sábado, 28 de janeiro de 2017




Uma palavra sobre a alquimia


Cabe aqui uma palavra sobre a alquimia. Simultaneamente arte, técnica e ciência do espirito, essa misteriosa ocupação tem desafiado a argúcia dos historiadores, provocado perplexidade nos cientistas e alimentado a imaginação dos amadores do insólito desde tempos imemoriais. Fonte inesgotável de tesouros literários, rendeu algumas obras primas da literatura mundial, entre os quais o clássico de Rabelais, As Aventuras de Gargântua e Pantagruel. Segundo alguns autores, os romances do Graal são alegorias alquímicas que procuram transmitir aos adeptos da arte de Hermes o seu magistério. Inspirou também famosos contos de fadas, como O Gato de Botas, Ali Babá e os Quarenta Ladrões, O Pequeno Polegar, As Viagens de Guliver, etc.e algumas boas obras modernas como as estórias de Harry Potter, O Alquimista, de Paulo Coelho, os Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia Marques e outros. Segundo Pawels e Bergier, mais de cem mil livros foram dedicados a essa prática, o que no mínimo a eleva a fenômeno cultural dos mais significativos.[1]

Somente essa constatação já nos parece suficiente para que a alquimia não seja levada na conta de pura divagação de espíritos fascinados pelo fantástico. Hoje não se tem muita dúvida que se trata de uma técnica, cuja origem está na prática da metalurgia antiga - prática essa, como bem demonstrou Ambelain - de caráter sagrado. Tanto na China, com os taoístas, como no Egito dos faraós, com os sacerdotes de Heliópolis, ou na Grécia clássica, com os filósofos naturalistas, foram as técnicas metalúrgicas, aliadas ao pensamento mágico que elas naturalmente evocam, que deram origem á alquimia. Daí ela se organizou como ciência da natureza e prática espiritual para o desenvolvimento de uma consciência superior.

Os trabalhos de René Alleau e Mircea Eliade demonstraram com muita propriedade que a alquimia, desde a mais remota antiguidade, é uma arte iniciática, associada aos mistérios da natureza.[2] Por isso era praticada pelos sacerdotes egípcios e hindus em seus templos, não só como forma operativa de produção de artefatos preciosos, mas também como disciplina do espírito para atingir o êxtase espiritual. Mais tarde, os filósofos taoístas e gregos a elevaram á nível de disciplina acadêmica, organizando-lhe uma epistemologia própria, fazendo dela uma arte especulativa e empírica ao mesmo tempo. [3]

No Egito essa arte era própria dos ourives, mestres na fabricação do “ouro falso”, como eram chamados os artefatos fabricados com metais comuns, submetidos a banhos dourados para imitar o ouro. Essa atividade era praticada sob a supervisão direta dos sacerdotes e tida como “arte sagrada”, comparável á arquitetura. Durante muitos séculos os gregos tentaram descobrir o segredo de tais banhos, e foi no curso dessas tentativas que eles desenvolveram a forma operativa da alquimia, especulando primeiro e depois realizando experiências de laboratório, anotando e analisando os resultados. Com isso deram á essa prática, em principio uma arte empírica, um caráter de ciência experimental.

Foi na Grécia, já no século II da era cristã, que apareceu o primeiro tratado de alquimia, escrito por um filósofo gnóstico de nome Zózimo. Mais tarde, Jâmblico e Pelágio, mais filósofos do que cientistas, ambos ligados ao pensamento esotérico, retomaram o trabalho de Zózimo, vinculando a alquimia aos Mistérios Egípcios e a tradição hermética, com a qual ela ficou identificada desde então. Associando os símbolos alquímicos á tradição esotérica, fizeram da alquimia uma ciência do espírito, e mais tarde, quando ela se integrou á cultura medieval , passou a ser também a Art d’Amour, pela interação do sonho alquímico com as tradições da Gennete [4]

Foi, portanto, a partir dos trabalhos de pensadores gnósticos, como Jâmblico, Pelágio, Olimpiodoro e outros, que a alquimia ganhou o status de arte hermética, já que foram aqueles autores que divulgaram a lenda que tais conhecimentos teriam sido legados á humanidade por Hermes Trismegisto, sacerdote que teria vivido três encarnações no antigo Egito, e em cada uma delas legado aos homens os conhecimentos necessários para o desenvolvimento da civilização. Na primeira encarnação Hermes teria ensinado as técnicas de agricultura, na segunda a arte da escrita e na terceira a metalurgia, com os segredos a ela ligados, entre eles o da fabricação do ouro e da realização espiritual através da prática dessa arte. Para os gregos, Hermes foi sucessivamente o deus Osíris, o deus Toth e o próprio Hermes grego; houve inclusive quem o visse como encarnação de Moisés e Salomão, já que eram muitas as tradições que atribuía ao rei israelita a invenção da pedra filosofal.

Entretanto, os maiores divulgadores da alquimia foram realmente os árabes. Pelos menos, são muçulmanas ou mouriscas as mais fortes tradições e referências á respeito dessa prática, em épocas anteriores ao século XII, quando ela penetrou na Europa e caiu nas graças dos “espíritos de categoria”, na expressão de Pawels e Bergier.


Os métodos da Alquimia 


Especializando-se nas artes da metalurgia, os alquimistas procuravam aprender os processos pelos quais a natureza produz os minerais. Com esse conhecimento, trabalhando em seus laboratórios, poderiam repeti-los e realizar transmutações de metais simples em metais preciosos. Graças a esse trabalho, muitas descobertas no campo da química, da medicina e da metalurgia foram realizadas.
A possibilidade de transformar um metal comum em ouro não era um sonho, uma fantasia de loucos possuídos pelo delírio metafísico, como muitos autores racionalistas têm definido, mas sim uma prática desenvolvida a partir de uma teoria, que, se pelo menos não era exata, nada tinha de loucura. Os alquimistas acreditavam que os metais eram encontrados na natureza na forma perfeita e imperfeita. Os imperfeitos eram aqueles alteráveis pela ação da natureza. Oxidavam-se, corroíam-se, alteravam-se pela ação do fogo e outros elementos. Os perfeitos eram inalteráveis e resistentes a esses elementos. Entre os primeiros listavam o ferro, o chumbo, o estanho, o cobre; entre os segundos, a prata e principalmente o ouro.

Todos os metais, segundo essa teoria, eram formados por dois elementos, que eram o enxofre e o mercúrio, encontrados em quantidades variáveis em cada metal segundo sua categoria. O que conferia a cada metal a qualidade de perfeição era a pureza desses dois constituintes. O ouro era constituído por uma grande quantidade de mercúrio e uma pequena quantidade de enxofre, ambos muito puros. O estanho, o ferro, o cobre, ao contrário, eram constituídos por grandes quantidades de enxofre e pequenas quantidades de mercúrio, ambos mal fixados, ou impuros. Então, para se alterar as propriedades de um mineral impuro, tornando-o puro, era preciso submetê-lo a um processo de eliminação de suas impurezas, fazendo-o passar do estado imperfeito para o perfeito.[5]

O processo pelo qual um metal ordinário pode ser transformado em ouro é explicado por Ouspensky como sendo uma transmutação da matéria em seu estado físico para um estado “astral”, por meio da sua desmaterialização. Dessa forma o metal desmaterializado pode ser “modificado” pela vontade do operador, retornando ao mundo físico como outro metal, no caso, o ouro. Esse seria o processo pelo qual os alquimistas realizariam as suas transmutações. Convenhamos que se trate de uma explicação um tanto imaginosa para uma operação que ninguém sabe se um dia foi sequer realizada. Só vale citá-la mesmo em razão do simbolismo que encerra.[6]

Na verdade, no plano físico, a crença que está no cerne da prática alquímica é simples e pode ser explicada a nível operacional. Trata-se simplesmente de isolar, pela ação do fogo e pelas diversas recombinações da sua estrutura, o chamado “DNA” de um determinado elemento da natureza, que segundo a crença dos alquimistas, conteria a chamada “alma” dos metais. Isolada essa “alma” e aplicada em novas combinações atômicas, o metal original mudaria de estrutura.[7]

[1] “Conhecem-se mais de cem mil livros ou manuscritos alquímicos” , escrevem aqueles autores. “Essa imensa literatura, á qual se consagraram espíritos de categoria, homens importantes e honestos, essa imensa literatura que afirma solenemente a sua adesão a fatos, a realidades experimentais, nunca foi explorada cientificamente. O pensamento reinante, católico no passado, racionalista atualmente, manteve em redor desses textos uma conspiração de ignorância e desprezo. Existem cem mil livros que possivelmente contém alguns dos segredos da energia e da matéria. Se isso não é verdade, eles pelo menos assim o proclamam” Pawels e Bergier- O Despertar dos Mágicos pg. 101
[2] Mircéa Eliade - Ferreiros e Alquimistas – Ed. Flammarion,1977
[3] Bernard.Rogers- Descobrindo a Alquimia pg. 28
[4]Gennete é palavra francesa que designa a instituição da Cavalaria.
[5] Na imagem, o alquimista moderno em seu laboratório. Fonte: alquimia.blogspot.com
[6] P. D Ouspensky,- Um Novo Modelo do Universo. pg. 92
[7] Serge Hutin. História da Alquimia. São Paulo, Cultrix, 1987.
João Anatalino

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017


A CORDA DE 81 NÓS: UMA VISÃO OPERATIVA


Irmãos: Lincoln Gerytch

Sérgio K. Jerez
Ulisses Pereira da Silva Massad
Loja Nova Esperança, 132 – Oriente de São Paulo


Nós, como nós,
atados no fio da vida,
unidos, mas sempre sós,
elos do eterno, medida.


Nós, de S.K.Jerez


A arte da cordoaria e os nós


O uso de cordas, cordões, nós e laços pelo homem se confunde com a sua própria história. Fundamentais para a evolução da espécie e extremamente valiosos para o estabelecimento de sua supremacia sobre outros animais, o desenvolvimento destes recursos como parte do ferramental de sobrevivência humano só deve ser posterior, na escala tecnológica – se o for – ao emprego de pedras, paus e ossos pelas comunidades primitivas. Supõe-se – já que não há provas materiais disso – que mesmo o Homo habilis, que viveu entre 2,5 e 1,6 milhões de anos atrás, na África oriental, já fosse capaz de realizar atividades básicas de cordoaria e entrelaçamento de fibras.

Os primeiros materiais para confecção de cordas devem ter sido trepadeiras, cipós, peles de animais, cabelos, junco, cânhamo, tendões e tripas. Inicialmente, elas devem ter sido utilizadas para confeccionar abrigos, leitos em árvores e atar coisas a serem transportadas, e deve ter se passado um longo tempo até que os nossos ancestrais percebessem o seu valor no desenvolvimento de artefatos de caça, pesca, ataque e defesa.

Os arcos e flechas, por exemplo, que requerem o uso técnicas apuradas para produção de cordas e elaboração de nós, só vieram muito depois. Não se sabe ao certo onde se originaram, mas os vestígios mais remotos de seu uso foram encontrados em Angola, datando de aproximadamente 30 mil anos.

A descoberta, em 1991, do “homem do gelo”, – Oetzi, como foi apelidado – que morreu no Tirol há cerca de 5.400 anos, permitiu uma avaliação precisa do papel dos nós e das cordas nas vestimentas e utensílios dos povos europeus antigos.

Há mais de 3 mil anos, como decorrência de sua familiaridade no trabalho com cordas e nós, que vinha desde os primeiros hominídeos, os egípcios e seus vizinhos semitas e líbios já eram capazes de produzir tecidos com alto grau de sofisticação.

A par do uso das cordas nas atividades do dia-a-dia, os nós, em particular, desempenhavam um papel importante nas crenças egípcias. A eles era atribuido um poder mágico, médico ou religioso. O tipo do nó variava segundo o seu emprego. A direção das laçadas, o número de cordões que o compunha e o material com que era feito também eram específicos para cada finalidade.

Para os egípcios, tanto fazer nós quanto desfazê-los poderia trazer resultados positivos ou negativos. Por exemplo, um nó na ponta de um cordão protegia contra as influências do mal. Contudo, se o mal já estivesse instalado, o impediria de sair. Desfazê-lo significava remover qualquer bloqueio, mas, por outro lado, poderia abrir caminho para que alguma força potencialmente prejudicial tomasse conta de seu usuário. O mesmo nó, no campo da medicina, era usado pelas mulheres grávidas para como um amuleto para prevenir sangramentos ou abortos.

Um nó muito importante na mitologia egípcia era o Nó de Ísis, semelhante aos nós que, naquela cultura, ornamentavam a gola das vestes das divindades em geral. Segundo o Livro dos Mortos, quem usasse este nó ganharia a proteção de Ísis e de seu filho Hórus, e seria bem-vindo no outro mundo. Os sacerdotes e sacerdotisas de Ísis, em particular, eram reverenciados por seu poder de cura e frequentemente recorriam ao uso de cordões e nós mágicos em suas terapias. Para demonstrar que acreditavam no seu próprio remédio, usavam, eles mesmos, cabelos trançados, tradição esta que migrou para a cultura greco-romana junto com o culto à deusa.

Os kvinus, formas primitivas de registrar de informações, também recorriam ao uso de nós e cordas. São os registros “escritos” mais antigos da história. Empregados como sistema de memorização pelos povos andinos, chineses e japoneses ancestrais, usavam uma convenção de sinais feitos com nós que auxiliavam na preservação da memória de fatos e conhecimentos.


Kvinus, uma escrita ancestral

Tudo isso dá uma ideia da importância da arte da cordoaria e das técnicas para elaboração de nós no desenvolvimento das civilizações. Talvez por serem um recurso muito comum e, sob a maioria dos aspectos, muito simples, os livros de história não lhes deem o devido destaque. Mas o fato é que cordas e nós sempre estiveram presentes, quaisquer que fossem os seus usos, na trajetória do homem. São, portanto, uma parte indissociável da tradição dos povos, em todos os continentes.


As cordas e os nós na Maçonaria Operativa

A utilização de cordas ou, pelo menos, o entrelaçamento de fibras, está no nascedouro das ciências construtivas. A partir do momento em que o homem deixou as cavernas e passou a adotar uma vida nômade ou seminômade, a confecção de abrigos tornou-se fundamental e, neste contexto, saber fazer cordas e confeccionar nós podia significar a diferença entre sobreviver ou não, já que seu uso proporcionava mais resistência e segurança às primitivas habitações.

Possivelmente foi muito depois da corda ter sido intensivamente usada nas situações mais comuns – como amarra, meio de tração e arrasto, auxiliar em escaladas, recurso de ataque e defesa, utensílio de caça e pesca – que ela passou a ser utilizada com uma finalidade mais nobre, qual seja, como instrumento de medição. E foi mais adiante ainda que alguém deve ter tido a ideia de fazer nós equidistantes nas cordas, de modo a que pudessem servir não só para medir partes inteiras, mas também frações dessas partes, a exemplo do que o homem provavelmente já fazia com as varas de medição.

No estabelecimento de extensões maiores, como, por exemplo, terrenos e áreas rurais, a utilização de cordas com nós era essencial, já que o uso de outros recursos levava a medidas menos precisas. Há indícios de que eram usadas com essa finalidade pela maior parte das principais civilizações antigas, como a suméria, egípcia, chinesa, grega e romana.

No Egito, especialmente em função das cheias do Nilo, que destruíam as divisas das terras aráveis, os agrimensores exerciam um papel fundamental. Eram chamados de Hardenonaptai (esticadores de corda). Heródoto, o historiador grego, já menciona o trabalho deles ao se referir a Ramsés II (aprox. 1.300 a.C.), dizendo que o faraó egípcio distribuia lotes de terra para os seus governados, em parcelas retangulares iguais, sobre as quais cobrava um imposto anual. Quando o rio varria as linhas demarcatórias, era comum os proprietários pedirem redução nos valores a serem pagos, alegando a diminuição de sua área. O faraó, no entanto, cioso das receitas que as terras lhe proporcionavam, enviava seus agrimensores para restabelecer os limites perdidos ou determinar a pertinência da redução do imposto.

Isso mostra que os agrimensores não só determinavam distâncias simples entre pontos, mas que eram capazes de estabelecer ângulos retos através de um recurso que era passado tradicionalmente de geração para geração: a corda de doze nós. Não se sabe onde e quando esta tradição teve início, mas o fato é que, por experiência prática, os esticadores de corda sabiam que era possível, utilizando-se apenas uma corda fechada com doze nós equidistantes, criar um triângulo retângulo onde a medida de cada lado correspondia, respectivamente, a 3, 4 e 5 intervalos entre nós, como mostra a figura abaixo:


O triângulo de 3, 4 e 5 medidas[1]

Os agrimensores eram muito prestigiados no Antigo Egito. Como toda a cultura girava em torno das cheias do Nilo e das grandes construções, medir era uma atividade essencial e constituía o topo da escala de conhecimentos da época. Prova disso é que a cerimônia mais importante da tradição egípcia era chamada de “esticar a corda”. Seus rituais estavam associados à medida do tempo e do espaço na terra e nos céus, nos quais a deusa Seshat, padroeira dos arquitetos, aparecia ao lado do faraó.

Voltando-se à corda, credita-se a ela os primeiros passos de uma ciência que é, seguramente, a mais cara para os maçons: a geometria. Quando se amarram hastes nas extremidades de uma corda e se fixa uma destas hastes num determinado ponto no chão, basta esticar a corda e com a haste remanescente girar em torno da haste fixa, que desenharemos um círculo, figura fundamental de todo desenvolvimento geométrico. Não por acaso, alguns dos filósofos gregos mais importantes, como Platão e Aristóteles, atribuíam aos egípcios a criação da geometria.


O método de medição e de criação de figuras geométricas usando cordas permaneceu o mesmo durante muitos séculos, mas acredita-se que, com o objetivo de aumentar-se a exatidão das medidas, os nós tenham sido gradativamente substituídos por algum outro tipo de marcação.

Foi apenas no século XVII que as técnicas de medição de terras tiveram um salto de qualidade no que tange à precisão, quando a agrimensura passou a adotar a Corrente de Gunter, uma cadeia formada por hastes de metal. Até então, as cordas ainda eram prevalentes. Só em 1922 é que foi patenteada a trena, por Hiram Farrand.


Corrente de Gunter

As cordas e os nós na Maçonaria Simbólica


Jean van Win[2] acredita que a corda que utilizamos na decoração do templos tenha sido introduzida na maçonaria simbólica devido a um engano. Segundo ele, o uso a corda de nós espalhou-se pelo mundo, a partir da França, por um erro de tradução do abade Pérau, que, em 1742, publicou um livro intitulado O Segredo dos Franco-Maçons, baseado na obra A Maçonaria Dissecada, de Samuel Prichard, editada em 1730. Nela, Prichard afirma que dentre os equipamentos da Loja há o “Pavimento Mosaico, que é o piso da Loja, a Estrela Flamígera, que é seu Centro, e a Orla Dentada, que é a borda em torno dela”[3]. Acontece que o abade traduziu, do inglês original para o francês, Pavimento Mosaico como Palácio Mosaico, Estrela Flamígera como Dossel Constelado de Estrelas e Orla Dentada por Borla[4] Dentada. Com isso, as potências maçônicas que, por qualquer motivo, se inspiraram direta ou indiretamente na tradição francesa, teriam assimilado o termo Borla Dentada.

Ainda segundo van Win, a adoção da corda como elemento na decoração dos templos teria vindo de uma tradição diferente: a partir do século XVI, era costume das mulheres nobres, ao enviuvarem, encimarem o brasão de seus maridos com uma corda ornada com nós de amor[5] terminada em borlas pendentes. Isso – acrescido de uma eventual associação com o termo “filhos da viúva”, surgido nos rituais na mesma época – teria bastado para que se passasse, por extensão, a associar a Borla Dentada de Pérau a uma corda com nós e borlas em torno da Loja.


Nó do amor

De todo modo, o fato é que as cordas com nós vêm sendo usadas desde então como ornamento nos templos, quadros ou tapetes de Loja maçônicos. Algumas Lojas utilizam nos seus quadros ou tapetes o número de nós conforme o grau representado. A maioria delas, no entanto, especialmente na Europa e América do Norte, adota a corda de 12 nós, que, como já mostramos, tem um significado relevante na história da geometria. Aqui cabe uma consideração: aceita-se, por seu caráter simbólico, que a corda maçônica, mesmo sendo aberta, tenha 12 nós, embora uma corda assim crie apenas 11 intervalos ou medidas entre os nós, o que não permitiria a representação de um triângulo retângulo. Ou seja, a rigor, a corda aberta em torno do templo, quadro ou tapete de Loja deveria ter 13 nós, perfazendo 12 medidas, para, desta forma, poder representar o triângulo pitagórico. Assim, quando fechada, os nós das extremidades poderiam ser sobrepostos, criando as condições para a criação do triângulo.


A corda com 13 nós (em preto) e 12 intervalos (em vermelho)

Diferentemente de outros países, no entanto, as potências do Brasil fizeram uma opção peculiar, adotando em suas Lojas a Corda de 81 nós, que, quando fechada, sobrepondo-se os extremos, formaria 80 intervalos. Logo, a ser observado o mesmo critério utilizado pelas Lojas do hemisfério Norte, dissociando a realidade do simbolismo, a corda maçônica brasileira poderia conter apenas 80 nós.

A exemplo da corda de 13 nós, a Corda de 81 nós também se presta à criação de um triângulo retângulo. Seus catetos correspondem aos intervalos formados, respectivamente, por 16 e 30 nós, e, a hipotenusa, por intervalos de 34 nós (16+30+34=80 e 162+302=342). Também, da mesma forma que a corda de 13 nós, a de 81 pode ser usada para criar triângulos equiláteros e isóceles e, assim sendo, quer sejam de 12 ou 80 nós quando fechadas, ou 13 e 81 quando abertas, geometricamente ambas as cordas expressariam o mesmo significado.

Os documentos históricos da maçonaria anteriores à criação da Grande Loja da Inglaterra, em 1717, denominados genericamente de Antigos Deveres, não fazem alusão a cordas e nós.

Já os rituais de 1904, publicados pelo Grande Oriente e Supremo Conselho do Brazil[6], mencionam apenas um cordão que forma, de distância em distância, nós emblemáticos (e) termina em uma borla pendente em cada um dos lados da porta de entrada. Conclui-se, desta forma, que o número de nós foi estipulado em data posterior à publicação dos rituais.

Não obstante, além das evidentes conotações geométricas, algumas referências podem ter sido determinantes para que o número de nós da corda adotada pela maçonaria brasileira fosse 81, quais sejam:
o número mínimo de meses estipulado para que um maçom chegue ao grau 33;
o total de graus da maçonaria francesa, em 1784;
a idade do mestre secreto (3 x 27);
a quantidade de atributos da divindade, para o intendente dos edifícios;
a idade do vigilante do perfeito e sublime maçom.

Além dessas, a inspiração para a adoção dos 81 nós pelas Lojas brasileiras talvez possa ter advindo de Albert Pike, que escreveu em seu livro O Pórtico e a Câmara do Meio, de 1872, o seguinte: “Ao redor de toda a parede, logo abaixo do teto, está pintada, nas Lojas francesas, um cordão ou corda com nós (la houppe dentelèe) de aproximadamente seis polegadas de diâmetro, com borlas pendendo em cada canto. Os nós são em número de oitenta e um. Não é usada nesta jurisdição.”

Quanto às borlas, nenhum documento foi encontrado que justificasse seu uso maçônico. Se foram, de fato, inspiradas no brasão das viúvas, serviriam apenas de arremate e adorno e, do ponto de vista operativo, não teriam qualquer significado.

Há, porém, uma hipótese plausível de que tenham existido marcadores de distância atados nas cordas junto com os nós ou em substituição a eles. Essa hipótese decorre da constatação de que algumas Correntes de Gunter adotavam pingentes de metal presos em cada elo, de modo que o agrimensor soubesse, ao olhar um pingente, a que distância se encontrava com relação ao início da corrente. Isso evitava, especialmente nas distâncias maiores, o trabalho de contagem e recontagem de elos, que poderia levar a erros.


Corrente de Gunter e os pingentes marcadores de distância

Ora, se é sabido que as cordas de nós foram aperfeiçoadas durante dezenas de séculos, é razoável imaginar-se que a solução dos pingentes fosse anterior à invenção das Correntes de Gunter. Assim sendo, da mesma forma que adotou as cordas com nós, não seria de se estranhar que a maçonaria simbólica tenha incorporado também os pingentes, transformando-os em borlas. Mas isso é apenas um palpite.

Para concluir, mesmo considerando que o uso da corda de nós pela Ordem possa, de fato, ter advindo do erro de tradução de Pérau, é inegável que esta “coincidência” foi extraordinariamente feliz, já que, à exceção da Pedra, nenhum outro utensílio operativo poderia ser considerado mais importante e tradicional.

Mas estes são apenas aspectos exotéricos relacionados à Corda de 81 nós. Muito mais se poderia falar sobre ela ao analisá-la sob outros prismas.

É o que pretendemos fazer oportunamente…


Bibliografia

Ashley, C.W. – The Ashley Book of Knots – Londres, Inglaterra, Faber and Faber, 1993

Buckland, R.– Buckland’s Complete Book of Witchcraft – St. Paul, Minnesota, E.U.A., Llewellyn Publications, 1997

Cassidy, J. – The Klutz Book of Knots – Palo Alto, CA, Klutz, 1985

Gould, R.F. – Collected Essays and Papers Relating to Freemasonry – Belfast, William Tait, 1913

Mackey, A.G. – An Encyclopedia of Freemasonry – Nova Iorque, E.U.A., The Masonic History Company, 1914

Paulson, J. F. – Surveying in Ancient Egypt – Cairo, Egito, Anais do From Pharaohs to Geoinformatics FIG Working Week 2005 and GSDI-8

Pike, A. – The Porch and the middle chamber: book of the Lodge , 1872

Poll, M.R. (ed) – Ancient Manuscripts of the Freemasons – New Orleans, LA, Cornerstone Book Publishers, 2009

Prichard, S. – Masonry Dissected – Londres, Inglaterra, Charles Corbett, 1730

Rituais no 1º, 2º e 3º Graus adotados pelo Supr\ Cons\ do Brazil, em julho de 1898 – Rio de Janeiro, Typ. J. Schmidt, 1904

Turner, J. C. e van de Griend, P. (ed) – History and science of knots, Singapore, World Scientific, 1995

Van Win, J. – La Houppe dentellée: cordelière ou « floche », décor ou symbole?- extraído de http://montaleau.over-blog.com/article-rite-francais-de-la-houppe-dentellee-66256800.html

Wendrich, W. – Entangled, connected or protected? The power of knotting in ancient Egypt –

in K. Szpakowska (ed) Through a Glass Darkly: Magic, Dream and Prophecy in Ancient Egypt 243-69 Swansea, The Classical Press of Wales, 2006.

Dezenas de artigos extraídos da Internet

Notas

[1] Também conhecido como triângulo de Pitágoras.

[2] Membro honorário da Loja Anderson, 82 (Grande Oriente da Bélgica), de Bruxelas, foi presidente do Capítulo Francês Le Prínce de Ligne para Bruxelas e Soberano Grande Inspetor Geral do Conselho Supremo Misto do Rito Moderno Francês para a Bégica.

[3] No original, Mosaick Pavement, the Ground Floor of the Lodge, Blazing Star the Centre, and Indented Tarsel the Border around about it.

[4] Segundo o Houaiss, borla é obra de passamanaria que consta de uma base forrada de tecido, linha ou outro material, da qual pendem franjas; pompom, bolota.

[5] Nó de amor é o termo que se usa para definir o nó utilizado pela maçonaria. Talvez esse nome decorra da sua utilização no brasão das viúvas, expressando seus ternos sentimentos pelos maridos. No entanto, uma variedade de nós, independentemente de seu formato, são empregados desde a antiguidade para simbolizar amor, amizade e afeto. Mackey cita o nó de amor quando fala da ordem dos Chevaliers et Chevalieres de la Rose, criada na França.

[6] Brazil com z, na ortografia original.

REIS MAGOS, ZOROASTRISMO E MAÇONARIA

Tradução José Filardo

por IVES BOMATI


Em 6 de janeiro, a Epifania celebra os três reis magos vindos do Oriente para prestar homenagem ao Cristo, recém-nascido em Belém. A viagem deles não é questionada, mesmo se a festa que ela gera consista na partilha alegre de um bolo de “Reis”. O que é a “Epifania”? Quem são estes magos guiados por uma estrela? E em que este episódio está relacionado com a maçonaria?


A Epifania e os Magos do Oriente

Doze dias depois do Natal, a Epifania, palavra que significa, segundo a etimologia grega, “aparição”, marca o retorno percebido da luz após o solstício de inverno. Que vêm, portanto, fazer ali os Reis Magos, nem hebreus, nem gregos, nem romanos, na lenda cristã?

O apóstolo Mateus (2,1-12) indica que eles chegam do Oriente guiados por uma estrela, sem dar mais detalhes. Não foi senão a partir do século VI que se fixará o seu número e seus nomes Caspar, Melchior e Baltazar, e que lhes será atribuída uma tripla origem, Asiática, europeia e Africana, para promover a universalidade almejada do cristianismo.

A verdade é mais direta. Quando do nascimento de Cristo, os únicos magos orientais conhecidos eram os Medos, originários do império persa, o atual Irã. Eles praticavam o zoroastrismo, a forma reformada do mazdaismo, e eram especialistas na ciência dos astros. Sem a estrela brilhante que os teria guiou, eles certamente não teriam empreendido uma viagem de mais de 1.600 km com o único propósito de depositar ouro, incenso e mirra aos pés de um recém-nascido. A sua missão é mais fundamental: eles vieram legar ao cristianismo e ao novo mundo, por seu gesto simbólico, o melhor de sua religião, proporcionando uma ponte entre suas próprias crenças e o primeiro cristianismo que a permeará amplamente.

A riqueza moral do zoroastrismo

O Avesta, escrito por vários séculos é o livro sagrado dele. Seus textos mais antigos, os Gathas, prosódias de lirismo cósmico, são devidos ao profeta Zaratustra (também conhecido como Zoroastro pelos europeus), e datam do século XVII aC.

Zaratustra é um “reformador-filósofo”. Antes de sua pregação, o mazdeismo, religião de Ahura Mazda, resultou de um amálgama de velhas crenças, incluindo a coexistência de múltiplas divindades. Entre elas, Mitra parece ocupar um lugar proeminente. A ele se sacrificavam animais, enquanto que durante a sua adoração se consumia uma bebida energética feita de efedra, a haoma. Ao lado dele, outros deuses garantiam as colheitas, nascimentos, fertilidade dos casamentos, as estações do ano, etc. O fogo (Atar), o símbolo da incorruptibilidade era comemorado em todos os lugares.

É esse politeísmo que Zaratustra tem a intenção de reformar. Mudando o foco da divindade para as leis, ele reverencia apenas o princípio primeiro, o ordenador, Ahura Mazda, rejeitando os deuses, deixando subsistir as noções ou abstrações relacionados a eles. O zoroastrismo mais puro vai além das tradições, redefine a relação entre as pessoas e o princípio soberano, o pensamento que o sustenta trazendo com ele uma revolução social e espiritual.

Ahura Mazda é o Único. Conceito espiritual que não pode ser representado, ele é onisciente e onipotente. Ele tem seis atributos, herdados dos antigos deuses, solidariedade mútua, o Amesha Spenta (“as forças imortais que fazem progredir”) e interfere na evolução do mundo. O homem, chamado a desempenhar um papel ativo em seus desígnios, usa suas energias superiores para acessar o Bom Pensamento, a Boa Palavra e a Boa Ação. Esta colaboração entre o homem e o princípio superior é necessária em virtude da luta incessante entre as forças da vida (o bem, a inteligência, a luz) e a não-vida (o mal, o obscurantismo e a escuridão). O homem é livre para escolher entre a duas, mas deve arcar com as consequências.

Esta é uma pequena parte da mensagem revolucionária, ordenadora e moral que Zaratustra oferece à humanidade e que faz dele o fundador do monoteísmo mais antigo do mundo.


A influência de Zoroastro sobre os fundamentos da Maçonaria Europeia

Sua mensagem somente penetra na Europa na virada do século XVIII. Na verdade, as Viagens na Pérsia de Tavernier (1605 1689) e depois de Chardin (1643 -1713) onde são evocados os ritos de Guebres – outro nome dos zoroastristas – e a imagem de Zoroastro, guia dos Magos, despertar o interesse dos intelectuais. A moda é lançada: a tradução do Avesta, parcial, e completa em seguida, as obras que aparecem em 1700 em Oxford e depois em 1702 em Paris, onde Pierre Bayle (1647-1706) acrescenta um artigo sobre Zoroastro em seu Dictionnaire historique et critique, aumentando consideravelmente a influência do zoroastrismo sobre as correntes emergentes de pensamento.


Ramsay, Cahusac, Mozart… e outros

O Cavaleiro de Ramsay, bem conhecido nas lojas maçônicas, capturou a temática em 1727 e produziu um romance bem-sucedido As Viagens de Ciro e logo após um Discurso sobre a Mitologia que tornam ainda mais popular o profeta-filósofo. A batalha se trava entre os sábios: para alguns, o zoroastrismo permanece em uma visão de mundo “dualista” campo de batalha entre o bem e o mal; para outros, incluindo Ramsay, ele carrega consigo um monoteísmo cósmico cujas consequências perturbariam a ordem religiosa. Segundo Jean-Noël Laurenti, “o ensinamento emprestado de Zoroastro tendia a reconhecer um Deus único, e lhe conferia um lugar essencial entre dois princípios, o bem e o mal. Como o parentesco de tal religião com o cristianismo era flagrante, e que assim Zoroastro era considerado mais velho que Moisés, a tentação era grande de concluir que o cristianismo representava apenas uma forma entre outras de um monoteísmo acessíveis todos os homens, independentemente da Revelação. (…) Zoroastro se tornaria, assim, uma figura emblemática do deísmo. ” Não estamos no coração dos fundamentos da Maçonaria?

A mania por Zoroastro se estende a todas as artes. Jean-Philippe Rameau criou em 1749 uma tragédia lírica Zoroastro, reconstruída em 1756 e repetida com grande sucesso. Ele escolheu como libretista Louis Cahusac, secretário do conde de Clermont, Grão-Mestre da Grande Loja da França em 1742, que “defende bastante abertamente os ideais maçônicos, com uma história abordando a batalha da luz contra as trevas, que ilustra o hino ao sol, Mil Raios Brilhantes (ato 3, cena 5)”.

Mozart, em 1791, amplia ele também em A Flauta Mágica, a personagem de Zaratustra, sob os traços e acentos de Sarastro, em um contexto maçônico ainda mais presente. Ao contrário de seus antecessores, ele foi capaz de compreender melhor a essência do Zoroastrismo graças à primeira tradução completa francesa do Avesta. De fato, em 1757, Anquetil Du Perron (1731-1805) reencontrou os Parsis de Bombaim, descendentes dos zoroastristas iranianos que fugiram ao domínio árabe do século IX, que provocou a islamização das terras iranianas e trouxe uma cópia do misterioso Avesta . Ele publica assim, traduzido, em 1771 o Zend-Avesta, um livro de Zoroastro contendo as ideias teológicas, físicas e morais do legislador, as cerimônias do culto religioso que ele estabeleceu e várias características importantes relacionadas com a história antiga dos persas.

Contra todas as probabilidades, algumas mentes se decepcionaram com o que descobriram. Voltaire dedica um artigo irônico em seu Dicionário Filosófico: “Não se pode ler duas páginas do lixo abominável atribuído a Zoroastro, sem sentir pena da natureza humana. Nostradamus e o médico das urinas são pessoas razoáveis comparados a esse energúmeno; e mesmo assim falamos sobre ele, e voltaremos a falar. ”

Voltaire estava certo em sua última frase. Não se parará de falar de Zaratustra e seus pensamentos iluminado, livre da escória que o tempo fez pesar sobre ele.

Assim, Zaratustra, é uma das chaves do pensamento iraniano, também moldou o pensamento maçônico no século XVIII, sem ofensa a Voltaire. Sua filosofia moral, diferente da que Nietzsche revelou em Assim Falava Zaratustra, continua a ser, acima de tudo uma ode à felicidade e um caminho em direção a melhor viver em sociedade, longe das trevas. Nossos Reis Magos da Epifania não seriam o elo que continua a nos unir hoje a ele? Sua palavra original, em todo caso, sempre ilumina o pavimento de mosaico, ao mesmo tempo em que guia os homens para o Bom Pensamento, a Boa Palavra e a Boa Ação, quando ele escreve nos Gathas:

“Oh! Ahura Mazda
Zarathustra segue o caminho de teus pensamentos
mais evolutivos e produtivos para o mundo.
Que pela irradiação da Justiça e da ação que emana do Pensamento justo,
nossa vida material e espiritual tome força
e que a Serenidade ilumine
nosso mundo interior
e nos leve a uma vida feliz.”

(Os Gathas, canto VIII, Yasna, hat 43)




domingo, 22 de janeiro de 2017


JESUÍTAS E MAÇONS

 - OS BASTIDORES DE UM RELACIONAMENTO CONTURBADO

Tradução José Filardo



A eleição em 2013 do cardeal jesuíta argentino Berdoglio e posições aparentemente “progressistas” que ele assumiu como Papa Francisco reavivaram o velho fantasma de uma conspiração maçônica dentro da igreja. Esquecem-se de que a mesma acusação de infiltração foi feita no passado pelos maçons contra os jesuítas. Se for para fazer, hoje, tábula rasa dessas acusações, a história mostra que as relações entre a Companhia de Jesus e a corrente espiritualista da Maçonaria estão imbuídas de um fascínio mútuo.

“Não seria uma surpresa descobrir que Francisco é maçom, pois suas crenças – que se manifestaram por suas obras e ações – são maçônicas.” Trata-se, entre outras coisas, de uma das acusações que os fanáticos americanos do Mosteiro da Sagrada Família (1) fazem contra o primeiro papa jesuíta na história da igreja. Na França, essas acusações são retransmitidas pelo site conspiracionista lelibrepenseur.org – infelizmente muito visitado – que apresenta uma foto legendada “Papa Francisco, Grão-Mestre da Loja do Vaticano”.

Para compreender as verdadeiras razões para esta suposta “apostasia” do Papa Francisco, é preciso visitar o site de Michelle d’Astier de la Vigerie, ex-jornalista e empresária. Transformada em guru evangelista liderando uma cruzada ao mesmo tempo anti-católica, anti-muçulmana e anti-maçônica, esta antiga colaboradora da ex-primeiro-ministro socialista Edith Cresson afirma em seu site que o Papa Francisco é o instrumento de uma grande conspiração. Sob o título “A face oculta dos jesuítas, o Papa Francisco e a nova ordem mundial”, ela escreve: “Inácio de Loyola, judeu Marrano (isto é, judeu sefardita que se converteu ao catolicismo) é o fundador dessa Ordem, que, sob aparências muito religiosas, lidera uma batalha feroz para se impor, há séculos, uma doutrina e ações mais ou menos subversivas baseadas na infiltração, subversão da cultura e sobretudo uma obediência estrita ao Papa Romano “(2).

Porra, mas … é claro! Jesuítas, judeus, maçons, todos unidos para governar o mundo e lhe impor… Impor a ele o que, exatamente? Não sabemos, mas isso não é importante. O que conta é criar o problema, fazer acreditar que os dados apresentados à nossa razão não passam do reflexo distorcido de uma verdade escondida, oculta, mefistofélica.

Esta paranoia odiosa, amplamente descrita na obra de Umberto Ecco, tem suas raízes, no que diz respeito aos jesuítas, desde a fundação da ordem. Inigo “Inácio” de Loyola, um nobre Basco dedicado à profissão das armas é uma mente brilhante possuída por uma intensa vida interior. Sua fé ardente, ele a conquista à maneira de um soldado, forçando uma depois da outra as muralhas que impedem, nele mesmo, o chamado de Deus. Daí resulta o seu método prático “Exercícios Espirituais” para seguir o caminho da obediência. Desde o início, uma suspeita paira sobre Loyola. Na Espanha do século XVI, para os judeus, a conversão ao cristianismo não é mais suficiente para escapar da vingança da igreja. O transplante cristão foi tão bem feito que muitos “conversos” ocupam posições importantes na igreja – Teresa de Ávila é o exemplo mais brilhante – e, por casamento, na maioria das famílias aristocráticas. Foi então que nasceu a primeira ideia racista na história moderna, a da limpeza do sangre, a pureza do sangue que se exige, de até cinco gerações, de qualquer um que reivindique exercer qualquer função na sociedade espanhola. A suspeita está se espalha e Loyola não é exceção. Um dos irmãos de Inigo, instalado em Murcia deve proclamar que como todos os nativos da província basca de Guipúzcoa que ele descende de cristãos-velhos limpos de raça má, puros de “raça suja” (3). Uma anedota relatada por Pedro Ribadeneira, contemporâneo e próximo de Loyola, mostra que este últimos não está imune à “questão judaica”. “Um dia em que almoçávamos em grande número, o padre mestre declarou que por uma graça especial de Nosso Senhor e da gloriosa Virgem Maria ele descendia de uma linhagem judia que lhe faria entrar no parentesco de Cristo e sua mãe “(4). Philo seria diria hoje, Loyola recrutava entre conversos. De modo que dois de seus companheiros mais próximos, Juan de Polonco e seu sucessor imediato Diego Lainez seriam de ascendência judaica.

“A ordem dos jesuítas recém-fundada logo atraiu a exclusividade dos ódios e medos […] que se comparam somente às acusações tradicionalmente dirigidas aos judeus (os jesuítas, “judeus substitutos”? – uso da linguagem sugere bem, quando nos detemos no sentido secundário e pejorativos dos termos) “, escreve o historiador do antisemitismo, Leon Poliakov(5). “Criticou-se muito os jesuítas por ter introduzido o” espírito fariseu rabínico “, escreve ele sobre a casuística, esta abordagem jesuítica que consiste em categorizar os diferentes tipos de pecado, de acordo com os casos e as circunstâncias.

Teorias da conspiração

Em 1614 são publicadas em Cracóvia as Monita Secreta, ou “Instruções secretas” em que o padre polonês Jerome Zohorowski, rejeitado pela Companhia, coloca no papel a primeira teoria moderna da conspiração. Ao longo de dezessete capítulos, o livro detalha as supostas instruções dadas aos jesuítas para realizar o seu grande plano de conquistar e dominar o mundo através da adoção de uma atitude de humildade fingida, ao mesmo tempo que demonstra uma fé adulterada.

Condenada como falsa e caluniosa no ano seguinte, o livro teve, no entanto, vinte e duas edições em sete idiomas e ainda era dado como prova da traição dos jesuítas pelos maçons no início do século XX. Acrescentam-se às Monitas escritos antijesuitas tanto católicos quanto protestantes. E Jansenista, no caso de Pascal, que publica em 1656 suas “Provinciais”, memória em estilo epistolar em defesa de Antoine Arnaud, jansenista lutando contra uma alegada negligência dos Jesuítas em matéria de doutrina da graça. Nessa época, os jesuítas da França já tinham sido objeto de uma perseguição após o atentado fracassado contra Henrique IV em 1594. O jovem Jean Chatel, que tentou esfaquear o rei era seu aluno. Ele foi esquartejado. Jean Guignard, um de seus professores, foi enforcado e queimado em praça pública. A Ordem foi expulsa da França. Mas em 1604, mudando de opinião, o Verde Galante (Henrique IV) autorizou o retorno dos jesuítas e até mesmo tomou um deles, Padre Coto, como seu confessor.

O poder e a influência adquiridos pelos jesuítas no século XVIII despertavam inveja e ressentimentos. Presente em toda a Europa, incluindo Rússia, China, Índia e colônias americanas da Espanha e Portugal, seu estatuto especial que fazia dela servos obedientes do Papa não agradava aos governos. Em 1759 ocorreu a expulsão de Portugal e suas colônias. Na França, onde o espírito gálico era forte e onde um velho jansenismo assombrava a nobreza de robe, o parlamento de Paris pretextando um caso obscuro de falência em 1763 baniu a Companhia. Porque, dizia a sentença , a Companhia de Jesus “prejudica a ordem civil, viola a lei natural, destrói a religião e a moral e corrompe a juventude”. Os colégios jesuítas foram fechados, mas os padres da Companhia puderam permanecer na França desde que se comportassem como “súditos leais” do rei e exercessem o seu ministério sob a autoridade dos bispos.

Em 1767, foi a Espanha, irritada com a ação “emancipatória” dos Jesuítas junto aos índios do Paraguai quem decretou a expulsão. A influência espanhola na Sicília, Nápoles e Parma também os persegue. O movimento foi crescendo até a proibição universal imposta pelo Papa Bento XIV em 1773 após a bula – ordem – apostólica Dominus ac Redemptor.

Estamos então em plena idade das Luzes, a idade de ouro da Maçonaria Europeia. Uma maçonaria católica e aristocrática na França, que, mesmo sendo esclarecida, tem muito pouco a ver com a Maçonaria do século XIX. Em Portugal, é o Marquês de Pombal, primeiro-ministro maçom do rei D. José I, que promove a expulsão dos jesuítas a partir de 1759. Suas razões são mais políticas que doutrinárias. Sob o pretexto de que um jesuíta havia publicado um escrito vendo o terrível terremoto de 1755 como um castigo de Deus contra Portugal, o Marquês esclarecido aproveitou a oportunidade para se livrar dos concorrentes problemáticos e consolidar seu poder. O autor do escrito, Padre Gabriel Malgrida, antigo missionário no Brasil de 71 anos de idade foi preso, torturado e queimado por ordem do Marquês de Pombal. Na proibição de 1773, é também um maçom, José Moñino y Redondo, Conde de Floridablanca, embaixador de Espanha junto ao Papa, que pressiona este último a tomar uma decisão definitiva. Novamente, a medida é política. Trata-se, para o rei Carlos III de demonstrar sua independência em relação à igreja. Seu ministro da Justiça, Manuel de Roda o principal instigador da expulsão escreve ao duque de Choiseul “Nós matamos o filho. Resta-nos agora fazer o mesmo com a mãe, a nossa Santa Igreja Romana”.

No verbete “Jesuíta” do Dicionário Filosófico, Voltaire escreve: “Perdoa-se tudo, exceto o orgulho. É por isso que todos os parlamentos do reino, cujos membros eram em sua maioria seus discípulos aproveitaram a primeira oportunidade de aniquilá-los, e toda a terra ficou satisfeita com a queda deles”. O autor de Candide no qual ele os ridiculariza sabe, entretanto, reconhecer algumas qualidades em seus antigos mestres com quem estudou durante sete anos. Voltaire fala de uma “sociedade singular ”, “em que temos de admitir que vimos e até mesmo vemos ainda homens de raro mérito”.

Foi em 1814, depois de quarenta anos de turbulência na Europa, que o Papa Pio VII restaurou os direitos da Ordem. Mas o mundo tinha mudado. Os jesuítas que eram quase 25.000 em todo o mundo antes da proibição não passam de 2.000. Isso não impede que alguns vejam neles um perigo, desta vez não para a independência das monarquias, mas para o Iluminismo.

Ferocidade recíproca

A ferocidade dos Jesuítas ao combater as novas ideias motiva a ferocidade maçônica em imaginar uma conspiração jesuíta contra a sua ordem? Isso é pouco provável, já que a ideia de uma companhia de Jesus associada a todos os tipos de complôs é muito mais antiga que o iluminismo maçônico.

Em 1788, o irmão Nicolas Bonneville publicou em Londres uma obra intitulada “Os jesuítas expulsos da maçonaria e seus punhais quebrados pelos maçons”. Ele escreve ali, em parte: “Nós mostramos efetivamente a óbvia semelhança dos quatro graus maçônicos das milhares de lojas dedicadas a São João, com os quatro graus ou profissões da Sociedade de Santo Inácio” (ver quadro). A obra, escreve Charles Porset, (6) “se inscreve no quadro de uma acusação vaga mas recorrente, que a partir do século XVII, tinha associado os seguidores de Santo Inácio aos Rosacruzes […] . Bonneville, iniciador durante a Revolução de Círculo Social de que participa Condorcet acredita em uma forma de nova Maçonaria portadora de um messianismo político. Isso porque ele quer romper com a velha Maçonaria que ele acredita estar nas mãos dos jesuítas. […] “Eu sabia […], escreve ele, que o sistema parlamentar era os restos do jesuitismo; eu sabia então que estes restos dos jesuítas havia feito todo o possível para substituir seus emblemas estúpidos de seus quatro votos pelos emblemas antigos dos verdadeiros emblemas dos filhos da Luz; e eu sabia ainda com que artifício o Templo dedicado à Luz, à igualdade e às leis eternas da Natureza tinha sido mudado em muitos pontos, em uma permanência de trevas, de ignorância, de corrupção e de ambição . E qual ambição? A ambição de obter as fitas e cordões azuis, de ser chamado Cavaleiro, Príncipe, e milhares de outras bobagens deste tipo”(8). E então o Grande Oriente não ocupa desde 1774, em Paris, o antigo noviciado dos jesuítas na rua Pot-de-fer?

Para aumentar a confusão, em 1782, um dos participantes do convento de Wilhelmsbad que viria a dar origem ao Rito Escocês Retificado, havia afirmado que Inácio de Loyola fizera parte da Ordem dos Templários.

Na Alemanha, onde Frederico II tinha acolhido uma parte da diáspora negra após as diversas expulsões, os maçons, vencidos pelo Novo Templarismo da Estrita Observância Templária se perguntavam se os jesuítas não tinham assumido a tradição templária e assim a Maçonaria que a reivindicava. Nessa época, o Barão Von Nigge, membro de uma Loja da Estrita Observância, interessado em ocultismo e próximo do fundador da Ordem dos Iluminados da Baviera, Adam Weisshaupt – ele próprio um antigo aluno dos jesuítas – publicou em francês ” Tentativas de ex-jesuítas de restaurar na Bavaria a barbárie e a Ordem os jesuítas”.

“Partindo da ideia de que a Maçonaria tinha sido inventada pelos jesuítas para desestabilizar o regime hanoveriano implantado na Inglaterra e restabelecer os Stuarts católicos ao trono, eles (os Illuminati) tinham planejado se infiltrar nas lojas para as tornar instrumento de Iluminismo radical de que elas se diziam arautos […] é suficiente notar que a lenda dos Templários cujo uso Maçônico data de Ramsay (pelo menos) constituía para os Illuminaten a prova do domínio jesuíta sobre a Ordem, cujo simbolismo não poderia ser inteligível a não ser com essa chave. (…) “, escreve Charles Porset. (9)

Infiltração jesuíta

Christopher Bode, alto dignitário da Estrita Observância que se juntara aos Illuminaten instigado por Knigge, desenvolverá quanto a ele uma teoria mais original que a da “infiltração” jesuítica. Para ele, são os jesuítas que inventaram a Maçonaria na Inglaterra em meados do século XVII para combater o protestantismo; então, com a queda dos Stuarts, usaram a diáspora Jacobita para introduzir ritos católicos através de uma maçonaria templária e escocesa para restaurar a supremacia de Roma. Promovendo o desenvolvimento dos altos graus escoceses e Templários, os jesuítas teriam, assim, tentado se tornar os verdadeiros mestres da Europa.

Delírio conspiracional em uma Maçonaria, ela mesma suspeita de conspiração? “A tese (NDLA de Bode), como tal, não é implausível, escreve Charles Porset porque não é improvável que os soldados de Cristo tivessem conduzido sob outras formas, uma política em que a secessão protestante se tornasse necessária e ainda que justificasse sua proibição. ” Certamente. Mas as especulações de Bode nos deixam pensativos. Particularmente no que diz respeito à sua interpretação do mito de Hiram. O ramo de acácia plantado no túmulo do arquiteto, afirma Bode, tem a forma de uma cruz tripla, símbolo dos hierarcas da Igreja Romana. E o autor passa a descriptografar da mesma forma todos os símbolos maçônicos, especialmente aqueles dos altos graus, com a ajuda da chave jesuítica. “A afirmação, por menos paradoxal que pareça, escreve ainda Porset, pelo menos tem o mérito de tornar inteligíveis os símbolos que os próprios maçons não entendem. ”

Se nenhum historiador sustenta hoje que a Maçonaria poderia ter sido secretamente iniciada pelos jesuítas, está ao contrário provado que a Companhia de Jesus foi e continua a ser, dentro da Igreja Católica, a ordem mais interessada na Maçonaria (ver quadro). Evidenciado pela abundância de livros maçônicos do Fundo dos Jesuítas, dita Collection des Fontaines, arquivada na Biblioteca Municipal de Lyon em 1999. Para Michel Chomarat do Instituto de Estudos e Pesquisas Maçônicas em Rhône-Alpes (IDERM) “[…] não há dúvida, quando se percorre o conjunto de títulos e algumas notas manuscritas contidas oportunamente em alguns destes trabalhos, que vários jesuítas tiveram uma abordagem da Maçonaria, sem dúvida diferente de livresca… “.

A Companhia de Jesus, sociedade iniciática?

A pessoa somente se torna um jesuíta depois de uma longa jornada que se parece com uma iniciação. Aprovada pelo Papa Paulo III em 1540, a Companhia de Jesus é uma ordem religiosa que tem a particularidade de se reportar diretamente à autoridade do papa, mas tendo à sua frente um Superior Geral, Praepositus Generalis, também chamado “Padre Geral”, “Geral “, ou coloquialmente “papa negro” eleito vitaliciamente. Ele tem autoridade absoluta sobre a Companhia, nomeia os Provinciais, os “Prepostos em Casas professadas”, os “Reitores de colégios e seminários.” Sob suas ordens encontram-se os “assistentes”, cujas tarefas são divididas por região ou ministério – por exemplo, ensino – e que formam o Conselho Consultivo junto ao Geral. Ao contrário de sacerdotes comuns, os jesuítas respondem ao seu superior provincial, e não ao bispo.

A divisa da Companhia é de Ad majorem Dei gloriam “Para maior glória de Deus”. Além do ensino, que se estende a todos os níveis, os jesuítas praticam a pregação, são missionários, diretores espirituais, ensinam teologia, realizam investigação científica, etc. A espiritualidade da Companhia repousa nos Exercícios Espirituais compostos por Inácio de Loyola e se caracteriza pela absoluta obediência ao Papa segundo o princípio perinde ac cadaver “como um cadáver”.

A admissão à companhia acontece ao final de uma longa jornada. O postulante é submetido primeiro a uma entrevista, e, se aceito, deve escrever uma autobiografia espiritual, que lembra bastante o testamento filosófico. Ele deve ser entrevistado por quatro Jesuítas, antes que o padre provincial decida sobre a admissão do candidato ao noviciado que dura dois anos. O noviço faz o grande retiro de 30 dias de exercícios espirituais e várias “experiências”: peregrinações, estágios hospitalares. No segundo ano, uma “longa experiência” de alguns meses leva o novato a experimentar um aspecto da vida apostólica dos jesuítas. Ao final desse período, o noviço pronuncia votos perpétuos de pobreza, castidade e obediência. Segue-se um período de dois anos dedicados ao estudo da filosofia. Em seguida, vem um período de trabalho de dois anos a que se dá o nome de regência. Ela consiste de um compromisso apostólico em tempo integral, frequentemente no ensino. Os futuros sacerdotes fazem, então, quatro ou cinco anos de estudos teológicos. Após três anos de estudos teológicos, o jesuíta em formação é ordenado diácono, depois padre no ano seguinte.

José Antonio Ferrer Benimeli

As relações entre Igreja e Maçonaria não mudarão com o Papa Francisco

José Antonio Ferrer Benimeli é um padre jesuíta espanhol e acadêmico, que ensina história moderna na Universidade de Zaragoza, onde dirige um centro de estudo de Maçonaria. Autor de diversos livros sobre a maçonaria espanhola, ele também estabeleceu uma revisão de mais de 5.000 nomes de religiosos de todas as ordens que pertenceram à Maçonaria Europeia no século XVIII. É um dos arquitetos do diálogo entre a Igreja e os maçons em seu país. Ele exclui, para o momento, uma mudança nas posições da Igreja em um sentido mais liberal e explica porquê.

“Se é verdade que os jesuítas sempre tiveram uma posição mais aberta do que o resto da igreja com relação à Maçonaria, o fato de que o Papa Francisco seja um jesuíta não vai mudar nada no futuro imediato. Em primeiro lugar, porque o último documento contra a Maçonaria emanado de Roma foi desenvolvido por Bento XVI e não o vamos contradizer enquanto ele estiver vivo. Segundo, eu acho que há um enorme déficit de compreensão mútua tanto do lado da maçonaria quando da igreja. Os católicos não sabem praticamente nada sobre a maçonaria e os maçons quase nada sabem da Igreja. Eu acredito que o papa atual não é exceção. A ideia que ele pode ter da Maçonaria repousa sobre sua experiência na Argentina e na América Latina, onde a maioria das potências têm uma atitude de oposição frontal em relação à Igreja.

O outro grande obstáculo para promover o diálogo se deve à extrema diversidade da Maçonaria. Deve-se discutir com os ateus? Os deístas? Os espiritualistas? Os cristãos? Os agnósticos? É-nos dito que os maçons rejeitam os dogmas, mas a rejeição do dogma pode ser dogmática. No passado, as coisas eram, de alguma forma mais simples. Quando o padre Riquet foi recebido em loja no final dos anos 1950, ficou claro que uma certa maçonaria espiritualista solicitava um diálogo. A importância do catolicismo também era maior. Mas hoje as coisas são mais complexas. O que não impede o diálogo. E os encontros a título individual podem ser enriquecedores. É o que acontece na Espanha, onde durante cinco anos são organizados em Poblete na Mancha, jornadas de diálogo entre católicos e maçons das quais eu participo. ”