quinta-feira, 20 de outubro de 2016

O THAU, A SERPENTE DE BRONZE E A MARCA DE CAIN- SIMBOLISMO MAÇÔNICO

Autor: João Anatalino

“Moisés orou pelo povo e o Senhor disse-lhe: Faz uma serpente de bronze e põe-na no meio do povo como sinal. E aquele que, sendo ferido, olhar para ela, viverá.”Números, 21;11

A serpente de bronze

O que foi esse curioso remédio que Moisés aplicou ao seu famélico e perdido povo, quando este começou a ser atacado pelas serpentes no deserto? A Bíblia diz que os israelitas estavam impacientes com a longa e penosa jornada pelo deserto e começaram a reclamar. “ E o povo falou contra Deus e contra Moisés: Por que nos fizestes subir do Egito, para morrermos no deserto? pois aqui não há pão e não há água: e a nossa alma tem fastio deste miserável pão.”(Números, 21:5)

Consta que Jeová não gostou nada dessas reclamações e castigou os rebeldes israelitas mandando contra eles uma praga de serpentes cujas picadas ardiam feito brasa. E muitos morreram em consequência disso. 

Então foram pedir a Moisés que os livrasse dessa praga, reconhecendo que as tais serpentes tinham sido um castigo pela rebeldia que haviam mostrado contra os desígnios do Grande Arquiteto do Universo. .

“Então disse o Senhor a Moisés: Fazei uma serpente de bronze, e colocai-a sobre uma haste; assim, todo aquele que for mordido, ao olhar para ela viverá. Fez, pois, Moisés uma serpente de bronze, e pendurou-a em uma haste; e sucedia que, tendo uma serpente mordido a alguém, quando esse olhava para a serpente de bronze, vivia.”(Números, 21:6,7)

Evidentemente não passa pela cabeça de ninguém, pelo menos se esse alguém tiver um mínimo de discernimento, que essa passagem bíblica possa estar se referindo a algum fato verídico que se passou tal qual se descreve na Bíblia. Se assim fosse ele estaria em clara contradição com um dos mais claros preceitos do próprio Grande Arquiteto do Universo, que proibiu taxativamente que seus escolhidos fizessem, ou cultuassem imagens de quaisquer coisas vivas sobre a terra, sendo esse, a idolatria, um pecado capital punido com a mais horrível morte, ou seja, a lapidação. Por que então, o próprio Senhor, que se mostrava tão severo em relação á idolatria, não admitindo sequer um pensamento de infidelidade a esse respeito, iria recomendar um remédio tão idólatra para o seu povo? Também é difícil imaginar que a picada de uma serpente terrivelmente peçonhenta como são as terríveis chifrudas e as najas que infestam os desertos do Oriente Médio pudessem ser curadas com um recurso tão xamânico como esse preconizado pelo cronista bíblico. 

O Thau 

A Serpente de Bronze é claramente uma metáfora. Ela é o símbolo que representa o Thau, o seja, o emblema da “mudança de estrutura”, a troca de um estado por outro, o abandono de uma crença e a adoção de outra, ação essa fundamentalmente necessária para mudarmos uma situação que nos incomoda, por outra que poderá nos deixar mais felizes.
Na natureza, a principal representante desse simbolismo são as cobras. A certa altura de suas existências elas abandonam suas velhas peles, trocando-as por novas. É a renovação da vida que assim se processa. Assim, o que Deus quis dizer a Moisés, mandando que ele fizesse uma serpente de bronze e a colocasse num pedestal para que o povo pudesse olhar para ela e se curar do veneno das “serpentes ardentes” era simplesmente um comando para que os israelitas mudassem suas crenças. Pois se os israelitas continuarem acreditando nos deuses egípcios, sacrificando ao seus ídolos, iriam todos morrer naquele deserto.

Esse simbolismo assume um sentido mais claro quando se sabe o que significa o ícone da cobra enroscada numa haste, que se tornou o símbolo da medicina e da sabedoria hermética que releva a modificação espiritual do recipiendário, obtida pela iniciação. Esse símbolo é conhecido pela letra hebraica Thau. Ela é a última letra do alfabeto hebraico (ת), e no nosso alfabeto corresponde ao T. Por assimilação visual dá-se a essa letra o significado de cruz, embora na língua hebraica ela esteja conectada mais com o sentido da audição, ou seja, significa ouvir.

Desde os tempos mais antigos essa letra (ת) tem, para o povo de Israel, uma conotação de marca, sinal, ou seja, ela é um símbolo que significa “assinalar”. Foi com um Tau que Deus mandou marcar as portas das casas israelitas na noite em que Abbadon, o Anjo da Morte, passou pelo Egito e matou os primogênitos das famílias egípcias, como castigo pela teimosia do faraó em não querer libertar os filhos de Israel. (Êxodo 12:20).

Essa simbologia era usada também pelos egípcios, onde a serpente era um símbolo da força regenerativa e do poder transcendental atribuído aos faraós. Nesse sentido, ela era representada pela Uraeus, a serpente cósmica que simbolizava os ciclos da natureza em sua eterna repetição. Por isso a Uraeus, a cobra que engolia o próprio rabo, era um dos símbolos representativos das casas reais, que os usavam para representar a eternidade do Egito como Estado e das suas próprias dinastias como perenes. A Uraeus era sempre colocada na mitra do faraó, como marca representativa da sua realeza e do seu poder..

O próprio Rio Nilo, aliás, era visto como uma serpente que fertilizava e dava vida ao país. Por isso, nos rituais de sagração dos reis egípcios, os chamados festivais Sed, era costume a realização de rituais em que os leprosos, sinal de degeneração física e espiritual, eram curados pelo toque do cajado mágico do faraó, o rei-sacerdote, promovendo a regeneração da pessoa afetada. Uma dessas cenas de cura pelo cajado mágico do faraó encontra-se reproduzida na tumba de Kheruef, a camareira da rainha Tiye, esposa de Amenhotep III, pai do faraó Akhenaton. 

A Marca de Cain

Por outro lado, uma tradição cabalística sugere que a marca posta na testa de Cain, também foi uma cruz em forma de Thau. O quer dizer que aMarca de Cain, tão comentada em prosa, verso e romance, não é uma “marca de maldade”, mas sim, a marca de Deus, posta sobre a cabeça da humanidade, em forma de conhecimento, ciência, capacidade especulativa, livre arbítrio e liberdade de pensamento, pois essa tradição ensina que foram os descendentes de Cain (Jubal, Jabel e Tubal-Cain) que trouxeram as ciências para o seio da humanidade. (Gênesis, 4;17).

É que nessa tradição, a aquisição do conhecimento, das ciências profanas, sempre foi visto como sendo um pecado, uma rebelião do homem contra Deus, rebelião essa patrocinada pelo anjo rebelde Lúcifer. Essa visão está patente, por exemplo, nas profecias de Ezequiel onde o profeta diz: “Passa pela cidade, por Jerusalém, e marca com um THAU a fronte dos homens que gemem e choram por todas as práticas abomináveis que se cometem”(Ezequiel 9, 1-7). Nessa homilia, o profeta vituperava as autoridades civis e religiosas de Israel, que segundo ele, adotaram uma falsa sabedoria e haviam se esquecido dos preceitos dados por Jeová. E aqueles que fossem marcados com o Thau eram os “limpos e puros” que deviam escapar do castigo de Deus.

O significada da lenda

Essa tradição também é cultivada na Maçonaria através da Lenda das Colunas de Bronze. Para os hermetistas, o Thau, ou seja, a serpente enroscada numa vara, era conhecido como o Cajado de Hermes, o símbolo da regeneração. Hermes era o deus das mutações, por isso os alquimistas o adotaram como seu principal símbolo. Daí a alquimia ser chamada de ciência hermética por excelência. E por inferência, sendo a medicina a ciência que tem por objetivo a promoção da cura (regeneração) do organismo humano, esse símbolo foi adotado pelos praticantes dessa profissão. 

Com essas informações é possível começar a entender o emblemático episódio da Serpente de Bronze em seu significado hermético, simbólico e iniciático. Pois fora desse contexto ele não teria nenhum sentido. Na verdade, esse episódio é uma metáfora que significa a necessidade de se “despir da antiga crença” e adotar uma nova para poder sair de um estado (psicológico ou físico) que nos incomoda e entrar num novo. É como faz a serpente na sua ação de “trocar” de pele. Nesse simbolismo, o cronista bíblico utiliza as duas alegorias, para mostrar aos israelitas o poder de Deus e sua doutrina regeneradora. Como se sabe, a lepra era das principais doenças daqueles tempos. Sua principal manifestação era a ardência que essa doença provocava na pele dos afetados. Dessa forma, converter-se ao culto de Jeová significava a “a cura“ para todos os males. Aqueles que ostentassem a “marca de Jeová” ficariam livres de todos os males, especialmente a lepra (a picada da serpente) ardente.

Na Maçonaria, a Lenda da Serpente de Bronze é uma importante alegoria que veicula profundos ensinamentos iniciáticos. Ela é tomada no sentido simbólico de regeneração espiritual, fortalecimento de caráter e demonstração de fé, como símbolo da medicina que cura, de doutrina que leva o Irmão a emular suas virtudes e mitigar os seus vícios. 


João Anatalino

HUZZÉ E A BARCA DE RÁ


Por: Reinaldo Ramirez & Sérgio K. Jerez

(Extraído do site Bibliot3ca)


A mitologia egípcia

Dos povos da antiguidade, os egípcios certamente são os mais estudados. Mesmo antes da descoberta da Pedra da Roseta, em 1799, a cultura egípcia já desafiava a curiosidade dos exploradores europeus. Riquíssima em personagens que possivelmente provêm de períodos anteriores ao dinástico (c. 3.100 a.C.), a mitologia egípcia sempre foi pródiga na criação de divindades, heróis, vilões e lendas para explicar não só acontecimentos corriqueiros do dia-a-dia, mas também para dar uma dimensão mágica às questões religiosas e espirituais.

Nas dezenas de séculos que durou sua civilização, tanto os personagens mitológicos quanto os relatos em que estes estavam envolvidos sofreram diversas mutações, adaptando-se às questões sociais e aos valores dos períodos históricos nos quais estavam inseridos. Assim, os mesmos deuses, semideuses e entes mágicos adquiriram personalidades, nuances e contornos diversos, tornando quase impossível uma descrição única de suas características ao longo das diversas dinastias. Horus, por exemplo, uma das divindades mais antigas, assume tantos papéis e desempenha funções tão diferentes ao longo dos séculos, que se tentássemos montar um painel dos traços comuns a todas as suas versões, talvez acabássemos apenas com seu nome.

Uma civilização sofisticada como a do Egito, desenvolvida no calor inclemente do norte da África, tinha, como não poderia deixar de ser, um rico folclore em torno do trânsito solar[1]. Dentre os vários relatos fantásticos que contam histórias sobre o Sol, o da Barca de Ra ou Barca do Sol ocupa um papel de destaque. É contado em duas versões principais. A versão cosmológica é uma criativa tentativa de justificar porque o Sol nascia para iluminar o dia e se punha, trazendo a escuridão da noite. Já a versão mística, embora se valha praticamente dos mesmos personagens da cosmológica, busca explicar um dos maiores mistérios da criação: o que acontece depois da morte? Para tanto, elabora uma série de situações que descrevem a peregrinação dos mortos no caminho do além-túmulo, até alcançarem o direito a uma nova vida.

As duas versões envolviam cultos próprios, revestidos da maior dramaticidade. Ambas dispunham de rituais diurnos e noturnos. Os rituais noturnos, especialmente, eram imersos em tensão e comoção, na eterna dúvida sobre se o Sol nasceria pela manhã[2]ou, no caso da versão mística, se o morto poderia viver novamente.

O que veremos a seguir é como eram esses mitos e o que eles têm a ver com a maçonaria e com o uso da palavra Huzzé.

A versão cosmológica

O Sol do poderoso deus Ra já havia desaparecido atrás das montanhas ao longe, deixando como prova de sua passagem apenas o vermelho-alaranjado do céu e a silhueta das figueiras que, pouco a pouco, iam perdendo nitidez.

Na Barca de Ra tudo era silêncio. À medida que o Sol se punha e que as trevas do submundo (Duat) envolviam a nau, o medo e a apreensão se instalavam no coração dos tripulantes. A partir daquele instante, navegariam nas águas do caos. Ra, ao centro, mantinha sua serena austeridade, como a transmitir confiança aos companheiros de viagem. Todos tinham um papel a desempenhar. Destacadamente, a atuação de Heka, Set, Hu e Sia[3] seria determinante. Se vencessem Apep[4], a demoníaca serpente, novamente o Sol faria jus ao ressurgimento no leste. Para tanto, Heka garantiria que as magias praticadas contra Apep pelos sacerdotes tivessem eficiência plena. Set, por sua vivência marcial, asseguraria ao monstro um oponente cuja fúria estava à altura de sua malignidade. Sia traçaria os planos para a previsivelmente turbulenta viagem e Hu se encarregaria de verbalizá-los, comandando as ações e garantindo que fossem desempenhadas adequadamente. Além de terem a incumbência de zelar pela segurança de Ra, ambos, Hu e Sia, seriam os principais responsáveis por levar a viagem a bom termo.

Enquanto isso, nos templos de Abydos, desde o início do poente, os sacerdotes se revezavam em fervorosas preces, buscando com isso fortalecer os integrantes da Barca e aumentar a intensidade dos feitiços e maldições que, através de Heka, fariam exaurir as forças da horrenda e descomunal serpente.

As águas do caos pareciam calmas quando, repentinamente, um grito aterrador atravessou a escuridão. Tomada de surpresa, a tripulação mal havia se recomposto do susto quando a quilha da Barca bateu em algo que a fez adernar. Era Apep, que contorcia seu enorme corpo sob a pequena embarcação na tentativa de tombá-la e garantir desta forma que a escuridão eterna se instalasse no céu do Egito.

À medida que a noite avançava, mais intensas eram as sensações de que o naufrágio era iminente e maior o desespero. Bramidos alucinantes, urros encolerizados. Deuses contra monstro, luz contra trevas. Por horas a fio Hu e Sia, com manobras audazes, conseguiram evitar que as investidas de Apep tivessem sucesso. Mas estavam à beira da exaustão.

Já era alta madrugada e a serpente parecia perto de conseguir seu intento, quando Ra fez um sinal e Hu ordenou a Set que tentasse destruí-la.

A primeira oportunidade logo surgiu. Foi numa tentativa do descomunal réptil abocanhar Ra. Set saltou sobre ele como um raio e, valendo-se do elemento surpresa, tentou asfixiar a fera. O que se seguiu foi aterrorizante. Set e a serpente engalfinharam-se, revolvendo furiosamente as águas do caos e fazendo com que a Barca ficasse ao sabor das ondas e redemoinhos, quase soçobrando não fossem a precisão das orientações de Sia e a firmeza de Hu ao comandar. Lamentos, gemidos, gritos, ruídos indecifráveis. Terror. O cheiro do medo no ar… inquietação. Por fim, ao perceber a serpente extenuada pelos vãos esforços de afundar a Barca, pelas maldições que lhe foram lançadas e pelos golpes que lhe aplicara, Set conseguiu imobilizá-la e desferiu-lhe uma estocada sob a base da cabeça, matando-a instantaneamente.

Prova tua morte, ó Apep! Retrocede! Retira-te, ó inimigo de Rá! Cai! Sê repelido! Volta e recua! Eu te faço voltar e te corto em pedaços! Ra triunfou sobre Apep! Prova a tua morte, Apep![5] , ecoavam os hinos no templo.

Trazido de volta à Barca, Set foi recebido com alegria pelos companheiros. Mas, acossado pela vaidade, ufanou-se de ter sido o único responsável pela morte da traiçoeira cobra, o que provocou a ira de Ra, que imediatamente o fez abandonar a embarcação, deixando-o numa das margens do caos.

Hu prosseguiu no comando, ordenando as manobras previstas por Sia, até que, finalmente, com Ra são e salvo, puderam concluir sua vitoriosa peregrinação pelo submundo.

A estrela da manhã brilhava no céu. A despeito das dificuldades e obstáculos da viagem, a Barca de Ra, trazendo consigo o astro-rei, poderia novamente cumprir sua viagem no firmamento egípcio.

Os primeiros raios de luz apontavam no horizonte.

Reunidos num dos altares e banhados pela claridade, desgastados, mas ansiosos por aquele momento, os sacerdotes, num misto de alívio e intensa emoção, saudavam os principais responsáveis pelo feito. Ajoelhavam-se em direção ao nascente e exclamavam a uma só voz: Hu Sia! Hu Sia!, Hu Sia!

O Sol voltara a brilhar…

A versão mística

Como dissemos antes, esta versão da Barca de Ra se utiliza basicamente dos mesmos protagonistas da versão cosmológica, embora com diferentes ênfases.

O Sol da versão cosmológica transforma-se aqui no morto que almeja o renascimento ou, como querem alguns, a libertação eterna. Para conseguir seu intento, o finado deveria, durante a vida, ter pautado suas atitudes pela pureza e pela correção.

O julgamento de sua conduta seria conduzido por Ma’at, agora à frente da Barca, garantindo, em primeiro lugar, que o coração do morto fosse colocado no prato de uma balança e comparado com o peso de uma pena no outro prato. Isso indicaria a pureza de suas ações. Fosse bom, e o coração seria mais leve que a pena. Caso a balança de Ma’at pendesse para o lado do coração, estaria condenado à escuridão e aos tormentos perenes no submundo, que eram reservados aos adeptos do mal. Um lugar de incessantes castigos, repleto de entes maléficos gerados pelas perversidades mundanas, que despiriam o corpo do falecido e destroçariam suas entranhas como abutres, deixando-o ao sabor da decomposição.

Os maus teriam seus corações arrancados e suas almas baficariam perdidas, sem terem como voltar ao corpo original. Ficariam entregues à sede e à fome, e só teriam acesso às águas pútridas emanadas das fossas da impiedade. Ma’at não mais ouviria suas súplicas e, como Set, teriam que deixar a Barca. Seu tormento jamais cessaria. Já os bons, veriam suas esperanças de renascimento se materializarem como um raio de luz ao amanhecer, enquanto os sacerdotes responsáveis por ajudá-los em sua vitória sobre a morte cantariam hinos e comemorariam exultantes. Celebrariam a força de Ra e saudariam aqueles que transportaram o morto pelas águas do caos e o levaram incólume ao seu auspicioso destino final, bradando: Hu Sia! Hu Sia! Hu Sia!

Ecos de Hu e Sia

Não temos como afirmar que a lenda da Barca de Ra era exatamente assim. Algumas versões posteriores transformam Ra em Horus e, ao que parece, surge por isso um novo relato para a epopeia da Barca, embora com moral condizente com a anterior. Os egiptólogos nos dão conta de que em algumas dinastias acreditava-se na existência de duas barcas, uma noturna (Mesektet) e outra diurna (Mandjet), cujas tripulações variavam entre si, embora na versão diurna Hu e Sia sempre estivessem presentes, em geral apresentados como uma dupla inseparável. Tão inseparável, que nos tempos que se seguiram passaram a ser referidos por uma palavra só: husia e variações desses fonemas.

Acreditamos que o Huzzé do Rito Escocês Antigo e Aceito venha daí.

Até há algum tempo os estudiosos imaginavam que Sia e Hu pudessem ser personagens menores no panteão egípcio, mas as descobertas das últimas décadas mostraram que eram deuses importantes, e mesmo o Papiro de Ani, também conhecido comoLivro dos Mortos, relata cerimônias realizadas em sua homenagem[6]. Sia personificava a percepção, o planejamento perspicaz. Hu representava a voz de comando, a fala que infunde respeito.

Indícios de sua influência podem ser encontrados na cultura árabe pré-islâmica, onde Uzza era uma deusa cultuada como uma das três filhas do deus supremo, protetoras da cidade de Meca. A tradição diz que era a estrela da manhã (Vênus), o que mostra que, de fato, está relacionada a Hu e Sia. Seu nome tem a mesma raiz de Izza, que significa glória. Os nabateus, povo ancestral semita, a consideravam a deusa da fertilidade. Uma notável surpresa para nós maçons é que, posteriormente, na época de Maomé, havia uma tribo numerosa, denominada Ghatafan, que reverenciava a acácia egípcia sob este nome[7].

Na mesma linha das semelhanças fonéticas, a tradição judaica menciona um certo Husai, Uzzah ou Uzziah, fiel conselheiro de Davi[8], e, mais tarde, o Sefer Zohar[9] refere-se a Uzza como um anjo que se opôs à criação do homem. Já na Grécia, Aristóteles utilizava a palavra Ousia para expressar as qualidades essenciaisde algo.

É impossível garantir que todos esses nomes tenham Hu e Sia como origem, mas, certamente, alguns deles são repercussões da exaltação àquelas divindades nos vibrantes rituais egípcios.

As variações que julgamos potencialmente provenientes de Hu e Sia são aquelas que têm conotação de aprovação, regozijo ou júbilo – algo equivalente às interjeições salve ou viva em português – ou que, de alguma forma, mostram semelhanças com o papel que ambos representavam nos mitos.

O caminho para os nossos rituais

A primeira citação de huzza na lingua inglesa data de 1573. ODicionário Oxford de Inglês diz que nos séculos XVII e XVIIIhuzza era um cumprimento ou saudação usada por marinheiros para homenagear quem embarcava ou desembarcava. Na realidade, uma interjeição exclamativa. Menciona-se também que a expressão era um grito repetido em uníssono, sincronizadamente, quando os marujos atuavam em conjunto para puxar os cabos das velas ou as amarras da embarcação[10].


Há relatos de que nos séculos XVIII e XIX três huzzas eram dados pelo exército britânico antes das cargas de infantaria, como meio de ganhar moral e de intimidar o inimigo. Há quem diga que eram dois huzzas curtos seguidos de um terceiro, mais longo, dado durante a carga final.

De todo modo, e embora não existam provas documentais sobre isso, é possível deduzir que, a partir do Egito, a reverência a Hu e Sia tenha se espalhado por todo o Oriente Médio, como ocorreu com várias divindades[11]. O Olho de Horus, por exemplo, era – e ainda é – presença frequente na proa das embarcações mediterrâneas. Da mesma maneira, é bem plausível que Hu e Sia tenham se tornado, por motivos óbvios, inspiradores ou padroeiros dos navegantes da região e que seus vestígios tenham sido repassados a outros povos.

Foi dessa forma, acreditamos, que o brado utilizado no R.E.A.A. deve ter chegado aos marinheiros ingleses e depois, pelo fato da Inglaterra ser um país onde as atividades navais ocupavam grande destaque, passado ao resto da sociedade não só como exclamação de alegria e aprovação, mas também como designativo de união e atitude solidária. Disso, talvez, advenha sua adoção pela maçonaria.

Mackey diz os que antigos manuscritos franceses do R.E.A.A. mencionavam a palavra Hoschea como aclamação, que ele supõe que seja uma corruptela do Huzza inglês. No mesmo livro, apresenta um poema que parece ser um ritual em versos, datado de 1750, que diz numa de suas estrofes, “A multidão com trêshuzzés conclui.”[12].

O mais antigo ritual impresso do R.E.A.A., do ano de 1804[13], publicado na França, já faz menção à tradicional manifestação.

Conclusão

São várias as lições que podem ser tiradas do simbolismo subjacente à mitologia que envolve Hu e Sia. A mais evidente é que, como Sia, temos que desenvolver nossa sensibilidade e nossa capacidade de percepção para, com isso, podermos, como Hu, comandar nossa vida com sabedoria e serenidade. Outra, é que a vida é um ciclo que alterna claridade e escuridão e que, se nos momentos mais críticos tivermos tranquilidade e acreditarmos firmemente na superação dos obstáculos, voltaremos a navegar em águas plácidas, rumo a um recomeço ou, se preferirmos, um novo amanhecer. Outra ainda, é que, por mais sucesso que tenhamos em alguma atividade, nossas vitórias são resultantes, direta ou indiretamente, da participação de várias pessoas. Não reconhecer isso é sucumbir ao feitiço da vaidade, uma inimiga capaz de nos deixar à margem do que seria nosso processo de crescimento.

Por fim, talvez devamos admitir a participação divina em nossa evolução, embora reconhecendo que esta é, paradoxalmente, individual e precisa ser conquistada por cada um de nós, pelos nossos próprios esforços, mormente considerando que há mesmo “muito mais coisas entre o céu e a terra…”.

Para tanto, precisaríamos aceitar, também – porque se aguçarmos a percepção, como Sia, sentiremos isso em nossas vidas – que essa evolução se processe pelo enfrentamento corajoso das provas interpostas em nossos percursos, todas elas cada vez mais sutis, exigindo decisões também sempre mais refinadas, que são aprimoradas e fortalecidas pelos valores e vibrações da corrente iniciática a que estivermos ligados no trajeto até a liberdade.

Essas provas, das menores às maiores, sempre nos apresentam a opção de dois caminhos, como uma polaridade divina necessária, metafísica, evidentemente preservando nosso livre arbítrio. Mas isso todos nós já sabemos razoavelmente bem. O que difere esta concepção das demais é a constatação de que uma sequência de caminhos adotados equivocadamente, os chamados caminhos de esquerda – das paixões e intransigências – ilusórios e mais fáceis, pode nos levar à perda irreparável de valores edificantes, arremessando-nos irremediavelmente, perdidos, para dentro do velho e dantesco labirinto, em cujo portal está a sentença: “lasciate ogne speranza, voi ch’entrate[14]”. Para evitar isso, é necessário fortalecer nosso Hu interior para que ele nos guie à senda da luz.

Essa dicotomia, entendida como instrumento de evolução, nos é transmitida pela sagrada iniciação e nos oferece um ciclo específico de experiências que precisamos viver e vencer para aprender como chegar ao reino dos céus conscientemente… entrar, enfim, num próximo ciclo por opção própria, jamais por intermediação de terceiros nas nossas relações com Deus.

Assim, a partir dessa divina dualidade, e segundo decisão pessoal inarredável, podemos construir nossas próprias pontes, saltando o abismo da morte definitiva, o labirinto onde poderemos ficar irremediavelmente presos, deixando no lugar de partida tudo o que já não se preste ao progresso ou que deva ser descartado para, quem sabe, aproveitamento em outro estado de evolução.

Entretanto, essa polaridade, inevitável, parece claro, nos oferece a salvação -gradativamente, em cada etapa do trabalho para a evolução da consciência – para nos tornarmos heróis de nós mesmos, verdadeiros Hércules, vencedores de todos os difíceis trabalhos que irremediavelmente se sucedem e precisam ser vencidos, como condição “sine qua non” para termos o direito de vivenciar o novo ciclo, como Hiram, que a cada nova volta do sol – ele próprio – percorre[15] as 12 colunas de vivências indispensáveis e conquista o direito de renascer para uma nova luz, sem que ela o cegue.

Será que é isso mesmo?! Ou isso é apenas o caminho de aproveitamento das energias que contemos, e que a verdadeira Maçonaria nos propõe, mas que, por não entendermos direito, desperdiçamos pela estrada da vida apaixonada, onde prevalecem as ilusões dos sentidos. “Chi lo sa?[16]

Em resumo, é possível aceitar a mortalidade da alma humana que não alcança os níveis mínimos de consciência para o novo ciclo, nesta vida ou em futuras. Mas, destaque-se, faz-se referência aqui à alma universal – “mahatma” – que registra, para aproveitamento futuro, as experiências de todos que conquistam o direito de entrar na barca da salvação.

Disso tudo, evidencia-se a necessidade de conhecer, pelo menos em linhas gerais, “a constituição oculta do homem”, antes estudada nos excelsos colégios iniciáticos, ora levemente citada e simbolizada no avental maçônico.

Mas, ainda assim, os mistérios do pós-vida permanecerão.

Coincidentemente, o mito da Barca de Ra faz lembrar também os relatos daqueles que passaram por experiências de quase-morte: o túnel, a escuridão inicial, a luz magnífica, tangível, envolvente. Depois, a paz indizível, o encontro com entes queridos, a doce alegria, a ternura do amor.

Alguns cientistas defendem que estas impressões são apenas decorrência da privação de oxigênio ou da liberação de endorfinas em casos de trauma. Quem sabe? Se for assim, todos nós, quando chegar a hora, usufruiremos de sensações similares.

Pelo sim, pelo não, já não tenho dúvidas sobre o que fazer e dizer quando chegar lá. Levantarei meus olhos e, com o coração tomado pela gratidão, exclamarei tão alto quanto possa: Huzzé! Huzzé! Huzzé! … e me deixarei levar pela divina luz!

NOTAS:

[1] A maioria das civilizações desenvolveu mitos solares, que são aqueles que, como o nome indica, usam figurativamente o ciclo do pôr e nascer do sol como uma metáfora para a existência. Eles contam histórias de deuses ou heróis, mostrando que foram capazes não só de vencer seus desafios em vida, mas também de triunfar sobre a morte. As lendas de Horus, Odin, Mithra, Prometeu,Thor, Osíris e muitas outras são consideradas mitos solares. Na maçonaria, a lenda de Hiram é, por excelência, um relato solar.

[2] Imagine-se o terror e o desespero das pessoas quando ocorria um eclipse solar.

[3] Pronuncia-se também sei, esia e esie.

[4] Apófis, para os gregos.

[5] Passagem do Livro para derrotar Apep, compilado por egiptólogos.

[6] Na sua tentativa de convencer Ma’at, a deusa da justiça, de que é merecedor de outra vida, o morto diz: “eu realizei as cerimônias de Hu e Sia”, como prova de ter cumprido obrigações religiosas.

[7] Albert Pike, no livro Moral e Dogma, faz menção a essa reverência. Diz ele: “A Acácia genuína, também, é a espinhosa tamareira, a mesma árvore que cresceu em torno do corpo de Osíris. Era uma planta sagrada para os árabes, que dela fizeram o ídolo Al-Uzza, que Maomé destruiu. É um arbusto abundante no Deserto de Thur, e dela foi feita a “coroa de espinhos” que foi colocada na fronte de Jesus de Nazaré. É um tipo de planta que era associada à imortalidade por causa de sua tenacidade em manter-se viva, pois era sabido que, quando colocada como batente de porta, criava raízes novamente e estirava ramos floridos sobre a soleira.”

[8] Crôn 27:33 e outros. Em português, Husai se transformou em Osias. Pode ser que o nome derive de Hu Sia, mas não há qualquer indício que possibilite esta conclusão.

[9] O Livro dos Esplendores, obra cabalística hebraica surgida na Espanha, por volta de 1.280 d.C..

[10] O mesmo dicionário sugere a possibilidade de que huzza seja proveniente da mesma raiz que hoist = içar. Parece pouco provável, mas mesmo isso não descarta a hipótese de que Hu e Sia tenham dado origem às duas palavras.

[11] Sabemos que as mitologias grega e romana, que são muito bem documentadas, incorporaram inúmeros deuses e deusas originalmente egípcios.

[12] The mob with three huzzas conclude, no original. É preciso lembrar que, neste caso, a palavra huzza pode estar sendo usada como sinônimo de saudação ou exclamação.

[13] O ritual de 1804, em linhas gerais, reproduz os procedimentos praticados pelos maçons da Grande Loja dos “antigos” de Londres.

[14] Abandonem toda a esperança, vós que estais aqui!

[15] Na visão geocêntrica, adotada pela Ordem.

[16] Quem sabe? em italiano.

Bibliografia


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CASTEL, E., Gran Diccionario de Mitología Egipcia, Editorial Aldebarán, Madrid, Espanha, 2001

BUDGE, E. A. W. (trad.), Papirus of Ani – Egyptian Book of the Dead, Dover Publications, EUA,1967

PINCH, G., Magic in Ancient Egypt, British Museum Press, London, UK, 1994

Britannica Encyclopedia of World Religions, Encyclopædia Britannica, Inc., Chicago, EUA, 1999

Rite Ecossais Ancien & Accepté – Guide des Maçons Écossais, Pesquisa e Tradução: Oficina de Restauração do Rito Escocês Antigo e Aceito, Porto Alegre, Brasil

The Oxford English Dictionary, Clarendon Press, Oxford, UK, 2013

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

A EXPRESSÃO "GOTEIRA"

Extraído do Blog CANAL DO MAÇOM

GOTEIRA é um jargão maçônico utilizado como uma espécie de sinônimo de profano, de um não iniciado na Maçonaria, que se faz presente entre um grupo de Maçons.

Além deste termo existe a expressão “CHOVE” ou “ESTÁ CHOVENDO”, que serve como um alerta para que se evitem, em sua presença, assuntos que só dizem respeito aos Maçons. Caiu em desuso a expressão “NEVA” ou “ESTÁ NEVANDO”, que se utilizava quando se tratava de uma mulher. E como essas palavras surgiram na Maçonaria?


Essa tradição vem desde os tempos da Maçonaria Operativa, em que se utilizava a palavra “COWAN” (que segundo alguns autores é um termo escocês arcaico, sem significado na língua inglesa), primitivamente para designar o pedreiro grosseiro, sem habilidades, sem conhecimento dos segredos da arte de construir e dos sinais, toques e palavras, e que por isso trabalhavam a qualquer preço.

Esses “COWANS” tentavam se infiltrar nas Lojas Operativas para obterem os segredos e, descobertos, eram surrados e colocados debaixo de uma “GOTEIRA” para serem encharcados pela “CHUVA” ou então lhes davam um banho com roupa e tudo.

A surra se justificava em razão da preocupação dos Maçons Operativos de que seus segredos não fossem revelados a quem não participava da corporação, garantindo-lhes uma reserva de mercado e a justa paga por seus serviços profissionais, que proporcionavam o sustento de suas famílias. 

Tal tradição permaneceu na Maçonaria Especulativa e o termo ‘COWAN” passou a ser algo como um sinônimo de curioso, bisbilhoteiro, referindo-se aos não iniciados que por todos os meios, tentavam ouvir o que se passava nas sessões maçônicas, havendo os mais ousados que tentavam até introduzir-se nas Lojas.

Esses curiosos quando descobertos eram colocados debaixo de uma ‘GOTEIRA”, de uma calha de ‘CHUVA”, para serem inteiramente molhados. As surras foram abolidas, pois não mais tinham razão de ser.

No século XVIII esses “COWANS”, bisbilhoteiros, curiosos, eram muito comuns e resultaram na criação do Cobridor Externo, exatamente para coibi-los.

Eram 7 os cargos das primeiras Lojas Especulativas: um Mestre, dois Vigilantes, dois Diáconos, dois Expertos e um Cobridor Externo.

Muito pouca literatura maçônica da época relata essas situações e os livros anti-maçônicos acabaram se tornando de fundamental importância histórica, pois neles tais práticas e muitas outras ao serem expostas, foram preservadas para a posteridade.

Em 1730 foi publicado o livro anti-maçônico “Dissected Masonry” (Maçonaria Dissecada) de Samuel Prichard, onde consta o seguinte diálogo feito em Loja: 

“P: Se um ‘COWAN’ ou bisbilhoteiro for apanhado, como deve ser castigado?

“R: Deve ser colocado debaixo do beiral da casa em dias de ‘CHUVA’ até que as ‘GOTEIRAS’ a escorrer pelos seus ombros, saiam pelos seus sapatos”.

Em um outro livro anti-maçônico publicado em 1746, “Les Francs-Maçons Écrasés” (Os Franco-Maçons Esmagados), do Padre Abeé Larudam, é contado como ele e o Padre Perau (também autor de um livro anti-maçônico), conseguiram se introduzir numa Loja Maçônica por conhecerem os sinais, toques e palavras, e seu colega, tendo sido descoberto (mas não ele, Larudam), recebeu a pena reservada aos intrusos: “O castigo consiste em colocá-los por baixo de um cano, de onde, por meio de uma bomba posta em funcionamento, lhes é dado um banho até que estejam molhados da cabeça aos pés.

Tive a oportunidade de ver alguns exemplos em Berlim, Frankfurt e Paris, no Hotel Soissons (primitiva sede da Maçonaria francesa). O Padre Perau quis, apesar de profano, frequentar esta Loja de Maçons, como já tinha feito em vários lugares em Paris, mas um dos irmãos presentes certificara-se de que ele não passava de um falso Maçom, descobrindo-o por uma palavra destinada pela Loja em casos desta natureza; isto foi feito dizendo “CHOVE” e logo que tal palavra foi pronunciada o Venerável Mestre disse aos Vigilantes para verificarem quem poderia ser o culpado.

Logo Perau foi descoberto, porque embora conhecesse os sinais, toques e palavras, não pôde informar onde tinha sido iniciado; foi, portanto, molhado sob o cano da bomba e regado completamente.

Todos que lá estavam divertiram-se e riram muito às suas custas, tendo sido uma das cenas mais agradáveis para os Maçons…”

Finalizando este post que se propunha unicamente mostra a origem do termo GOTEIRA, acessoriamente demonstra que os meios usuais de reconhecimento podem não funcionar para um COWAN, um curioso, um GOTEIRA, que tenha lido alguma obra maçônica comprada na livraria da esquina ou mesmo feito uma simples consulta pela Internet, onde alguns desses meios de reconhecimento foram mostrados, além da possibilidade de um Maçom, inadvertidamente, tê-los expostos.

Particularmente, nunca trolhei ninguém pelos meios usuais, pois até mesmo o trolhamento previsto nos Rituais muitos Maçons esqueceram algumas, se não todas, as respostas.

Prefiro introduzir na conversa perguntas sobre o nome e nº da Loja, a Potência a que pertence, onde e em que dias a Loja se reúne, qual a idade maçônica, etc., que um profano, um COWAN, um GOTEIRA, pode ser facilmente identificado, sem expor nenhum meio de reconhecimento maçônico.

domingo, 16 de outubro de 2016




QUEM INVENTOU O PARAÍSO? 


Autor: João Anatalino

O paraíso terrestre

A idéia de existência de um paraíso, de onde um dia a raça humana foi expulsa é um arquétipo de compartilhamento coletivo que habita na psique do homem desde os primórdios da civilização. Em todas as tradições dos povos antigos remanescem memórias desse lugar maravilhoso, onde o mal não existia, e a dor e o sofrimento eram experiências desconhecidas do ser humano. Por isso, vários autores nihilistas costumam dizer que a expulsão do paraíso nada mais é que uma metáfora onde o homem toma consciência de si mesmo e se descobre um ser que precisa conhecer a si mesmo e saber qual é o propósito da sua vida. Sem esse conhecimento, diz Sartre, o homem não consegue ser feliz.[1] Destarte, o paraíso era a doce inocência que nos proporcionava a ausência de um ego, por isso, Jesus, ao proferir as maravilhosas bem aventuranças do Sermão da Montanha, começa justamente com os pobres de espírito, ou seja, aqueles que não fazem da vida apenas uma forma de satisfazer o próprio ego.

Corroborando com essa assertiva, os mestres cabalistas dizem que Satã é o nosso ego, pois é ele que domina nossos sentidos e nos faz buscar o prazer acima de qualquer coisa. E isso tem sentido, até porque a palavra consciência, psique, espírito vital, energia motora etc, em hebraico se escreve nefesh, que também é a palavra que designa serpente, cobra, animal rastejante. [2]

Destarte, o livro que fez do mito do paraíso um best-seller entre as memórias arquetípicas da humanidade foi a Bíblia. Esse portentoso livro, que segundo a crença judaico-cristã, foi ditada pelo próprio Deus aos seus sacerdotes e profetas, ou que segundo os historiadores céticos, é uma compilação muito bem organizada de lendas e narrativas antigas, feita por uma ou duas gerações de rabinos judeus, é a primeira obra a dar uma descrição pormenorizada desse lugar de delícias, onde Deus colocou a sua criatura mais bem elaborada para viver uma vida de eternos prazeres. 

Literalmente, o Eden bíblico é um lugar existente na terra mesmo, e bem real. Seria um jardim plantado lá pelas bandas do Oriente, talvez próximo da nascente do rio Eufrates, segundo indicações da própria Bíblia, que diz que dele saia uma fonte que dava origem a quatro rios, sendo dois deles os nossos conhecidos Tigre e Eufrates, rios que banham a antiga terra chamada Mesopotâmia (hoje Iraque) e deságuam no Golfo Pérsico. Alguns arqueólogos até pretendem ter desenterrado o Éden bíblico nas escavações do sitio chamado Goblekli Tepe, um paradisíaco vale situado na embocadura do Rio Eufrates, o qual conserva vestígios da existência de uma civilização que excede os seis mil anos que a Bíblia diz ser a idade do mundo. A tese dos arqueólogos que desenterraram Goblekli Tepe é a de que a famosa expulsão do paraíso, narrada na Bíblia, foi talvez a destruição desse local, ocorrida em razão do Dilúvio, outra memória que igualmente é conservada pela maioria dos povos da terra e também convenientemente adaptada e narrada na Bíblia judaica com fins claramente político-ideológicos. 

Quem inventou o paraíso?

De qualquer modo, a expulsão do casal humano do paraíso é um dos temas que mais aparecem nas narrativas religiosas e mitológicas da humanidade. Da Babilônia ao Império Asteca, todos os povos lembram que um dia o homem teve um contato direto com Deus e suas criaturas celestes, e que esse contato foi cortado violentamente em razão de uma “trairagem” cometida pelo homem, iludido que foi pelo arquiinimigo de Deus, o arcanjo Lúcifer, também conhecido por Satanás, que brigou com Ele (por razões puramente egocêntricas) e se tornou seu grande opositor. 
A história dessa guerra celeste, que opôs Deus e seus anjos contra as hostes reunidas por Satan, ou Satanás, não é contada com pormenores na Bíblia. Ela apenas faz algumas parcas referências a esse conflito, dizendo que ele ocorreu e separou a população angélica em duas facções distintas, que se tornaram, de um lado, anjos do bem e do outro lado, anjos do mal.[3] Mas na tradição oral da religião judaica, conhecida como Cabala, esse conflito é um fato bastante real. Tanto que ele provocou uma desordem cósmica, de tal modo que o universo que sido construído por Deus para ser uma estrutura perfeita e equilibrada, tornou-se um verdadeiro caos. Ele provocou a chamada “quebra dos vasos”, metáfora cabalística que significa que a ordem segundo a qual o universo estava sendo construído (com a energia divina sendo distribuída de forma ordeira e equitativa pelas sete esferas da estrutura cósmica) foi subvertida pelo pecado de Adão. Não fosse esse acontecimento a Criação teria terminado no sétimo dia, e a humanidade viveria eternamente feliz na terra. Mas como esse processo foi interrompido pelo pecado de Adão, aconteceu a sheviráh (dispersão descontrolada da luz divina pelo espaço cósmico). Por isso Deus teve que destruir a antiga civilização com o dilúvio e suscitar uma nova a partir da família de Noé (o único homem justo sobre a terra) e dela tirar um povo – os israelitas- para servir de modelo da humanidade autêntica e perfeita que o Senhor queria desenvolver na terra. Esse, aliás, é o enredo do magistral romance bíblico. 


Mas com esse conflito, anjos e demônios passaram a ser dois poderes disputantes das estruturas universais, com tudo que elas encerram. Os mestres que desenvolveram a grande tradição da Cabala bolaram uma trama bem urdida em cima dessa história, criando uma escatologia (a criação do mundo e seu processo de desenvolvimento) com começo, meio e fim. É nesta antiga tradição que encontramos os reais significados das narrações bíblicas e topamos com a verdadeira história dessa guerra travada nos céus entre as hostes angélicas e seus oponentes demoníacos, pela posse da alma do homem e do próprio universo enquanto obra de criação. É uma verdadeira epopéia, semelhante á Iliada e a Odisséia, dos gregos, ou a Maharabata, a grande saga dos heróis arianos, que narra a guerra dos clãs pelo controle do país dos brâmames, a velha Índia de tantas lendas e crenças. 

Nesse conflito repousa também a escatologia da nossa própria alma, oscilante entre o bem e o mal, a luz e as trevas, a matéria e o espírito. Talvez a mais antiga (e perfeita) concepção dessa dialética seja aquela desenvolvida por Zoroastro (ou Zaratustra, o grande sábio persa) há cerca de quatro mil anos atrás quando intuiu que o mundo era um resultado do embate entre o deus da luz (Ormuz) e o deus das trevas (Arimã). Nessa concepção se inspiraram todas as demais, de forma que, ao que parece, foi Zaratustra quem inventou (ou descobriu) a briga entre Deus e Satã pelo controle do mundo, e de quebra inventou o paraíso, com sua ideia de que os seguidores de Ormuz, sob o comando de Mitra, venceriam no final os seguidores de Arimã e herdariam a terra, fazendo dela um verdadeiro jardim de delícias. Não é por acaso, portanto, que todas as tradições antigas situam esse paraíso no Golfo Pérsico, a terra onde viveu o famoso profeta da luz.

John Milton e o Paraíso Perdido


Cá entre nós, uma das mais belas narrativas a respeito desse tema foi feita pelo poeta inglês John Milton, em 1677. No seu longo poema, escrito á moda clássica, ele narra o confronto entre Deus e Satanás, no qual um terço dos anjos são expulsos do céu e trancafiados, como prisioneiros, em um campo de concentração, que nesse caso, é o inferno. Ali, liderados por Satã, secundado pelo seu lugar-tenente Lúcifer (para Milton Satã e Lúcifer são entidades diferentes), os danados tramam sua vingança. Como não poderiam atacar diretamente o céu devido ao poder de Deus e do seu Filho, o Cristo, e das Hostes Celestiais comandadas pelo arcanjo Miguel, os anjos caídos apelaram para outra estratégia. Ao invés de enfrentar abertamente as forças celestes, eles resolveram desencaminhar a criação humana, o “xodó” do Criador, feita à sua imagem e semelhança. “Se não podemos vencê-lo," deve ter pensado Satanás, “vamos pelo menos desestabilizá-lo, subvertendo suas criaturas”. Assim, o chefe dos demônios empreende uma longa viagem do inferno à terra e se apresenta a Eva, na forma de uma serpente e a seduz, induzindo-a a comer o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Eva cai na lábia do demônio travestido de réptil, come o fruto e depois leva seu marido Adão a comê-lo também, completando assim o ato de desobediência para com o seu Criador, que os havia proibido de comer do fruto daquela árvore.[4]

Deus se vinga dos pérfidos desencaminhadores transformando-os em asquerosos répteis.[5] Nascem desse ato os lagartos, os dragões, as salamandras,os sáurios, os crocodilos e jacarés, os calangos e toda classe de animais que se arrastam pela terra sobre seus próprios ventres. E quanto ao homem, tolo desencaminhado, embora sem maldade, cabe-lhe a “culpa in vigilando” por não ter vigiado eficazmente a sua mulher e por ter caído em sua lábia. Expulso desse lugar de delícias que era o Eden, terá que trabalhar arduamente para ganhar a vida; e quanto á mulher, terá que suportar as dores do parto para ter seus filhos. 
Por isso Deus diz á serpente desencaminhadora: “sobre teu ventre andarás e pó comerás todos os dias da tua vida. E porei inimizade entre tu e a mulher, e entre a tua descendência e a sua descendência; ela te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar”. [6] Metáfora que quer dizer que os nossos sentidos estarão sempre chumbados á terra (comendo pó) e que haverá sempre inimizade entre a nossa espiritualidade (a mulher) e os nossos sentidos (a serpente). Enquanto ela nos “fere a cabeça”, pois a nossa consciência anseia por um sentido maior para a vida, a serpente nos “morde o calcanhar”, nos chamando de volta á terra, para o mundo da sensibilidade. 

Um pouco de História

Quem quiser entender o Paraíso Perdido de Milton terá que fazer uma pequena incursão pela história da Inglaterra na época em que essa monumental obra literária foi escrita. 

Estávamos em fins do século XVII (1677), época mais intensa dos conflitos dinásticos e religiosos que mudaram a face da civilização ocidental. A Inglaterra estava vivendo o rescaldo da guerra entre a realeza e o Parlamento, conflito esse que acabou custando a vida do rei Carlos I, decapitado por ordem do Parlamento, chefiado pelo pastor conservador-fundamentalista Olivério Crommwel. A Inglaterra teria, nesse episódio, um breve período de experiência republicana, mas a tradição da monarquia é um arquétipo tão entranhado na psique do povo inglês, que a simples eliminação do monarca não aplacou o conflito e ele logo voltaria a sacudir a nação inglesa. Em conseqüência, a monarquia também logo seria reconstituída.

Esse foi o pano de fundo para a magistral adaptação que John Milton fez do mito bíblico para figurar um momento da história que estava sendo vivido pelo mundo ocidental justamente naquela época. Milton era católico e apoiava a revolução puritana. Chegou mesmo a trabalhar no ministério de Crommwel. A Europa toda vivia um momento de intensa ebulição espiritual, com as doutrinas reformistas que ganhavam terreno em todas as classes sociais. Com as guerras religiosas começou o êxodo dos puritanos (os protestantes mais ferrenhos) para a América, que era pintada na mídia da época como sendo a nova terra da promessa, o paraíso prometido. 

Em paralelo, uma surda guerra intelectual era traçada nos meios de comunicação pela posse da consciência dos homens. De um lado os portadores da promessa de um novo mundo para aqueles que se convertessem às novas idéias propostas pelos reformistas (e pelos iluministas que já nessa época iniciavam a divulgação dos seus postulados) e de outro os partidários da antiga ordem (o catolicismo e o anglicismo reformado), que contra atacavam com a Inquisição e as ameaças de uma eterna condenação para aqueles que se afastassem da verdadeira fé. Era, portanto, um mundo de conflitos, tanto na política quanto na religião. Uma reedição, agora literalmente fática, da guerra entre os anjos e os demônios, que a cosmogonia judaica havia desenvolvido. Por outro lado, o fim do século XVII é a época em que mais intensamente as chamadas doutrinas ocultas seduziram o espírito dos intelectuais. 

É dessa época o fenômeno Rosa-Cruz, genial farsa intelectual perpetrada por filósofos ocultistas (na maioria alquimistas) para dar ao mundo a ilusão de que eles eram os depositários de um segredo capaz de levar a humanidade de novo ao paraíso perdido. É desse tempo também a maioria das obras literárias que versam sobre a utopia política, social ou meramente filosófica, que vários autores imaginaram.[7] É nesse tempo, finalmente, que nascem as associações, como a Real Sociedade inglesa, antecessora da Maçonaria inglêsa, cujo objetivo era a realização (espiritual e física) desse sonho do homem, através da instituição de uma sociedade justa e perfeita, na qual os homens pudessem viver em liberdade, com igualdade e fraternidade.[8]

O Paraíso Perdido- Uma obra cabalística

Na obra de Milton encontramos todas as dúvidas e certezas psíquicas e religiosas do espírito do homem, espremido entre uma concepção gnóstica-cabalista-católica do mundo e o desejo de influir nele com seu trabalho e inteligência, trazido pela reforma protestante, principalmente com a propagação da chamada “ética calvinista”. Pois foi exatamente essa a ideia que os reformadores protestantes (especialmente Calvino e Wesley) trouxeram para o debate que então se formou entre protestantes e católicos. E nesse meio os judeus cabalistas com a ideia de que a salvação do homem dependia somente da sua própria ação no mundo, como pregava o mestre Isaac Luria, com sua noção de carma e reencarnação, moldada em um processo (o Tikun) cuja finalidade era exatamente a de promover o equilíbrio cósmico, prejudicado pelo pecado de Adão. . 

Foi essa salada cultural que deu nascimento á Maçonaria moderna e também a outras sociedades que adotaram teses que ainda hoje são professadas por muitas correntes de pensamento, como a Teosofia, a Antroposofia, a moderna Gnose e a Sociedade Rosa-Cruz institucionalizada. Nessas concepções encontraremos inclusive a curiosa tese de que a rebelião de Satanás (ou Lúcifer, segundo a Cabala, já que nessa tradição ambos são uma mesma entidade), representa, na verdade, um grito de liberdade dado pelos homens contra um Senhor cruel e opressor ( o deus hebreu). Pois era assim que algumas seitas gnósticas, consideradas heréticas pelo Cristianismo oficial, viam o Deus do Velho Testamento.[9] E nessa concepção, Jesus também era visto como um líder que lutou contra essa opressão. Para esses pensadores gnósticos, o verdadeiro Cristianismo passava ao largo do catolicismo e do protestantismo, pois nenhuma dessas concepções representava a verdadeira doutrina de Jesus. Para eles, tanto a Igreja Católica quanto os reformistas protestantes nada mais faziam do que defender uma doutrina que havia contribuído para escravizar o corpo e o espírito dos homens. 

Dessa forma, os anjos caídos não eram, na verdade, demônios, mas arautos da liberdade. Nesse sentido, a rebelião dos anjos não passa por ser um pecado contra a ordem de Deus, mas sim um evento glorioso. E a queda do homem não é uma desgraça, mas sim uma oportunidade para ele se exaltar.[10]

Essa idéia, Milton também a exprime num dos mais inspirados versos do seu grande poema, quando o Arcanjo Gabriel, no momento da expulsão, diz a Adão: “Ajunta ao teu conhecimento ações louváveis, ajunta a fé, a virtude e a paciência, a temperança, ajunta o amor, chamado no futuro caridade, alma de tudo o mais; então não te lastimarás de deixar este Paraíso, pois que possuirás em ti mesmo um paraíso muito mais feliz.” [11]

E ele termina o poema, não com a tristeza de um casal desterrado e privado da sua felicidade, mas com a romântica imagem de um par que tem o mundo todo à sua frente para encontrar o Seu Porvir : “ O mundo todo estava diante deles, para escolherem, lá,um lugar para o seu descanso. A Providência era o seu guia.De mãos dadas, com passos incertos e lentos, tomaram, através do Éden, o seu caminho solitário.” [12]

E foi assim que a história do homem livre começou. Por isso, diz a Cabala, a missão do homem é reconstituir a ordem cósmica quebrada pelo pecado de Adão. Uma ideia muito a gosto dos maçons, porquanto a tarefa da Maçonaria, como diziam os seus mais antigos organizadores, era colocar “Ordo ab Chaos”, ou seja, a ordem no caos. Essa era, também, a principal divisa do Iluminismo. A Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade. Exercidas com a responsabilidade do livre arbítrio, sendo cada homem o seu próprio Messias. 

Visto o momento caótico que estamos vivendo nos dias de hoje talvez fosse oportuno relembrarmos um pouco as nossas origens e fazermos uma digressão pela história para ver onde é que nós nos perdemos, e daí recomeçar, quem sabe, pelo caminho certo. Porque, mesmo que o paraíso bíblico seja apenas uma metáfora, o nosso espírito jamais se cansará de almejá-lo.

[1] Nihilismo é a doutrina filosófica que coloca o questionamento do sentido da vida perante um universo que parece ser indiferente á tudo que nos acontece. É uma atitude de pessimismo e ceticismo perante a possibilidade de que a vida tenha aparecido no mundo para cumprir algum propósito. Nega todos os princípios religiosos, políticos e sociais, definindo-os apenas como atitudes dos sentidos, dirigidos para a necessidade de preencher o vazio da existência. Este conceito teve origem na palavra latina nihil, que significa "nada". O principal arauto dessa doutrina foi o filosofo alemão Nietszche. Sartre retomou esse tema nas suas obras “ O Ser e o Nada” e “a Náusea”.
[2] Corroborando essa assertiva, a moderna ciência neurológica diz que a mais primitiva formação cerebral do ser humano foi a do réptil. Ver, nesse sentido, Daniel Coleman- Inteligência Emocional, Ed. Objetiva, 2006.
[3] Vide o Apocalise de São João.
[4] Para Freud essa metáfora se refere ao despertar do Ego do ser humano, o qual ainda é muito influenciado pelo instinto animal, ligado á fase reptiliana do cérebro. Ver nesse sentido, Leonora Leet- A Kabbalah da Alma, Madras, 2006.
[5] Por isso Deus diz á serpente desencaminhadora: “sobre teu ventre andarás e pó comerás todos os dias da tua vida. E porei inimizade entre tu e a mulher, e entre a tua descendência e a sua descendência; ela te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar”. Metáfora que quer dizer que os nossos sentidos estarão sempre chumbados á terra (comendo pó) e que haverá sempre inimizade entre a nossa espiritualidade (a mulher) e os nossos sentidos (a serpente). Enquanto ela nos “fere a cabeça”, pois a nossa consciência anseia por um sentido maior para a vida, a serpente nos “morde o calcanhar”, nos chamando de volta á terra, para o mundo da sensibilidade. 
[6] Bíblia hebraica- Gênesis, 3:14
[7] Entre eles Giordarno Bruno, Voltaire, Tomaso Campanella, Francis Bacon, Erasmo de Roterdã e o próprio John Milton com o seu Paraíso Perdido.
[8] Ver, nesse sentido, o discurso do Cavaleiro André Michel de Ramsay, pronunciado em 1736 aos maçons franceses, por ocasião da instituição do Rito Escocês nas Lojas maçônicas da França.
[9] Tese que seria retomada por Nietzsche e que serviu de inspiração para o acirrado anti-semitismo que os alemães desenvolveram contra os judeus.
[10] Vide a esse respeito, Robert Ambelain, A Franco Maçonaria. São Paulo, Ed. Ibrasa, 1999.
[11] O Paraíso Perdido- Ed. Circulo do Livro, 1986
[12] Idem.