daqueles que estão abaixo dele.” (II, 199) ; “Quando uma pessoa ou mais começam a fazer leis sem que o povo os tenha autorizado para tal, eles criam leis sem autoridade; e portando o povo tende a não obedecê-la; …” (II, 212)

“O fim do governo é para o bem da humanidade, em que é o melhor para a humanidade, em que o povo esteja sempre exposto a vontade arbitrária da tirania, ou que os governantes devem estar, às vezes, aptos a serem opostos, no momento em que eles crescem exorbitantemente no uso de seus poderes e leva a destruição e não a preservação das propriedades do seu povo? ” (II, 229). Numa situação como essas, uma revolução é justificável, pois “quando o Rei se coloca em um estado de guerra contra seu povo, o que os habilitam de acusa-lo de não ser o rei, como faria qualquer outro homem, que teria se colocado em estado de guerra contra eles; …” (II, 239)

Giuliano di Bernardo forma seu argumento sobre liberdade em torno das ideias de Locke e do filósofo utilitário do século XIX John Stuart Mill, argumentando que se a validade incondicional das proibições maçônicas fossem admitidas, então os maçons seriam obrigados a respeitar qualquer Estado de poder civil, fosse ele democrático o tirânico: “Mas então, como pode fidelidade ou indiferença ser reconciliada com a antropologia filosófica maçônica que postula a liberdade entre um dos elementos fundamentais que possui um maçom? Liberdade e tirania não são compatíveis entre si, elas são amplamente contraditórias. Portanto, a maçonaria não pode ser indiferente com a tirania.” (p. 141).

A interpretação de Di Bernardo é que “o maçom é um sujeito pacífico para aqueles poderes civis que garantem a expressão de liberdade fundamental“. Pois: “se isso não fosse possível, então não seria possível entender, por que, por exemplo, maçons americanos (Washington, Jefferson, Franklin e outros), depois de terem aceitado ao Constituições de Anderson…, conspirassem e declarassem guerra contra a Terra Mãe. E também, não ficaria claro por que maçons de todas as partes do mundo em épocas diferentes lutaram contra toas formas de tirania. E finalmente, seria difícil de entender os pensamentos e ações desses maçons que dedicaram suas próprias vidas para garantir que os princípios que tornaram possíveis a transição de um tipo de sociedade medieval e autoritária para uma sociedade fundada nos direitos de homens e nações. “ (p. 141)

A liberdade, portanto, denota em debate maçônico sobre os direitos e deveres dos maçons.

Agora começamos a entender por que membros proeminentes da ordem maçônica foram fundamentais nas revoluções dos séculos XVIII e XIX. A questão permanece, por que os maçons ingleses (e escoceses) do século XVIII enfatizaram obediência aos poderes e respeito pelas suas leis em suas constituições e outros escritos. Para responder a essa questão e completar nossa resolução do grande paradoxo da Maçonaria agora deveremos desviar nossa atenção da filosofia para a história.

A Maçonaria especulativa existe na Inglaterra desde pelo menos 1646, quando Elias Ashmole foi feito maçom na loja de Warrington. Primeiramente membros não operativos constituíam uma pequena minoria, mas no tardar do século XVII e começo do século XVIII, registros de lojas revelam uma rápida conversão das guildas de trabalhadores operativos para sociedades privadas de maçons livres e aceitos.

Simultaneamente, houve uma consolidação de poder do parlamento para governar a nação; os Whigs cresceram em ascendência como protetores da herança revolucionária de 1688/1689, e o poder econômico das guildas profissionais declinou.

A Maçonaria “especulativa” talvez tenha se desenvolvido sob influência de William Schaw na Escócia e mais tarde se espalhou pela Inglaterra, mas a essência do Iluminismo maçônico é caracteristicamente inglês, e o que foi reexportado para a Escócia no início do século XVIII foi algo novo. A ênfase nas Constituições, leis e governança se originou em Londres.

Alguns pesquisadores dizem que a Maçonaria se manteve prudentemente silenciosa durante o Protetorado e somente após a Revolução Gloriosa de 1688/1689 que emergiu ao conhecimento geral. Em 1717 estava bem estabelecida, e as lojas em número suficiente para quatro lojas londrinas colocarem uma instituição acima delas e formarem a Grande Loja. Em 1720, membros da Sociedade Real estavam proeminentemente nas lojas londrinas, e até 1725 já eram 64 lojas na lista da Grande Loja.

A guilda profissional se moldou gradualmente a uma sociedade a qual manteve os antigos costumes enquanto incorporava os interesses e valores de classes superiores que agora haviam sido recrutadas e que rapidamente viria a dominar. Bernard Jones observa que as velhas penalidades perderam sua praticidade, mas elas continham alguns materiais para serem salvos e preservados de outras maneiras. A antiga linguagem religiosa desapareceu e a guilda completa com seus mitos e rituais foi incorporada para se transformar em algo novo.

A maçonaria rapidamente se espalhou pela Escócia e Irlanda, e para a América e Europa, primeiramente na França e Holanda, mais tarde para estados alemães e outros países. Isso tudo é familiar: agora, eu tenho a intenção de observar mais atentamente o pensamento e prática maçônica ao que diz respeito a política e sociedade, e sua relação com o fenômeno histórico que nos referimos agora como o Iluminismo.

Na época da formação da Grande Loja, a situação britânica era única. Como resultado de suas revoluções de 1640 e 1688, eles asseguraram um governo parlamentar e constitucional. Entretanto, a Maçonaria não causou nem participou dessas revoluções. Para assegurar respeitabilidade, maçons ingleses permaneceram silenciosos em qualquer eventual participação dos membros da Ordem, e maçons continentais cuidadosamente reconstruíram a histórica mítica das origens de Hiram e o templo do Rei Salomão, atravessando as Cruzadas e os Cavaleiros Templários até a Inglaterra do século XVII.

A estória do exilado cavaleiro católico jacobino exilado, Ramsay, de a Maçonaria chegando na França através dos reis medievais da Escócia era popular, passando ao largo de todas as revoluções. Maçons britânicos evitavam cuidadosamente toda menção de associação com essas revoltas. A origem especificada Maçonaria britânica rendeu de imediato suspeita na maioria dos países continentais onde parlamentarismo, revoluções, Constituições e atos de tolerância eram vistas intrinsecamente como subversivas.

Desde cedo em sua história a maçonaria foi acusada de possuir intenções democráticas e republicanas, se não comunisticas, primeiro pela Igreja Católica, e mais tarde por seus oponentes da Revolução Francesa. Críticos clericais foram rápidos em identificarem o G∴A∴D∴U∴com o Deus dos deístas. Em 1738, o papado condenou a Maçonaria, tendo como ofensa principal que ela imita um aspecto de Governo Republicano, seus líderes são escolhidos ou afastados pela vontade dos membros. Isso era tido como escandaloso. O mito de que [Oliver] Cromwell tinha sido o fundador da Maçonaria foi espalhado pela França. Entretanto, contém uma verdade simples: essa sociedade privada uma invenção britânica, não continental.

As lojas britânicas eram uma inovação surpreendente enquanto seus membros se encontravam sociavelmente como indivíduos nas lojas, ao invés de dentro dos confins familiares, igreja, confraria ou outros corpos tradicionais que primariamente refletiam suas posições na sociedade em geral.

Existe uma razão por que essa forma de socialização cresceu primeiramente na Grã-Bretanha. Suas profissões e guildas se enfraqueceram antes do que no resto do continente, e a economia de mercado foi avançada ainda mais. Até às guildas de mercadores escoceses foram negadas privilégios de monopólio pelo parlamento escocês em 1672. Já nos anos 1720 a sociedade britânica permitia interações sociais mais abertas e relaxadas (porém não necessariamente o casamento) entre lordes, pequena nobreza e plebeus. Em seus escritos, um jovem visitante francês nos anos 1720, Voltaire, fez essa peculiaridade famosa. Com isso foi chegado a um grau de tolerância religiosa desconhecida exceto na Holanda.

Quem eram esses maçons, e de que consistia a sociabilidade deles? Registros que sobreviveram mostram que eles tinham de educação de moderada a avançada, e eram suficientemente ricos para poderem sustentar as cobranças de taxas de filiação: em outras palavras, eles eram provavelmente congruentes com os 20% de cidadãos homens britânicos que tinham plenos direitos de cidadania. A socialização deles frequentemente incluía comer e beber em excesso, embora seus ensinamentos e escritos censurassem retamente esse comportamento sibarítico. Eles conversavam, debatiam e discutiam, e nós temos conhecimento suficiente da natureza de suas discussões para reconstruirmos a visão de mundo deles, política e significados para modificar a sociedade.

Entretanto, esses maçons fizeram mais do que simplesmente se reunir e conversar. Na sociabilidade privada deles, eles estabeleceram uma forma de auto governo, completo com Constituições e leis, eleições e representantes. Eles outorgaram essa soberania nesse governo e deram a ele suas obediências, ainda que poderia ser alterada ou removida pelo consentimento da maioria dos irmãos. As lojas se tornaram microscópicas entidades civis, novos espaços públicos em efeito escolas de governo constitucional.

As virtudes buscadas por essas lojas eram presumidamente para serem aplicadas para governabilidade, ordem social e harmonia, e esfera pública. Os seus significados eram suas habilidades em ensinar homens a se distinguirem pelo seu mérito assumido em como integrar valores iluministas com os hábitos de governabilidade. As lojas empreendiam para civilizar, ensinar conduta e decoro, para melhorar a sociedade civil. Eles ensinavam homens como falar em público, como realizar atas, pagar impostos, ser tolerantes, debater livremente, votar, moderar seus banquetes, e para devotarem toda suas vidas a outros membros da instituição. Logo se tornaram cidadãos no senso moderno da palavra, ao invés de meros súditos.

A essência da retórica maçônica era invariavelmente cívica. A micropolítica não era intencionada para ser políticas no sentido partidário da palavra. Alguém pode dizer que as lojas eram profundamente preocupadas sobre política sem nunca querer se engajarem na política do dia a dia. Registros maçônicos são claros na falta de envolvimento político específico por parte de quase toda loja europeia. As Constituições maçônicas oficiais publicadas em Londres em 1723 proibiam qualquer desavença sobre religião, nações ou política de Estado. “…nós… somos decididos contra toda política, em que nunca conduziu para o bem estar da loja“. Mas para entendermos essa posição, precisamos compreender o que os maçons londrinos queriam dizer com a palavra política.

Na Grã-Bretanha dos anos 1720, política significava algo diferente do que no resto na Europa. Quando discutindo política, as Constituições maçônicas queriam dizer política partidária, o conflito de grupos organizados precipitado pela evolução de uma nova nação política como resultado do acordo da Revolução de 1688/1689. Política era a competição de poder entre Whigs e Hanoverianos em um parlamento protegido constitucionalmente.

Entretanto, para se evitar política não significava negar o cívico. Como as Constituições proclamaram, Maçonaria era praticada “quando os poderes civis, abominando tirania e escravidão, deram a devida atenção para o brilhante e livre gênio de seus felizes sujeitos…” A contemplação de harmonia social pelos membros da loja se baseavam pela paz e liberdade que eram garantidas pelas autoridades civis. Cada loja era intencionada como um microcosmo de uma sociedade civil ideal.

A Maçonaria inglesa possuía características civis e políticas distintas formadas pelo contexto social derivado da Revolução Inglesa. Como Margaret Jacobs escreveu:


“com linguagem política marcada, as Constituições exaltam o reinado do Imperador Romano Augusto, usando uma linguagem contemporânea que sinaliza identificação com o Regime Whig e Hanoveriano que ascendeu para a dominação política em 1714. Previsivelmente a liderança britânica mais antiga da Grande Loja fundada em 1717 tendia a ser uma variação da de Whigs que são apoiadores de um governo ministerial forte e pela sua própria definição os herdeiros da Revolução de 1688/1689”. (p. 46)

O objetivo do governo pelo consentimento dentro do contexto de subordinação da autoridade legítima foi vigorosamente buscado pela Grande Loja de Londres e foi demandado que toas as lojas se afiliassem com isso. Embora, as lojas fossem sociedades políticas, não como partido ou facção no sentido do termo mas em uma conotação mais ampla. A formalidade da Loja se tornou uma de muitas maneiras que transmitiam uma nova cultura cívica e política, baseada no constitucionalismo que opunha privilégios tradicionais e autoridade estabelecida por hierarquia.

Essa nova cultura, com a Maçonaria na vanguarda, é conhecida hoje como o Iluminismo, uma passagem crucial no desenvolvimento europeu. Começou na Inglaterra, mas foi fortemente assimilado na França, onde eventos tiveram um desfecho um pouco mais dramático. É argumentado que os hábitos do povo de pensar eram baseados na irracionalidade, poluída por dogma religioso e muito baseado no precedente histórico e tradição irrelevante. O caminho para escapar disso era através da busca de conhecimento verdadeiro em todas as esferas da vida, estudo das artes liberais e ciência, estabelecer a verdade e construir em cima disso. Suas premissas eram liberais, pró ciência, anti-superstição e que o Estado era o veículo apropriado para a melhoria da condição humana.

A essência da filosofia do Iluminismo era a razão. A lógica foi tomada emprestada dos gregos desde os tempos de São Tomás de Aquino, mas Descartes e outros filósofos do século XVII aplicaram a razão para as questões tradicionais, julgando ser isso o caminho para a verdade. Eles entenderam que lógica por si só poderia ser usada para defender as noções absurdas de todas as maneiras e insistiram que ao combinar isso com um novo princípio que incorporava senso comum, observação e todos preconceitos não reconhecidos em favor do ceticismo e da liberdade.

A classe mercante que estava crescendo era a força propulsora do Iluminismo. Eles acreditavam firmemente que sua nova riqueza encontrada era resultado dos seus méritos individuais e trabalho árduo, diferente da riqueza herdada dos aristocratas tradicionais. Mas os obstáculos principais para reformular a Europa pela classe mercante eram as mesmas que eram enfrentadas pelos filósofos racionalistas, reis absolutistas e igrejas dogmáticas. Durante a dificuldade, individualismo, liberdade e comunidade reformulada, estabilidade e tradição como valores fundamentais europeus. A religião sobreviveu, mas foi enfraquecida e transformada quase ao ponto de não ser reconhecida, a monarquia diminuiu durante o curso do próximo século para uma sombra opaca do que era antes.

Na Inglaterra, enquanto a liberdade política e liberdade de expressão foram limitadas antes da revolução gloriosa, as então chamadas “coffee-houses”, que cresceram no período de 1670-1685, estabeleceram um ponto de encontro onde as crescentes classes médias poderiam se encontrar e se engajarem em discussões. Jurgen Habermas, o proeminente filósofo alemão, argumentou que a esfera pública apareceu primeiro na Inglaterra dos anos 1690`s, após a Revolução Inglesa, e ele via a Maçonaria como a antecipadora da adoção europeia dessa esfera como uma alternativa do absolutismo. Nesse ponto, ele identifica os primeiros momentos na formação da sociedade civil moderna. A loja, a sociedade filosófica, a academia científica se tornou subjacente, como filósofos como Habermas e outros historiadores já acreditavam há um bom tempo, para as formas de governo republicana e democrática que evoluíram lentamente e de forma adequada na Europa ocidental a partir do final do século XVIII.

Entretanto, não demorou muito para que uma divisão ocorresse na Maçonaria inglesa, em uma forma de separação entre a Grande Loja e grupos de lojas que se separaram e se chamava de “Antigos”, e a Grande Loja sendo chamada “Modernos””. Entre 1739 e 1751 os separatistas formaram uma grande loja rival, e os dois não reconciliaram até 1813. Bernard Jones atribui isto para a apatia e negligência da liderança da Grande Loja e sua aparente inabilidade para reger a Ordem e diferenças ritualísticas e práticas cerimoniais. Um certo elemento irlandês participou, sem dúvida, da divisão.

Esses pontos são bem disseminados, mas Margaret Jacob expõe uma divisão política e social por trás dessa separação que é mais interessante e persuasiva. Embora se dissesse que todos maçons eram iguais, isto não prevenia o papel que as lojas exerciam como lugares que replicavam a hierarquia social e ordem, baseado não em nascimento por assim dizer mas em uma ideologia de mérito. As lojas refletiam a ordem antiga mesmo que estivessem criando uma forma de sociedade civil que ultimamente a substituiria.

Apesar de sua retórica de igualdade, as primeiras lojas eram elitistas, extraindo seus membros dos literatos e modestamente ricos a muito ricos. A liderança era em sua maioria Whig, e eram Whigs poderosos e formadores de opinião. Originalmente os Whigs formavam a força revolucionária por trás da constitucionalidade e liberdade: e então se tornaram parte do “establishment”, e buscavam desencorajar fervores revolucionários através do estímulo de um comportamento de obediência a lei e paz. Isso mais do que a questão dos jacobinos e Hanoverianos, é a fonte das proibições maçônicas de subversão e até das discussões políticas em loja. Jacob nota:


“O maçom buscava fortuna, ele queria prosperidade, mas sem decadência. Ele tinha a mesma consciência daqueles Whigs que queriam viver como a corte e receber seus benefícios, enquanto buscava de alguma forma evitar a inclinação inevitável de indecência e corrupção. Então os editores maçônicos enfatizaram a ritualística em aspectos fraternais de refeições, bebidas e música, buscando torná-los expressões simbólicas de unidade maçônica, harmonia e moderação. ” (p. 67)

Ela distingue entre o comportamento da corte do grupo da Grande Loja e a oposição dos menos abastados que deu origem ao surgimento dos antigos, que ela caracteriza como “a revolta dos mais simples contra os mais poderosos.”. A glorificação dos comerciantes e donos de estabelecimentos nos escritos dos antigos é um tema constante, eles se opuseram ao deísmo dos modernos, eles se viam como reformistas. Para adicionar um ar de respeitabilidade para suas inovações cerimoniais, eles descreveram isso como “Escocês”. De outro lado, nos anos 1760 os modernos estavam preocupados em enfatizar lei e ordem contra o radicalismo dos seguidores de John Wilkes e desenfatizar as suas próprias heranças revolucionárias.

Vamos agora considerar a disseminação da Maçonaria. Nos anos 1730 a Maçonaria se tornou estabelecida no continente, especialmente na França e Holanda. Essas lojas consagravam valores culturais britânicos entrelaçados com potenciais problemas subversivos de tolerância religiosa, confraternizando relaxadamente homens extremamente diferentes , de grupos sociais , com ideologia de trabalho e mérito, e não menos importante, governo de Contituições e eleições. Esses valores eram ideais prezados pelo Iluminismo, o movimento cultural internacional que permitiu a pretensão dos seculares e modernos.

Como essas lojas continentais eram réplicas das lojas britânicas, eles transportavam formas de governança e comportamento social foram criados dentro da política cultural única da ilha. Embora homens tenham votado em eleições por séculos nos dois lados do Canal da Mancha, foi apenas na Grã-Bretanha que eles fizeram isso dentro de um modelo constitucional e em uma assembleia legislativa nacional onde a votação era por indivíduo e não pelo estado ou localidade.

Essa forma distinta de cultura política norteou uma nova forma de sociedade civil. Indivíduos com direito de voto, nesse período, uma minoria distinta na Grã-Bretanha, identificada com partidos políticos e problemas nos nível local e nacional. Esses homens liam e debatiam, formaram sociedades de leitura, clubes e lojas, onde eles testavam suas habilidades como oradores e comentaristas, ou estudantes de filosofia e literatura. Nas lojas homens também se tornaram legisladores e escritores de Constituições.

O período revolucionário da Inglaterra ficou para trás, e então foi possível proceder de forma relativamente suave e gradual para o que hoje conhecemos como democracia moderna; mas a liberdade britânica se tornou uma dinamite quando foi transportada para a França, onde a resistência pela Igreja e governantes era intransigente. O resultado foi, ironicamente, que enquanto a Grã-Bretanha permaneceu saturada com privilégios de classe e relativamente religiosa, a França se tornou após sua própria revolução o mais igualitário e anticlerical Estado na Europa – ao menos para seus ideais. O poder da religião e da aristocracia diminuiu aos poucos na Inglaterra, na França, eles foram retirados violentamente.

Em suma, podemos dizer que a maçonaria foi um dos canais, provavelmente o principal canal, onde os valores do Iluminismo foram transmitidos da Grã-Bretanha para a América, França, Holanda e, eventualmente, para todos os países civilizados. A essência da mensagem era liberdade, tolerância e sociabilidade, e sim, como Immanuel Kant, filósofo do tardar do Iluminismo, afirmou a ideia de que através da razão, todos os homens poderiam encontrar um jeito de viver que é satisfatório e gratificante. O que podemos finalmente dizer ao nosso maçom hipotético repleto de dúvidas sobre o grande paradoxo da maçonaria? Primeiramente, podemos endossar com satisfatória segurança a premissa de Giuliano di Bernardo que: “o maçom é um sujeito pacífico para os poderes civis que garantem a expressão de liberdade fundamental.” Sem liberdade, a Maçonaria não pode existir.

Também, podemos demonstrar através da história que a Maçonaria foi, inevitavelmente, portadora de ideais do Iluminismo revolucionário onde a liberdade não existia. Sabemos com razoável certeza que as lojas francesas não praticavam política, mas sua filosofia fez com que muitos dos seus membros se tornassem participantes ativos na política de movimentos revolucionários. A maçonaria foi talvez oficialmente neutra, mas seus membros não eram. E, finalmente, podemos atestar que todos somos, indiretamente, beneficiários da Maçonaria e do Iluminismo: consideramos agora seus valores políticos em geral como tão normais que não damos valor. Secularismo, constitucionalismo e parlamentarismo são suas heranças, evitando a necessidade de ação revolucionária para atingirmos liberdade. Essa é, provavelmente, a conclusão mais importante que podemos tirar desse breve estudo.

Fontes:

di Bernardo, G. Freemasonry and its Image of Man: A Philosophical Investigation (Tunbridge Wells: Freestone, 1989).

Gould, R.F. A Concise History of Freemasonry (London 1903: reprint by Kessinger, 1998).

Habermas, J. The Structural Transformation of the Public Sphere (Boston: MIT, 1989).

Jacob, M.C. Living the Enlightenment: Freemasonry and Politics in Eighteenth-Century Europe (New York: Oxford University Press, 1991).

Jones, B.E. Freemasons’ Guide and Compendium (London: Harrap, 1973).

Locke, J. Two Treatises of Government (1690; this edition ed. Peter Laslett, Cambridge University Press, 1963).

Mackey, A. Encyclopedia of Freemasonry and its Kindred Sciences (Philadelphia: McClure, 1917).

Link do texto original (em inglês): http://www.freemasons-freemasonry.com/Davidson.html

O York Blog recomenda, como leitura adicional para melhor compreensão das nuances e diferenças dos iluminismos o livro “Os caminhos da modernidade – os iluminismos britânico, francês e americano“, da historiadora americana Gertrude Himmelfarb, publicado no Brasil pela Editora É Realizações.