sábado, 16 de dezembro de 2017


ENTRE A CRUZ E A LOJA – A SAGA DO VIGÁRIO BARTOLOMEU


“Há instantes em que os homens são senhores de seu destino.” W. Shakespeare.

Este tema refere-se a um interessante capítulo da história de nossa Sublime Ordem. A primeira vista pode parecer apenas mais um caso de insurreição contra o poder eclesiástico, perdido em meio ao sertão nordestino, protagonizado por um honrado Irmão que também era padre católico. Mas, analisando amiúde os detalhes e o contexto sócio-político no qual se insere, percebemos que estamos diante de um dos eventos que melhor ilustram e que pode nos levar a entender melhor a complexa relação entre Poder, Igreja, Estado e Maçonaria.

O devotado padre católico chamado Bartolomeu da Rocha Fagundes, nosso querido e inesquecível Irmão, sacrificou sua carreira eclesiástica por ser rigorosamente fiel ao juramento sagrado prestado durante a Iniciação. Sua lealdade e retidão estavam acima de qualquer interesse profano, mesmo quando sua vocação de sacerdote ficou sob risco de extinção, por determinação de seus superiores. Todo este drama, que se iniciou formalmente em meados do século XVIII, converteu-se em um assunto polêmico, intrincado e, infelizmente, muito mal compreendido, até os dias atuais.

O episódio vivenciado pelo Vigário Bartolomeu, ocorrido durante a chamada “Questão Religiosa” (1.872 a 1.875) – uma das poderosas circunstâncias que abalaram as colunas do Império – nos mostra um legítimo exemplo de grande Maçom. Fazendo honrar sua palavra mesmo nas piores adversidades, sua postura, na opinião de muitos, comprova indubitavelmente que existe total compatibilidade entre o papel oficial de religioso e de maçom regular, considerando o aspecto ético e filosófico da situação. Para outros, trata-se de um insubordinado que abandonou a fé e o Vaticano.

Por estas razões sabemos que estamos diante de um assunto extremamente interessante e complexo, que deve ser analisado à luz da racionalidade, sem exacerbação das paixões nem as certezas dos dogmas que tanto prejudicam nossa capacidade de interpretação. E para estarmos em condições adequadas de serenidade ao lidar com tal tipo de situação, é preciso conhecer todos os fatores envolvidos. Deste modo, faremos algumas breves reflexões preliminares, antes de tratarmos diretamente do evento principal que motivou este trabalho. Na primeira parte vamos realizar um estudo sobre o conceito de religião. Depois, passaremos a enfocar especificamente a Igreja Católica, um dos grandes protagonistas de nossa história e que tanta influência exerce sobre toda civilização ocidental. Finalmente, passaremos à “Questão Religiosa” e ao caso do Vigário Bartolomeu propriamente dito.

A lembrança de sua vida e a bravura de suas atitudes nos auxiliará, como um maravilhoso legado histórico, a entender e desmistificar um dos grandes tabus que assola as almas de muitos fiéis: é possível um religioso integrar o quadro de obreiros regulares de nossa Fraternidade?

Após realizarmos as análises propostas, que certamente estimularão alguns momentos de real meditação em todos os leitores, será possível entendermos o verdadeiro significado deste fenômeno histórico, e assim chegaremos a uma conclusão adequada sobre a questão acima formulada. Nosso querido Irmão ficaria deveras feliz em saber que, mesmo tendo passado ao Oriente Eterno há mais de 130 anos, seu poder e glória ainda têm força para ajudar a esclarecer um enigma desta magnitude.

Uma certeza, porém, desde já se destaca: por se tratar de uma rara demonstração de inequívoco amor à Maçonaria, e do mais profundo respeito aos nossos sagrados princípios, tal saga jamais poderá ser relegada ao esquecimento.

1 – O CONCEITO DE RELIGIÃO
Religião é um termo derivado do latim religio, que significa na tradição antiga algo como manifestar um comportamento rígido, formal e pautado pela precisão. Assim era o seu sentido no mundo pré-cristão, notadamente na Grécia e em Roma.

Em 45 d.C., na obra De Natura Deorum, Cícero considerava o termo religião uma alusão ao ato de reler ou estudar de novo alguma coisa. Explicava, então, que os religiosos eram aqueles que pretendiam uma releitura das escrituras e dos ensinamentos primordiais que trariam luz sobre os fenômenos inexplicáveis. Agostinho de Hipona, que viveu no século IV d.C. dizia que a religião seria a vontade de todos de reeleger a Divindade como centro do universo, uma vez que a humanidade se desligou de Deus. No livro A Cidade de Deus considera a palavra religere como sendo a raiz etimológica de religião. Nos anos 400 d.C. Macróbio afirmava que religio seria uma forma de se cultuar as relíquias do passado, ou relinquere.

No Hinduísmo não se utiliza o termo religião. Seus sacerdotes, na Antigüidade, usavam a palavra rita. Depois passaram a expressar a idéia de lei divina e perene como Dharma, denominação também comum no Budismo, criado em 500 a.C..

Acredita-se, atualmente, que o vocábulo deriva de duas origens distintas. Relegere se refere à idéia de reler ou revisar os conceitos, tradições, ritos, e princípios antigos adaptando-os às novas eras e necessidades. E Religare seria a vontade de religar algo ou alguém a outros, ou de reunir as pessoas à Divindade.

A partir da hegemonia tradição Judaico-Cristã no ocidente, religião passou a ser considerada como o conjunto de crenças, rituais, princípios e práticas diversas que buscam exatamente o contato da humanidade com Jeovah-Deus, que habitaria o mundo sobrenatural ou intangível. Esta interação seria possível através da chamada revelação ou transcendência, que todos os adeptos consideram como realidades concretas.

Adentrando a esfera dos estudos da psique humana, chegamos a uma ponderação interessante. Religião seria uma das maneiras de se tentar explicar todos os mistérios que cercam nossa existência, ou seja, tudo aquilo que a nós é incompreensível. Esta bagagem, que foge à razão esclarecida ou à compreensão lógica da mente humana, pertence ao campo do Sublime – como o funcionamento do universo, a origem e sentido da vida, o que ocorre depois da morte, e tantos outros fenômenos que angustiam nossa alma desde o princípio dos tempos. Para explicar esta zona de incertezas, criaram-se os sistemas religiosos primordiais, que utilizam uma variada gama de conceitos dogmáticos baseados apenas na fé. Tais mecanismos impõem uma normatização destas possibilidades, regrando todos os fenômenos de acordo com as ditas “verdades reveladas”. Estabelecem, assim, a dominação espiritual nesta área inacessível e satisfazem parte de nossa mais profunda angústia: a eterna busca pelo desconhecido, pelo além, pela palavra ou objeto perdido, que nunca serão acessados.

Tais sistemas, para alcançar seus objetivos, necessitam de ferramentas poderosas, que forneçam a chave que conecta o profano ao sagrado. Criam-se, então, os ritos, os mitos, as lendas, a liturgia e toda forma de explicação transcendental, geralmente formuladas pelos grandes “profetas”. Assim, solucionam os enigmas e os mais angustiantes mistérios e satisfazem a ânsia pelo entendimento deste campo imponderável, apesar de não possuírem qualquer fundamentação minimamente racional ou científica.

O fenômeno religioso, portanto, se origina de um tronco único, de uma única característica humana – a necessidade elementar de elaborar as mais terríveis angústias que assolam nossas almas. Concluímos que, por extensão, todas as religiões também possuem a mesma origem. Todas são subdivisões da mesma filosofia, apesar das aparentes disparidades que percebemos ao analisá-las superficialmente, notadamente em relação à liturgia e ritualística. O pensamento místico original ditou os princípios fundamentais que nortearam a conduta humana na alvorada da civilização, muito antes do surgimento das cidades, dos reinos e dos códigos escritos.

Os conceitos de religião e igreja, logicamente, não são sinônimos, apesar de muitos confundirem seus sentidos, propositalmente ou não. Igreja é a materialização do conjunto ideológico ou bagagem cultural que estrutura uma corrente religiosa. A palavra igreja vem do grego ekklesia, que significa assembléia, reunião, congresso ou associação de pessoas. Representa os objetos materiais, como prédios, mobiliários, códigos de leis e normas, a hierarquia e os paramentos, e os próprios sacerdotes. Religião, em termos filosóficos, é uma abstração, uma idéia que habita o campo do intangível, comum a todos em todas as eras. Portanto, pode existir um fervoroso devoto de determinada vertente, fiel aos seus dogmas e preceitos, mas que não aceita a estrutura administrativa e burocrática, ou ekklesia, que se criou em torno desta fé, de acordo com as necessidades e conveniências.

As chamadas grandes religiões, estruturadas através das igrejas, foram se expandindo ao longo dos séculos de maneira gradual e consistente. No início a dificuldade de expansão era significativa. Poucos tinham a oportunidade de conhecer formas alternativas de religião. Heródoto, historiador grego, foi uma exceção. Descreveu em seu livro Viagens as práticas religiosas dos diversos povos que encontrou em suas peregrinações pelo mundo. Buscava relacionar os deuses que encontrava com os existentes no panteão grego. Xenofonte dizia que cada povo criava sua tradição religiosa de acordo com sua cultura, e que seria impossível o ecumenismo.

A partir do início do século XX a expansão foi exponencial. A facilidade de comunicação e transporte entre todas as comunidades do globo favoreceu o contato de cada ser temente a Deus a diversas correntes de pensamento. Isto representa uma vantagem em termos de expansão, mas significa também um risco permanente de evasões dos fiéis, que podem migrar de uma para outra religião com extrema simplicidade. Cada instituição, para sobreviver nesta nova realidade, precisava de instrumentos eficientes de controle e manutenção de seus “rebanhos”. Desta preocupação surgiram diversas técnicas de controle e regramento dos fiéis, obedientes a “leis escritas” que estabeleciam o que era proibido aos integrantes de uma determinada vertente.

Atualmente observamos a existência de uma imensa diversidade filosófica e de crenças por todo mundo, gerando uma permanente concorrência e interação entre todas as instituições religiosas. Podemos dividir a distribuição das religiões de acordo com critérios geopolíticos. Assim, temos as do Oriente Médio (Judaísmo, Cristianismo, Islã, Zoroastrismo e Bahal), do Extremo Oriente (Confucionismo, Taoísmo, Budismo, Mahayama e Xintoísmo), da Índia (Hinduísmo, Jainismo, Budismo e Sick), da África, da Oceania, da América pré-colombiana e da Antigüidade clássica Greco-Romana. As três grandes religiões monoteístas somadas possuem mais de um terço da humanidade sob seus domínios (dois bilhões de cristãos, 1,3 bilhões de islâmicos e 15 milhões de judeus). Interessante observar que cerca de 1 bilhão de pessoas se declaram sem religião. Neste grupo se incluem os ateus.

Após as considerações contidas neste primeiro capítulo, fica claro que religião é um conceito universal e perene, surgido no princípio dos tempos. Refere-se a um estado de espírito, que requer o mais profundo respeito a tudo que existe e se manifesta pelo desejo inato de todos em se religar a um Princípio Criador. Igreja seria a estrutura arquitetada pelos fiéis a partir destas manifestações e necessidades primordiais. Uma se refere à espiritualidade e a outra à materialidade, e ambas catalisam a jornada mística dos homens em busca das verdades misteriosas que assolam visceralmente suas almas. Contrariar as normas de uma determinada Igreja não significa, necessariamente, contrariar os reais princípios e os conceitos éticos que definem sua base religiosa.

2 – A IGREJA CATÓLICA 
O surgimento e expansão da Igreja Católica se mescla com a própria saga do Cristianismo. O estudo deste fascinante capítulo da história da Humanidade nos mostra como se formou o arcabouço psicológico das ideologias surgidas posteriormente, todas marcadamente influenciadas pelas idéias de Platão e Paulo – os verdadeiros arquitetos da construção psico-social do ocidente.

Analisando o início da história da Igreja – o período relativamente esquecido e considerado de pouco valor por parte de muitos estudiosos – podemos entender como esta pequena seita, que começou de maneira inexpressiva, obteve tamanho crescimento nos últimos 2.000 anos. As estratégias desenvolvidas pelos primeiros cristãos neste período de grandes embates foram um sucesso e continuam em vigência na atualidade. Antes usadas para estabelecer com convicção as Colunas de Pedro, agora se voltam à sua manutenção e ao incremento do número de fiéis. A primeira fase é conhecida como Apostólica, pois conta com a atuação direta dos apóstolos. Em seguida temos a chamada Patrística, marcada pelo estabelecimento das bases ideológicas e pelas políticas visando garantir o crescimento da nova fé.

A atual Igreja Católica Apostólica Romana surgiu no Século I d.C. por obra de Saulo de Tarso, considerado historicamente o seu fundador. Este judeu fariseu, fortemente influenciado pelas idéias de Platão, conhecia alguns conceitos de antigas religiões, como o Mitraísmo, o Zoroastrismo, o Hinduísmo, o Budismo, as tradições egípcias e tantas outras. Tinha cidadania romana, e usava esta prerrogativa quando era ameaçado pelos centuriões. Escreveu grande parte do Novo Testamento (Epístolas, Evangelho de Lucas e Atos). Foi o primeiro a afirmar que a salvação dependeria unicamente da fé. Em três viagens difundiu sua doutrina principalmente pela Ásia Menor e península itálica.

No ano 48 d.C. o cristão-novo Paulo venceu um debate visceral com Tiago, na chamada “Assembléia de Jerusalém”. A partir deste evento, considerado o primeiro conclave do Cristianismo, ficou determinado que sua corrente fosse hegemônica dentre as diversas que existiam, todas baseadas nas idéias de Jesus Cristo. Para começar a expansão, Paulo achava interessante abrandar as obrigações que os judeus deviam seguir. Isto atrairia muitos simpatizantes. Assim, os gentios, os antigos judeus e os pagãos convertidos à Cruz não precisariam mais sofrer, por exemplo, a circuncisão nem sacrificar animais aos ídolos. Tiago era a favor da ortodoxia, e se tivesse vencido o primeiro confronto certamente o Cristianismo não teria o mesmo sucesso, tendendo a permanecer como uma seita a mais, esquecida pelos rincões do Oriente. Este momento marca a primeira grande cisão ideológica, desta vez com a antiga tradição dos hebreus.

Em 66, com a eclosão da Revolta Judaica na Palestina, os cristãos emergentes decidem abandonar os judeus rebeldes, fato que acentuou a separação entre os grupos. Quatro anos mais tarde, em 70, com o esmagamento da insurreição, o movimento de Paulo tinha um terreno fértil à frente.

Com a morte de João – na tradição cristã, o último dos apóstolos – na cidade de Éfeso, no final deste mesmo século, findava a fase Apostólica e começava a Patrística, que seria marcada pelo surgimento dos primeiros dogmas de fé, por volta do ano 135.

Os considerados “Pais da Igreja” trabalhavam com afinco. Do século II ao IV teceram os primórdios do pensamento eclesiástico e da teologia católica, que depois seria chamada de Filosofia Cristã por Santo Agostinho. Nesta fase destacam-se Clemente de Roma, Marcião, Policarpo, Santo Ambrósio, Irineu de Lião, Tertuliano, Orígenes, e Santo Ignácio de Antioquia – o primeiro a chamar de católica a nova igreja que emergia, utilizando um termo derivado do grego que significa “universal”.

Na ordem do dia do século II estava o combate aos conhecimentos Gnósticos e a busca estratégica por justificativas para a submissão plena e irrestrita da Igreja ao poder de Roma, pois Trajano iniciara as perseguições em massa aos cristãos, no ano 112. Depois dele, Marco Aurélio, Décio, Valeriano e Diocleciano foram os imperadores que mais se dedicaram a esta política. Vários cristãos foram condenados à morte, como São Justino, executado no ano 165. Além dos ataques externos, havia o patrulhamento ideológico intra corporis, policiando as ações daqueles que não seguiam piamente a “cartilha” que os Pais estavam escrevendo. Neste momento observou-se o surgimento de duas correntes de pensamento: uma baseava as explicações dos mistérios unicamente através dos dogmas de fé, com centro em Roma, e outra mais filosófica tentava desvendar os enigmas do Sublime por meios lógicos e intuitivos, operante na Grécia. Muitos se dedicavam efetivamente ao feroz combate à tendência “rival”, como Taciano, Atenágoras e Teófilo de Antioquia, que se destacavam pelas teses contra a Gnose.

No século III os debates prosseguiam. Uma estratégia eficaz de expansão era atingir “moralmente” os adversários ideológicos. Clemente de Alexandria atacava a Filosofia, em sua obra “Stromata”, por achar que esta ciência só seria válida se emanada de Deus. Orígenes dava coerência lógica a algumas teses, formatando e assim fortalecendo a argumentação dogmática de ataque. As seitas pagãs eram pesadamente combatidas, e os judeus também sofriam por manter suas tradições intactas.

O século IV traz a atenuação das perseguições aos cristãos pelo poder de Roma, devido à legalização da religião feita por Constantino I (édito de Tolerância ou de Milão, de 313), e a elevação do Cristianismo a religião oficial do Império, por Teodósio I, em 391. Tal monarca proibiu a existência das outras crenças, gerando a exacerbação dos ataques, principalmente, às religiões pagãs. A destruição sistemática dos locais de culto – com construção de igrejas exatamente nestes sítios – e a conversão maciça dos bárbaros à religião paulina era a rotina nestes dias de glória e sangue.

Com a queda do Império romano em 476, após a última investida do bárbaro germânico Odoecer, a expansão da Igreja se intensificou. Os espaços surgidos com a desintegração final de Roma podiam e foram ocupados. Seu poder atuava em todo o território do antigo império, sobrepondo-se ao descentralizado e claudicante poder secular, e assim permaneceria do século V ao X.

O grande Cisma, em 1.054, dividiu a Igreja ao meio. A metade romana permaneceu sob jurisdição do Bispo de Roma, o Papa (iniciais de Petri Apostoli Potestantem Accipiens, ou ‘aquele que recebe o poder do apóstolo Pedro’) e ficou conhecida como Igreja Católica Apostólica Romana, e a outra foi denominada Igreja Ortodoxa, chefiada pelo Patriarca de Constantinopla.

Nos séculos XII e XIII a doutrina cristã teve sua época áurea, com reunião de diversos concílios, fundação de universidades (de Paris, Oxford, Bologna e Salamanca) e das ordens religiosas (Franciscanos, Dominicanos, Mercedários e Cistercienses). Surge a Escolástica. A figura de São Tomás de Aquino se destaca. Os decretos de Gregório IX e ermitões de Santo Agostinho criam grande impacto. É o tempo das Cruzadas e dos Cavaleiros Hospitalários, além do surgimento dos Templários (1.118). Com o fim das Cruzadas se iniciam as Missões. A arte sacra medieval promove a construção das catedrais, e as peregrinações ao Santo Sepulcro e aos túmulos sagrados de Pedro e Paulo se efetivam. A Inquisição se estabelece, após a Cruzada contra os Cátaros, e as táticas de conversão se exacerbam. Tudo convergia para Roma, que dominava a vida e a morte de todos no auge da Idade Média.

A partir do século XV vários eventos iriam influenciar o rumo das políticas eclesiásticas. O advento da Imprensa por Johan Gutemberg em 1.455 e a conseqüente distribuição de Bíblias aos fiéis, além da queda de Constantinopla em 29 de Maio de 1.453 favoreceram a eclosão da Reforma Protestante, deflagradas por Martinho Lutero (1.520) e Calvino (1.534). A Igreja exigia, para a salvação dos fiéis, a obediência a diversos rituais, penitências, orações aos santos e eventualmente o pagamento de indulgências. A alteração destas normas estava na pauta dos reformistas. As teses de Lutero defendiam que todos poderiam ser salvos apenas pela fé, independentemente das ações mundanas. O próprio indivíduo seria capaz de se comunicar diretamente com Deus, sem a necessidade de mediação por santos ou sacerdotes eruditos. Henrique VIII, proclamando a separação da Igreja Anglicana (Ato de Supremacia, em 1.534), a ascensão do Iluminismo (na segunda metade do século XVIII) com destaque para as figuras de John Locke, David Hume, e Adam Smith, e o surgimento da razão esclarecida – que libertava o homem das explicações dogmáticas dos fenômenos naturais, agora em parte explicados pela ciência – incrementaram as preocupações da Igreja com o risco de uma dispersão em massa do “rebanho”. Neste mesmo século desponta em Londres o surgimento da Grande Loja Unida da Inglaterra, fortemente influenciada pela Sociedade Real criada em meados do século XVII.

Todos estes eventos, desde o Século I, explicam em parte o porquê de a Igreja estabelecer restrições às “boas novas”, às variações na forma de encarar certos fenômenos e à própria evolução das idéias. Os fiéis devem buscar conforto espiritual, de acordo com suas regras, apenas entre os sacerdotes católicos. Esta restrição não é exclusividade desta religião. Praticamente todas não estimulam o livre acesso às fontes diversas de ensinamentos que possam, eventualmente, fomentar a dúvida em relação aos seus dogmas e gerar fragilizações ou até mesmo a perda completa da fé.

Uma das razões para esta preocupação está no grande número de possibilidades religiosas que se oferecem. Atualmente existem mais de 33.000 vertentes ou igrejas consideradas cristãs. A Cristandade, que nos primórdios era apenas um bloco monolítico derivado do Judaísmo, hoje se pulveriza em sistemas eclesiásticos que guardam apenas a fé em Jesus como ponto em comum. A grande classificação, divulgada em 2.001, considera três vertentes principais: Catolicismo Romano, Catolicismo Ortodoxo e Protestantismo. Este último se subdivide nas Igrejas Históricas, Pentecostais, Neopentecostais, Para-Protestantes e Cristãs Primitivas.

Quando pensamos em Igreja Católica geralmente nos referimos à Igreja Católica Apostólica Romana. Esta denominação se constitui em uma agremiação de diversas instituições que possuem em comum a perfeita comunhão com o Papa, se submetendo às suas normas e regulamentações. A maior parte realiza o Rito Latino ou Romano nas celebrações. Dentre estas temos a Igreja Católica Apostólica Romana, a Igreja Católica Maronita, a Igreja Católica Melquita, a Igreja Católica Siríaca, a Igreja Católica Antiga, a Igreja Católica Liberal, a Associação Patriótica Católica da China, e muitas outras. A Igreja Ortodoxa, chefiada pelo Patriarca, também apresenta subdivisões, destacando-se a Igreja Copta, a Grega e a Russa.

Existem muitas igrejas católicas que não aceitam a comunhão com Roma. No Brasil temos mais de 80 denominações independentes, como a conhecida Igreja Católica Apostólica Brasileira. O fiel que se intitula católico apostólico romano está afirmando à sociedade duas grandes verdades sobre sua personalidade religiosa: no sentido espiritual, está declarando que pactua com toda conteúdo e tradição ideológica, filosófica, cultural e dogmática que esta religião apregoa, e no campo da materialidade declara que respeita e cumpre os códigos de conduta e da prática litúrgica, sendo submisso de forma plena e irrestrita à jurisdição do Papa.

3 – IGREJA x MAÇONARIA 
A história das relações entre a Igreja Católica e a Maçonaria, de acordo com a versão que considera nossa origem nas guildas medievais de construtores, apresenta uma fase inicial de grande harmonia entre os grupos. Tais corporações de ofício eram fortemente ligadas à cúria romana e às dioceses regionais. Esta possível simbiose serena e produtiva é um dos fatores que desqualifica, na opinião de muitos historiadores, a própria idéia de gênese da Sublime Ordem nos canteiros dos pedreiros medievais. De qualquer modo, a partir de 24 de Junho de 1.717, quando as Colunas de Hiram se sobressaíram e ganharam notoriedade pública, nossa relação formal com a cátedra de São Pedro se inicia.

Poucos temas, nestes dois mil anos de existência da Santa Sé, estimularam a elaboração de tantas peças formais por parte da alta cúpula como a famigerada “seita” maçônica. Até 1.980 existem registrados mais de 380 documentos tratando explicitamente deste assunto. Este número não engloba as inúmeras declarações das Conferências Episcopais e dos Bispos espalhados por todo o mundo, e outras manifestações de menor abrangência.

No ano de 1.738, apenas 21 anos após o surgimento da Grande Loja da Inglaterra, a pena papal já começava a atuar com vigor. Em 28 de Abril o Papa Clemente XII, eleito em 1.730 e completamente cego a partir de 1.732, emite um decreto para ser obedecido em todo universo católico. A bula matter da Igreja contra a Maçonaria, “In Eminenti Apostolatus Specula”, condenava de forma visceral nossa Ordem e já instituía a pena de excomunhão aos rebeldes. Fundamentando seu veredicto, Clemente afirmava que “não podia aceitar o recurso ao segredo e ao juramento existente nas Lojas Maçônicas, pois podiam sustentar doutrinas heréticas e planos contrários à paz pública e ao bem da Igreja, nem o relativismo filosófico-religioso, que parecia resultar do fato se reunir homens de diversas religiões”. E ainda havia “outros justos e razoáveis motivos por nós conhecidos”. Quais seriam estes motivos? Isso ele não respondeu, por estar muito doente desde o início do pontificado, apresentando estado terminal desde 1.737. Faleceu em 1.740, sem explicar melhor esta bula.

Coube ao senhor Próspero Lorenzo Lambertini, ou Bento XIV, que assumiu o trono em agosto de 1.740, esclarecer os pontos obscuros da bula de seu antecessor. As seis razões que incompatibilizavam os católicos com a doutrina maçônica foram por ele registradas na bula “Providas Romanorum Pontificum”, de 18 de Maio de 1.751: pessoas de diferentes credos podem participar da Fraternidade – o que pode corromper a “pureza” dos fiéis; a obrigação de manter segredo sobre tudo que se vivencia; o juramento realizado; o desrespeito às sanções civis e canônicas; o fato de tal “seita”ter sido proibida em muitos países, e a afirmação que os homens de bem devem se afastar destas sociedades. Na França, Hungria e Áustria a publicação da bula foi proibida. Na Suécia, em Malta e na Holanda os maçons passaram a correr risco de pena de morte, e na Polônia as lojas foram fechadas. Em Genebra a Maçonaria foi reprimida, e na Espanha um édito do Inquisidor-Geral proibiu seu funcionamento.

Em 13 de setembro de 1.821 mais uma menção formal à Maçonaria se concretizava. O Papa Pio VII editou a bula “Eclesian a Jesus Christo“ condenando a Carbonária, surgida em 1.797, que apresentava forte atuação política na Itália. Aproveitando a oportunidade, estendia seu veredicto a todas sociedades iniciáticas.


O Papa Leão XII afirmava na bula “Quo Graviola”, de 13 de Março de 1.825, que as entidades consideradas secretas conspiravam contra a Santa Igreja e também pela instabilidade social, indo contra os poderes seculares. Estas conjecturas foram ratificadas por Pio VIII em 24 de Maio de 1.829, na bula “Traditi Humilitatis”, por Gregório XVI, na encíclica “Mirari Vos”, de 15 de Agosto de 1.832, e também por Pio IX em 9 de Novembro de 1.846, na bula “Qui Pluribus”.

Em 1.864 Pio IX lançou a encíclica “Quanta Cura”. Em seu apêndice “Syllabus Errors” se determinava que todos os maçons fossem excluídos da Igreja Católica. Esta norma se insere no contexto da unificação italiana, francesa e alemã, que trariam pesados prejuízos à Santa Sé. Na Itália, por exemplo, a maior parte das terras papais foi confiscada pela coroa. O rei Carlos Alberto, de Piemonte-Sardenha, apoiou a idéia de Mazini e Garibaldi em relação à unificação de toda península, derrotada pela Áustria em 1.848. O rei seria Victor Emanuel II, seu filho, que apoiava a Maçonaria Carbonária. Tais fatos desembocariam na chamada “Questão Romana”, quando o imenso confisco agrário se efetivou, esvaziando os cofres do Vaticano.

No ano de 1.884, a mais terrível e específica peça contra nossa Ordem foi publicada. O Papa Leão XIII, na bula “Humanus Genus”, de 20 de Abril, afirma que Maçonaria e Igreja seriam como “dois reinos em guerra”. Diz que a finalidade daquela seria destruir todo sistema religioso e político do mundo substituindo-a por uma “nova ordem”. Critica o que chama de naturalismo, que considera o conhecimento da natureza e a prática da razão esclarecida como os elementos essenciais que guiam o mundo. Lembremos que desde Kant a ética baseada na divindade estava em cheque, e o Racionalismo cada vez mais questionava o papel da religiosidade nas questões morais e sociais. Era preciso uma resposta rápida a estas novas idéias, que ameaçavam a hegemonia dos céus sobre a Terra.
Bento XV, eleito Papa em 1.914, promulgou o ‘Codex Juris Canonici’ em 27 de Maio de 1.917. O chamado primeiro Código Canônico – a compilação de toda legislação específica da Igreja Católica Romana existente até então – tornou todas as outras publicações ‘jus vetus’. Até então o corpo de leis do Vaticano era diversificado, oriundo de várias fontes, e de difícil consulta. Organizar todo este material era urgente e necessário frente aos novos tempos. A pressão por esta sistematização vinha desde o Concílio Vaticano I (1.869 a 1.870). Neste documento foram enumerados 2.414 cânones. Vários se referem à Maçonaria e aos maçons. No cânone 684 é dito que os fiéis devem fugir das associações secretas, sejam quais forem, pois estas escapam à legítima e sagrada vigilância da Santa Igreja. No cânone 693 os maçons são proibidos de participar de qualquer irmandade religiosa, e no 1.065 se desaconselham às jovens fiéis que pensem em se casar com membros desta entidade. Nos cânones 2.331, 2.333, 2.334 e 2.335 o Papa ordena que todos que entram nas “seitas maçônicas” sejam sumariamente excomungados. O fato de se filiarem já seria razão inquestionável para o apartamento ou separação do homem de sua Igreja Mãe. Neste status, devem ser afastados dos sacramentos (confissão, comunhão, matrimônio, unção dos enfermos, etc.), não podendo assistir às santas missas, às procissões e cerimônias de bênçãos, nem aos atos eclesiásticos em geral.

Com o passar do tempo, e com a iniciação em massa de muitos católicos – incluindo membros da hierarquia da Igreja – surgiram dúvidas quanto à aplicabilidade da pena de excomunhão prevista no Código Canônico. Muitos bispos encaminharam pedidos de orientação à Cúria, sobre como tratar esta questão. Um comunicado formal da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, emitido em 20 de Abril de 1.949, esclarecia a situação. Motivado por um questionamento enviado pelo bispo de Trento, o a posição oficial em relação à Maçonaria se confirmava: persista a intolerância plena e irrestrita aos que a ela se filiarem.

No início dos anos 1.970 as dúvidas ressurgiram. O Vaticano resolveu consultar as Conferências Episcopais perguntando sobre suas relações com as comunidades maçônicas. Em decorrência disso, surgiu a primeira declaração que, aparentemente, possibilitava uma conciliação. O cardeal Franjo Seper, então Prefeito da Sagrada Congregação para Doutrina da Fé, em 19 de Julho de 1.974 afirmava que apenas as sociedades que realmente “maquinavam” contra o Clero estariam banidas da Igreja. A dificuldade seria classificar as Lojas nas categorias propostas.

Mais tarde, em 12 de Maio de 1.980 , uma declaração dos bispos da Alemanha defende a total incompatibilidade entre Igreja e Ordem. Afirmava que ‘a Maçonaria admite um conhecimento objetivo de Deus (o chamado teísmo) e o conceito de Grande Arquiteto é algo indefinido, neutro e susceptível de interpretações diversas’. A Sagrada Congregação , em 17 de Fevereiro de 1.981 , sacramentou esta declaração com a confirmação de que o vigor das sanções permanece o mesmo.

Com a promulgação do novo Código Canônico em 25 de Janeiro de 1.983, por Sua Santidade o Papa João Paulo II, tudo parecia diferente. A denominação expressa do nome da Ordem que surgia no cânone 2.335 do antigo texto de 1.917 havia sido suprimida na nova versão. O cânone 1.374, que entrou em vigor em 27 de Novembro de 1.983, se refere às ‘associações que maquinam contra a Igreja’, não trazendo o vocábulo ‘Maçonaria’, anteriormente existente. Parecia o fim da terrível condenação existente há 250 anos. Como a interpretação deste cânone trazia dúvidas, havia a necessidade de melhorar o entendimento da norma.

Uma declaração de autoria do Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Joseph Alois Ratzinger, com anuência plena do Papa, foi publicada no órgão oficial de divulgação, o L’Observatore Romano. Com título ‘Declaração sobre as Associações Maçônicas’. Reafirma que permanece inalterado o parecer negativo da Igreja em relação às associações maçônicas. Os fiéis ainda estão proibidos de se filiarem à Ordem. Aqueles que insistirem nesta situação se encontram em estado de pecado grave, sem autorização para se aproximar da sagrada comunhão.

A posição da Santa Sé não variou desde a fundamental bula de 1.738. Como o Papa atual, eleito em 19 de Abril de 2.005, foi o autor do último comunicado oficial sobre o assunto, o status quo tende a ser mantido, a curto e médio prazo.

Em relação aos documentos formais emanados pela Maçonaria, podemos citar as inúmeras declarações da Grande Loja Unida da Inglaterra, emitidas desde o chamado retrocesso religioso de 1.815, até as manifestações de Setembro de 1.962, de Dezembro de 1.981 e de Junho de 1.985. Em todas se afirma que a Sublime Ordem “favorece as religiões”, dentre outras considerações, sempre visando aproximar as duas instituições.

4 – A “QUESTÃO RELIGIOSA” 
Na Constituição de 1.824 o imperador se proclamava líder absoluto da Igreja no Brasil. O poder do Bispo de Roma estava subjugado à vontade real. Os atos papais, como bulas, encíclicas, cartas, etc., só tinham validade “jurídica” em nosso território se aprovados pelo Estado, de acordo com o instituto expresso na carta magna chamado Beneplácito. E através do Padroado apenas o imperador podia nomear os sacerdotes e criar igrejas. Esta situação desfavorável à Santa Sé levaria o clero a lutar pelo fim do regime, apoiando os ideais republicanos que se fortaleciam rapidamente .

Por questões pragmáticas as relações entre a coroa brasileira e a Cúria Romana se mantiveram em níveis de tolerabilidade e convivência pacífica, por aproximadamente 40 anos. A ninguém interessava a criação de conflitos. Toda normatização advinda de Roma era protocolarmente aceita por estas terras.
O primeiro movimento pela retomada do poder eclesiástico ocorreu em 1.848. Pio IX assumiu a cátedra de Pedro e criticou ferozmente as chamadas liberalidades modernas, rogando pela supremacia dos “céus” sobre o poder secular.

No ano de 1.864 as investidas foram mais agudas. Como vimos anteriormente, o Papa Pio IX lança a encíclica “Quanta Cura” com seu famoso apêndice, o “Syllabus Errors”, que seria conhecida apenas por “Bula Syllabus” . Suas oitenta proposições condenaram explicitamente, entre outras coisas, o Protestantismo, a Maçonaria, a liberdade de consciência, a liberdade de culto, a separação entre a igreja e o estado, a educação leiga e, em geral, o progresso e a civilização moderna. Determinava também a intervenção em ordens leigas, se não seguissem expressamente as orientações papais, e proibia a realização de atos litúrgicos da Igreja em celebrações maçônicas. Os clérigos estavam impedidos de participar da Maçonaria. Este fato, no Brasil, era freqüente. Como tal norma não recebeu o placet de aprovação por Dom Pedro II, não possuía validade “jurídica” no país.

Apesar disso, tudo corria na mais harmônica normalidade nas terras de Cabral. Mas, em 3 de Março de 1.872, o primeiro sinal de crise entre Igreja e Maçonaria eclodiu. Nesta data o Padre Almeida Marins saudou a proposta da Lei do Ventre Livre feita pelo Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil e Presidente do Conselho de Ministros, Visconde do Rio Branco. O discurso foi na Loja Grande Oriente, e o Padre usou linguagem maçônica em seu pronunciamento. O Bispo do Rio de Janeiro, Dom Pedro Maria Lacerda, ao saber do fato, resolveu aplicar ipsis litteris o que determinava a Bula Syllabus. Ordenou que o Padre Marins abandonasse a Maçonaria e o suspendeu de todo serviço eclesiástico. O que seria um mero exercício canônico da autoridade administrativa eclesiástica tornar-se-ia uma grave questão nacional. Os maçons iniciaram uma violenta campanha contra os bispos, e a coroa ficou incomodada com a arrogância do cardeal em aplicar uma sanção sem respaldo do beneplácito.

Em meio a toda essa tensão, o Bispo de Olinda, Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, um jovem e rigoroso capucchino, também em obediência à bula Syllabus, mandou fechar todas as Irmandades e Ordens Terceiras que não quiseram excluir seus associados maçons. Tal atitude foi seguida pelo bispo de Belém do Pará, Dom Antônio de Macedo Costa. Aproveitaram para emanar suas opiniões sobre o poder estatal sobre a Santa Sé. Dom Vital, grande expoente da intelectualidade religiosa da época, declarou que o beneplácito imperial não passava de uma aberração, pois o recurso contra as decisões dos bispos configurava-se absurdo e herético. E Dom Macedo Costa foi mais rigoroso, dizendo que reconhecer no poder civil autoridade para dirigir as funções religiosas equivalia a uma apostasia.

Nesta mesma época Dom Vital impediu um padre, Monsenhor Pinto Campos, de realizar um casamento cujo noivo era maçom. No Pará dois outros padres também foram interditados. Entre os padres, alguns relutavam em seguir as ordens de seus superiores, como o popular padre Joaquim Francisco de Faria, de Olinda, cuja suspensão gerou cenas de vandalismo praticado nas igrejas por seus partidários. As entidades punidas, que estavam acostumadas à autonomia, desobedeceram abertamente às determinações de exclusão dos maçons. E após Dom Vital ter lançado o interdito canônico sobre elas, tais instituições apelaram ao Imperador, alegando abuso de poder por parte do bispo. O Imperador acolheu o recurso das irmandades.

Surgiu, então, a reação radical do governo, direcionada a estes dois Bispos. Neste momento a crise chegava ao seu ápice. Em 1874, o primeiro ministro Visconde do rio Branco pediu suas prisões imediatas e posterior condenações a quatro anos de reclusão com trabalhos forçados. O presidente do Supremo Tribunal de Justiça expediu mandado de prisão contra os dois bispos, dando-os como incursos no artigo 96 do Código Criminal. D. Vital e, pouco depois, D. Macedo receberam aviso oficial do ministro do Império, João Alfredo, como infratores das leis, pois o apelo das irmandades fundamentava-se no Decreto nº 1.911, de 28 de março de 1857. Dom Vital foi preso em janeiro e Dom Macedo em abril de 1874. Depois as penas foram amenizadas, para prisão simples. Em 1875, o duque de Caxias, que então era o primeiro ministro, concedeu ampla anistia, através do Decreto 5.993, de 17 de setembro, encerrando assim o conflito que se iniciara em 1872.

O Império se enfraqueceu. A prisão de dois baluartes da Igreja, independentemente do mérito jurídico, gerou um significativo afastamento entre o clero e o poder imperial. Na população comum a indignação foi geral, pois a maioria era muito devota e fiel. A separação definitiva entre Igreja e Estado estava iminente.

5 – O VIGÁRIO BARTOLOMEU 
Dentre as personalidades que protagonizaram este interessante capítulo de nossa história, que ao lado da “Questão Militar” e da “Questão Social ou Abolicionista” foram as grandes causas da derrocada do governo imperial, destaca-se a figura do Vigário Bartolomeu da Rocha Fagundes.

Nascido em 8 de setembro de 1.815 em Vila-Flor, vilarejo do município de Canguaretama no Rio Grande do Norte, foi criado em Natal, pois sua família mudou-se muito cedo para a capital, devido aos negócios do pai. Este senhor, também chamado Bartolomeu, era Maçom regular. Membro da Loja “Sigilo Natalense”, tinha o nome simbólico de Talleyrand, e incentivava o filho a ler tudo que estava ao seu alcance. Sua mãe, Florência Gomes de Jesus Fagundes, o educava com grande rigor e disciplina. Estes fatores explicam o caráter íntegro, guerreiro e de bons costumes que viria a manifestar no futuro.

Após terminar o curso primário, matriculou-se no Seminário de Olinda, que era o grande centro de formação cultural e intelectual da época, naquela região. A ênfase nos ensinamentos com base humanística, ministrados nesta instituição, iriam influenciar suas idéias de maneira marcante ao longo de toda sua vida. Aos 24 anos de idade, em 1.839, recebeu o sacramento da Ordenação, pelas mãos do Bispo de Olinda, Dom João da Purificação Marques Perdigão. A Diocese de Olinda englobava a província do Rio Grande do Norte neste período. Sagrou-se Vigário da Paróquia de Vila-Flor, chamada Nossa Senhora do Desterro , que depois passou a ser denominada Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação. Sua primeira missa foi celebrada em 06 de Janeiro, dia de Reis.

Era extremamente bem conceituado na comunidade, pelo seu espírito incansável de defesa dos menos favorecidos, além de sua capacidade ímpar de liderança na condução de inúmeras iniciativas filantrópicas. Ficou conhecido como um legítimo pastor de almas, na acepção mais sagrada e virtuosa do termo. Tinha marcante influência social e freqüentava todos os lares da cidade, orientando os fiéis nas questões mundanas e espirituais. Também atuava como professor e mestre, alfabetizando os mais humildes e trazendo cultura e informações em suas preleções. Como era um grande orador, agregava multidões. Suas falas se tornaram famosas e uma referência na sociedade local. Exercia atividade político-partidária, tendo ingressado no Partido Liberal, onde foi líder destacado.

Como conseqüência natural deste perfil, acabou se iniciando nos mistérios da Arte Real na Loja Simbólica “Conciliação”, da cidade de Recife. Em seguida se transferiu para a Loja Simbólica “Sigilo Natalense”, a mesma de seu pai, no oriente de Natal. Adotou o significativo apelido de Guilherme Tell. Rapidamente galgou os degraus da escada de Jacó, sendo nomeado 1º Vigilante em pouco tempo.

Em 1.867, com a fundação da Loja Simbólica “21 de Março”, foi eleito seu primeiro Venerável-Mestre. Foi seguidamente reconduzido ao cargo, por dez anos. Infelizmente passou ao Oriente Eterno em 2 de Novembro de 1.877, com apenas 62 anos de idade, em meio a uma profícua e reta carreira entre Colunas.

Os caminhos do obreiro e do religioso estavam em total harmonia, até se cruzarem com a bruta realidade das relações entre Estado e Igreja, no auge da “Questão Religiosa”. O Vigário Bartolomeu foi convocado à Olinda, com urgência. Viajando 300 km a cavalo, foi recebido pelo Bispo Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira que, educadamente, determinou que ele abandonasse imediatamente a Maçonaria. A sanção prevista na encíclica do Papa Pio IX, Quanta Pura, Syllabus Errors, seria aplicada de forma impiedosa no caso de desobediência. Como citado anteriormente, esta bula determinava, dentre outras medidas, que era proibida a filiação dos membros da hierarquia do clero à Sublime Ordem. Nosso Irmão, em presença de seu superior, que detinha imenso poder e prestígio, manifestou de forma inequívoca seu descontentamento com tal medida, e já adianta que dificilmente poderia cumprir este mandamento, uma vez que se baseava exclusivamente na materialidade das leis canônicas. Defendeu a compatibilidade entre as condutas cristã e maçônica, apesar das normas existentes. Em seguida, foi-se embora da mesma forma que tinha chegado.

Regressando à Natal, foi recebido como verdadeiro herói pelos Irmãos de sua Loja. Imediatamente presidiu uma memorável Sessão, fato que chegou ao conhecimento de Dom Vital, que ficou enfurecido. Interpretando esta atitude como uma terrível afronta às suas ordens, o Bispo ameaçava caçar os direitos eclesiásticos do “rebelde”, remetendo um ofício no qual manifestava o ultimato final. Neste documento exigia que, além de abandonar as Colunas de Salomão formalmente, deveria o obreiro divulgar este fato em toda imprensa local, através de nota oficial nos jornais.

A resposta do Vigário Bartolomeu, com grande veemência e firmeza de opinião, veio na forma da carta abaixo transcrita, encaminhada ao seu superior:
“Exmo e Reverendíssimo Sr, Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira.
Assunto: respondendo ao ofício que me dirigiu, determinando que eu declarasse aos jornais que não pertenço mais à Maçonaria.
Permita V Exa Revera que, como todo respeito que devo ao meu Prelado, lhe fale que a dignidade que todo homem de bem deve a todo transe procurar manter e o juramento que espontaneamente prestei quando fiu admitido àquela associação, me impedem de fazer a declaração ordenada por V Exa Reva. Uma semelhante declaração importa numa abjuração ou perjúrio, e não há que ser no último quartel de minha vida que eu hei de cometer um perjúrio, muito principalmente contra uma associação cujos fins humanitários são de sobejo conhecimento.Quando conferencei com V Exa Reva, que tenho 34 anos de vida pública, a qual considerava sem manchas, graças à Divina Misericórdia, não poderia, sem quebra de minha dignidade pessoal e sem lançar uma nódoa em minha reputação de homem de bem, abjurar da Maçonaria. Portanto , pretendo continuar em meu propósito, sem querer desobedecer às ordens de meu Prelado, a quem atribuo todo respeito e acatamento.
In Christus Jesus, Pe Bartolomeu Fagundes”

Nexte texto singelo se resume todo amor e respeito que um legítimo obreiro pode manifestar por nossa Arte Real. Não deixa dúvidas: jamais nosso poderoso Irmão iria virar as costas à Loja. Estava disposto a pagar o preço por sua honrada postura. Dom Vital, então, cumpriu as ameaças. O Vigário Bartolomeu teve suas ordens e obrigações suspensas, apenas por ser ao mesmo tempo Padre e Maçom, uma vez que se recusou terminantemente a abandonar as Colunas de Hiram.

Mesmo afastado das funções eclesiásticas, nosso Irmão manteve sua atuação social e filantrópica na comunidade. As pessoas continuavam respeitando e dignificando sua conduta reta e iluminada, mesmo sabendo que não se alinhava, administrativamente, à Santa Sé. Jamais foi considerado um pecador ou herege, como poderia se esperar em um caso desta natureza. Sua voz e sua alma continuaram brilhando no árido agreste.

6 – CONCLUSÃO 
Em termos essenciais, todo ser livre de pensamento, abençoado pela luz justa e perfeita da sabedoria, defende os mesmos princípios. Estes advém das culturas primordiais, dos tempos ancestrais, e da religião verdadeiramente universal, sendo independentes da vontade manifestada de um ou outro soberano – seja do poder secular ou religioso.

A origem conceitual de todas religiões e das organizações fraternas com base iniciática é rigorosamente a mesma. Todas são entidades que elaboram, aperfeiçoam, difundem e defendem as idéias criadas pelos verdadeiros pais da filosofia e religiosidade, que atuaram em um passado remoto, em eras perdidas no tempo. Estes sábios-profetas traçaram, com esquadro e compasso, a retidão de conduta, as normas não-escritas e a obrigatoriedade de respeito mútuo que todos devem manifestar. Isto ocorreu há muitos milênios – talvez milhões de anos – atrás. A partir destes conceitos seminais as estruturas ordenadas e gerenciais que administram a fé foram se cristalizando.Quando pensamos nos atos praticados a partir do século I, ou nos anos de 1.717 e 1.738, estamos nos referindo à época de surgimento das ordens , das estruturas burocráticas e das institucionalizações dos protagonistas de nossa história.

A partir deste raciocínio entendemos que para saber se estamos contrariando uma regra formal de uma entidade, basta consultar os regulamentos escritos que estejam em vigência. Mas, se pretendemos saber se contrariamos uma norma essencial, temos que buscar o sentido dos verdadeiros conceitos intangíveis para chegar a uma conclusão. O Padre Bartolomeu descumpriu uma determinação da Igreja porque tinha certeza que agia de acordo com a verdadeira filosofia católica, emanada a partir dos fundadores da religião, não pelos desejos dos eventuais “gerentes”da fé.

Fica claro, analisando a história de vida de nosso padre-Irmão, que é perfeitamente possível a conciliação entre os papéis de religioso, seja qual for a vertente, e de obreiro da Arte Real. O fato de existir restrições “legais”, em determinados casos, não deve preocupar aqueles que tem a alma serena. Estas imposições, como vimos, se referem exclusivamente ao campo da materialidade dos regulamentos. Tais prerrogativas nada gerenciam em relação aos ideais advindos do conhecimento essencial, da linguagem do sagrado que se contrapõe ao profano, da luz que esfacela a ignorância.

Para honrar sua promessa formal de nunca trair a Maçonaria, respeitando piamente os princípios éticos e morais mais justos, nosso bravo pastor de almas sacrificou sua carreira e até mesmo uma vida inteira em nome de uma rara dignidade que só os verdadeiros iluminados podem demonstrar.

A saga do Vigário Bartolomeu deve ser respeitada, relembrada, e detalhamente estudada por todos Irmãos que realmente desejam conhecer a história de nossa Fraternidade. Com o passar do tempo, infelizmente, a poeira e o limo das sucessivas gerações insistem em relegar esta e outras maravilhosas histórias de nossa Sagrada Ordem ao nivel mais fundo do poço da indiferença e esquecimento. Esta tendência deve ser revertida, se desejamos preservar nossos princípios mais justos até o final dos tempos, em prol do aperfeiçoamento da sociedade.

Lutemos para que o sacrifício de nosso respeitável Irmão não tenha sido em vão, e que seu exemplo possa ser conhecido por todas as futuras gerações.

Carlos Alberto Carvalho Pires, M:.M :.
A:.R:.L:.S:. Acácia de Jaú – 308 Or:. de Jaú – SP, Brasil



REFERÊNCIAS:
1- Baigent, M & Leigh, R , “O Templo e a Loja”, Editora Madras, 2.006;
2- Benigno, I. “O Vigário Bartolomeu”, em Cadernos de Pesquisas Maçônicas 10, Editora Maçônica “A Trolha”, 1ª Edição, 1.995.
3- Benimelli, J. A. F., Caprille, G. “Maçonaria e Igreja Católica: Ontem, Hoje e Amanhã”, Editora Paulus , 4ª Edição, 1.981;
4- Campbell, J. “Máscaras de Deus – Mitologias Primitivas”, 7ª Edição, Editora Palas Athena, 2005;
5- Campbell, J. “O Poder do Mito”, 1ª Edição, Editora Palas Athena, 1990;
6- Código de Direito Canônico, Editora Loyola, 1ª Edição, 1.997;
7- Kloppenburg, D. B. “Igreja e Maçonaria: Conciliação Possível?”, editora Vozes, 5ª Edição , 2.000;
8- MacNulty W. K, “Maçonaria: uma Jornada por Meio do Ritual e Simbolismo”, Madras Editora, São Paulo, 2.006;
9- Robinson J.J., “Os Segredos Perdidos da Maçonaria”, Madras Editora, São Paulo , 2.005 ;


CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CONSTITUIÇÕES MAÇÔNICAS



No texto abaixo o Irmão Armando Ettore do Valle mostra, de forma brilhante, as diferenças filosóficas e doutrinárias existentes entre as Maçonarias Francesa e Inglesa.

Interessante notar que, mesmo sendo 200 anos mais antiga do que a Constituição de Anderson (inglesa), a Constituição Francesa de 1523 possui um caráter humanista, progressista e evolucionista em concordância com os anseios atuais da sociedade e com os princípios da igualdade humana, idéias que até mesmo hoje, em pleno século XXI, ainda não são totalmente aceitas pelos setores conservadores da sociedade.

A Constituição Francesa de 1523
A Constituição Inglesa, de Anderson, de 1723
A Constituição Prussiana, de Frederico II, de 1786

É muito interessante o confronto entre as duas Constituições Maçônicas, a Francesa, de 1523, e a Inglesa, de Anderson, de dois séculos mais tarde.

Na primeira, é o espírito latino, menos místico e mais rebelde, a mostrar-se inquieto pelos destinos da pessoa humana, lutando pela liberdade do pensamento e rebelando-se contra o privilégio das castas religiosas e da nobreza.

Na segunda, é o misticismo religioso, o “mosaísmo” na sua mais alta expressão, a obediência cega aos reis, à confusão, enfim, entre a teologia e a coisas temporais.

Na Francesa, a Maçonaria é um movimento filosófico ativo, universalista e humanitário, no qual cabem todas a orientações e critérios que tenham por objetivo o aperfeiçoamento moral e intelectual da Humanidade, sobre a base do respeito à personalidade humana.

Na Inglesa, a instituição é apenas um sistema de ordem moral, um culto para conservar e difundir a crença na existência de Deus; e é dentro desse princípio que se deve compreender a ajuda de seus membros para regular vidas e condutas, de acordo com os princípios da sua própria religião, seja ela qual for, desde que seja monoteísta.

A primeira, tornando livre a investigação da verdade, defendeipso facto a liberdade do pensamento e opta pela aplicação do método científico experimental na filosofia.

A segunda afirma que a Maçonaria é um culto fundado sobre bases religiosas, não admitindo livres-pensadores nem ateus, por melhores que sejam suas virtudes morais.

A Constituição Francesa é pela proibição absoluta de os clérigos das várias religiões se imiscuírem em assuntos políticos do povos.

Advoga a abolição das castas e dos privilégios da nobreza e do clero, e reconhece a livre determinação dos povos com o direito de se governarem livremente de acordo com suas leis e costumes.

Propõe a supressão dos tribunais especiais da justiça e do Santo Ofício, os quais devem ser substituídos pelos tribunais comuns, de acordo com as leis e costumes.

A Inglesa é omissa nesses pontos. A Francesa não proíbe que os seus membros adorem os deuses sem combate às religiões. Omite-as, deixando as concepções metafísicas ao domínio individual dos adeptos. A Inglesa impõe a crença em Deus, e obriga ao juramento sobre a Bíblia.

“É costume antigo – dizia a Constituição Francesa – não admitir como Franco-Maçons os inimigos naturais da Instituição, como sejam os clérigos das várias religiões, os portadores de títulos e privilégios da nobreza e do clero e os que possuem convicções contrárias aos princípios básicos da Franco-Maçonaria, salvo quando se rebelarem clara e francamente contra essas ideologias antagônicas dos princípios da igualdade humana”.

A Inglesa, pelo contrário, confere à nobreza os títulos mais altos da hierarquia maçônica. Aplacadas as lutas religiosas na França, e ressuscitado o movimento filosófico interrompido pelos desatinos da Contra-Reforma, a Maçonaria volta ao continente e retoma sua antiga forma expressa na Constituição de 1523.

Era a época da Enciclopédia e da propaganda do que devia ser mais tarde a grande Revolução Francesa.

Os emblemas da realeza são banidos dos rituais, e as formas religiosas introduzidas pelos ingleses cedem lugar a concepções racionalistas em que o caráter cívico da instituição se manifesta em toda sua pujança e magnitude.

Não há dúvida, a Maçonaria Francesa assume o seu lugar na vanguarda, penetrando profundamente na burguesia, sem descurar, contudo, o proselitismo entre a própria nobreza, que sentia desabar seu mundo de ilusões.

A reforma ritualística não agradou aos ingleses. Não agradou também aos alemães a quem não convinha uma França subversiva pelo receio do contágio de idéias tão perigosas.

A Instituição Maçônica, porém, progride e ultrapassa as fronteiras nacionais. Ao grito da França responde o eco em outros latinos.

Na Rússia, a grande Catarina constitui-se em animadora do movimento filosófico e, com o auxílio da princesa Dachokov, funda uma academia de literatura russa, convidando para inaugurá-la Grimm, Voltaire e Diderot.

O espectro da República torna-se então o pesadelo de Frederico da Prússia.

Não seria boa tática combater idéias novas com princípios rançosos. Catarina era perigosa e o brio dos franceses, indomável.

E Frederico pensou: “Se os ingleses mantiveram a casca e apenas fizeram restrições à polpa, por que não hei de eu aproveitar o arcabouço e torná-lo elegante aos olhos da própria França?”.

E foi assim que a 1º de maio de 1786, o Grande Frederico operava a sua reforma escocista: “Nós, Frederico, por graça de Deus, Rei da Prússia, Margrave de Brandeboure, etc. Soberano Grande Protetor, Grande Comendador, Grão-Mestre Universal e Conservador da Mui Antiga e Venerável Sociedade dos Antigos Maçons Livres e Associados, ou Ordem Real e Militar da Franco-Maçonaria, etc., etc. a todos os nossos ilustres e muito amados Irmãos espalhados pelo mundo: Tolerância, União e Prosperidade”.

Foi essa a primeira vez que alguém chamou de “ordem militar” a uma instituição que no pórtico das suas constituições inscrevia a Paz como princípio da Fraternidade entre todos os povos da Terra! Em todo o caso, Frederico mostrava-se muito mais hábil que os ditadores do Século XX.

Não destruía a Maçonaria, mobilizava-a, amenizando a sua intervenção com uma linguagem doce e até certo ponto compreensiva:

“A nossa intenção tutelar era mediar os meios e combinar com os Irmãos mais influentes e chefes da Fraternidade em todos os países aquelas medidas que fossem mais próprias das verdadeiras liberdades maçônicas, e particularmente a de opinião, que é a primeira, a mais suscetível, e de todas a mais sagrada”.

Isto posto, verificamos que essa reforma não encontrou eco entre os maçons ingleses.

Eles tinham a sua;

Era tão boa ou tão má que ainda hoje perdura.

Ir. Armando Ettore do Valle
Fonte: Weber Varrasquim/Blog
Postagem do Ir. Sérgio Rimmon


JOSÉ NO EGITO – A CONEXÃO MAÇÔNICA


“ E Judá, então disse aos seus irmãos: De que se nos aproveita matar o nosso irmão e ocultar sua morte? É melhor que se o venda aos ismaelitas, e que não se manchem as nossas mãos.” Gênesis, 37;25.

O hebreu José foi um jovem pastor inteligente, Que pelo Deus Altíssimo era bem considerado. Pois além de sábio tinha dons de um vidente, Que podia ver o futuro pela leitura do passado. Mas aos irmãos, que não tinham tal qualidade, Esse dom de José os constrangia como agravo. E com torpe inveja lhe perpetraram a maldade: A vis mercadores o venderam como escravo. Então José, para os seus, foi dado como morto, Mas nas terras do Egito, na verdade, ele crescia. Porque aos puros de coração Deus dá conforto. Assim José, jovem pastor vidente, filho de Jacó, Feito servo por maldade da sua própria família, Pela graça de Deus, tornou-se ministro do faraó. A Bíblia Sonetada A questão ideológica A história de José e seus irmãos é bastante emblemática porque faz parte de um enredo urdido pelos cronistas bíblicos para dar ao povo de Israel uma saga heroica e lógica, capaz de justificar todas as suas reivindicações como povo escolhido de Deus e legítimo possuidor da terra de Canaã, atual Palestina. Aliás, é a continuidade histórica das histórias bíblicas, com um livro dando seguimento e justificando o outro, que dá à esse livro a força que ele tem. Nenhuma outra literatura sagrada, de povo algum sobre a terra, conseguiu construir um processo tão bem estruturado em seus termos, quanto os israelitas com sua Bíblia. Não importa o quanto de verdade histórica possa existir nas narrativas que ela encerra, nem que a maioria de suas inspirações sejam originárias de outros povos, particularmente os sumérios e egípcios, de quem se acredita, os cronistas bíblicos emprestaram grande parte dos mitos e lendas com os quais construíram a sua história da criação e as bases da sua religião. A verdade é que a Bíblia judaica foi a primeira e única literatura dos antigos povos que construiu uma escatologia universal com começo, meio e fim, dando á humanidade uma modelo de universo inteligível e palpável, que tanto serve á uma mente mais preparada, que nela encontra uma fonte histórica de inegável utilidade, quanto ás mentalidades que só precisam de algo para acreditar, algo que seja simples e direto e que não exija muito fosfato para entender, mas apenas fé. Para estes basta que uma pessoa significativa para ela diga que Deus fez o mundo em seis dias e no sétimo descansou e que ele fez o homem do barro da terra e o animou com um sopro nas narinas, para que ele tenha a explicação das suas origens e pronto. Isso é tão verdadeiro para eles quanto o fato de que seu pai e sua mãe os geraram. Todo o resto é especulação inútil que nem merece ser comentada. Esse é o grande poder da Bíblia. Poder de convencimento. Poder da Palavra de Deus. Dogma, assunto fechado que não se discute. Ou se aceita que é assim ou não se aceita e pronto. E não adianta muito os pesquisadores ficarem levantando incongruências nas histórias bíblicas. Não adianta dizer, por exemplo, que a história de José e seus irmãos, provavelmente não é mais que um enredo literário urdido pelos cronistas bíblicos para mostrar como o povo de Israel deve ter imigrado para o Egito durante um período de seca na Palestina, e lá no vale do Nilo, acabaram se fixando e prosperando em razão de o Egito, naquela época estar sendo dominado por um povo conhecido pelo nome de hicsos, povo semita aparentado com os israelitas. Isso é história. O povo não acredita na história, mas na metalinguagem que foi desenvolvida para explicar os fatos. Isso é como diz o jornalista: se o mito é mais interessante que o personagem, publique o mito. Uma história comum É claro que a história de José, o jovem filho de Jacó, dotado de dons especiais, especialmente o de vidência, pode muito bem ter acontecido como a Bíblia conta. Afinal, nada existe de extraordinário nela. É uma história bastante comum. Numa família tão grande, onde os direitos de primogenitura são uma tradição que conta muito na hora da sucessão patriarcal, um irmão que tenha dotes tão diferenciados, ainda que seja um dos mais novos na linha de sucessão, é um perigo. A inveja, o medo, a prevenção, são sentimentos comuns á toda humanidade, e não é por ser um povo escolhido que a família de Jacó (Israel) não os tivesse. Conta a Bíblia que José, por ser um rapaz dotado de dons especiais, era amado por seu pai, Jacó, acima dos demais irmãos. Não só por seus dotes especiais, mas também por que era, junto com o caçula Benjamim, filho da sua mais amada esposa, Raquel. Os outros dez eram filhos de sua outra esposa, Lia e de suas concubinas. Assim, José e Benjamim, eram, na linha sucessória de Jacó (Israel), os únicos herdeiros legítimos, filhos da sua verdadeira esposa. Em razão disso seus meio irmãos o entregaram a uns comerciantes ismaelitas, os quais o venderam como escravo a um nobre egípcio que exercia importante função no governo daquele povo. Esse nobre se chamava Putifar e ele tinha uma jovem e fogosa esposa, que logo se apaixonou por José e quis levá-lo para a cama. Mas José era um sujeito de bons princípios e não era bobo. Ele sabia que se o seu amo descobrisse que ela andava dormindo com a mulher dele, nem Jeová o salvaria da morte. Então recusou, fugiu, fez de tudo para escapar do cerco que a sua ama lhe fazia.

Mulher desprezada é pior que homem que foi recusado por uma mulher: sua vingança, geralmente é mais cruel e mais sutil, pois que sempre vai além da mera violência, ferindo o homem naquilo que ele tem de mais precioso. No caso de José, a desprezada esposa de Putifar armou para ele uma farsa que acabou por atirá-lo numa prisão. Ela simplesmente o agarrou, rasgou as próprias roupas e gritou dizendo que José estava querendo estuprá-la. Diante da vergonhosa cena– José com a roupa rasgada da patroa nas mãos e ela seminua, gritando – não deu outra coisa. Era a palavra da patroa contra a palavra do escravo e José foi parar no calabouço. Todavia, conta a Bíblia que Jeová, o Deus de José e seu povo, não o deixou desamparado. Daí que ele encontrou no mesmo calabouço onde foi atirado dois ex-servos do próprio faraó, que ali estavam presos como ele, por terem cometido algum mal feito aos olhos do monarca. Um deles era culpado, outro era inocente. Ao culpado José profetizou que ele seria executado em breve, e ao inocente ele profetizou que seria logo solto e reintegrado em suas funções. Dito e feito, foi assim mesmo que aconteceu. Quando o sujeito foi reintegrado em suas funções de mordomo do faraó, este logo soube que o rei andava tendo uns sonhos estranhos que se repetiam noite após noite. Sete vacas magras devoravam sete vacas gordas, e sete feixes esquálidos de trigo, que saíram conjuntamente da mesma espiga com outros sete feixes grãos sadios, devoravam estes últimos. O Egito era sabidamente um país cheio de magos e adivinhos. Faraó mandou chamar a todos, e mediante promessas de gordas recompensas, pediu-lhes que interpretassem seus estranhos sonhos. Mas nenhum deles foi capaz. Então o copeiro chefe do Faraó, o mesmo que havia sido libertado da prisão e reintegrado em suas funções no palácio lembrou-se do prisioneiro José e de como ele havia interpretado os sonhos dele e do padeiro do Faraó na prisão. E de como havia acontecido tal e qual ele previra. O Faraó mandou chamar José e este deu a interpretação dos seus sonhos. “ Sete anos de seca e de fome por todo o país do Egito se seguirão a sete anos de abundância e fartura. Nesses sete anos de seca todos os bens acumulados nos sete anos de fartura serão consumidos e o Egito passará muita fome.” A interpretação pareceu muito lógica ao Faraó, pois essa situação já era conhecida no Egito, tendo se repetido ao longo dos séculos. Por isso os Faraós mais antigos haviam rasgado muitos canais e reservatórios por todo o país, para acumular água nos anos de estiagem do Nilo. E havia muitos celeiros de trigo pelo país, para guardar os excedentes de grãos das safras colhidas nos anos de fartura. Portanto, a interpretação do sonho, que José lhe dera, pareceu ao Faraó muito lógica, pois esse era um temor que havia no inconsciente de todo o povo egípcio, e o rei que não tomasse providências a esse respeito geralmente acabava perdendo o trono. Com isso, entretanto, o Faraó agradou-se tanto de José que fez dele o seu primeiro ministro. E José passou a ser a maior autoridade no Egito, só abaixo do próprio rei. Quando a seca começou, ela não atingiu só a terra do Egito. Atingiu também toda a região do Oriente Médio. Uma das regiões mais atingidas foi a Palestina, e mais propriamente a Terra de Canaã, onde vivia a família de José. Em toda a região, somente no Egito havia comida, pois nos sete anos anteriores de boas safras o primeiro ministro do Faraó havia conduzido uma política de poupança e acumulação de grãos, de forma que o povo Egípcio era o único que não passava fome na região e ainda exportava excedentes para os povos vizinhos, aumentando a riqueza do país. A história é bem conhecida. Um dia José recebeu a visita de seus torpes irmãos que o haviam vendido como escravo. Depois de submetê-los á algumas torturas morais ele os perdoou e mais que isso, trouxe a família inteira para o Egito, onde ela prosperou e se tornou um grande povo. A história, portanto, é bem comum e nada obsta que seja verdadeira. Evidências históricas e arqueológicas A história de José e seus irmãos no Egito sempre preocupou os pesquisadores porque nunca se encontraram referências históricas nos registros egípcios de uma imigração hebraica para o Vale do Nilo na época referida pela Bíblia. Considerando que os egípcios eram um povo que costumava registrar praticamente tudo que acontecia no país, é muito estranho que acontecimentos tão marcantes como esses da passagem dos israelitas pelo Egito não tivesse merecido um único registro na farta historiografia egípcia. A história de José e seus irmãos só começou a fazer sentido para os historiadores quando se começou a recensear o período em que os hicsos governaram o Egito. Esse povo era semita, portanto, eram aparentados com os israelitas (chamados habirus nos registros egípcios), e provavelmente falavam a mesma língua, ou algo aproximado. Maneto, sacerdote egípcio que viveu no terceiro século antes de Cristo e escreveu uma história do antigo Egito, fala desse povo como sendo uma onda de imigrantes palestinos que ocupou o Delta do Nilo sem batalha, mas por ter religião diferente, acabou destruindo cidades e “os templos dos deuses”, provocando matança e devastação. Eles se fixaram, em sua maioria, na região do Delta, e gradativamente foram ocupando todo o Vale do Nilo. Ao fim de dois séculos tinham conquistado todo o país. Sua capital era Aváris, no Delta do Nilo. Por volta de 1580 a. C. os egípcios se rebelaram, e comandados pelo rei de Tebas, Amósis, os hicsos foram finalmente expulsos do Egito. Diz o sacerdote Maneto que essa expulsão ocorreu sem sangue, e os hicsos deixaram o Egito com suas famílias e seus bens, tendo ido para a Palestina, onde construíram a cidade de Jerusalém. Essas referências se encontram citadas nos trabalho de Flávio Josefo (Contra Apião, Vol. I, pág. 73-105 § 14-6; pág. 223-232 § 25-6), embora ele conteste a versão do historiador egípcio pois este sugere que toda a saga dos israelitas no Egito, conforme escrita no Gênesis e no Êxodo foi, na verdade o período de ocupação dos hicsos, não existindo na sua opinião, nenhum Moisés e nenhum êxodo israelita dirigido pelo Deus de Israel.[1] Quanto a isso os pesquisadores levantaram que por volta de 1800 a.C, houve realmente uma grande onda migratória pacífica de povos do oriente para o Egito, pois aquela região passava por um período de seca e fome. A pesquisa arqueológica comprova a veracidade bíblica nesse ponto. Mas ela mostra também que esses imigrantes nunca foram bem vindos ao Egito, pois a literatura egípcia dessa época se refere a eles como os “vagabundos do deserto.” Ficaram confinados á região do Delta, e não lhes foi permitida a miscigenação com os naturais do país. Entre esses estrangeiros imigrantes devia estar a família de Jacó. No final do reinado do Faraó Amenemhet III (1843 a 1797 a.C.), o poderio do Império Egípcio começou a decair. Ao mesmo tempo, os povos semitas acantonados no Delta prosperavam e começavam a ameaçar a hegemonia egípcia. Em sucessivas guerras, esses povos (já então conhecidos como hicsos), acabaram derrotando os faraós da 13.ª Dinastia, cuja capital se situava perto de Mênfis, e assumiram o controle do Médio e Baixo Egito por volta de 1700 AC, o qual governaram por cerca de 100 anos. Maneto conta como isso aconteceu:”Havia então um rei nosso chamado Timaios. Foi no seu reinado que isso aconteceu. Não sei por que os deuses estavam descontentes conosco. Surgiram de improviso, homens de nascimento ignorado, vindos das terras do Oriente. Tiveram a audácia de empreender uma campanha contra nossa terra e a subjugaram facilmente sem uma única batalha. Depois de haver submetido nossos soberanos ao seu poder, incendiaram nossas cidades, destruíram os templos, os deuses, e todos os habitantes foram tratados barbaramente; mataram uma parte e levaram os filhos e as mulheres de outros como escravos. Por fim, elegeram rei um dos seus; o nome dele era Salatis; vivia em Mênfis e cobrava tributo ao Alto e Baixo Egipto; instalou guarnições em lugares convenientes… Escolheram no Distrito de Saís, uma cidade adequada para seus fins, que ficava à leste dos braços do Rio Nilo, junto a Bubaste, e chamaram-na de Aváris”. (Flávio Josefo, op citado pg, 543) Verdadeiro ou não, esse relato de historiador egípcio da antiguidade é a única referência, fora da Bíblia, aos acontecimentos ocorridos no Egito na época em que se supõe os israelitas viveram lá. Flávio Josefo contesta esse relato pois ele descontrói a saga heroica do Êxodo. Durante cerca de duzentos anos os hicsos dominaram o Egito com seus “reis pastores”, como os define Maneto. Em dado momento, a população estrangeira chegou a superar a egípcia. Ela estava concentrada mais no Delta do Nilo e constantemente fazia guerra aos egípcios, de quem seus reis exigiam tributos cada vez mais pesados. Provavelmente é a essa situação que a Bíblia se refere quando os egípcios diziam que “o povo dos filhos de Israel é mais numeroso e mais forte do que nós”.(Êxodo, 1:9)

O Mestre Hiram histórico? Por volta de 1580 a. C. o rei de Tebas, Seqenenre Tao II, iniciou uma revolta contra o domínio hicso, visando recuperar o controle do país. Esse faraó foi morto violentamente, supostamente á traição, por agentes hicsos. Um exame da sua múmia mostrou que ele fora morto a pancadas, pois seu crânio apresentava várias perfurações, como quem tivesse sido atacado de surpresa por objetos contundentes. Segundo os autores do livro “A Chave de Hiram” esse faraó foi o protótipo que teria servido para o mítico Drama de Hiram, representado pelos maçons na elevação para o terceiro grau, o grau de Mestre. Esse faraó, que teria sido responsável por grandes construções em Luxor e Carnac, foi submetido a um ritual de mumificação, cujos registros os aproximam bastante do ritual desenvolvido no terceiro grau da maçonaria, razão pela qual os autores em questão defendem a tese de que teria sido na morte desse faraó que os maçons oitocentistas se inspiraram para compor o estranho rito que é desenvolvido na elevação dos mestres maçons.[2] Quanto aos hicsos eles foram finalmente expulsos por Amósis I, em 1570 a. C. Essa expulsão, entretanto não foi pacífica, pois segundo os registros históricos ela custou dez anos de guerra. Expulsos finalmente os “reis pastores”, os estrangeiros sobreviventes que ficaram no Egito foram escravizados. Provavelmente é a esse episódio que a Bíblia se refere quando diz que “ levantou-se no Egito um novo rei que não conhecia José” e que esse começou a oprimir os israelitas com astúcia para que” sobrevindo contra nós alguma guerra, eles se unam contra nós, e depois de nos vencer, saiam do país”.(Êxodo, 1:10).



Nesse ponto o relato bíblico coincide com os registros históricos. É a partir da expulsão dos hicsos que os israelitas se tornam escravos dos egípcios e é possível que os cronistas bíblicos tenham se inspirado nesses fatos para compor suas crônicas do Êxodo. E talvez tenham também se apropriado dos registros da expulsão dos hicsos para criarem a famosa história da fuga dos israelitas pelo Mar Vermelho e todos os “milagres” relatados na epopeia do Êxodo. A conexão maçônica Mas tudo isso é pura especulação. O que fica dessa história de José e seus irmãos é o exemplo maçônico da mais pura fraternidade que nele se registra: aqui se ressalta o perdão (José perdoa a traição dos irmãos), a solidariedade (O Irmão que está em melhor posição ajuda os que não estão), o caráter sem mácula(que José mostrou ao não ceder á luxúria de sua ama) e a fé nos desígnios de Deus, que nunca abandona os que lhe são fiéis. E principalmente porque é dessa experiência no Egito que Israel se levantou como a primeira e verdadeira experiência maçônica no mundo. Como construtores de grandes edifícios eles se tornaram os antecessores da maçonaria operativa; e como arquitetos da moral da humanidade, eles conquistaram o direito de serem chamados pedreiros morais da primeira e única maquete da Ordem Social perfeita que já existiu sobre a terra. Exatamente o arquétipo no qual a Maçonaria se inspira para compor o seu arcabouço teórico. Tudo tem a ver, como se percebe, com a verdadeira Maçonaria, e por isso a relevância do tema.



Fonte: JB News

FÁBULAS, PARÁBOLAS, MITOS E LENDAS, NA VISÃO DE UM NOVO MESTRE E, ETERNO APRENDIZ



Em 23.03.2010 li no Jornal Diário Catarinense, gostei e guardei um texto intitulado “Aprender pela fábula”, do nosso querido Ir∴ João Anderson Flores, grande Professor e Psicólogo, que escreveu: “Quando professor no Instituto Estadual de Educação procurava ilustrar as aulas com fábulas de Esopo, Rabelais, La Fontaine, Pamchatantra e Trilow. Por meio de alegorias, o disfarce animal desempenha um duplo papel, um meio de colocar a distancia comportamentos humanos e sociais; desse modo, propiciando ao leitor/ouvinte uma melhor conscientização de seus mecanismos. Muitos estudiosos consideram Esopo o fabulista mais antigo que se tem conhecimento, ele era um escravo que viveu na Grécia no século “V” a.C., que com pequenas historias de animais, trazia em cada uma delas ensinamentos que visavam chamar a atenção, envolvendo Moral e ética. Esopo deixou ao longo da historia seguidores desta sua proposta de ensino e orientação, como foi o caso de Fedro que viveu no século “I” a.C.. Evidentemente que cada vez mais foram sendo enriquecidas essas e novas fabulas que continuaram a ser criadas com os mesmos objetivos como fez no século XVII o grande fabulista Frances, La Fontaine. Com certeza o Mestre João Anderson, conseguia transmitir lições de moral e aguçava com facilidade à mente daqueles jovens educandos que provavelmente aprendiam de forma mais facilitada à multiplicação daqueles conhecimentos tão necessários a formação dos seres humanos. Feita esta introdução, meu desejo mesmo é trazer para nossa reflexão uma boa discussão, entre fábulas, parábolas, mitos e lendas, que mesmo sabendo possuírem características diferentes, trazem em seu arcabouço final, grandes ensinamentos com possibilidades para nosso desenvolvimento. FABULA Sobre Fábula trago aqui um conceito deixado por nosso Ir∴ João Ivo Girardi da Loja Obreiros de Salomão número 39 de Blumenau (SC) quando da edição de sua peça de arquitetura “As fábulas de Esopo” no JBNews nº 1795 de 30.08.2015. Fábula: Historieta de ficção, de cunho popular ou artístico. Narrativa alegórica cujos personagens são geralmente animais, e que conclui com uma lição de moral. O espírito geral é realista e irônico. A temática varia: a vitória da bondade sobre a astúcia, da fraqueza sobre a força, a demonstração de piedade para com os que não a possuem, a derrota dos sabidos, dos presunçosos, dos orgulhosos etc. A fábula com esta característica literária simples e de fácil entendimento, utiliza-se como personagens, animais que pensam, agem e sentem como os seres humanos, com histórias que fazem analogias com a realidade humana, deixando sempre ao final alguma verdade, alguma lição de moral. “Como deixou registrado Fedro no século I d.C.: “A fábula tem dupla finalidade entreter e aconselhar”, reforçado por La Fontaine século XVII d.C., quando escreveu: ” A fábula é uma pequena narrativa que, sob o véu da ficção, guarda uma moralidade”. Um bom exemplo é a conhecida fabula “A raposa e as uvas” de Esopo que conta a história da Raposa que ao passar por um pomar com cachos exuberantes de uvas, fica desejosa de comê-las, todavia depois de várias tentativas desiste por não poder alcançá-las, de imediato como se estivesse desculpando ou consolando a si própria diz: “Na verdade não estão tão saborosas assim, acho que estão até estragadas”. Moral desta fabula: Ao não reconhecer sua limitação em alcançar aquelas maravilhosas uvas a Raposa com sua vaidade acaba determinando a si mesma um momento de infelicidade, assim como o individuo que ao não aceitar suas próprias limitações perde a oportunidade de corrigir suas falhas. Nosso Ir∴ Joào Ivo Girardi citado acima, complementa seu entendimento sobre esta fábula dizendo: Desprezar o que não se consegue conquistar é fácil. PARÁBOLA Já a Parábola que deriva do grego parabole significa “pôr ao lado de”, com o sentido de “comparar” ou “representar” alguma verdade ou um ensinamento, nela são utilizados variados elementos inclusive pessoas, para alcançar também uma lição ética através de uma linguagem simbólica, um gênero que foi muito utilizado por Jesus em suas pregações, ele que foi considerado o Mestre dos Mestres Nosso Ir∴ João Ivo Giradi na mesma peça arquitetônica já citada, nos oferece um fragmento conceituando Parábola, que com certeza enriquece este entendimento. Parábola: Narração alegórica na qual o conjunto de elementos evoca, por comparação, outras realidades de ordem superior. Distingue-se das outras duas formas literárias pelo fato de ser protagonizada por seres humanos. Vizinha da alegoria, a parábola comunica uma lição ética por vias indiretas ou simbólicas: numa prosa altamente metafórica Há dois mil e quinze anos atrás, Jesus por seus conhecimentos diferenciados dos homens da época, entendia que cada indivíduo possuía um estágio evolutivo diferente, utilizando parábolas para que cada um fizesse a sua própria interpretação dentro de sua capacidade de entendimento. Questionado certa vez por seus apóstolos por que falava com o povo através de parábolas, Jesus teria dito: “Porque a vós outros é dado compreender os mistérios do Reino dos céus, mas aqueles não lhes é isso concedido”. (Mateus 13,10-11). Minha percepção é de que Jesus teria deixado aos seus apóstolos o relato de que cada ser humano passa por diferentes estágios evolutivos, dependendo de seus esforços individuais para um entendimento mais efetivo e, até por isso existiam e existem interpretações diferentes para uma mesma orientação. Evidentemente que Jesus ao utilizar parábolas exigia do povo questionar a si mesmo para que tomassem suas próprias decisões, fazia-os raciocinar e se esforçarem para encontrarem o sentido, a essência do conteúdo da parábola, se assim não agissem não encontrariam a riqueza das histórias, ou seja, ouviam, mas não entediam o que alias, até hoje acontece e muito. Muitas parábolas poderiam ser lembradas para exemplificar esta nossa analise, todavia me ocorre uma muito interessante e que ficou conhecida como a parábola do “Grão de mostarda”, narrada mais ou menos desta forma: “O reino dos céus é semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo. Embora seja a menor de todas as sementes, quando cresce é a maior das hortaliças e torna-se árvore, a tal ponto que as aves do céu se abrigam nos seus ramos”. Na época de Jesus e na região em que vivia, a mostarda conhecida era a do tipo preta e sua semente era a menor semente existente, era realmente maravilhoso que uma semente tão diminuta de um vegetal viesse a crescer tornando-se uma árvore de cerca de três a quatro metros de altura capaz sim, de ter aves abrigadas em seus ramos. Entendo que Jesus buscou passar para o povo através desta parábola essa comparação entre o Reino dos Céus e o grão da mostarda, mostrava que como o diminuto grão crescia de forma sustentável e rápida tornando-se uma árvore frondosa, assim também era o crescimento espiritual daquele que tivesse a fé raciocinada e verdadeira. Ao plantar dentro de si a semente da fé raciocinada, o ser humano se eleva no campo das virtudes e, cresce suficientemente para atrair qualidades interiores que lhe permitirão mais amor, mais justiça e mais progresso. Assim somos nós maçons, sempre eternos aprendizes, voltados de forma constante à lapidação de nossa pedra bruta, construção e enriquecimento de nosso templo interior. Nossa Arte Real continuadamente busca conhecer o homem este grande desconhecido e, como diz Claudio Blanc em seu livro “O Grande Livro da Maçonaria” ao comentar no capitulo 7 sobre “As origens dos antigos mistérios” dizendo:

O objetivo da Maçonaria é, portanto, conhecer o homem, o eterno desconhecido, para que ele possa ser feliz. Nada mais maçônico, portanto, que os dizeres gravados há mais de 2.500 anos no pórtico de entrada do oráculo de Apolo, em Delfos, Grécia: “CONHECE A TI MESMO”. ”O PLENO CONHECIMENTO É A REALIZAÇÃO DO HOMEM”. Conhecer a si mesmo significa reconhecer a centelha divina que há no homem, aquilo que o filosofo alemão Scheling chamou de “O eterno em nós”. Quando o homem se conhece, ele busca a harmonização com o “Grande Arquiteto do Universo”.

MITO Desde os primórdios, o ser humano, ao olhar-se rodeado das benesses recebidas, os frutos, a caça, a pesca, a luz do sol, da lua, os ventos, as chuvas e, sem saber explicar as suas origens, mas consciente que eram oriundas de uma força superior, acaba criando mitos e ritos como agradecimento e respeito por estes bens recebidos. Assim podemos acreditar que o mito seja mesmo a mais antiga forma de conhecimento, de consciência existencial, e ao mesmo tempo até hoje é fator de buscas constantes de mecanismos que possam responder a todos nós, as razões de nossa existência. Nós maçons nos aproximamos desta idéia desde o momento em que lemos lá no ritual de 1º Grau no REAA, página 115 este fragmento: “Desde que o selvagem percebe que não existe por si mesmo, interroga a Natureza e faz render tosco, mas sincero culto a um Ente Supremo, que é o Criador do mundo”. No texto “Fábula, Lenda e Mito – teia de histórias” – acessado via site teiadehistorias.blogspot.com/…/fabula-lenda-e-mito-qual-diferenca.htm, descreve a função do mito: Sua função, por tanto é a descrever, lembrar e interpretar todas as origens e, como seja ela a do cosmo (cosmogonia), dos deuses (teogonia), das forças e fenômenos naturais (vento, chuva, relâmpago, acidente geográfico), seja ele o de causas primordiais que impuseram ao homem as suas condições de vida e seus comportamentos. O próprio significado de Mito corrobora com a afirmação acima, pois sua origem esta no Grego Mythos que significa narração, acoplado a dois verbos o mytheyo que é traduzido como contar, narrar e mytheo cujo significado é conversar e ainda no texto do site lemos que: “ Mito é em síntese a primeira manifestação de um sentido para o mundo”. LENDA Uma palavra de origem latina, cujo significado reflete-se na frase “o que deve ser lido”, são narrativas cheias de fantasias e que foi também transmitida de forma oral ao passar dos milênios, podemos até afirmar que o Mito como relatado anteriormente é um tipo de Lenda. Todavia, temos algo importante e que é um diferencial que deve ser realçado, para facilitar nosso entendimento: As lendas combinam fatos reais e históricos com fantasias ou fatos irreais cuja origem vem da imaginação do ser humano desde que foi dado a ele a capacidade de pensar e sonhar. Elas também serviram e servem para sustentar a nossa necessidade de acreditar em algo que possam nos auxiliar nas respostas aos nossos grandes questionamentos (nascer, viver e morrer) e, mesmo acalmar nossos momentos de dúvidas existenciais, muitos acreditam que as Lendas também tiveram e tem o poder de colocar ordem no caos, referente ao que a ciência ainda não aceita por não poder comprovar, principalmente no que tange ao mundo transcendental. Somos IIr∴ em uma entidade iniciática que nos ensina constantemente a prevalência do espírito sobre a matéria o que nos possibilita ter a visão de que nossa iniciação é sim um renascimento e sem dúvida alguma uma regeneração a este mundo de provas e expiações em que vivemos. Hoje tenho consciência de que a morte para o mundo profano quando de minha iniciação na Arte Real, representou meu renascimento para um novo mundo de luz e, de maior aproximação com o Grande Arquiteto.

Vejo que nós maçons aprendemos e muito, através de ensinamentos que contemplam sempre a maneira peculiar do ouvir, sentir e absorver através de Alegorias. Símbolos, Mitos e Lendas a oportunidade de colocarmos para fora a nossa essência interior.

Muitas são as Lendas Maçônicas cada uma trazendo riquezas e oportunidades de aprendizado, a Lenda da “escada em espiral”, por exemplo, possibilita maravilhas em termos de tomada de conhecimento e crescimento, verdade é que são centenas de elementos simbólicos e filosóficos que devemos estar sempre atentos atualizando nossos estudos e participando efetivamente da grande egregora de nossas sessões de onde ao meu entender emanam os mais puros ensinamentos.

Claudio Blanc em seu livro “O grande livro da Maçonaria”, deixou registrado que: “As lendas maçônicas, como os símbolos da fraternidade, são importantes alegorias da tradição da ordem, contendo em suas entrelinhas o conhecimento fundamental acumulado durante eras”, por este motivo reafirmo a necessidade de nós maçons estudarmos sempre e cada vez mais para termos a capacidade de retirar o véu das letras e absorver sabiamente os seus conteúdos.

Das Lendas maçônicas que poderia utilizar nesta minha peça arquitetônica optei por trabalhar ( sem precisar enunciá-la) já que todos nós a conhecemos, a Lenda de Hiram que encerra mostrando-nos que existe sim uma parte imortal em todos nós e, que assim como alimentamos constantemente o nosso corpo físico precisamos alimentar também de forma constante o nosso corpo espiritual, que nos faz pensar, agir e reagir, tomar consciência, avaliar e nos levar a sermos justos e perfeitos na busca de um mundo sempre melhor.

Esta importante Lenda, que representa o sentido maior do Terceiro Grau, tem como grande ensinamento o renascimento após a morte para uma nova vida ou como muitos chamam de ressurreição, de forma simbólica nos mostra que habita em nós uma parte que é imortal.

Podemos afirmar que o roteiro de nossa vida terrena é feita pelo processo ritualístico, cada momento é um rito de passagem, a cada novo dia ou a cada novo ano, nossa infância, mocidade, maturidade e terceira idade, estamos sempre vivendo um novo rito de passagem e é de nossa obrigação vive-los com dignidade, com responsabilidade e reconhecendo a necessidade de cada um deles como caminhada em busca da evolução e crescimento.

Assim deve ser entendida a morte em nossa iniciação quando recebemos a luz e, na Lenda de Hiram quando a superação da morte torna-se o grande ensinamento e, como sempre dizemos esta morte se torna simbólica para um renascimento moral e social.

Neste aspecto Claudio Blanc em seu livro “O grande livro da maçonaria” trás um fragmento de Albert G. Mackey que considero muito importante quando ele escrevendo sobre a Lenda do Mestre Hiram diz que o objetivo maior da lenda é :

(…) transmitir o simbolismo sublime da ressurreição da tumba e de um novo nascimento para uma vida futura. E que o homem quando atravessa os portões da vida e retira-se para a morte, ele será elevado “do tempo para a eternidade”

Ao concluir este pequeno estudo, entendo que o objetivo inicial proposto foi alcançado c, que através de fábulas, parábolas, mitos e lendas, seja qual for o instrumento literário, nós maçons estudiosos e responsáveis, sempre iremos retirar o véu das letras e nos aproveitarmos das possibilidades ali existentes para o nosso desenvolvimento.

Maçons que deixam a Maçonaria entrar neles com certeza saberá entender as fábulas e parábolas com suas riquezas de ensinamentos, mas é através de mitos e lendas que entenderão muito mais, pois é através destas figuras literárias que nossa Arte Real nos transmite doutrinas filosóficas, lembrando que para nós não existe o interesse de estabelecer fatos históricos ou verdades e, sim nos locupletarmos dos ensinamentos positivos para nosso desenvolvimento dentro da Maçonaria.

Como escrevi recentemente, para nós as verdades não são nossas grandes buscas, queremos sim aproveitar sempre os mecanismos que nos permitam viver e seguir em frente na buscas destas verdades, na Lenda de Hiram, por exemplo, queremos entender, absorver e ampliar cada vez mais o significado da imortalidade da alma.

Sejamos como Sócrates que sempre sustentou que o trabalho de um filósofo não é propor afirmações verdadeiras, mas favorecer o nascimento da verdade da alma do interlocutor. (Fragmento extraído da citação feita pelo Ir∴ Walter Celso de Lima em seu livro “Ensaios sobre Filosofia e Cultura Maçônica.

BIBLIOGRAFIA
BLANC, Cláudio – “O Grande Livro da Maçonaria” Revista editdada por “On line Editora” – São Paulo, 2013. GIRADI, João Ivo, M∴M∴ da Loja Obreiros de Salomão nº 39 do oriente de Blumenau (SC), Peça de Arquitetura “As fábulas de Esopo” extraída do JBNews nº 1795 de 30.08.2015
GOB – Ritual de 1º Grau – Aprendiz Maçom – REAA – 2009
Jornal Diário Catarinense de 23.03.2010 – Texto “Aprender pela fábula do Ir∴ João Anderson Flores, professor e psicólogo.
LIMA, Walter Celso de – Mestre em Ciências, doutor em Ciências e pós-doutorado e Professor – “Ensaios sobre Filosofia e Cultura Maçônica”- Editora Madras – São Paulo, 2012. Site, teiadehistorias.blogspot.com/…/fabula-lenda-e-mito-qual-diferenca.htm: “Fábula, Lenda e Mito – teia de histórias” – acessado em 21.10.2015.