sexta-feira, 25 de novembro de 2016


OS MONGES MAÇONS

Tradução José Filardo


Loja La Vertu de Clairvaux – 1786

Em 1786, bem dentro da Abadia de Clairvaux, localizada em Aube foi constituída uma Loja de 13 Irmãos Cistercienses, sob os auspícios do Grande Oriente da França. Que um grupo de clérigos pudesse montar uma Loja Maçônica pode, à primeira vista, parecer estranho quando sabemos da animosidade que existia entre o Catolicismo e a Maçonaria. Mas isso seria esquecer muito rapidamente a História …

Essa situação não é, de fato, excepcional nesse final do século XVIII, quando as bulas papais ainda não esvaziaram as lojas dos servos de Deus. Ela revela não uma fratura doutrinária ou ideológica, como muitas vezes é afirmado hoje, mas sim uma verdadeira convergência de ideias. Pouco antes da Revolução, a maior parte das lojas francesas praticava uma Maçonaria exclusivamente orientada para o aperfeiçoamento do homem através do trabalho, e cuja base repousava sobre as três virtudes teologais que são a Fé, a Esperança e a Caridade. Somente a Maçonaria do tipo anglo-saxão continua hoje a manter esse ternário como um pilar fundamental da metodologia maçônica.

Extrato da correspondência endereçada ao Grande Oriente da França, pelos monges cistercienses:

Ao Or.´. de Clairvaux, lugar muito forte e iluminado onde reina a Igualdade, a Paz, a União, o Silêncio e a Amizade, no quarto dia do segundo mês do ano da V.´. L.´. 5785,

Ao Mui Respeitável, Sapientíssimo, Esclarecido e único legítimo G.´. Or.´. de França

Nós estávamos na escuridão da irregularidade; para sair, nós nos dirigimos à R.´. L.´. Union de la Sincérité no Or.´. de Troyes, para que ela nos forneça através de seus raios luminosos os meios para alcançar o caminho que conduz a via do augusto centro tribunal dos verdadeiros maçons; por conseguinte, no quinto dia de abril no ano da V.´. L. `. 5785, traçamos uma prancha que endereçamos a essa R.´. L.´. para envolver os IIr.´. que a compôem a visitar nossos trabalhos e nos indicar a qualidade dos materiais necessários a empregar para fundar o templo que queremos erigir. Esses RR.´. IIr.´. tendo nos feito esse favor e impactados pelo brilho deste primeiro raio de verdadeira Luz, eles nos inspiraram ainda mais o desejo de nos submetermos às Leis e regulamentos de vosso ilustre Areópago; já submetidos de coração e afeto às leis da sabedoria e virtude, aspiramos a felicidade nos engajar por um juramento irrevogável, podeis vós, Mui R.´. IIr.´. nos considerar dignos desse favor, podeis perdoar a irregularidade do nossos primeiros trabalhos, podeis vós, saciando nossos votos, completar nossa felicidade; nós vos exortamos a que se dignem de conceder seus santos votos, dignai vos de aceitar as homenagens de nossa submissão aos seus respeitáveis decretos e constituições que emanam de seu augusto tribunal, dignai-vos de nos agregar aos verdadeiros maçons.

Nós vos pedimos confirmar o título da Loja Vertu; este não é um título desprovido de realidade, nós o gravamos em nossos corações e nossos trabalhos estão sob garantia, ousamos esperar que favoráveis aos nossos desejos vós possais aceitar como nosso Deputado junto ao vosso tribunal o Mui Q.´. Ir.´. Jean Eustache Peuvert, funcionário do Parlamento em Cais d’Orleans, confiantes de que teremos nele um sólido apoio; se puderem em sua sabedoria considerar nossos desejos …

Muitos comentaristas viram no nascimento, mas também na vida tumultuada e efêmera dessa Loja, apenas os conflitos entre visão secular da Maçonaria e a visão secular da religião, a origem daquilo que foi na França um verdadeiro trauma espiritual.

Eles esquecem de enfatizar que as Ordens monásticas são dentro da Igreja Católica bem mais do que apenas ordens religiosas. Elas são uma Ordem dentro da Ordem, porque elas derivam sua identidade em uma história muito mais profunda e mais antiga que a sua assimilação pela Igreja de Roma. Elas eram desde tempos imemoriais, os atores operativos e econômicos de seus territórios, um pouco como também o eram as corporações de construtores antes do advento da Maçonaria.

A busca pelas virtudes teologais foi por muito tempo e quase até a recente generalização do Rito Escocês Antigo e Aceito e do Rito Francês (moderno) pela Maçonaria continental, o primeiro objeto da busca maçônica. Apenas o nome e o “logotipo” de certas Loges atuais lembram essa realidade esquecida.

Portanto, não é surpreendente descobrir que trabalhadores apaixonados pela espiritualidade pudessem tentar completar a sua busca por outros meios que não fossem uma religião dogmática, para emancipar as virtudes essenciais da Escada de Jacó que conduz aos mesmos sonhos da maçonaria, menos religiosos de hoje: a paz e a emancipação social.

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Fontes: 

As mais belas páginas da Maçonaria francesa

Institut maçonnique de France – Dervy 2003

Biografia: 

La Loge de la Vertu à l’Orient de l’Abbaye de Clairvaux (1785-1789)

Pierre Chevallier

Mémoires de la Société Académique de l’Aube

Internet:


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quinta-feira, 24 de novembro de 2016


INTRODUÇÃO A ARTE REAL - ESTUDOS MAÇÔNICOS



Autor: João Anatalino (Livro: Conhecendo a Arte Real)


“ Na verdade, duvido que haja para o ser pensante momento mais decisivo do que aquele em que, caindo-lhe a venda dos olhos, ele descobre que não é um elemento perdido nas solitudes cósmicas, mas que é uma vontade de viver universal que nele converge e se hominiza.”
Teilhard de Chardin

Houve um tempo na existência do universo, em que as estruturas da terra e do céu eram ligadas entre si de forma tal que não se podia distinguir umas das outras. Foi uma época em que homens e deuses partilhavam dos mesmos atributos, cada um cônscio de suas funções e responsabilidades para com a manutenção da ordem e do equilíbrio no cosmo.

Naquele tempo, tudo estava em tudo, não havia distinções de espécie alguma, o que existia no céu era igual ao havia na terra, o que estava em cima era igual ao que estava em baixo, o dentro e o fora eram indistinguíveis, o sagrado e o profano, o bem e o mal, a luz e as trevas, todos os contrários eram apenas verso e reverso de uma moeda única.

Num universo assim composto, a dialética universal aparecia apenas como uma forma pela qual a Energia dos Princípios podia agir para a construção do real existente, unificando pela ação dos contrários a força interativa que dá vida ao cosmo. A idéia inscrita no vocábulo universo queria dizer exatamente o que o termo indica, ou seja, o único, o indivisível, a versão singular e original do pensamento divino, manifestado como realidade em multifacetadas formas, infinitas identidades, mas todas ligadas, indistintamente, ao seu Principio Criador.

Os livros sagrados das diversas religiões e as tradições de todos os povos da terra evocam essa época mágica em que os deuses falavam com os homens face a face. Do Extremo Oriente nos vem a lenda dos Senhores de Dzyan, iniciadores da civilização humana, e dos gigantes de cabeça redonda, detentores de outro saber, que viveram na terra antes do dilúvio. Restos dessa civilização ainda podem ser encontrados nas crônicas bíblicas e nas lendas e tradições dos hindus, dos tibetanos, dos incas e dos astecas, e em muitas outras memórias, nas mais diferentes culturas que existem e já existiram sobre a face da terra.

A Bíblia também nos fala desse tempo em que os homens viviam centenas de anos, tinham estaturas imensas e suas filhas se juntavam aos anjos para gerar guerreiros audazes; evoca também a lembrança do paraíso terrestre, onde a criação celeste e humana convivia sob os olhares de deuses benignos e protetores. Do Egito á Mesopotâmia, da Índia á China, dos indígenas da Polinésia aos esquimós, todas as tradições recordam, de certa maneira, a memória de um mundo que vivia em paz, unificado por dentro e por fora, indistinto entre suas estruturas, perfeito em todos os sentidos, obedecendo apenas ás leis da constituição universal, posta na natureza por obra e graça do Grande Arquiteto do Universo.

A Atlântida e a Lemúria, a Tule sagrada das lendas, o Jardim das Hespérides, o Éden bíblico e o mítico país de Xangrilá, todos esses mitos grandiosos serão apenas desejos inconscientes, resultantes da ansiedade humana de encontrar, em algum lugar algures, ou até dentro de si mesmo, um refúgio onde se possa descansar da árdua tarefa de viver, ou terá mesmo existido em algum tempo, como realidade física, esse reino de tranquilidade e paz? Jamais o saberemos, mas, para que tal experiência tenha sido registrada na memória coletiva da humanidade, e de tempos em tempos reapareça como uma esperança utópica, é preciso que, de alguma forma, tal lugar tenha de fato existido.

Os homens, em todos os tempos, sempre sonharam com utopias. Do Egito dos faraós, governado pelo Principio da Maat, á República de Platão, governada pelos sábios, ao império de Açoca, com sua política orientada pelos Nove Desconhecidos, ás utopias de Thomas Mórus e Tommaso Campanella, governada pelos Notáveis, a mente humana sempre convergiu para a idéia de um estado perfeito de ordem, harmonia e felicidade, onde o divino não conflita com o humano e o sagrado e profano se harmonizam.

As utopias sempre frequentaram os sonhos da humanidade como esperança de implantação, na terra mesmo, daquele paraíso que as religiões prometem para o outro mundo. Para realizá-las os homens geralmente se reúnem em grupos, cujos elementos são cooptados pela convergência de interesses comuns ou de atributos pessoais. Dessas uniões acabam por surgir castas, guildas, associações, clubes, confrarias, partidos.

No antigo Egito, os principais santuários abrigavam diferentes castas de sacerdotes, reconhecíveis por seus graus de iniciação nos mistérios da religião. Eram esses Mestres que detinham, praticamente, o poder, pois no estado egípcio não havia uma separação entre o político e o religioso. Da mesma forma, vamos encontrar esse tipo de organização no estado que Moisés organizou para os israelitas. Entre aquele povo havia os Levitas, classe sacerdotal que detinha o monopólio do exercício litúrgico, e, em razão disso, acabava também por exercer o poder político, pois este, como no Egito, se confundia com a religião. Na Índia conta-se a história do Imperador Açoca, monarca que no século III a. C., reinou num vasto território que ia desde as atuais cidades de Calcutá a Madrasta. Esse rei, após ter sido convertido ao Budismo, desejou fazer de seu reino um lugar onde todas as pessoas pudessem desfrutar de segurança, paz, liberdade e felicidade. Para isso imaginou um meio de fazer com que os homens fossem impedidos de usar suas inteligências para o mal. As ciências e todo conhecimento técnico existente na época eram controlados pelo Estado, através de uma sociedade secreta conhecida como os Nove Desconhecidos. Essa sociedade ainda hoje orientaria a pesquisa e a utilização do saber naquele país, com ramificações em todo o mundo. Liberando uns e ocultando outros, agindo sempre de forma a impedir que determinadas descobertas, prejudiciais á humanidade, sejam divulgadas, essa Comunidade de Sábios exerceria uma espécie de controle sobre o saber humano, evitando que o equilíbrio mundial se rompa pela sua má utilização.

Na Grécia clássica os filósofos sempre arrogaram para si o monopólio da sabedoria, e nessa condição se tornavam preceptores de príncipes, reis e outros potentados. Com isso se colocavam sempre próximos ao poder político, e mesmo não o exercendo diretamente, acabavam por fazê-los nos bastidores. Com raras exceções, todos esses sábios eram iniciados nos Mistérios de Elêusis, da mesma forma que no Egito a elite se formava nas disciplinas dos Mistérios de Ìsis e Osíris.

No inicio do cristianismo se desenvolveram as seitas gnósticas. Ora formando seitas religiosas, ora desenvolvendo grupos de pensamento semelhantes ás antigas escolas gregas, esses filósofos heréticos legaram á história do pensamento universal algumas das concepções mais originais acerca da tradição iniciática que sempre acompanha a idéia da utopia. Desses cultores do cristianismo esotérico, certas Ordens de Cavalaria, especialmente os Templários, os Hospitálários e os Cavaleiros Teutônicos herdaram a aura de misticismo e mistério que sempre acompanhou as sagas desses “Cavaleiros de Cristo”. Se pesquisarmos a história oculta dessas instituições, encontraremos sempre uma ideia, conectada de um lado á uma tentativa de realização política, e de outro á uma esperança de ascensão espiritual; e que uma e outra podiam ser alcançadas através da segregação do saber em pequenos grupos e da prática iniciática para a sua divulgação.

O reino ideal do espírito nunca pode ser separado da ordem social perfeita, e a idéia da utopia integra essas duas estruturas organizacionais, sendo impossível a realização de uma sem que a outra também seja buscada. Na Renascença, filósofos como Giordano Bruno, Thomas Mórus e Tommaso Campanella, entre outros, compartilharam dos mesmos sonhos que alimentaram o espírito do Imperador Açoca, dos sacerdotes egípcios e dos filósofos gregos. O primeiro criou um grupo de pensadores dedicado ao estudo das ciências ocultas, chamado os Novos Atlantes, que segundo ele, deveria manter, desenvolver e transmitir, de uma forma segura, a verdadeira sabedoria; o segundo imaginou uma sociedade ideal, confinada numa ilha imaginária, livre de dogmas religiosos e preconceitos de classe, onde os cidadãos viveriam virtuosamente, cultivando a justiça, a moderação, a sabedoria e a tolerância. Campanella imaginou a Cidade Mágica do Sol, onde ele seria sumo sacerdote e profeta, e o governo exercido por uma plêiade de sacerdotes detentores da totalidade do conhecimento universal. Campanella chegou mesmo a lutar por seu sonho, organizando uma revolução na Calábria, em 1598, com a intenção de implantar ali a sua utopia.

Em 1622, uma Paris comovida tomou conhecimento da existência de uma fraternidade de magos, cujos membros se diziam detentores dos grandes segredos do universo. Essa fraternidade se intitulava Os Irmãos da Rosa-Cruz. Diziam ser membros de uma sociedade internacional e secreta, que reunia os homens de saber em todo o mundo, cooptados para trabalhar pela “libertação do homem de seus erros e vícios mortais”. Depois se descobriu que tudo não passara de uma farsa genial, perpetrada por um grupo de alquimistas alemães, talvez para atrair a atenção para seus trabalhos, ou para ocultar, sob uma capa de mistério, uma prática condenada e reprimida pelo pensamento religioso oficial. De qualquer modo, farsa ou não, a pretensa sociedade dos Irmãos da Rosa-Cruz inseriu-se na história do pensamento ocidental e nele exerceu enorme influência, dando origem á uma extensa atividade cultural com esse nome e servindo, inclusive, como núcleo arquetípico para o desenvolvimento de outra sociedade que marcou e ainda marca profundamente a História dos povos do mundo, que é a Maçonaria.

A formação seletiva de grupos para a realização de um ideal comum é uma prática que vem desde os primórdios da civilização. Esses grupos se formam por cooptação, escolhendo seus membros no seio da sociedade, justamente pela convergência que encontram entre seus interesses, sejam eles profissionais, religiosos, filosóficos ou mesmo econômicos ou políticos. A partir dessa reunião, formam-se sociedades que podem manter em segredo suas atividades ou não. É dessa forma que nascem partidos políticos, sociedades literárias, clubes de serviço, seitas religiosas, e também confrarias do tipo Maçonaria, que não se identifica com nenhuma delas, embora delas todas empreste características.

Como instituição, a Maçonaria só passou a existir no inicio do século XVIII, a partir da constituição que lhe foi dada pelos maçons ingleses, liderados pelo pastor anglicano James Anderson. Mas antes disso, os maçons já se reuniam em Lojas para praticar alguma coisa parecida com a ideia que anima todas as tradições de utopia. O que era essa Maçonaria anterior ás Constituições de Anderson? Como eram os maçons operativos que construíram as grandes catedrais medievais, e depois, os especulativos que os sucederam? As Constituições de Anderson apareceram em 1723 como exteriorização da Ordem maçônica, dando ao mundo a idéia de que a Confraria dos Obreiros da Arte Real era uma instituição universal, unificada em suas práticas, em sua filosofia e em seus objetivos. E como bem dizia Langlóis, essa visão da Maçonaria correspondia exatamente á estrutura política da Inglaterra dos inícios do século XVIII, onde a liberdade não era um mero anseio e o liberalismo econômico rompia as barreiras sociais, linguísticas e religiosas, alargando os horizontes geográficos e intelectuais. A Inglaterra do início do século XVIII era a pátria de todos os espíritos que sonhavam com a liberdade e com o fim das mazelas sociais. Por isso não é estranho que a secularização da prática maçônica tenha surgido exatamente entre os maçons ingleses, como forma de realização de um sonho que antes medrava apenas em alguns espíritos, como esperança de realização ascética do individuo, mas não como projeto de uma humanidade mesmo. O que terá acontecido para fazer com que filósofos racionalistas, como Voltaire e Montesquieu, por exemplo, ou religiosos ortodoxos, como os pastores Anderson e Désaguliers, se associassem com o jacobita André Michel de Ransay, amigo do Bispo Fénelon e da família de Godofredo de Boillon, o místico comandante da primeira cruzada, para disseminar pela Europa toda uma prática, considerada como herética pelas religiões oficiais?
A Maçonaria anterior ás Constituições de Anderson era uma prática para-religiosa que se confinava a alguns grupos de pessoas sensíveis ao apelo do esotérico, contido na mensagem da arquitetura, e da filosofia que ela inspirava. Com efeito, para os maçons que antecederam a fusão das Lojas londrinas, a arquitetura era uma mensagem dos deuses, inteligível apenas aos espíritos sensíveis que acreditavam na unidade do universo e se viam como “construtores do espírito”, repetindo na atividade especulativa aquilo que seus antecessores medievais haviam feito operativamente. Os maçons operativos, pensavam estes novos “pedreiros morais”, haviam deixado a mensagem divina na linguagem das pedras e nas formas estruturais da catedral gótica e dos grandes edifícios públicos. A sabedoria arcana (a sabedoria secreta) fora inscrita em símbolos, representados por ogivas, arcobotantes, estranhas figuras de anjos, gárgulas e vampiros, colunas, pináculos e abóbodas, tudo constituindo uma verdadeira enciclopédia do saber universal só inteligível aos iniciados.

Fulcanelli diz que a arte gótica (art goth) é uma deformação ortográfica do vocábulo argot, que significa “linguagem particular”, ou língua falada através de alegorias. Seria, outrossim, uma espécie de Cabala falada, derivada da tradição dos argonautas, os míticos caçadores do famoso Tosão de Ouro da lenda grega. Essa mensagem argótica continha uma sabedoria mil vezes milenária, que dizia, em seus meandros, que o espírito e a matéria constituem uma realidade só, que a luz se oculta nas trevas, que o universo é um edifício único que se constrói da mesma forma que o espírito humano é construído, e ambos se edificam pelo mesmo processo que as construções humanas são erguidas. Os maçons de antanho eram, portanto, os filósofos da construção universal, cuja mensagem era transmitida através da prática operativa, e quem conhecesse a língua argótica poderia aprendê-la estudando as estruturas dos edifícios sacros e profanos construídos pelos maçons medievais. Por isso, diz Fulcanelli, “ ainda hoje se diz de um homem inteligente e muito astuto: ele sabe tudo, entende o argot. Todos os iniciados se exprimiam em argot, tanto os vagabundos da Corte dos Milagres ─ com o poeta Villon á cabeça ─ quanto os freemasons ou franco-maçons da Idade Média, “hospedeiros do Bom Deus”, que edificaram as obras-primas argóticas que hoje admiramos”.

A Maçonaria que emergiu da Reforma religiosa é muito diferente da que era praticada nas antigas corporações de obreiros medievais. Ela é filha da necessidade política e do desespero filosófico de uma sociedade que procurava desesperadamente uma saída espiritual para o impasse que a religião, com o cisma da Reforma, a lançara. Com efeito, há muito que arte gótica e as grandes construções medievais, sacras e profanas, já haviam deixado de hospedar em suas curvas, nichos, abóbodas, ogivas, vitrais , figuras e capitéis, a antiga ciência dos freemasons. E há muito, também, que a mística tradição de buscar a ascese espiritual através da prática do oficio de construtor havia desaparecido. Os novos construtores, embalados no ideal da Renascença, haviam perdido o elo com o espírito, para se concentrar na beleza idealizada na razão, bela sim, harmoniosa sim, perfeita nas formas e nas estruturas, mas tão pouco espiritualizada em sua mensagem, pois ali não mais se percebia a mística dos antigos irmãos “hospedeiros do Bom Deus”.

Podemos dizer que a Maçonaria, a partir do momento em que ela foi secularizada (hospedando uma instituição civil com personalidade jurídica de âmbito mundial ), transformou-se numa idéia utópica tanto quanto o eram as criações de Platão, Campannela, Giordano Bruno, Thomas Mórus e outros. Conquanto suas ações tenham repercutido na história recente da humanidade, influindo sobremaneira na formação dos estados modernos e orientando o viver de muitas sociedades, a esperança que a anima, como a daqueles antigos filósofos, é a mesma: construir a sociedade perfeita, harmônica, justa, fundada nos ideais estéticos da antiga sabedoria grega e egípcia, temperada pelas virtudes do cristianismo e embalada na moral iluminista. Nesse sentido, as Lojas maçônicas deveriam funcionar como cadinhos de alquimista, onde a “matéria prima” dessa nova pedra filosofal seria artisticamente trabalhada para se obter “pedras de sustentação” angular, como aquelas que sustentavam os edifícios de antigamente. Não se contesta, neste trabalho, o fato de que a Maçonaria, dita especulativa, tenha nascido dentro das Lojas de maçons operativos. A respeito disso vamos colocar a nossa hipótese. Mas acreditamos que essa filiação não aconteceu de forma direta, como conseqüência da transformação das corporações obreiras medievais (as guildas dos pedreiros livres) em sociedades de pensamento.

Para nós, a Maçonaria especulativa não é mera adaptação da Maçonaria operativa, isto é, os “pedreiros morais”, como gostamos de chamar os maçons especulativos, não provém de uma herança direta dos pedreiros profissionais da Idade Média, mas sim de uma organização paralela que nasceu dentro das corporações obreiras dos profissionais de construção, porém com objetivos diferentes. A tese de que houve uma passagem pura e simples do plano operativo para o especulativo é uma simplificação que nunca nos satisfez. Acreditamos que vários grupos de pensadores esotéricos coexistiram concomitantemente com as Lojas dos maçons especulativos, e em dado momento se fundiram. Essa fusão deve ter acontecido ali pelos meados do século XVII, como resultado de uma aproximação de objetivos e uma similitude de pensamento, que á medida que a repressão religiosa ia aumentando, os ia forçando a se associarem para garantir suas sobrevivências.

As antigas tradições, presentes nas “Velhas Regras” (as Old Charges) não tratam de temas gnósticos e alquímicos, nem integram motivos cavalheirescos. Mas devemos ter em mente que as Old Charges são regras que dizem respeito unicamente á Maçonaria inglesa. Não valem para as antigas Lojas operativas do continente, que certamente deviam ter suas próprias ordenações. Destas pouco sabemos, mas é certo que mantinham a tradição iniciática e incorporavam motivos filosóficos e morais que visavam, ao mesmo tempo, realizar obra profana de interesse estético e obra espiritual de interesse ascético. Parece que foi nas lojas do continente que a filosofia gnóstica e a ciência dos Filhos de Hermes (os alquimistas) se fundiram com as tradições dos construtores de igrejas, criando uma nova escola de pensamento. Daí essa escola voltou para a Inglaterra, onde, cerca de um século mais tarde se adotaria a moral propagada pela corrente Iluminista, resultando no que hoje chamamos de Maçonaria Especulativa.

Da mesma forma, a interação entre a Maçonaria e as tradições cavalheirescas, oriundas dos cruzados, só começou a ser aventada a partir do século XVIII. Sabe-se, aliás, que foram exatamente os autores maçons que criaram a grande maioria das lendas e mistérios ligados aos Cavaleiros Templários. E que foram eles, também, que ligaram os Templários á Maçonaria, sugerindo ser a Confraria dos Obreiros da Arte Real uma espécie de herdeira das tradições daquela Ordem, dissolvida pelo Papa em 1312. Como os Templários, os Hospitalários e as demais Ordens de Cavalaria se interaram com os maçons especulativos é uma história que ainda não foi contada, mas é possível formular algumas hipóteses, o que faremos no decorrer deste nosso exercício semiótico. O que fica patente é que tal interação ocorreu, porque a influência da cultura cavalheiresca transparece claramente nos rituais maçônicos. Essa influência só é percebida a partir dos chamados graus superiores, particularmente os graus capitulares e filosóficos. Nas chamadas Lojas simbólicas ela só transparece, de forma bastante sutil, em alguns atos litúrgicos da iniciação, como o ato de tocar com a espada o iniciando para recebê-lo como aprendiz maçom ou elevá-lo de grau, por exemplo. Isso se explica pelo fato de que, provavelmente, a antiga Maçonaria só praticava os graus simbólicos, já que os graus superiores foram desenvolvidos somente a partir da secularização das tradições maçônicas, empreendida por Anderson e seu grupo.

A Maçonaria de que falamos é aquela praticada através do chamado Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA). Não temos conhecimento suficiente dos demais ritos para dizer de que influências foram compostos. O que sabemos, pela leitura dos rituais dos diversos graus, é que o Rito Escocês é uma composição litúrgica, filosófica e didática, que procura transmitir uma espécie de humanismo cristão, temperado por um forte apelo esotérico. Essa transmissão é feita através de alegorias, emprestadas á tradição hebraica veiculada pela Bíblia Sagrada, e interpretadas á maneira dos gnósticos antigos e modernos. Nessa composição entram motivos cavalheirescos, inspirados principalmente nos Cavaleiros Templários, Hospitalários e Teutônicos, juntamente com alusões á prática alquímica.

Mas foram a filosofia gnóstica e a grande tradição da Cabala que forneceram á Maçonaria a maioria dos temas que são desenvolvidos em seus rituais. Foi, aliás, através dos filósofos dessas duas tradições místicas que tomamos conhecimento dos grandes mitos da antiguidade, oriundos das culturas egípcia, persa, caldéia e grega principalmente, que a Maçonaria adotou em seus rituais. O conhecimento dos dramas de Isis e Osíris, os Mistérios de Elêusis e os Mistérios de Mitra, que forneceram a base na qual a Arte Real se fundamentou para desenvolver sua própria cadeia iniciática, são oriundos de ensinamentos gnósticos e cabalísticos.

O próprio Mito de Hiram, como veremos, foi desenvolvido por esses heréticos do cristianismo, que foram os gnósticos. Não é sem razão que as confissões religiosas oficiais olham com desconfiança para a Maçonaria. Afinal seu caráter é, sem dúvida bastante ambíguo. Não sendo seita religiosa nem escola de filosofia, ela ás vezes confunde seus próprios praticantes por hospedar características das duas instituições. Ao veicular uma idéia da divindade que se aproxima bastante das escolas gnósticas, ela se identifica com qualquer uma daquelas seitas religiosas. E ao propugnar que a sabedoria, e por conseqüência, a iluminação, só obtém pelo exercício da razão, ela se identifica como escola de pensamento. E da mesma forma que naqueles antigos núcleos do pensamento cristão alternativo, se torna difícil ao estudante da prática maçônica distinguir quando seu catecismo está tratando o tema da relação homem-divindade de uma forma religiosa ou simplesmente filosófica.

É bem verdade que a Maçonaria é fundamentalmente antidogmática. Somente essa proposição já seria suficiente para desclassificá-la do rol das religiões. A liberdade de pensamento seria um outro postulado que a afastaria dessa classificação. Todavia, algumas ambigüidades ainda persistem e nos colocam algumas questões que não foram resolvidas, pelo menos em nossa visão. Algumas delas foram postas pelo próprio Anderson ao chamar o homem sem religião de ateu estúpido, ou o livre pensador de libertino irreligioso. Pois se a liberdade de pensamento significa inclusive a liberdade de se não acreditar em Deus, ou a liberdade de pensá-lo da forma que a sensibilidade de cada um o figurar, então não há que se colocar limitações ao pensamento, sujeitando as pessoas á uma “religião sobre a qual todos os homens estão de acordo”, segundo ele diz, como se existisse uma religião assim no mundo.

A liberdade de pensamento não pode ser direcionada apenas para nichos específicos da cultura humana, mas deve abarcar todos os domínios, inclusive religião. Até porque é este segmento da cultura humana que mais mata e divide os homens.

A conclusão a que chegamos neste trabalho é mais importante do que qualquer desvio de raciocínio ou falha de interpretação das mensagens trabalhadas. Essa conclusão não pode ser perdida de vista quando se estuda o desenvolvimento da Maçonaria como realidade histórica e cultural. Existem aqui três objetos a estudar : um, que é o ideal maçônico, imagem mental de um estado de ordem, harmonia e felicidade, desenvolvido pelo inconsciente humano desde os primórdios da civilização; outro, a prática maçônica, que consiste numa forma de viver e pensar, praticada por grupos iniciáticos desde épocas muito antigas, e por fim, um terceiro objeto, que é a Ma-çonaria enquanto instituição. Esta só nasceu em 1723, com a edição das Constituições de Anderson, produzida exatamente para dar uma identidade á uma idéia e á uma prática que já existiam na cultura humana desde tempos imemoriais.

A proposta deste trabalho é justamente perseguir, no tempo e na história do pensamento universal a idéia maçônica, para ver como ela se transmutou em prática, e por fim, como foi institucionalizada. Essa idéia gira em torno de uma crença vinculada ao próprio processo de socialização do homem. Essa crença é a de Deus criou um universo unificado em suas estruturas, de forma tal que matéria e espírito se completam e forma um todo inseparável. Essas estruturas se apresentam desmembradas aos nossos olhos e muitas vezes antagônicas, mas essa é somente uma ilusão dos nossos sentidos. Essa ilusão precisa ser desfeita através de uma prática que “ensine” nossos sentidos a “ver” a unidade do universo. E através dessa visão, que é a verdadeira sabedoria, a gnose divina, a iluminação, seremos capazes de participar, conscientes, do processo de construção do universo, na forma desejada pelo seu Grande Arquiteto.

Os homens sempre acreditaram na possibilidade de união do espírito com a matéria, operacionalizando uma verdadeira redenção da raça humana. As religiões e suas complicadas cerimônias litúrgicas tem essa finalidade. Seja através dos rituais, seja por meio de preces, jejuns e outras formas de superação das barreiras da matéria, o que se procura é sempre essa forma de libertar a alma (centelha de luz presa na matéria) para que ela se integre ao seu Criador. Através de práticas iniciáticas, ascéticas, espirituais ou mesmo exercícios de meditação, o que se busca é sempre essa Iluminação, que representa a comunhão do espírito humano com a divindade. Essa comunhão com o divino é a verdadeira Gnose: quer a chamemos de Verbo Divino, Nirvana, Iluminação, Pedra Filosofal, Nome Inefável, Palavra Sagrada, etc. ela sempre encerra a mesma esperança: a de obter a verdadeira sabedo-ria, ocorra ela como forma de produzir um estado de consciência superior, ou como desenvolvimento moral e espiritual do individuo, tornando-o melhor e mais feliz.

Como religião, filosofia, ou simplesmente como prática de bem viver, a ideia de que o homem precisa encontrar uma fórmula que o faça unir-se á divindade, que no fundo, nada mais é do que um encontro consigo mesmo, sempre foi perseguida como objetivo final da espiritualização progressiva da consciência humana. Como meta normal do individuo, e algumas vezes até de uma coletividade inteira, essa esperança tem animado os sonhos da espécie humana. Veremos como essa idéia se desenvolveu no Egito a partir do conceito altamente abstrato da Maat, e como foi praticada, ao longo do tempo e das culturas que se seguiram, pelos israelitas, com sua noção de povo eleito, pelos essênios com sua mística de homens puros, e pelos primeiros cristãos com suas crenças numa Nova Jerusalém, como símbolo do reino governado pelo Messias.

Na Idade Média foi essa mesma esperança que animou a saga de algumas Ordens de Cavalaria e diversas seitas heréticas, como os Cátaros, por exemplo, que se diziam herdeiros da verdadeira doutrina de Cristo. Também alguns grupos místicos, como os Rosa-Cruzes, comungaram da mesma esperança. Os próprios filósofos iluministas, como veremos, apesar do racionalismo e do positivismo científico que marcaram esse sistema de pensamento, não escaparam ao apelo emocional desse sonho. Essa idéia também animou os sonhos dos homens que produziram a tragédia do Nazismo.

Como tudo na Maçonaria, no entanto, este trabalho é puramente especulativo. As colocações que aqui fazemos, conquanto sejam fundamentadas em fontes que podem ser consultadas por qualquer leitor, são meramente hipotéticas. Fizemos este trabalho unicamente pelo prazer de organizar o nosso próprio pensamento a respeito do tema, e ao final oferecer aos interessados uma síntese que amiúde não se encontra no acervo da cultura maçônica. As notas de rodapé que acompanham os textos se justificam pelo fato de não termos encontrado uma forma melhor de estabelecer os vínculos entre as inúmeras influências de que a árvore maçônica se alimenta.

Foi necessário não perder pistas. A cada idéia, a cada evocação a esta ou aquela influência, entendemos que a indicação da fonte, ou um comentário paralelo, seria fundamental para o entendimento do contexto no qual ela se colocava. É que o ensinamento maçônico, como convém a toda tradição iniciática, é desenvolvido através de símbolos e alegorias. Esse método, que Ouspensky chama muito apropriadamente de psicológico, exige que o leitor, muitas vezes, deixe de lado o seu natural espírito crítico e se abando-ne apenas á sua sensibilidade. Pode comparar, pode associar, pode especular; no fim, porém, resta apenas a opção de acreditar ou não.

Depois de tudo que lemos, que associamos, que especulamos e escrevemos, foi o que nos restou: uma crença. E esta crença é a de que não somos afinal como a-quele pobre Roquentin, personagem do romance de Sartre, que via a vida como fonte de inquietação e náusea, porque não conseguia acreditar que o universo tinha sido construído com alguma finalidade e que sua própria existência sobre a terra tinha, afinal, algum motivo. Deste estudo emergimos com a convicção de que a vida do homem sobre a terra é carregada de sentido, e que toda a evolução humana é um processo administrado por uma Von-tade que atua além das próprias leis da natureza. Essa Vontade se expressa em todas as realidades do mundo fenomênico através de leis que ela mesma criou e faz com que se cumpra infalivelmente. E cada um de nós, com nosso empenho particular e livre arbítrio, acaba por ser um agente de execução dessa Vontade, que se cumpre na busca de uma finalidade que podemos não compreender, mas que existe e segue um curso inexorável.

Aos que, como nós, estão procurando entender e aprender a Arte Real, para poder erguer templos á virtude e cavar masmorras ao vicio, como quer o Grande Arquiteto do Universo, dedicamos esta peça de arquitetura.

Do livro "Conhecendo a Arte Real"- 2º Edição, revista e ampliada, no prelo.
João Anatalino

segunda-feira, 21 de novembro de 2016


HIRAM, LENDAS E MITOS



Trabalho de Pesquisa de Pedreiro de Cantaria

INTRODUÇÃO

Para se chegar a entender um pouco mais da criação e adoção da Lenda de Hiram necessário se faz estudar um pouco do DNA da maçonaria especulativa.

Certamente que a forma, a natureza e os objetivos da maçonaria operativa e de seus antepassados diferem da maçonaria especulativa de 1717, que não era exatamente a atual, ao contrário do que muitos pensam, vez que isso só ocorreu em 1813 quando da união das Grandes Lojas dos Antigos com a Grande Loja de Londres, dos Aceitos, surgindo daí a Grande Loja Unida da Inglaterra.

Essa união carreou para dentro da estrutura maçônica não só os novos conhecimentos trazidos pelos ventos do renascimento, mas também uma profunda reforma na educação, dominada àquela época pela Igreja.

Surgiu a corrente humanista na educação visando a educação racional e livre, ao contrário do que impunha a Igreja.

Os operativos, embora muitos deles altamente influenciados pela Igreja, traziam consigo antigos costumes de velhas tradições que não eram necessariamente cristãs, mas bíblicas e faziam referências a NIMROD como construtor da Torre de Babel, Tubalcaim, o artífice em ferro.

Por outro lado, as civilizações antigas tinham suas lendas, suas histórias, onde cultuavam a imortalidade da Alma.

Os egípcios tinham suas trindades divinas e lendárias: Osíris, Isis e Hórus; Ammon, Mouth e Khons; Horus (nascer), Ra (Zênite) e Osiris (Ocaso). Os hindus: Brahma, Vishu e Shiva; os cristãos: Pai, Filho e Espírito Santo; Do Hermetismo: Archeu, Azoth e Hylo e assim por diante.

Dentre essas, a mais conhecida entre nós, é a lenda de Osíris, na qual acreditamos ter inspirado a maçonaria para construir a Lenda de Hiram Abif, até mesmo por que Isis é nossa mãe e somos os “Filhos da Viúva”.

Eis a história da lenda de Osíris:


“Osíris era filho de Geb, a Luz, e Nut, a Noite, e nasceu em Tebas, no Alto Egito. No momento do seu nascimento ouviu-se uma voz misteriosa que proclamou a chegada do "Senhor Universal", o que deu aso a manifestações de alegria logo esmorecidas pelas revelações das desgraças que se aproximavam. O seu avô Rê (ou Rá) reconheceu Osíris como herdeiro ao trono, apesar dos maus agouros. Alto, belo e carismático, Osíris sucedeu a Geb no trono e casou com a sua irmã, a bela Isis. Osíris começou por abolir o canibalismo e introduzir junto dos seus súditos, ainda um pouco primitivos, normas de conduta e técnicas avançadas de agricultura, para além dos prazeres da música. Instituiu ainda o culto dos deuses, desconhecido até então, construindo templos e imagens divinas. As muitas cidades construídas e as leis justas que emitiu valeram-lhe o nome de Onofris, "o Generoso" pelo qual, como quarto faraó divino, era conhecido.

Ainda não contente com a sua obra, decidiu espalhar os seus conhecimentos pelo resto do mundo e partiu para a Ásia, acompanhado de Tot, Anúbis e Upuaut, deixando a regência a Isis. Inimigo da violência, espalhou a civilização e o conhecimento por toda a terra e voltou ao Egito. Quando chegou, verificou que Isis tinha governado bem o seu reino, que encontrou em ordem. Mas em breve seria vítima de uma intriga orquestrada pelo seu invejoso e feio irmão Set, que o matou durante um banquete, despedaçou-o e lançou os bocados do seu corpo às águas do Nilo. Mas Isis, com os seus poderes de feiticeira e ajudada por Tot, Anúbis e Hórus, devolveu Osíris à vida. Ressuscitado, Osíris preferiu, no entanto, o poder sobre o reino dos mortos ao reino dos vivos, retirando-se para os Campos Elísios, onde recebia com carinho as almas dos justos. Hórus, filho de Osíris e Isis, derrotou mais tarde Set numa grande batalha e veio a ser o rei de todo o mundo.

Osíris foi o nome grego dado a Ousir, o protagonista desta lenda que foi contada por Plutarco. Os antigos Egípcios acreditavam que Osíris morria todos os anos no início da primavera, quando era tempo de seca e de colheitas, para renascer no outono, quando o nível das águas do Nilo baixava e se procediam às sementeiras. Por isso a cheia anual, que tinha o nome de Hapi, era venerada como sendo a "alma de Osíris". Muitas vezes representado por um pilar, o "djed", Osíris governava assim nos dois mundos, o da morte e o da vida. Identificado com o Sol, simboliza a continuação dos nascimentos e dos renascimentos. ”[1]

Eis aí o culto da Imortalidade da Alma, tão presente em nossa Ordem, na Lenda de Hiram.

HISTÓRIA E ANTECEDENTES DA LENDA

Esta lenda não existia entre os Operativos que tinham mais familiaridade com a história de NIMROD e a construção da Torre de Babel e bem assim com personagens bíblicas da área da construção: Tubalcaim, Jabal, Noé, dentre outros

Iremos encontrar na maçonaria uma série de mitos ou lendas que estão inseridos no sistema simbólico da Maçonaria e que podem ser divididos em três classes”.

1. O Mito Histórico;
2. O Mito Filosófico e
3. A história mítica.


“1. O mito pode ser empregado na transmissão de uma narrativa das façanhas e dos eventos antigos, tendo sua fundação na verdade, a qual, no entanto, foi bastante distorcida e corrompida pela omissão ou introdução de circunstâncias e personagens, então ele constituirá o mito histórico.

2. Ou ele pode ter sido inventado e adotado como um meio de enunciar um pensamento particular, ou de ensinar uma determinada doutrina, quando ele se torna um mito filosófico.

3. Ou, por fim, os elementos verdadeiros da história efetiva podem predominar sobre os materiais fictícios e inventados do mito, e a narrativa poderá ser, na maior parte, composta de fatos com um leve colorido de imaginação, quando ela se torna uma história mítica.

“A cada uma dessas três divisões da lenda, ou mito, pois eu não estou disposto, na presente ocasião, como alguns dos escritores mitológicos alemães, a fazer uma distinção entre as duas palavras devemos destinar todas as lendas que pertençam ao simbolismo mítico da Maçonaria”.[2]

Temos que lembrar que o Renascimento se entrelaçou com o Iluminismo e que naquela época estavam surgindo grandes pensadores, grandes ideias.

Uma das causas que provocou grande impacto foi o fato de que, em 1665, Jacob Jéhu Leon, um judeu espanhol, exibiu em Londres um modelo muito bonito do Templo de Salomão, que atraiu enorme atenção (a exposição continuou com o mesmo sucesso até 1765, ou seja, um século depois)? Ou seria a publicação, em 1688, de um livro “Le Temple de Salomon spiritualisé“, do escritor anabatista John Bunyan, autor conhecido e respeitável?[3]

Pode ser possível oferecer o elaborado sistema de simbolismo construído sobre o Templo do Rei Salomão como o caso em questão aqui. O mais antigo manuscrito maçônico não mapeia a Maçonaria até o rei Salomão, mas muito além dele até Nimrod e até Euclides. No Manuscrito Dowland, datado em cerca de 1550, Hiram Abif é mencionado, mas apenas como um nome entre muitos outros. Em 1611, a versão da Bíblia do Rei James apareceu na Inglaterra e despertou um interesse quase universal, em especial pelas narrativas do Antigo Testamento de Salomão e seu Templo.

Maquete do Tempo de Salomão

No final do mesmo século e no início do século seguinte, esse interesse foi tão geral que muitos modelos do Templo foram construídos e expostos em centros populosos, e manuais descrevendo-os receberam circulação geral, algo que deve ter sido particularmente interessante para os maçons antigos, que tinham tradições há muito acalentadas relacionadas com aquele edifício histórico. Quando Anderson preparou a primeira edição de suas Constituições, ele incorporou em uma nota de rodapé uma explicação erudita do nome “Hiram Abif”, uma coisa que ele não teria feito se seus leitores já não estivessem interessados[4]

A inferência a partir desses fatos, assim sucintamente expostos, é que há muito tempo existia na Ordem um germe de interesse pelo Templo de Salomão; que esse germe se encontrava em um ambiente favorável para o desenvolvimento quando o interesse na matéria se tornou popular, e que este desenvolvimento encontrou um lugar no Ritual no início do século XVIII sob a forma agora três vezes familiar. Se esta leitura da matéria é procedente, segue-se que o simbolismo do Templo é um caso de desenvolvimento dentro da Ordem, devido a condições externas. 

A morte e o desaparecimento que ela implica deverão aparecer como o maior perigo a que o homem poderia ser submetido, daí sua ansiedade, a recusa de aceitar, e a esperança de sobrevivência em um além diferente. Portanto, a morte era apenas uma passagem que leva a um renascimento neste mundo não manifestado, mas pressentido, e que era domínio do sagrado. Uma passagem, como a do nascimento à vida, da infância para a adolescência, desta última para a masculinidade pelo exercício da sexualidade, tudo sacralizado durante cerimônias rituais (Imortalidade da Alma). Sendo o rito a única forma de acessar a estes diferentes níveis de ser, todas as civilizações, da mais primitiva à mais sofisticada, sabiam, e ainda sabem, que estas práticas são mantidas em segredo porque espera-se que tragam um poder considerável para aqueles que são seu objeto.

A lenda de Hiram é a espinha dorsal da Maçonaria e sua estrutura simbólica presente nas narrativas em torno do mitológico personagem cuja vida e principalmente os acontecimentos relativos à sua morte servem de mote para toda uma gama de símbolos e de narrativas, que vão se condensar nos ritos da maçonaria simbólica do Rito Escocês Antigo e Aceito – REAA assim como em outros ritos. 

O nome correto encontrado na Torá é Chiram, que se pronuncia: Riram.

Embora tenhamos abordado algumas das trindades e dito que a lenda de Osiris é a que mais se assemelha, encontraremos também na tríade: nascimento, vida e morte um bom referencial para o estudo da lenda.

Já nas lições do simbolismo encontramos a escada de Jacó que faz referência à reencarnação (para os que tem a visão espírita) ou da ressureição para os cristãos. Jacó sonha ter visto anjos subindo e descendo por uma escada. Nos passos do Mestre, quando ele ergue as mãos e diz: “oh Senhor, meu Deus! ” Com espanto, ele enxerga o fenômeno da imortalidade da alma.

Mas para abordar melhor o tema necessário se faz conhecer a história da construção do Templo de Jerusalém (975 a.C.), sob o governo e patrocínio de Salomão. Levando em consideração a hermenêutica ligada a história bíblica e ao simbolismo, evidenciaremos diversas formas que tornam o mito a parte principal e essencial da maçonaria simbólica e com isso iremos verificar como se processa a mudança de significado a respeito de Hiram, vez que ele era um fundidor, um metalúrgico por excelência já que na maçonaria, em seus ritos, ele é conhecido como o tipo ideal do construtor, passando a ter um novo significado de alto padrão moral.

Para abordarmos o assunto iremos nos alicerçar em três pilares, ou princípios: a do rito, do mistério e da iniciação.

Os ritos são, na verdade, “tradições ancestrais”, regras, e que podem carregar de sacralidade e vitalidade renovada de energia, o tempo e o espaço e a casualidade empírica. Estas três condições, segundo BARZAN[5], possuem uma disposição sensível que lhe é inerente para a mudança, a dispersão e a dissolução. O rito como um ritmo básico permite que o tempo saia de sua linearidade e assume uma forma espiralada de manifestação, ou seja, demonstra um aspecto da evolução. O tempo se torna cíclico e assim é a vida, o tempo, a existência. Nesses ciclos veremos o nascer, a entardecer e o pôr do sol; as quatro estações do ano se sucedendo umas às outras, os doze meses do ano se repetindo pela eternidade afora, e assim também é conosco em relação a nossa existência: nascemos, crescemos, atingimos a juventude e a maioridade e morremos para nascer de novo, e isso é a imortalidade da alma.

Muitos não enxergam assim essa imortalidade, mas dizem que o que não morre são as obras que deixamos.

A lenda é carrega de mistérios que como o véu de Isis vão sendo expostos e caídos e assim é que possuem a mesma finalidade em toda a sua extensão que vai desde o simbolismo até grande parte dos chamados altos graus. Esses mistérios imitam a natureza do divino. A iniciação ao terceiro grau da maçonaria simbólica está fundada no mito de Hiram e seu rito visa principalmente confrontar o iniciando com a angústia que o tolhe, quando colocado diante da finitude da vida, ou seja, diante da morte. É uma morte simbólica, para um renascimento moral e social, é a transformação perene, a evolução constante na busca da Verdade.

Hiram é assassinado por três companheiros que queriam, a todo custo, obter a palavra de passe do grau de mestre, chave do conhecimento e do trabalho daquela categoria. Queriam obter o benefício sem antes passar pela etapa do aprendizado e do conhecimento necessário para tanto. 

Não conseguindo atingir seu intento, esses maus companheiros o mataram e ocultaram o cadáver, que mais trade foi descoberto e obtido o sepultamento que merecia.

A maçonaria é linda e muitas vezes, por termos nossas mentes fechadas, não conseguimos visualizar seus objetivos. Quando Hiram é morto, é enterrado, descendo ao mundo inferior e levando consigo palavra de passe, ou seja, o conhecimento. Um outro aspecto é que ele morre como “construtor”, mas o seu renascimento é como “arquétipo” moral.

Há irmãos que dizem que a morte de Hiram representa as constantes mortes e renascimentos da Arte Real.

Estamos no século XVIII. Um saber estranho circulava por toda a Europa sedenta de luz. O oculto reinava supremo nas mentes. Transmitido pelo rosacrucianismo, que prometia a imortalidade, pela alquimia, que prometia a riqueza, pelo hermetismo, que daria o poder, e pela Cabala, que traria o conhecimento, tudo adequado a um mistério próprio para despertar todas as curiosidades, este mesmo mistério que parece haver nas Lojas Maçônicas, tão antigas, ou pelo menos pensávamos que sim. A tentação de confrontar esse conhecimento com o que tínhamos, e adquirir outros, era grande. Na realidade, as Lojas tinham poucos, muito poucos, e sua pobreza intelectual e esotérica era decepcionante. Era necessário alimentá-las, dar-lhes uma razão para ser qualquer outra coisa, que não sociedades “vazias”. A lenda de Hiram chega justamente num momento que se formava o conteúdo doutrinal da maçonaria especulativa nascente. Vimos antes que não se sabe sua origem e que ela apareceu em algum lugar na Inglaterra ou na Irlanda. Ela é implantada gradualmente, tendo lugar, em 1738, na segunda edição das Constituições de Anderson, embora tenha tido de esperar até 1760 para ser admitida de forma permanente, pelo menos na Grã-Bretanha, porque na França o processo de integração foi mais rápido. Ela gerará toda a série de Altos Graus que envolverão totalmente o mundo maçônico. Era óbvio que o assassinato de Hiram não podia ficar impune. Assim nasceram os graus de vingança e as cenas grandiloquentes que deram lugar às recepções que se seguiram, tornando-se necessário, para lhes dar um tempero, a introdução dos graus cavalheirescos. Ele – o assassinato de Hiram – é incorporado ao grau de mestre surgido antes dele por desdobramento do de companheiro, e sem que ninguém saiba por que ou como, foi completamente absorvido.

A maçonaria especulativa abandonou o trabalho da construção propriamente dito, para se dedicar a construção do edifício social. 

Nós compreendemos que a maçonaria é uma instituição filosófica, filantrópica, educativa e progressista, tendo por princípios a liberdade dos indivíduos e dos grupos humanos; a igualdade de direitos e obrigações dos seres e grupos sem distinção de raça, credo ou nacionalidade; e a fraternidade universal, pois somos todos filhos de Deus. Esses princípios vão se tornar palpáveis e reais com a chegada da Revolução Francesa e a queda da Bastilha em 1789.

Além disso, a maçonaria, mesmo antes da chegada da Lenda de Hiram, já se preocupava com o conhecimento para todos e tanto é assim que criou a Real Sociedade Inglesa que se transformou na mãe da ciência moderna.

A maçonaria tem também como um de seus lemas a Ciência, a Justiça e o Trabalho. A Ciência para esclarecer e elevar os espíritos; a Justiça, para equilibrar as relações humanas; o trabalho, por meio do qual os homens e mulheres se dignificam e alcançam sua independência financeira.

Em nossas Lojas maçônicas, hoje pequenas e descompromissadas, encontramos irmãos que se preocupam apenas com o ágape (a parte mais importante para satisfazer os vícios da gula e da hipocrisia) e se aborrecem com as longas atas e as demoradas discussões.

A esses irmãos queremos dizer que os reais objetivos da Arte Real são a permanente investigação da verdade, o exame da moral e da consciência e a prática das virtudes, principalmente as teologais, embora não seja uma religião. Mas a maçonaria é religiosa, eis que reconhece no GADU, ou seja, o Grande Arquiteto do Universo, cuja denominação aparece, pela primeira vez em 1.572, quando foi empregada por Philibert Delorme, em seu tratado de arquitetura[6]

Hiram, por seu pertencimento profissional e também pelas circunstancias da sua morte, num primeiro momento pode ser identificado com uma estrutura catamórfica[7] da imagem, por evocar a descida ao subterrâneo para a manipulação dos minerais e também pela morte, que é uma queda. 

Hiram é o mestre artífice, ícone do terceiro grau e possui uma tamanha importância que está presente em todos os ritos, intocável em sua essência, a despeito das alterações que o sistema em geral possa ter sofrido ao longo dos tempos. Qual a importância e o significado dessa lenda e por que ela se tornou indissociável da maçonaria? 

A resposta a essas perguntas não está tão-somente na maçonaria dita especulativa, mas também nas antigas tradições que adotavam as práticas iniciáticas.

No caso da maçonaria, a iniciação é feita obedecendo uma ritualística que contém ensinamentos orais que persegue a modificação radical do estatuto religioso e social do sujeito a iniciar. Filosoficamente falando, a iniciação equivale a uma mutação ontológica do regime existencial. A pessoa que se inicia se transforma em um outro e passa a gozar de uma outra existência que a anterior.

A iniciação introduz o neófito na comunidade humana e no mundo dos valores espirituais. Essas iniciações, nos tempos antigos, eram ensinadas nas “escolas de mistérios”, nas quais o estudo das “forças superiores” era dividido entre mistérios menores e mistérios maiores. Nos mistérios menores, o candidato, após prestar juramento, era iniciado e recebia uma instrução preparatória e era tido como “iniciado” propriamente dito. Nos grandes mistérios, o conhecimento completo das verdades tratadas na iniciação era finalmente comunicado e dentre as várias cerimonias existentes, pode-se elencar como práticas semelhantes às da maçonaria especulativa: o afanismo (do grego: destruição, morte), desaparecimento ou morte simbólica do iniciado; o pasto, cama, caixão ou túmulo; a eurese (descoberta, invenção), encontro do cadáver; e a autopsia, comunicação de todos os segredos e conhecimento integral, que tornavam o outrora profano em um “epopta” (testemunha ocular), pois agora nada mais lhe era desconhecido[8] .

Esse processo de autodescobrimento recorre a arquétipos profundos que unirá pessoa de diferentes credos, cultura e classes sociais, que se reconhecerão através de toques, palavras de passe e sinais.

Os Altos Graus, tiveram participação na parte dramática de todas as admissões nos graus simbólicos, emprestando a sua dramaturgia e bem assim a estruturação da liturgia apropriada à recepção de aprendiz, para a qual levaram elementos de todos os tipos, o que se estende de 1740 a 1850.

Olhando, por outra visão, iremos encontrar na lenda aspectos sociais tais como o trabalho na edificação do Templo de Salomão, ou seja, a geração de empregos para milhares de pessoas que se organizavam em diversas áreas. Além disso havia o intercâmbio de conhecimento trazidos por trabalhadores de diversas partes do mundo, naquela época.

CONCLUSÃO

Nas pesquisas feitas para a realização deste trabalho pude compreender a riqueza dessa lenda e que na época em que foi instituída alguém já detinha o conhecimento da lenda de Osiris que é a que mais se aproxima da lenda de Hiram, demonstrando a luta e o triunfo de Hiram Abif, sobre a morte e a sua ressurreição para a vida, assim como o Sol que nasce, caminha e se põe todos os dias.

A lenda traz um aspecto psicológico profundo com a morte do “Eu” e a conscientização da necessidade do “Nós”, objetivando, talvez, inundar o consciente coletivo de um projeto evolutivo lastreado na moral e nos bons costumes.

Carreia a lenda aspectos esotéricos representando os três companheiros como sendo parte da estação do outono, no zodíaco (dependendo do hemisfério), em que tudo morre e volta, logo após a renascer.

Mas, também, demonstra o caminhar do Sol de forma elíptica por todas as demais estações, culminando sempre nos Solstícios, ou seja, no esplendor da iluminação.

A lenda de Hiram é permeada do sagrado e do profano e nos convida a sair de nós mesmos e a enfrentar o buril da vida que nos lapida a cada instante, nos conduzindo ao progresso.

Somos nós, o Mestre Hiram e o nosso ser é o templo tão decantado que deve ser trabalhado constantemente na força e na beleza construindo um ser perfeito, repleto de sabedoria, bondade, fraternidade, esperança, caridade, ou seja, a representação do verdadeiro maçom.

O Ir.´. Gentil Guarniel, da ARLS Acácia Penapolenense 497, de Penápolis-SP, nos brinda com o seguinte texto, que resolvemos incorporar ao nosso trabalho:

“Não devemos esquecer que os três companheiros foram bons aprendizes, que colaboraram com eficiência na construção do Templo e que estavam prestes a alcançar o mestrado. ”

“Os jubelos podem ser considerados inimigos impessoais, que não se dirigiam exclusivamente contra Hiram, mas contra a humanidade e que a finalidade da Maçonaria é justamente preservar essa Humanidade da qual fazemos parte. ”

“Mas antes de dirigirmos nossos olhares para fora da Instituição, cumpre sanear as nossas próprias searas, combatendo a praga perigosa, curar a nós próprios, buscando cada um encontrar dentro de si o mau companheiro para eliminá-lo”.

“Os germes proliferam, quando encontram ambiente propício, assim é na maçonaria; quando surgem os períodos críticos os maus maçons proliferam; os dirigentes, os mestres cônscios de sua responsabilidade, devem prevenir, na fase crítica a tomada pelos germes do campo e, rapidamente, introduzir o medicamento apropriado.

“Essas crises periódicas coincidem com a crise social e econômica de um país; assim quando externamente aparecem os sintomas, fácil será planejar para que os germes não ingressem no Templo.

“O trabalho maçônico seria de grande utilidade e poderia influenciar nesses períodos críticos, se os maçons fossem todos instruídos, tolerantes, desinteressados; a influência moral, o exemplo, seriam fatores irresistíveis para contornar a ação dos maus”.

“Embora os assassinos de Hiram tenham surgido de dentro da Instituição, sem dúvida recebem a influência negativa de seu meio ambiente externo”.

“Os assassinos de Hiram foram três, porém esse número é simbólico, proliferam junto àqueles que lhe deram abrigo e proteção. Hoje são em número incontável. Sãos os que desconhecem a Maçonaria a quem criticam e censuram, invocando a necessidade de uma modernização para ajustarem-se aos tempos modernos (por isso os Landmarks são importantes) ”.

“É a “simplificação” o intuito de “tirar uma pretensa monotonia” e de simplificar o ritual com atos de liturgia “desnecessária”. A conservação íntegra do Ritual é a garantia da sobrevivência; perdida a tradição, torna-se presa fácil dos assassinos”.

“São os maçons “donos da verdade” que obstaculizam aqueles que não seguem a sua vontade; são os infalíveis e criadores de dogmas sem poderem apresentar a origem de suas ideias, fruto da ignorância”.

“Os maus nem sempre não são os piores! Podem ser os ex-dirigentes que, vencidos em um pleito, para se manterem perpetuamente, no poder, transformam-se em desagregadores. São os que dão o segundo golpe em Hiram, agora com o esquadro e sobre o coração”.

“Golpeado com a Régua e com o Esquadro, evidentemente Hiram vacila, cambaleia, enfraquece, e se torna presa fácil”.

“Assim, débil, quem aplicará o golpe final será um membro dos mais modestos, que sozinho não teria capacidade de destruição.

É o golpe moral. Vemos, então, uma Loja Abater Colunas, exigindo grande esforço para reerguê-la. Frequentemente, apesar de não ser regra geral, os maus juntam-se e formam outra Loja”.

“Aparentemente, o trabalho é elogiado, mas ninguém se dá conta de que é obra de dissensão, dissidência, e quem sofre é a própria Instituição. Ao invés de uma Loja pujante, surgem várias cambaleantes e inexpressivas; fáceis, porém, de serem tomadas de assalto por aqueles que foram os inspiradores, permanecendo ocultos, mas ativos”.

“A maçonaria, nas mãos destes, é desviada de seus elevados fins; Hiram morre; a tradição se apaga; a Palavra está perdida; o maçonismo desaparece. O seu cadáver putrifica-se”.

“Os verdadeiros discípulos choram, se reúnem, providenciam as exéquias, descobrem os assassinos, punem-nos e por serem verdadeiros iniciados, os verdadeiros operários, buscam a ressurreição de Hiram e, rejuvenescidos, reiniciam o trabalho”.

“Para a ressurreição se faz necessário reconstruir a tradição, juntar os membros dispersos do cadáver para a recomposição”.

“A iniciação é reexaminada em todos os seus aspectos e é adequada aos tempos atuais, à personalidade dos remanescentes e dos novos; retiram-se dela os vícios e as falhas; a substância da regeneração é alimentada; evolui, fermenta e cresce com toda a pureza e matiz”.

“Eis o porquê das viagens dos Maçons remanescentes, para todas as direções, com a finalidade de encontrar os restos de Hiram”.

“A dificuldade inicial encontra oposição na busca, porque o primeiro túmulo que os assassinos, provisoriamente, criaram foi sob os escombros da construção; sob os materiais imprestáveis, onde ninguém suspeitaria que pudessem abrigar o Mestre”.

“Esse primeiro túmulo não é descoberto e os próprios assassinos exuma o cadáver e na calada da noite o conduzem para a alta montanha; cavam uma cova profunda; despem Hiram e o soterram entregando o pó ao pó, a terra a terra, e as cinzas às cinzas. Marcam o local com um ramo de Acácia”.

“É a primeira manifestação do arrependimento tardio. A homenagem à sua indefesa Vítima”.

“Escolhem uma planta que não apodrece, cuja resina conservará o lenho, num confronto com a matéria que se putrefará”.

“É o dualismo e o resultado e o resultado das próprias lições que o Mestre lhes havia ministrado”.

“E são os assassinos que transformam a Acácia em um símbolo, numa comprovação de que do mal pode surgir o bem; as raízes eram boas, mas a insatisfação, a pressa, as ambições sufocam a bondade.

“A lenda apresenta um aspecto curioso: não há lugar para o perdão dos assassinos”.

“É uma situação muito triste, mas real. Mais tarde o Nazareno, já crucificado diria aos seus algozes: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”.

“Mas os assassinos tinham sido iniciados; tinham passado pelo Aprendizado, conhecem a Régua de 24 polegadas e o Esquadro; não podiam repudiar o convívio com os irmãos. O castigo, embora escolhido por eles próprios, foi incisivo; a justiça de Salomão era diferente da justiça do Cristo”.

“O Rito Escocês Antigo e Aceito comporta as duas justiças; a Salomônica e a Cristã. Como devemos agir com os assassinos? Esses que ressurgem como as cabeças da Hidra? ”

‘Ao ser colocado o ramo de Acácia, os assassinos queriam simbolizar que Hiram jamais morreria”.

“O cadáver é encontrado, recomposto e conduzido, novamente ao Templo para ser, carinhosamente colocado em um local sagrado; não mais sob os escombros, mas em local de honra e glória”.

Embora essa glória não tenha sido permanente; eis que Nabucodonosor destrói o Templo, não deixando pedra sobre pedra. Mas... Hiram ressuscita; apenas o seu corpo putrefato foi deposto. Porém Hiram não ressuscita por si só; não responde ao primeiro chamado feito à vitalidade que poderia ter conservado, a Força que “Booz” simboliza.

“Em vão tenta-se acordá-lo com o estímulo de um ardor amoroso, “Jaquim”.

“A sua vida anterior não revive; é preciso dar-lhe um novo alento; o sopro ideal que provém da Iniciação. É o “sopro da cadeia regeneradora”; aqueles que a formam não ficam apenas na contemplação; reúnem forças, amor e com os mais fervorosos ideais espargem energias psíquica, espiritual e física que reanimam o cadáver. Que é erguido e se liga aos cinco pontos do Mestrado. É o resultado do culto ao trabalho, dos esforços, da reciprocidade, enfim, da fraternidade”.

“Nem todos, porém, podem unir-se ao cadáver pelos cinco pontos; um só é destinado àquela missão; é um trabalho de um só, mas sob os fluidos de todos; é a soma das forças. O escolhido é o sábio mestre remanescente”.

“Mas, a palavra continua perdida e urge encontrar uma substituta e essa é composta, tornando-se um grande símbolo”.

“A carne se desprende dos ossos”. Não há compressão das células; cessou a força centrípeta”.

“Os ossos por sua composição química são imputrescíveis; o cálcio é um mineral que se eterniza; a carne é volátil; é o espírito que se afasta da matéria, e a única forma de reuni-los é usar da Palavra Sagrada; se a original se perdeu, uma nova surge. Sempre surge um novo meio quando houver necessidade de união”.

“O segredo de tudo (maçônico) é, sempre, buscar e encontrar um meio de unir, pois, para a desunião sobram meios! ”

“A palavra perdida, ao final, será encontrada. O Rito é sábio e dá a Palavra Perdida como prêmio àqueles que perseveram até o fim”.

“A ressurreição é um mito antigo; vamos encontrá-lo nos mistérios Védicos, quando o Ser Supremo imola a si mesmo para produzir tudo o que existe; vamos encontrá-lo em Hermes, em Orfeu, em Osíris, e finalmente, em Cristo”.

“Nós somos Túmulo e Templo. Hiram apodrece em nós e ressurge em nós. Dentro de nosso Templo Espiritual, temos, maçônicamente, a presença permanente de Hiram”.

Esperamos, de forma singela, ter abordado os aspectos social, moral e teosófico da Lenda de Hiram, neófitos que somos.

Deixamos para trás tantas outras coisas que poderiam ser analisadas com maior amplitude relacionadas a história maravilhosa do povo hebreu e egípcio.

Mas, todas as vezes que nos deparamos com essa Lenda Maravilhosa notamos que é ela semelhante aos mistérios de ISIS e que a cada véu que se desprende outros mistérios se apresentam.

É bom lembrar, contudo, que a miséria humana alimentada por esses vícios insistentes em permanecer grudados aos nossos espíritos estava presente no martírio de Sócrates, de Ghandi, de Luther King e é muito atual.

A Lenda de Hiram com suas nuances corresponde ao cotidiano da sociedade.

É preciso que compreendamos que somos o Hiram da Lenda, eternos pedreiros, e que devemos continuar construindo o nosso templo interior dando a ele a mais profunda beleza e a força da persistência da palavra boa e dos bons exemplos. É esse o significado da Lenda e do Templo de Salomão. 

Que o G.´.A.´.D.´.U.´. abençoe e ilumine a todos nós!

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José Roberto Cardoso 
MI – Cadastro 3037

BIBLIOGRAFIA

COSTA, Wagner Costa Veneziani – Maçonaria – Escola de Mistérios – A antiga Tradição e seus Símbolos – Editora Madras
CASTELLANI, José – “O Rito Escocês Antigo e Aceito – História, Doutrina e Prática – 2ª. Edição – Editora Trolha, 1995.
ZOCCOLI. H.L. “Maçonaria Esotérica (Fundamentos) 1º Grau – Volume I – Edição do próprio autor.
GARDNER Laurence – Os Segredos Perdidos da Arca Sagrada – Editora Madras.
CAMINO, Rizzardo da – Dicionário Maçônico – Madras – São Paulo, 2006.
Mackey, Albert G. – O Simbolismo da Maçonaria – Editora Universo do Livro.
Ir.´. Guarniel, Gentil da ARLS Acácia Penapolenense 497, de Penápolis-SP,
A Bíblia Sagrada
[1] http://www.infopedia.pt/$lenda-de-osiris-e-a-origem-do-egipto 
[2] Mackey G. Albert – O simbolismo da maçonaria – Editora Universo dos Livros - SP 
[3] https://bibliot3ca.wordpress.com/ensaio-sobre-as-origens-dos-rituais-e-graus-simbolicos/ 
[4] Idem 
[5] Barzan, 2002, pag. 50. 
[6] Delorme, Philibert, Tratado de Arquitetura - REBISSE, 1988. 
[7] Catamórfica – são imagens referentes à queda, à descia e à introdução aos subterrâneos. 
[8] MACKEY, 2008, vol. I).

O espírito da Maçonaria e o Espírito das leis

Extraído do site Bibliot3ca - Tradução José Filardo

Montesquieu 


Jurista, filósofo, escritor e grande proprietário, Montesquieu, uma das grandes luzes de seu tempo era também um maçom ativo que privava da companhia dos primeiros fundadores da Ordem.

Aqueles que tinham idade suficiente para usá-lo, lembram-se do “Montesquieu,” a nota de 200 francos, que esteve em circulação de 1982 a 1998. Em ambos os lados, via-se em medalhão o busto do ilustre filósofo como um patrício romano. E ao redor, várias alegorias evocavam sua obra: Themis, a justiça, por Do Espírito das Leis, iluminuras orientais pelas Cartas Persas. O castelo de La Brede para evocar o local de seu nascimento. No entanto, faltavam nessa evocação certos símbolos… Porque além de Voltaire que foi muito pouco e muito tarde, Montesquieu não foi apenas o único Maçom do grande Iluminismo francês, mas ele o foi muito cedo e muito ativamente.

Charles-Louis de Secondat nasceu em 18 de janeiro de 1689 no castelo de La Brede na região de Graves, país de vinhedos, vacas e florestas na periferia sudeste de Bordeaux. Voltando sete ou oito gerações, ele teria tido, por sua avó paterna Anne Dubernet, (1) uma ascendência comum com Montaigne, através da mãe deste último, Antoinette Louppes de Villeneuve, que alguns autores pretendem que fosse uma judia espanhola. De fato, se não pelo sangue e a sonoridade do nome, há entre as duas glórias de Bordéus, um parentesco real pelo espírito.

O pai e o avô de Montesquieu tinham tido casamentos felizes, ricamente dotados que lhes permitiram estabelecer firmemente a sua nobreza de toga. O mais velho de quatro filhos, o pequeno Charles foi enviado para Juilly, perto de Meaux, para ali seguir o ensinamento dos jesuítas. Mas, escapando ao seu proselitismo e, embora de família fervorosamente católica – os irmãos e irmãs de seu pai estavam em quase todas as ordens, bem como suas duas irmãs – aquele que era então chamado de Sr. de La Brede tornou-se, com 16 anos, para a direita. “Saindo da faculdade, foram-me colocados nas mãos livros de direito; eu ali procurava o espírito, eu trabalhava, eu nada fazia de valor. “(2)

Ela foi provavelmente dissipada conforme indicam certas cartas preocupadas de seu pai. Mas foi um jovem bem-educado de muito boa família que foi recebido como advogado no Parlamento de Bordeaux em 1708. Aos 19 anos, tão ávido de conhecimentos quanto de conquistar um nome, ele partiu depois de algum tempo para Paris onde frequentou alguns espíritos iluminados, luzes brilhantes dos últimos fogos do reinado do Rei Sol.

Um casamento, um certo pastor e dois funerais

A morte de seu pai o trouxe de volta a La Brede. A herança, tão importante quando as dívidas e o preço do cargo de magistrado que precisava comprar o levaram a se casar.

Jeanne Lartigue, de grande fortuna embora de nobreza pequena e recente, era de religião reformada. Trinta anos após a revogação do Édito de Nantes, os protestantes, quando permaneciam discretos e não se interessavam por assuntos públicos eram mais ou menos bem tolerado em Bordeaux. Mas o espírito de tolerância demonstrado por Montesquieu, deve muito mais ser atribuído a uma certa indiferença com as coisas da religião e à atração de um belo dote que o seu interesse pelas ideias de Calvino.

Mais tarde, na Inglaterra, o senhor de La Brede participará do mundo protestante, ao mesmo tempo que o da Maçonaria, então quase confundidas. Por uma coincidência perturbadora, se saberá muitas gerações mais tarde (3) que toda a família Lartigue foi batizada em Bègles pelo Pastor Jean Desaguliers antes que esse último partisse para La Rochelle de onde fugiu para a Inglaterra em 1783. Em sua bagagem, uma Bíblia e um filho: Jean Théophile que se tornou um pastor presbiteriano na Inglaterra redigirá a primeira versão das Constituições de Anderson, a “bíblia” da Maçonaria moderna.

Um ano depois de seu casamento, pela morte de seu tio Jean-Baptiste, Charles-Louis de Secondat se torna Barão de Montesquieu. Ele se torna rico com várias vinhas e um cargo de presidente de touca (Mortier) – cargo Supremo simbolizada por um chapéu chamado mortier – no parlamento de Bordeaux.

Montesquieu é, então, uma pessoa importante. Apesar de frequentes estadas em Paris, ele permanece essencialmente em Bordeaux. Mas a magistratura não lhe interessa: “Quanto ao meu trabalho como presidente, eu tinha uma noção bem definida; eu entendia bem as perguntas suficientes em si mesmas; mas quanto ao procedimento, eu não entendia nada “(4).

É a época das sociedades eruditas. Ali se discute física tanto quanto metafísica. Montesquieu foi admitido na Academia de Bordeaux em 1716. Instituição que ele presidirá por um longo tempo, cujos arquivos revelam o ecletismo. “Igualmente adequado a todos os gêneros, às pinturas elegantes, bem como às composições sérias, às ciências naturais, bem como às pesquisas históricas, Montesquieu, a partir de 1716, fundou um prêmio de anatomia na Academia de Bordeaux; em 1721, ele leu um Memorial contendo observações feitas ao microscópio de insetos, o visco do carvalho, as rãs, o musgo das árvores e experiências sobre a respiração dos animais imersos em água; em 1723, uma dissertação sobre o movimento relativo, e uma refutação ao movimento absoluto; em 1731, um Memorial sobre as minas da Alemanha, e sobre as tempestades da zona rural de Roma. (…) » (5)

Cartas Persas, uma turnê europeia e uma iniciação

O ano de 1721 marca um ponto de viragem na vida de Montesquieu, com a publicação das Cartas Persas, romance epistolar que contém observação tão relevantes quanto humorísticas sobre os costumes contemporâneos através de olhos estrangeiros. O relativismo de Montesquieu, já presente em Montaigne funda o pensamento moderno.

Para driblar a censura, o livro foi publicado anonimamente em Amsterdam sob o selo de um editor fictício de Colônia. Mas, protegido pelo Duque de Berwick, governador militar da Guiana, o autor das Cartas Persas não será submetido a qualquer tipo de assédio. Em vez disso, ele recebeu uma pensão real em 1723 e, devido a este primeiro sucesso literário, “aluga” seu cargo de magistrado a uma família de Bordeaux.

Montesquieu agora vive em Paris. E ali foi eleito para a Academia Francesa em 1727. No ano seguinte, na esperança de conseguir um posto de embaixador, ele realizou uma grande turnê da Europa – mais uma vez Montaigne não está longe – que o leva por três anos nas estradas da Áustria, da Hungria, da Itália, Alemanha e, finalmente, Inglaterra. É ali que ele foi iniciado na Maçonaria, em 23 de maio de 1730 na Taverna Horn de Westminster. O evento não passou despercebido. O que lança luz sobre a sociabilidade da maçonaria de então: “Ficamos sabendo que na terça à noite, em uma sessão de loja realizada na Taverna Horn em Westminster, com a presença do duque de Norfolk, Grão-Mestre; Nathaniel Blakerby, Grão-Mestre Adjunto e outros oficiais, bem como o Duque de Richmond, Lord Mordaunt, o Marques de Quesne e muitas outras pessoas de distinção, os nobres estrangeiros abaixo, François-Louis de Gouffier, Charles-Louis Presidente Montesquier (sic), Francis conde de Sade … foram recebidos como membros da Antiga e Honorável Sociedade dos Maçons. “(6). É provável que nesse dia Montesquieu tenha sido elevado aos três graus. Ninguém sabe se as ligações entre Desaguliers e a família Lartigue, mencionadas acima, serviram-lhe de ajuda, mas é muito provável que os dois tenham se encontrado depois em Paris, se não foi em Londres.

s Jacobitas, Desaguliers e Belzebu

A iniciação abriu para Montesquieu as portas da alta nobreza inglesa e da monarquia. Apresentado à corte, ele pode falar com Caroline de Brandenburg-Ansbach, esposa do rei George II e com o príncipe de Gales, que lhe explicou as fontes da monarquia parlamentar.

Em seu retorno a Bordeaux, quase quatro anos depois de sua partida, Montesquieu podia reivindicar ser o melhor conhecedor do sistema político Inglês.

Segundo alguns autores, ele estaria na origem do rito escocês na França, a menos que este não seja o “Irlandismo” – havia um ritual de “mestre irlandês.” A única certeza é que a iniciação de Montesquieu ocorreu apenas dois meses depois da iniciação de Andrew Michael Ramsay, dito Chevalier Ramsay, considerado o fundador do rito escocês.

Seja o que for, Montesquieu foi, depois de seu retorno, um maçom ativo. A imprensa Inglês se faz ecoar. Em 07 de setembro de 1734, o Saint James Evening Post escrevia: “Recebemos a informação de Paris que uma Loja dos Maçons Livres e Aceitos foi realizada lá recentemente na residência de sua Graça, a duquesa de Portsmouth. Sua Graça, o Duque de Richmond, assistido por outro nobre Inglês de distinção, pelo Presidente Montesquieu, pelo brigadeiro Churchill, por Ed. Yonge, Advogado, secretário da Mui Honrada Ordem de Bath, e por Walter Strickland, recebeu várias pessoas de distinção nesta mui Antiga e Honorável Sociedade. “(7) Montesquieu ainda está relatado em loja em 20 de setembro de 1735 pelo mesmo jornal: “Escreve-se de Paris que Sua Graça o duque de Richmond e o Rev. Dr. Desaguliers, antigos Grão-mestres da Antiga e Honorável Sociedade dos Maçons Livres e Aceitos, munidos para esse efeito uma autorização autografada (em sua mão) do atual Grão-Mestre [NDLR Thomas Thynne, Visconde de Weymouth, grão mestre da Inglaterra em 1735], e selado com o seu selo e o selo da Ordem, convocou uma Loja no Hotel de Bussy, Rue de Bussy. Estando presentes: Sua Excelência, o Conde de Waldegrave, Embaixador de Sua Majestade junto ao rei da França; o mui honorável Presidente Montesquieu, o Marquês de Lomuren, lord Dursley, filho do conde de Berkeley, o honorável Fitz-Williams, os Sres. Knight pai e filho, o Dr Hickam e vários outros personagens ingleses e franceses (…) “(8)

A loja que frequenta Montesquieu em Paris é, portanto, Le Louis d’Argent, rue de “Bussy”. Ele reúne a elite da maçonaria europeia. É surpreendente que ela acolhesse tanto um filho de huguenotes como Desaguliers quanto a fina flor dos jacobitas católicos no exílio, quando conhecemos o importante papel dos protestantes franceses no exílio na “Revolução Gloriosa” de 1688 pela qual as tropas holandesas derrubaram o rei católico James II Stuart. Embora a religião nesses tempos difíceis era tanto uma questão política quanto de fé. O próprio Ramsay, nascido de pai calvinista e mãe Anglicana, batizado católica por Fenelon em Cambrai, abandonou a Maçonaria para agradar ao seu protetor, o Cardinal de Fleury …

Em uma carta datada de 31 de julho de 1735, o duque de Richmond, chefe dos jacobitas exilados, que vivia no castelo de Chanteloup, perto de Amboise, escrevia a Montesquieu em termos tão paródicos quanto fraternais: “Saiba, meu venerável irmão, que a Maçonaria está florescendo em Aubigny – [N.T. Aubigny-sur-Nere em Berry era um reduto dos Stuarts da Escócia desde a Guerra dos Cem Anos] – Temos ali uma loja de mais de vinte irmãos. E isso não é tudo: saiba que o grande Belzebu todos os maçons, que é o Dr. Desaguliers, está atualmente em Paris, e deve vir no dia primeiro a Aubigny para ali conduzir a loja. Então venha aqui, meu querido irmão, com a maior brevidade receber sua bênção. (…) ‘(9)

Montesquieu nunca foi a Aubigny, embora fosse assíduo nas colunas, tanto em Paris quanto em Bordeaux. No entanto, seu bem pouco discreto ativismo Maçônico não agradava a todos. Um ano antes da bula In eminenti do Papa Clemente XII, que condena e excomunga os maçons, o cardeal de Fleury, então, “Primeiro-Ministro” de Luís XV acreditava ver nas lojas – e ele não estava completamente errado – uma emanação do protestantismo ou do jansenismo. Ele escreveu ao intendente da Guiana, Bouchet: “(…) recebi (…) sua carta, Senhor, datada 6 deste mês sobre a Sociedade que chamamos Maçons Livres na qual M. de Montesquieu foi iniciado; ele ignora sem dúvida que o Rei desaprova fortemente esta associação e que ele não esteja mais aqui (…) você fez muito em defender M. de Montesquieu de se misturar ali e vos peço para fazê-lo saber, em especial as intenções de Sua Majestade. » (10)

Teoria de climas, Espírito das Leis e Vinho de Bordeaux

Duas lojas foram criadas em Bordeaux, uma dirigida por “Sr. Coulon, Mestre da Loja da cidade”, o outra por “Sr. Copz de Nopz, Rue Lictiere na casa do Sr. Ger, mestre da loja de Chartron” “(11). Estes são os veneráveis fundadores da Anglaise, chamada depois R.L Anglaise 204, fundada em 1732. “Finalmente Boucher convocou os veneráveis incriminados que prometeram “executar com submissão” as ordens ministeriais e não falar mais, no entanto, que a maçonaria continuou a se desenvolver e Montesquieu de praticar maçonaria. Além disso, como proibir uma sociedade à qual pertenciam vários ministros (Maurepas, St Florentin), um membro do Conselho de Estado, o marechal d’Estrée, Richelieu, vários intendentes e muitos duques e pares? Da qual o presidente Montesquieu era um membro e, talvez, o próprio rei? “, escrevia Charles Porset.

No entanto os traços maçônicos de Montesquieu se perdem após esta advertência que acontece no momento em que se afirmava o pensamento e a obra do filósofo. De resto, se a qualidade maçônica de Montesquieu é amplamente atestada, não se encontra nada em seus próprios escritos que confirme esse fato.

Em 1734, de volta a La Brede, ele publicou as Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e de seu declínio. Este sumário histórico é, no espírito das Cartas Persas, uma forma de colocar as questões políticas de seu tempo em uma perspectiva relativista. Então, quase dez anos depois de ter começado a escrever, ele publicou, primeiro anonimamente em 1748, a primeira edição de O Espírito das Leis, sua principal obra. Ele desenvolveu ali sua famosa “teoria dos climas”: “Os povos de países quentes são tímidos como são os velhos; os de países frios são corajosos como são os jovens. (…) “Apesar de, ou devido ao sucesso de seu livro que introduziu a análise do poder em termos de clima econômico, jurídico e social, Montesquieu se juntou em 1751 a Montaigne, Descartes e Pascal no índice de escritos proibidos pela Igreja Católica. Em particular se lhe censurava a expressão o “Espírito das Leis” que os funda nos fatores materiais compreensíveis e modificáveis e não na imanência divina. Sua obra lhe valeu uma glória imensa, especialmente na Inglaterra. O que, aliás lhe permite vender ali muitos barris de vinhos de Bordeaux.

Quando de sua morte em Paris em 10 de fevereiro de 1755, Montesquieu deixa uma fortuna tão considerável quanto sua obra. Esta virá a influenciar Marat, Condorcet, os pais da Constituição americana e tudo o que o mundo terá de liberais comprometidos com a democracia parlamentar. Pensador de sua separação, sua obra centra-se na análise jurídica dos poderes. Sem, contudo, imaginar um direito universal para as pessoas. Os direitos humanos no seu sentido moderno, lhe são estranhos. Isso não significa que Montesquieu era insensível às misérias do seu tempo tanto que as mostra, em uma reviravolta irônica, seus escritos sobre a escravidão que “(…) não é nem útil ao mestre nem ao escravo; a este porque ele nada pode fazer por virtude; e para aquele, porque ele contrata com os escravos todos os tipos de maus hábitos, que ele se acostuma insensivelmente à falta de todas as virtudes morais, que ele se torna orgulhoso, duro, irritado, voluptuoso, cruel. “(12)

Moderada em espírito como em seus gostos – nós rimos de um estilo de vida modesto considerada avarento – Montesquieu, como Montaigne acreditava ser o catolicismo útil para a ordem social. Ele morreu assistido por dois confessores jesuítas em Paris em 10 de fevereiro de 1755.

Bibliografia:

1 : Eyran : une Seigneurie et des dynasties Bordelaises, Stéphane de Sèze, Éd. Jean-Jacques Wuillaume,www.tracetavie.coma ser publicado no 2o semestre de 2016.
2 : Lettre à Solar de 7 março de 1749, citada por François Cadilhon, http://dictionnaire-montesquieu.ens-lyon.fr
3 : Monique Brut-Moncassin, « Montesquieu, ces dames et le vin », « Montesquieu en ses vignobles, Au fil des Pages, 2010
4 : Pensées, no 213, cité par F. Cadilhon, op.cit.
5 : Académie des Sciences, Belles-Lettres et Arts de Bordeaux, catálogo dos manuscritos da antiga Academia, 1712-1793, Imprimerie Gounouilhou, 1879, p. 16.
6 : The British Journal, 16 mai 1730, cité par Charles Porset,” Montesquieu, Charles de Secondat, baron de la Brède et de Montesquieu (1689-1755) », dans Charles Porset et Cécile Révauger, Le Monde Maçonnique des Lumières (Europe-Amériques-Colonies) Dictionnaire prosopographique, Paris, Champion, 2013, III, 2010-2016.
7 : Id.
8-9 : Ibid.
10 : Sur la franc-maçonnerie à Bordeaux voir Florence Mothe, Lieux symboliques en Gironde, Éd. Dervy 2013
11 : Charles Porset, op. cit
12: Do Espírito das Leis, livro XV, cap. 1o.