O CAMINHAR DE UM COMPANHEIRO MAÇOM
Por José Roberto Cardoso (adaptação de texto)
O Painel do Grau de Companheiro maçom ilustra o caminho tortuoso da vida em que deve trilhar para alcançar o grau de Mestre Maçom
Nele estão presentes 15 degraus, dispostos em 3, 5 e 7.
Na escada em caracol, nos três primeiros degraus estão os primeiros passos que o Companheiro Maçom percorreu na escada em caracol onde, ainda como aprendiz, tomou conhecimento das ferramentas que teria que utilizar para dar início ao desbaste da pedra bruta que nada mais é que ele próprio. Superada esta fase o Companheiro Maçom deverá ter aguçado os seus sentidos (paladar, tato, visão, audição e olfato) para aprender a discernir as coisas.
Depois ele passa a ter contato com o Trivium (Gramática, Lógica e Retórica) e, em seguida com o Quadrivium (Aritmética, Música, Geometria e Astronomia), que são as chamadas Sete Artes Liberais.
Ao contrário do que muita gente pensa, as artes liberais são mencionadas já na antiguidade, tendo, também, seus ensinamentos adotados na Idade Média.
“Analisando fatos históricos podemos observar que as Artes Liberais estiveram presentes em civilizações antigas. Precisamos nos ater de que as primeiras escolas do ocidente e a própria origem do ensino na humanidade coincidem com a história das Artes Liberais, que ficaram conhecidas na Grécia, mas que já existiam em civilizações anteriores. Esta forma de ensino era chamada de Educação Liberal e posteriormente ganhou outros desenvolvimentos e nomes como Escolástica[1] e Educação Clássica. Para estudar as origens das artes liberais é preciso reviver a própria origem das civilizações, do cálculo e da escrita, e esta história é a própria história da Ciência e da Educação na humanidade”.
Mapa do Crescente fértil: origem das primeiras civilizações.
“Se considerarmos as sagradas escrituras, o repovoamento da humanidade aconteceu a partir do desembarque de Noé, com seus filhos Sem, Cam e Jafé e respectivas esposas, no monte Ararat, localizado na atual Turquia. Fica fácil, então, entender porque as primeiras civilizações se desenvolveram no chamado crescente fértil, como afirmam os historiadores. Local de clima quente que abrange o Egito, o Levante (hoje sul da Turquia, Síria, Líbano, Israel e Jordânia) e a Mesopotâmia (atual Iraque), que banhados respectivamente pelos rios Nilo, Tigres e Eufrates e pelo Jordão e seus afluentes, era o local de maior fertilidade do mundo antigo. No crescente fértil se desenvolveram as primeiras cidades e as primeiras civilizações: sumérios, acadianos, assírios, caldeus e egípcios. [1]”
“A maioria dos especialistas reconhecem o surgimento da escrita entre 4000 a.C. e 3500 a.C. na Suméria na região da Mesopotâmia, que significa entre rios, por se localizar entre os rios Tigres e Eufrates, onde hoje é o Iraque. A escrita marcou o fim da pré-história, sendo possível então o registro para as futuras gerações. O estudo destes registros a história que nos é possível conhecer. A escrita, inicialmente, era ensinada por sacerdotes e principalmente de pai para filho, em ensino domiciliar, que é uma das primeiras formas de ensino da humanidade, sendo a família a primeira escola.”
Epopeia de Gilgamesh em tabuleta de barro datada de 1200 a.c. em escrita cuneiforme acadiana.
“Dentre os primeiros textos literários que se tem notícia estão textos e poemas sumerianos cravados em tabuletas com escrita cuneiforme, como a que conta o dilúvio mesopotâmio, a famosa epopeia de Gilgamesh (2000 a.C); os Provérbios de Ki-em-gir (2600 a.C.); os Hinos de Enheduana para Inana (2300 a.C.); a Lista de Reis da Suméria (2125 a.C.); as inscrições nas pirâmides de faraós (2425 a.C.); os textos dos sarcófagos egípcios (2250 a.C.); A lenda de Sargão de Acádia (2300 a.C.) e Conselho de um pai acadiano a seu filho (2200 a.C.). Estes textos, a exceção do primeiro, podem ser lidos no livro Cartas da Humanidade. [2]”
“A origem da escrita, e consequentemente da história e da literatura, criaram as bases para a sistematização da ciência da gramática, da retórica, da dialética e da lógica. Porém onde estas artes foram estudadas e ensinadas pela primeira vez?”
“Para Hugo de São Vitor o Egito é a mãe das artes liberais e, de lá que foram posteriormente para a Grécia por volta do século V e IV antes de Cristo. Tales, Pitágoras e Parmênides provavelmente beberam da fonte egípcia e criaram os primeiros centros de ensino da Grécia, onde eram transmitidos as artes liberais e os ensinamentos destes mestres de forma oral e sem salas de aula, como hoje.”
“Platão também viajou ao Egito para aprender as artes liberais e voltando à Grécia, criou a Academia em 387 a. C., nos jardins de Academos, em Atenas, donde provém o nome de sua escola. Instituiu a lógica racional e ensinou filosofia e matemática por meio de questionamentos. Seu principal discípulo, Aristóteles criou sua própria organização, o Liceu, ampliou a lógica de seu mestre e sistematizou o estudo da retórica, que já era ensinada por sofistas como Górgias, mas foi Aristóteles que a elevou a elemento chave da filosofia, junto com a dialética e a lógica. Em 343 a.C., Aristóteles torna-se preceptor de Alexandre, o Grande, rei da Macedônia. A partir de então, para as famílias mais abastadas tornou-se comum contratar um mestre para instruir e guiar as crianças nos estudos, a exemplo de Aristóteles e Alexandre.”
“A origem do cálculo é bem remota, sabe-se que existia desde os babilônios, egípcios e chineses muito antes do século IV a.C., mas foi a partir Pitágoras de Samos (570 a.C a 495 a.C.) que a matemática foi organizada como ciência. Ele escreveu o Matentetrade, que era o livro da doutrina do que depois foi chamado de Quadrivium (Aritmética, Geometria, Música e Astronomia). [3]”
“De acordo com Hugo de São Vitor em seu livro Didascalicon, a astronomia era atribuída à Cam, filho de Noé, sendo os primeiros a ensinar astrologia aos Caldeus. Josefo esculpiu Abraão como o fundador da astrologia no Egito. [3] Os antigos egípcios atribuíam a origem desta ciência ao Toth, conhecido também como Hermes na tradição grega e Mercúrio na romana. Alguns gregos atribuíam a origem da astrologia a Zoroastro ou Zaratrustra, que viveu na Assíria (depois conhecida como Pérsia e hoje Irã), foi o fundador da ordem dos magos (sim, a mesma que pertencia os três reis magos!) e de onde se originou uma das mais antigas religiões: o zoroastrismo. Escreveu um dos textos mais antigos que se tem notícia, o Gâtha, que é parte do Avesta, livro sagrado do zoroastrismo. Sabe-se pouco de sua vida e de quando viveu, mas os gregos estimam que vivera há cerca de 6000 antes de Platão, mas comparando outras fontes que são bem controversas, parece ser um exagero. O Gâtha é datado em termos linguísticos no século XIV ou XIII a.C. [2]”
“A palavra escola deriva do grego σχολή (scholē), originalmente significa pausa, suspensão do trabalho, ou seja, o tempo livre que se tem para empreender livremente o que lhe interessa. Por conta disso este termo ganhou também o significado de “lazer”, pois é o que se faz geralmente no tempo livre. Então, escola originalmente é o local que uma pessoa emprega seu tempo livre para se instruir, por livre escolha e porque gosta (lazer). O conceito de escola está, desde sua origem ligado e, provavelmente foi determinado, pelo de arte liberal, que é a arte do homem livre, que por sua vontade decide estudá-la e este era o pré-requisito para a Educação Liberal. Nem todos homens eram livres, ou dispunham de tempo livre, e dentre os que dispunham nem todos escolhiam empreendê-lo na instrução das artes liberais.”
“A palavra escola foi usada no latim para designar o mesmo significado que hoje no reinado de Carlos Magno, com as primeiras escolas para crianças, jovens e adultos. O rei franco ordenou a criação de escolas em cada corte (escolas palatinas), mosteiro (escolas monacais) e diocese (escolas catedrais). Todas eram dirigidas por um eclesiástico, subordinado ao bispado, o scholasticus, que significa aquele que empreendeu seu tempo livre para a instrução, ou seja, o instruído e instrutor.”
Sala de aula em iluminura carolíngia
“Também durante o reinado de Carlos Magno se inicia o movimento filosófico conhecido como escolástica, que ganhou esse nome por seu conteúdo ensinado naquelas escolas: a integração cada vez maior da filosofia grega com o cristianismo e o ensino das sete artes. Até então, no século VII, o conhecimento das artes liberais e da filosofia grega estavam conservados nos mosteiros e catedrais.”
“As obras fundamentais do Trivium carolíngio, além das de Alcuíno, figuram os manuais de gramática de Donato, Prisciano, para a retórica a obra de Cícero e poetas como Virgílio e Ovídio, para a dialética[2] a tradução de Boécio da obra de Aristóteles, a leitura bíblica acompanhada dos comentários dos padres, como Gregório Magno.”
“A reunião das sete artes no Trivium e Quadrivium foi organizada por Alcuíno de Yorque com objetivos didáticos para as escolas do reino de Carlos Magno, como vimos em Carlos Magno e os pilares da civilização ocidental. Porém o próprio Alcuíno faz referência às sete artes ao templo de Salomão, cerca de 500 anos antes dos primeiros mestres gregos:
“Discípulo: De qualquer modo que estas coisas devam ser ditas, rogamos que nos sejam apresentadas aos primeiros escalões da sabedoria, para que concedendo Deus e ensinando você, sejamos capazes de chegar desde as coisas inferiores até as superiores.
Mestre: Lemos, quando disse Salomão, por quem a Sabedoria disse de si mesma: ‘a sabedoria edificou sua casa, levantou suas sete colunas’. Esta sentença corresponde à sabedoria divina, a que construiu sua casa no útero virginal, ou seja, o corpo, a fortaleceu com os sete dons do Espírito Santo, e inclusive iluminou a Igreja, que é a casa de Deus, com os mesmos dons. No entanto, a sabedoria é fortalecida pelas sete colunas das artes liberais, de outro modo não conduz a ninguém ao conhecimento perfeito se não for exaltado por estas sete colunas ou escalões”. (p. 71) [4]
De acordo com as pesquisas de Lidice Canella, em seu livro “As viagens dos Vassalos do Rei Salomão ao Rio das Amazonas”, o templo de Salomão contava com três andares de 30 salas cada um, a parte reservada ao culto era bem reduzida, o terceiro andar guardava incalculáveis tesouros e os dois primeiros funcionavam como salas de aula de uma espécie de universidade, onde se ensinavam as sete artes (Gramática, Retórica, Lógica, Aritmética, Geometria, Música e Astronomia) além de Filosofia, Botânica e Zoologia. Esta universidade existente no templo de Salomão deu origem às escolas de mistérios, guildas e religiões fundadas na transmissão oral destes conhecimentos com objetivo de libertar o homem do irracionalismo, do fanatismo religioso e das condições que levavam tantas vezes à guerra.
“Tendo como fundamento essas escolas que funcionavam no Templo, pode-se entender porque um aprendiz dos ensinos do Rei Salomão deve: falar pouco e bem (gramática e retórica), exprimindo a verdade (lógica); deve saber contar e medir seu pensamento, seus projetos e ações (aritmética e geometria), vivendo em harmonia com seus semelhantes (música), mantendo-se humilde diante do Grande Arquiteto Universal, mirando-se no exemplo de atração e harmonia existente entre os astros (astronomia)”. (p. 316) [5]
Templo do Rei Salomão
Se considerarmos a afirmativa acima como verdadeira, temos então o ensino das artes liberais no templo de Salomão como a mais antiga fonte de todas acima citadas, datando então de mais de 900 a.C., sendo o templo de Salomão a primeira escola e universidade organizada e a provável origem das sete artes liberais e, provavelmente até de outras ciências, como as citadas botânica, zoologia e a própria filosofia. Naquela época já havia comunicação entre todo o mundo conhecido e não é difícil imaginar que no templo de Salomão se aperfeiçoou artes antigas e se originou possivelmente outras tantas. E que estas mesmas fossem preservadas no Egito, na Mesopotâmia e na Grécia e também na transmissão oral como a tradição judaica e sufi, respectivamente de hebreus e árabes.
Como vimos, a origem de cada uma das artes liberais é cercada de mistérios ainda a serem desvendados. A história das artes liberais é a própria história da ciência na humanidade, assim como a história da Educação Liberal, a própria história da educação e do ensino. Das artes liberais se originaram as primeiras escolas, currículos, didáticas, os primeiros mestres e discípulos, professores e alunos.
Então, são esses ensinamentos que o Companheiro deve buscar para que seja um verdadeiro Mestre a guiar discípulos e não um cego conduzindo cegos.
Para ser um bom Mestre é necessário estudo e perseverança na absorção dos ensinamentos que o transformarão em um Ser Espiritual, voltado à prática da Fraternidade e da Solidariedade humana.
Texto de Thiago Brum Teixeira: A Origem das Artes Liberais, com alguns complementos feitos pelo Ir.´. José Roberto Cardoso.
BIBLIOGRAFIA
[1] BEITZEL, Barry J. Atlas da bíblia: Os acontecimentos, as pessoas e os lugares da Bíblia: do Gêneses ao Apocalipse. Barueri, SP: Girassol, 2014.
[2] BORGES, Márcio. Cartas da Humanidade: civilização escrita à mão. Cinco mil anos de história em 141 cartas imemoriais. São Paulo: Geração Editorial, 2014.
[3] S. VÍTOR, Hugo de. Didascalicon: A arte de ler. Campinas, SP: Vide Editorial, 2015.
[4] ALCUÍNO de York. De vera philosophia. In: RIVAS, R. Alcuíno de York: Obras Morales. Espanha: EUNSA, 2004.
[5] CANELLA, Lidice. As viagens dos Vassalos do Rei Salomão ao Rio das Amazonas. João Pessoa, 2011.
[1] Escolástica ou escolasticismo (do termo latino scholasticus, e este por sua vez do grego σχολαστικός [que pertence à escola, instruído]) foi o método de pensamento crítico dominante no ensino nas universidades medievais europeias de cerca dos séculos IX ao XVI. Mais um método de aprendizagem do que uma filosofia ou teologia, a escolástica nasceu nas escolas monásticas cristãs,[1] de modo a conciliar a fé cristã com um sistema de pensamento racional, especialmente o da filosofia grega.[2] Colocava uma forte ênfase na dialética para ampliar o conhecimento por inferência e resolver contradições. A obra-prima de Tomás de Aquino, Summa Theologica, frequentemente, é vista como exemplo maior da escolástica.
[2] Dialética – il - em sentido bastante genérico, oposição, conflito originado pela contradição entre princípios teóricos ou fenômenos empíricos. fil no platonismo, processo de diálogo, debate entre interlocutores comprometidos com a busca da verdade, através do qual a alma se eleva, gradativamente, das aparências sensíveis às realidades inteligíveis ou ideias. fil no aristotelismo, raciocínio lógico que, embora coerente em seu encadeamento interno, está fundamentado em ideias apenas prováveis, e por esta razão traz em seu âmago a possibilidade de ser refutado.