sexta-feira, 14 de julho de 2017


ESTA RELIGIÃO COM A QUAL TODOS OS HOMENS CONCORDAM


Tradução J. Filardo
(blog Bibliot3ca)


por Ch. Albert REICHEN



Novamente e como preâmbulo, gostaria de lembrar que a maneira de proceder neste exercício consiste em resumir um artigo publicado na Revista Renaissance Traditionnelle. Ou seja, tentar respeitar o melhor possível pensamento do autor. Além disso, a ordem deste resumo respeita a da publicação do artigo.

Charles Albert Reichen, em primeiro lugar, nasceu em 18 de agosto de 1907 em Pontarlier; depois de estudos superiores em Lyon, Besançon e Paris, ele acaba por se mudar para Lausanne, onde ele era professor de filosofia. Editor e animador da Revista Juventude, ele escreveu muitos ensaios, biografias e estudos sobre música, filosofia e ciência, e publicou uma coleção de poemas “Rythmes inactuels” (1963). Seus principais trabalhos são: “História da Astronomia“, “História da física“, “História da Química“, “A arte da música e sua evolução” e “O fim do mundo é amanhã“. Charles Albert Reichen morreu em 17 de junho de 1992.

Ele foi um tradutor de muitos livros em inglês e é nessa qualidade que intervém nesta edição 38 de Renaissance traditionnelle de Abril de 1979. Na verdade, ele propõe dissecar à maneira universitária as traduções de certos textos revendo alguns erros de tipo “falsos cognatos” e toma como exemplo:


O TEXTO DAS SACROSSANTAS CONSTITUIÇÕES DE ANDERSON [QUE] NÃO FOGE À REGRA

De fato, traduzido muitas vezes e, infelizmente, muitas vezes por tradutores noviços, muitas interpretações erradas têm sido muitas vezes escritas. Para colocar o texto em seu contexto histórico, Reichen se aproveita de passagem para datar a Maçonaria de antes de 1717. Ele cita como exemplo um Laird Auchinleck, aceito na Loja operativa em Edimburgo em 1600, ou ainda o não menos famoso Elias Ashmole iniciado em Warrington em 1646. Assim:


A MAÇONARIA ESPECULATIVA É ANTERIOR A 1717

Ela está ligada à história dos Stuarts, em sua evolução, sua regressão, e, claro, seu exílio na França, em Saint Germain en Laye mais especificamente, que viu o nascimento da Loja “La Bonne Foy” induzindo no continente a multiplicação de oficinas e sistemas de altos graus. O autor dá sempre a data de 08 de dezembro de 1663 como data tentativa de criação da primeira Grande Loja, justamente pelos Stuartistas, depois aquela de 1717 nós conhecemos e que constitui a fundação da primeira Grande Loja pela dinastia Hanover.

É claro que é o Pastor James Anderson que vai redigir as primeiras Constituições, pastor presbiteriano[1] endividado e foi remunerado por seu trabalho de redação. Este último se apoia em dois manuscritos: o Poema Regius- 1390 e o Manuscrito Cookes (sic) – 1410; esta obra é dedicada a Lord Montagu, Grão-Mestre da Grande Loja em 1721/1722, e diante de quem, eu cito: “o Irmão Desaguliers se achata com uma subserviência dolorosa“… Você vai entender que o tom do artigo é bastante ácido, e isso continuará com, embora limitado ao primeiro parágrafo das referidas Constituições, por “a falta de jeito do Pastor Anderson […] causa muitos mal-entendidos“. Então, vamos lá!

“Um Maçom é obrigado, por dever de ofício, a obedecer a Lei Moral; e se ele compreende corretamente a Arte, nunca será um estúpido ateu nem um libertino irreligioso.

Reichen destaca algumas expressões, e em primeiro lugar a expressão inglesa “tenure” traduzida aqui por dever de ofício. Então “Stupid atheist”, estúpido ateu e não ateu estúpido, diz o autor, basicamente, por estúpido: não se trata de um adjetivo, que como sabemos desde a 6a. série é invertido em relação ao português, mas um epíteto aqui fazendo corpo com a palavra. Parece que a imagem, o clichê é clássico do século XVIII, e se refere a um negador da Divindade, um blasfemador bêbado ou um membro dos Clubes do Inferno (Hellfire Club) tradicionalmente ateu e dedicado ao Maligno. Finalmente, a fórmula “Irreligious Libertines” corresponde a pensadores um pouco dândis e o autor cita entre outros Grimm e Helvécio[2], que tentavam explicar o homem e o universo por teorias práticas e mecânicas influenciadas pela necessidade e o acaso.

“Muito embora em tempos antigos os Maçons fossem obrigados em cada país a adotar a religião daquele país ou nação, qualquer que ela fosse, hoje pensa-se mais acertado somente obrigá-los a adotar aquela religião com a qual todos os homens concordam, guardando suas opiniões particulares para si próprio, isto é, serem homens bons e leais, ou homens de honra e honestidade, qualquer que seja a denominação ou convicção que os possam distinguir. “

As palavras importantes são então “denominações” e “convicção“. Então, primeiro: denominações parece absurdo para o autor traduzi-la por denominação porque no século XVIII e em Inglês trata-se pura e simplesmente de uma seita ou seitas que parecem florescer na época de Anderson! Havia os conformistas que respeitavam os 39 artigos da Igreja Anglicana e os não-conformistas. São citados no artigo: os Presbiterianos, os Anabatistas, os Antinomianos, aos quais o autor acrescentaria bem, de nossos dias (nota: em 1979) os Mórmons, Pentecostais e Testemunhas de Jeová, todos dignos, em um grande impulso de tolerância da parte de Anderson, de fazer parte da Maçonaria.

Em seguida, persuasões, ou seja, as diferentes religiões. Para Anderson, parece que estes são os protestantes e católicos, eventualmente os Ortodoxos, se ele tivesse ouvido, o que não apareça provável, ou a título histórico: os Coptas, os Socinianos e os Sabeus, mas excluindo, certamente, os judeus e a fortiori os Muçulmanos, budistas e outros taoístas. Assim, pode-se dizer que esta religião na qual todos os homens concordam é bastante limitante … Anderson somente poderia, como era o caso para todos, naquela época, conceber a Maçonaria como cristã.

A INTERPRETAÇÃO DADA HOJE AO SEU PENSAMENTO O TERIA ESCANDALIZADO

Na verdade, devemos simplesmente considerar que a finalidade de Anderson é simplesmente esclarecer seus contemporâneos sobre alguns termos bastante vagos, de onde talvez um foco em 1738, para esclarecer melhor o pensamento às vezes desajeitadamente expresso do compilador.

Além dos erros de sentido em que podem dizer respeito à religião, Reichen em seguida, retoma os erros de tradução presentes em grande número, incluindo “Lord“, que classicamente significa Senhor e é muitas vezes traduzido como tal, mas que neste contexto corresponde ao “mestre de obras.”

Finalmente, um último exemplo, a respeito dos excluídos da maçonaria, trata-se segundo Anderson de “escravos, mulheres, homens imorais ou escandalosos” que encontramos frequentemente traduzidos como: escravos, homens e mulheres imorais e escandalosos. Primeiro, não havia mais escravos no momento da redação das Constituições, pelo menos na Inglaterra, e por outro lado, não é certo que suas damas apreciariam, mesmo naquela época, colocar-se em pé de igualdade com todas essas pessoas … Na verdade, isso simplesmente retrata um pouco a moral um pouco frouxa da época, perturbando um pouco os salões, e que não se queria ver corromper a maçonaria, como diz o autor, resultando “nas mesmas dificuldades daqueles cujas Oficinas mistas nos dão muitos exemplos“.

A última frase de sua conclusão que eu lhes dou exatamente como é: “Moral: deixe aos tradutores profissionais o trabalho e a responsabilidade de interpretar textos difíceis ou mal escritos. A cada um o seu ofício! Pelo menos é o que diz o ditado! “

Publicado em Renaissance traditionnelle N ° 38 – abril 1979 p 100 – Volume X


Escrito por D.S.

[1] O regime sinodal Presbiteriano (ou presbítero-Sinodal) é uma das formas de organização das igrejas protestantes, e é a mais utilizada nas igrejas reformadas. Este sistema supõe uma complementares dos níveis local e nacional, uma submissão mútua consentida. O nível local de governo da igreja é o dos Anciãos do consistório, dito também Conselho Presbiteral (do grego presbuteroi, os mais velhos, já designando os responsáveis pela cidade ou pela comunidade). Ele é diretamente responsável pela vida espiritual e material da comunidade, e, geralmente, nomeia e demite o(s) pastor (es). Ele participa dos custos comuns definidos pelos sínodos. O nível do governo da união é o de sínodos, compostos por pastores e delegados de Conselhos presbiteriais.

[2] 1715-1771. constitutivo do espírito humano, que é, segundo ele, totalmente suscetível de se instruir igualmente. Ele é fortemente inspirado por Locke, de quem ele lê muito cedo o Ensaio sobre o Entendimento Humano. Suas ideias sobre a constituição do espírito humano serão significativamente influenciadas por ele. Ele, contudo, quer exceder toda ideia de Deus, defendendo um ateísmo relativo. Ele considera a crença em Deus e na alma como o resultado da nossa incapacidade de compreender o funcionamento da natureza, e vê nas religiões, incluindo a religião católica, um despotismo que só tem como finalidade a manutenção da ignorância para uma melhor exploração dos homens. Frequentemente apresentado como um fisiocrata e filósofo materialista, Helvécio está no entanto mais próximo de um filósofo nominalista e deísta. Encontramos em seus textos várias referências a Deus e à sua existência “o ser supremo“, “o eterno“, “o legislador celestial” são expressões que voltam várias vezes em sua obra De l’Homme; ali ele até mesmo define Deus como sendo “a causa desconhecida da ordem e do movimento“. A razão deste amálgama é em parte devida à recuperação política dos seus textos, tanto para desacreditar seu trabalho (jesuítas, jansenistas, o Papa Clemente XIII ou ainda o poder real de Louis XV) ou para fazer dele um pensador fundamental do socialismo científico (marxistas). Assim, se Helvécio é anti-cristão, ele não nega a existência de uma força na natureza e defende até mesmo a ideia de uma filosofia mais positiva nesta religião, uma vez purgada de seu fanatismo, superstição e instituições. Ele também era maçom e membro da Loja Nove Irmãs. (O materialismo é um sistema filosófico que não admite nenhuma outra substância que não seja a matéria. Ele se opõe à religião e ao conceito de alma imaterial. Segundo o sensualismo, todo o nosso conhecimento e ideias surgem de sensações , onde elas são apenas a combinação cada vez mais complexa. O sensualismo opõe-se à atividade espontânea do espírito).Entre os enciclopedistas e materialistas de seu século, Helvécio desenvolve um sensualismo materialista, onde somente o interesse dirige os julgamentos e considera a educação como o principal elemento
O  MITO TEMPLÁRIO-MAÇOM

Por Stephen Dafoe

“Se oferecem a um homem um fato que é contra seus instintos, ele irá examiná-lo de perto, e se a evidência não for claríssima, ele recusará acreditar nele. Por outro lado, se lhe oferecem algo que propícia um motivo para agir de acordo com seus instintos, ele o aceitará mesmo que com a mínima evidência. A origem do mito é explicada dessa forma”.

Nós, maçons, podemos ser um grupo engraçado. Nunca contentes apenas com o fato de sermos parte de uma organização que sobreviveu e prosperou por três séculos, estamos constantemente buscando provas de que a Arte Maçônica deve ter se originado de alguma fonte antiga. Seja fazendo conexões entre a filosofia e os trabalhos da Maçonaria com os construtores que edificaram a Torre de Babel ou com os antigos egípcios que construíram as pirâmides, nós, maçons, faremos o possível para criar a mais antiga linhagem concebível para a instituição. Esse pedigree, geralmente forjado a partir das mais fracas evidências ou dos maiores saltos de lógica, permitiu que alguns especuladores criassem uma história da Maçonaria, que tem sua origem na criação do mundo, fornecendo meios para que a Arte apareça em cada fase importante da história humana. O que essas teorias não têm de credibilidade foi mais do que compensado pela credulidade de muitos maçons, que estão dispostos a se agarrar às suas crenças, mesmo depois de elas serem provadas como falsas ou imprecisas.

Mas seria certo culpar o típico maçom de hoje por acreditar nesses conceitos levando em conta que as especulações mais fantásticas são geralmente construídas a partir do ritual e das histórias tradicionais, ou de livros escritos sobre a história da Maçonaria? Bem, no início das nossas carreiras maçônicas, somos “convocados a fazer um progresso diário no conhecimento maçônico”[1] e, ainda assim, porquíssimos são instruídos de como cumprir tal tarefa pelos seus Irmãos mais antigos, muitos dos quais são tão desinformados sobre a história e os ensinamentos da Maçonaria quanto eram quando entraram na Arte. Como lamentei no meu artigo Reading Writing and Aparthy.: The Rise and Fall of Masonic Education[2] (Leitura, Escrita e Apartia: A Ascensão e a Queda da Educação Maçônica), nós maçons, permitimos que o ritual sirva como o meio e o objetivo final da educação maçônica, o que tem levado a resultados devastadores. Se não queremos mais fornecer um estudo além do ritual, devemos, portanto, ser os únicos responsáveis por aqueles membros que deixam nossas cerimônias com uma interpretação literal dos rituais.
Mas a quem o novo maçom recorre quando precisa de orientação, senão aos membros de sua Loja, Capítulo ou Preceptoria? Ele certamente não procura as publicações maçônicas oficiais. Como afirmei no artigo anteriormente mencionado, a qualidade da literatura maçônica norte-americana está, já faz muitos anos, em um estado de declínio constante, tendo atingido seu auge na década de 1920, com The Builder (O Construtor), a publicação mensal da National Masonic Research Society (Sociedade de Pesquisa Maçônica Nacional). Há muito tempo acho que ainda está para existir uma publicação norte-americana que possa tomar seu lugar com êxito. Infelizmente, muitas revistas hoje em dia, oferecem pouco para que o maçom pensante possa refletir; os editores preferem encher as páginas com fotografias narcisistas de maçons ofertando cheques, recebendo prêmios ou fritando peixe à milanesa.[3] Nas raras ocasiões em que essas publicações oferecem algum tipo de esclarecimento, em vez de buscar artigos que ajudarão os maçons a entender a história, o simbolismo e os ensinamentos da Arte, eles republicam o mesmo artigo esgotado sobre presidentes e jogadores de beisebol mortos que uma vez vestiram avental maçônico.

Felizmente, empresas como a Lewis Masonic, continuam a publicar obras de qualidade sobre temas maçônicos, que fornecem o conhecimento tão amplamente necessitado pelos maçons de hoje. No entanto, o novo maçom geralmente lê primeiro as obras populares de pesquisa especulativa. Em muitas Lojas, um Irmão correrá para ser o primeiro a ajudar o recém-exaltado Mestre a entender a história e os mistérios da Maçonaria, empurrando-lhe um exemplar bem gasto de A Chave de Hiram ou Born in Blood[4] juntamente com o conselho: “Leia isso e você começará a entender”.

Embora esses livros tenham um lugar nos anais da literatura maçônica e devem ser lidos, ainda que com um olhar crítico, eles geralmente são acolhidos como verdade por maçons e não maçons. Por conta disso, as teorias especulativas propostas nesses livros acabaram sendo aceitas como o elo perdido entre a Maçonaria, depois de 1717,[5] e os grupos mais antigos, como os egípcios, os construtores megalíticos e os cavaleiros Templários. O que muitos escritores maçônicos e maçons não conseguem compreender é que as histórias tradicionais de nossas várias organizações não eram para ser interpretadas de forma literal. Em vez disso, eram histórias mitológicas, baseadas em eventos históricos ou bíblicos, e foram planejadas para ensinar determinada filosofia ou ideologia por meio de alegorias ou metáforas.[6]

Infelizmente, muitos parecem incapazes de discernir entre a história tradicional e a verdadeira. Dessa forma, vários maçons modernos acreditam que Hiram Abif morreu nas mãos de três maçons “operativos” impacientes.[7] É irônico que essas inverdades sejam perpetuadas por maçons “especulativos” impacientes que nunca se deram ao trabalho de investigar as histórias tradicionais apresentada nos rituais. Eles confundem as coisas ao aceitar as especulações propostas em livros populares cobre a Arte, escritos para estimula as opiniões preconcebidas das pessoas que os compram.

Em nenhum outro lugar essa tendência é mais predominante do que na história dos Cavaleiros Templários, que se desenvolveu em um paradoxo do ovo e da galinha com o passar dos anos, com relação à conexão da Ordem Medieval com a Maçonaria. A ascensão e o crescimento da Maçonaria deram origem aos Cavaleiros Templários Maçônicos, ou o fim dos Cavaleiros Templários originais deu origem à própria Maçonaria?

Embora seja fácil colocar a culpa pelas duas teorias nos autores especulativos modernos, o fato que permanece é que os conceitos da falinha maçônica e do ovo templário foram criados pelos próprios maçons. Essa história ou mitologia tradicional foi assimilada por escritores não maçônicos e considerada como uma história real, que, em troca, deu aos maçons mais provas para sustentar as teorias que eles mesmos criaram. Como veremos no decorrer deste livro[8], o mito templário-maçom tomou formas diferentes com o passar dos anos, evoluindo e se tornando mais forte, ao passo que o Templarismo Maçônico cresceu e prosperou.

REFERÊNCIAS MAÇÔNICAS DO SÉCULO XVIII AOS TEMPLÁRIOS

Apesar da popularidade dessa opinião nos dias de hoje, é importante entender que no começo da Maçonaria na forma pós-1717, não há nenhuma menção à teoria de que ela fora criada pelos Cavaleiros Templários medievais como um meio de continuar seus ensinamentos, depois que foram suprimidos pela Igreja Católica em 1312. Em vez disso, os documentos maçônicos mais antigos, mesmo que mencionem os Templários, sugerem a ideia de que a Maçonaria antecedeu os Templários e as Cruzadas que testemunharam seu surgimento.

As primeiras histórias impressas da Maçonaria foram incluídas na obra The Constitutions of the Free-Masons (As Constituições dos Maçons), do dr. James Anderson, publicada pela primeira vez em 1723, revista e ampliada em 1738, como as New Constitutions (Novas Constituições[9]. Embora as duas edições contenham mais ficção histórica do que fatos históricos, foram produtos da época[10] e não podemos ser muito críticos em relação ao autor. O que ainda é relevante para a nossa discussão atual é que a edição de 1723 das Constituições de Anderson contém o que podemos chamar de a primeira referência publicada sobre uma conexão entre a Maçonaria e as Ordens das Cruzadas, embora nenhuma seja identificada especificamente por nome, e a referência do Dr. Anderson a elas seja quase que de passagem. Falando sobre a enorme influência que a Maçonaria teve na história do mundo desde sua criação. Anderson conta aos seus leitores:

“Em resumo, muitos Volumes extensos seriam necessários para descrê ver os muitos exemplos magníficos da poderosa influência da Maçonaria desde a criação, em todas as Eras, e em todas as Nações, esses exemplos poderiam ser coletados de Historiadores e Viajantes, mas especialmente naquelas Partes do Mundo, onde os europeus estão em harmonia e fazem negócios. Tais Vestígios de antigas, grandes, curiosas e magníficas Colunatas foram descobertas pelos Investigadores, que lamentam demais os Desvios gerais dos godos e maometanos, e devem concluir que nenhuma outra é tão extensivamente útil para a Humanidade.

Mais ainda, se fosse oportuno, poderia parecer que, a partir dessa antiga Fraternidade, as Sociedades ou Ordens dos Cavaleiros Militares, e as Religiosas também[11], com o passar do tempo, tornaram emprestado muitos Costumes solenes, pois nenhuma delas era mais bem instituída, mais decentemente instalada ou sagradamente observava suas Leis e Incumbências do que maçons aceitos, que em todas as Eras, e em cada Nação, mantiveram e propagaram suas Preocupações de uma forma peculiar, em que o mais Astuto e o mais Culto não poderiam compreender, embora isso tenha sido frequentemente tentado, embora Eles se conheçam e se amam, mesmo sem a Ajuda do Poder da Palavra, ou quando as Línguas são diferentes[12]”.

Apesar de as Novas Constituições de Anderson fornecerem mais detalhes sobre a história mítica da Ordem, especialmente em relação à Maçonaria Escocesa, ele não teve muito mais o que adicionar sobre a Maçonaria durante o período das Cruzadas, além de manter sua opinião de que a Arte surgiu 15 anos antes dos cruzados.[13] Andrew Michael Ramsay foi outro maçom famoso do século XVIII, que tinha opiniões parecidas com as do dr. Anderson. Embora pareça que Ramsay não foi tão ativo quanto Anderson, ele ainda assim é bem conhecido hoje pela sua contribuição singular à Arte: um discurso que supostamente fez para a Grande Loja da França em 1737, um ano antes de Anderson publicar suas Novas Constituições. Esse discurso, conhecido como o “Discurso de Ramsay”, existe em duas formas: a versão de “Epernay” e as da “Grande Loja”[14]. Apesar de as duas versões terem tons levemente diferentes, elas possuem o mesmo comentário a respeito dos maçons durante o período das Cruzadas:

“À época das Cruzadas na Palestina, muitos príncipes, lordes e cidadãos uniram-se e juraram recuperar o Templo dos cristãos na Terra Santa e devotar-se a fazer com que ele voltasse a ter sua forma original. Eles escolheram vários sinais amigos e palavras simbólicas tiradas das origens da religião para se reconhecer entre os pagãos e os sarracenos. Esses sinais e essas palavras eram apenas comunicadas àqueles que prometeram solenemente, e às vezes até ao pé do alar, nunca os revelar. Essa promessa sagrada não foi, portanto, um juramento execrável como foi chamado, mas sim uma obrigação honrada para unir os cristãos de todas as nacionalidades em uma irmandade. Algum tempo depois, nossa Ordem (Maçônica) criou uma união íntima com os Ca valeiros de S. João de Jerusalém (os Hospitalários). Daquele período em diante nossas Lojas adotaram o nome de Lojas de S. João. A união foi feita após o exemplo dado pelos israelitas, quando edificaram o segundo Templo, que, enquanto seguravam a trolha e a argamassa em uma mão, na outra seguravam a espada e o broquel.[15]

Como examinaremos a história do cavaleiro Ramsay e seu famoso Discurso mais detalhadamente no capítulo 6, basta dizer que esse discurso forneceu a pedra fundamental sobre a qual seriam edificados os chamados altos graus da Maçonaria,[16] um sistema no qual o grau de Cavaleiro Templário ocupava e continua a ocupar uma posição importante.
Houve outros maçons do século XVIII que fizeram referências às Ordens Cruzadas e suas conexões com a Maçonaria que vale a pena mencionar. Entre eles, estava William Preston, um maçom escocês, que é mais bem lembrado como o autor de IIlustrations of Freemasonry (Ilustrações da Maçonaria), publicado em 1772. Foi um livro que Thomas Smith Webb, o fundador do Rito americano (erroneamente chamado de Rito de York), avidamente tomou emprestado para criar seu Freemason´s Monitor (Manual do Maçom) ou Illustrations of Masonry, em 1797 – um quarto de século depois da obra de Preston.
Como Anderson, Preston criou uma linhagem antiga para a Arte em uma história da Ordem, mas sua jornada começou com os druidas, em vez da época da criação, como Anderson havia cultivado.[17] Apesar de os dois escritores mencionarem que a Maçonaria antecedera à formação dos Cavaleiros Templários, Preston foi um passo além ao mencioná-los pelo nome:

Durante o reinado de Henrique II (1154-1189), o Grão-Mestre dos Cavaleiros Templários supervisou os maçons e os empregou na construção do seu Templo na Rua Fleet, em 1135 d.C.[18] A Maçonaria continuou sob o patronato dessa Ordem até o ano de 1199, quando João (1199-1216) sucedeu a seu irmão Ricardo (Ricardo Coração de Leão) no trono da Inglaterra. Peter de Colechurch foi então nomeado Grão-Mestre. Ele começou a reconstruir a ponte de Londres com pedra, que foi mais tarde terminada por William Alemain, em 1209. Peter de Rupibus sucedeu a Peter de Colechurch no cargo de Grão-Mestre, e Geoffrey Fitz-Peter, inspetor-chefe das obras do rei, atuou como adjunto. Sob os auspícios desses dois artistas, a Maçonaria prosperou na Inglaterra durante o restante desse reinado e o seguinte.[19]

O interessante sobre o relato de Preston é que, apesar de dizer que a Maçonaria já existia antes das Cruzadas, ele não faz nenhuma menção de que os Templários eram maçons. Em vez disso, Preston descreve a relação entre os dois grupos como sendo estritamente questão de negócios – um acordo que não é de forma alguma excluído da realidade histórica. Os Templários com certeza teriam empregado muitos maçons “operativos” em seus quase 200 anos de história, mas Preston, como muitos escritores de sua época, confunde a Maçonaria Operativa composta por pedreiros medievais com mãos ásperas com a Maçonaria Especulativa praticada por homens de mãos bem cuidadas em seu tempo livre, que eram seus homônimos.

Outro escritor maçônico contemporâneo de Preston, foi William Hutchinsson, que publicou seu livro The Spirit of Masonry in Moral and Elucidatory Lectures (O Espírito da Maçonaria em Instruções Morais e Explicativas), em 1775, três anos depois de Illustration of Mansonry de Preston ser publicado. Da mesma forma que Preston e Anderson antes dele, o livro de Hutchinson foi sancionado pela Grande Loja da Inglaterra[20] e o autor mantém a opinião de que a Maçonaria antecedeu à época das Cruzadas. Mas Hutchinson fez mais do que preservar o que se acreditava sobre a história maçônica, ele deu ao seu leitor um relato fictício muito mais detalhado da ligação entre os cruzados e os artífices. Hutchinson acreditava que os padres católicos romanos eram maçons que iniciaram os cruzados nos mistérios da Maçonaria para que eles pudessem se proteger de espiões e se reconhecerem como camaradas. A história é contada no capítulo chamado de “The Secrecy of Masons” (O Sigilo dos Maçons) e vale a pena reproduzi-lo na íntegra:

“Logo após o avanço do Cristianismo na Inglaterra, toda a Europa estava pegando fogo com o grito e o furor de um monte entusiasta, que instigou os fanáticos pela religião a uma guerra santa, na qual, com o fim de recuperar a cidade santa da Judeia das mãos dos infiéis, legiões armadas de santos, devotos e entusiastas, em dezenas de milhares, emanaram de cada nação europeia, para desperdiçar seu sangue e tesouro em um propósito tão improdutivo e vão quanto insensato.

Acharam necessário que, aqueles que aceitassem o emblema da cruz nessa empreitada deveriam se unir a essas sociedades para que ficassem a salvo de espiões e traidores; e que cada um deles poderia conhecer seu companheiro e irmão trabalhador, tanto de noite quanto de dia. Assim como foi com o exército de Jefté nas pesagens do Jordão, também foi um requisito nessas expedições que certos símbolos, sinais, senhas ou palavras de passe deveriam ser conhecidos entre eles, pois os exércitos eram compostos de várias nações e várias línguas. Está escrito no livro de Juízes: “que os gileaditas tomaram os vaus do Jordão que conduzem a Efraim, e foi assim que quando qualquer fugitivo efraimita dizia: Quero passar; então, os homens de Gileade lhe perguntavam: És tu efraimita? Se respondia: Não, então lhe tornavam: Dize, pois, Shibboleth, e ele dizia Sibboleth, pois não conseguia pronunciar corretamente a palavra. Então pegavam dele e o matavam nos vaus do Jordão”.

Nenhum desígnio ou modelo poderia melhor atender ao objetivo dos cruzados do que aqueles da Maçonaria: os axiomas e os cerimonias atendendo à ordem do mestre haviam sido previamente estabelecidos, e eram substancialmente necessários naquela expedição; pois como os maometanos também eram adoradores da Divindade, e como os empreendedores estavam buscando uma região onde os maçons na época de Salomão foram agrupados em uma associação, e onde alguns vestígios certamente seriam encontrados dos mistérios e sabedoria dos antigos e dos nossos antepassados. Esses graus da Maçonaria como oferecidos apenas ao reconhecimento daqueles que são servos do Deus da natureza, não seriam diferenciados daqueles que eles teriam de encontrar, se eles não tivessem usado símbolos da fé cristã.

Todo o saber da Europa naqueles tempos assim como na Antiguidade, estava nas mãos dos religiosos, eles obtiveram a sabedoria dos antigos, e o conhecimento original que foi no começo, e ainda é, a verdade. Muitos deles foram iniciados nos mistérios da Maçonaria. Eles foram os idealizadores da empreitada, e como Salomão na construção do templo, que teve sua sabedoria enriquecida com o conhecimento dos sábios da Antiguidade, introduziu ordens e regulamentos para a conduta do trabalho para que nenhuma confusão pudesse acontecer durante o processo, e para que a graduação e o cargo de cada companheiro-trabalhador pudessem ser distinguidos e determinados sem que pudesse haver a menor dúvida; da mesma forma os sacerdotes, ao planejar as Cruzadas, possuindo os ministérios da Maçonaria, o conhecimento dos antigos, e sabendo a língua universal que sobreviveu a confusão de Sinar[21], iniciaram as legiões que os seguiram para a Terra Santa, foi por conta disso que existiu esse sigilo que estava ligado aos cruzados.

Entre outras provas, que nos permitem supor que muitos maçons participaram das guerras santas, está a doutrina daquela ordem de maçons, chamada de a ordem mais alta, o que nos leva a crer que essa ordem era de origem escocesa; nações distintas podem ser distinguidas por alguma ordem distinta, como foram por bandeiras únicas; mas; seja como for, é uma prova total para nós de que os maçons foram cruzados.[22]

Até aqui vimos que por todo o século XVIII, desde o período da formação da Grande Loja da Inglaterra, em 1717, até as últimas décadas, escritores maçônicos apoiaram a crença de que a Maçonaria já existia muito antes da época das Cruzadas e das Ordens Militares que surgiram com elas. Se havia uma conexão entre as duas, ela se encontra na crença maçônica de que as Ordem Cruzadas, como os Templários ou os Hospitalários, adotaram as cerimônias da Maçonaria. Foi uma crença que seria levada ao século XIX por vários escritores maçônicos que continuariam ávidos a acrescentar seus adornos pessoais à História lendária de sua Ordem e a ligação dela com os Cavaleiros Templários de outrora.

um interlúdio antimaçõnico

Embora houvesse muitos escritores maçônicos que desejavam estabelecer uma ligação entre a Arte e os cruzados, havia outros que queriam propor um argumento diferente e uma guinada em relação à ligação entre Templários e maçons. O mais importante entre eles foi Augustin Barruel, autor de M´moires pour servir à l´histoire du Jacobinisme (Memórias para ilustrar a história do Jacobinismo), publicado em 1797 e 1798.[23] O livro de Barruel que foi traduzido pela primeira vez em inglês por Robert Clifton em 1798, sustentava a ideia de que a Revolução Francesa fora o resultado dos princípios anticristãos e antissociais de sociedades secretas como a Maçonaria.[24] Mas as alegações de Barruel iam além do que culpar os maçons pela Revolução Francesa. O autor acreditava que a Maçonaria era descendente direta dos extintos Templários medievais. Barruel disse o seguinte sobre essa crença:

“No entanto, tendo como base exclusivamente os arquivos dos próprios maçons, e as semelhanças evidentes que existem entre eles e os Cavaleiros Templários, estamos autorizados a dizer: “Sim, todos os seus ensinamentos e todas as suas Lojas descendem dos Templários”. Após a extinção da Ordem, alguns Cavaleiros criminosos, que escaparam da condenação geral, formaram uma instituição para perpetuar seus terríveis mistérios. Eles adicionaram ao seu código de Impiedade, que já existia antes, o voto de vingança contra reis e pontífices que destruíram sua ordem, e contra toda a Ordem Religiosa que condenou suas doutrinas. Eles criaram adeptos que perpetuariam e transmitiriam de geração a geração os mesmos mistérios de iniquidade, os mesmos juramentos e o mesmo ódio contra o Deus dos Cristãos, Reis e Padres. Esses mistérios foram passados a vocês, e vocês perpetuam a impiedade, os juramentos e o ódio deles. Essa é sua origem. Com o passar do tempo, os costumes de cada época podem ter alterado alguns dos seus sinais e seus sistemas repugnantes, mas a essência é a mesma, os desejos, os juramentos, o ódio e as tramas são parecidos. Vocês podem não pensar assim, mas tudo traiu seus antepassados, e tudo trai os descendentes deles.[25]

Como Roberto Cooper mencionou em seu livro The Rosslyn Hoax (O Embuste de Rosslyn), isso parece ser o primeiro indício, pelo menos a partir de um escritor não maçônico, de que a Maçonaria surgiu depois dos Templários originais.[26] Considerando o fato de que Barruel fora um membro da mesma igreja que extinguiu os Templários em 1312, sua afirmação certamente obteve alguma legitimidade, pelo menos entre seus correligionários. Barruel nasceu em Villeneuve de Berg, na França, em 1741, e entrou na Companhia de Jesus com 15 anos de idade. No entanto, toda a controvérsia em torno da Ordem levou-o para fora da França e ele permaneceu no exterior até que a Ordem Jesuíta fosse extinta em 1773. Apesar de ter retornado à França há vários anos, Barruel mais tarde buscou refúgio na Inglaterra durante a Revolução Francesa. Foi nesse momento que Barruel escreveu Mémoires pour servir à l´histoire du Jacobinisme, um livro que foi muito questionado pelos maçons ingleses, franceses e alemães. Entre aqueles que refutaram as afirmações de Barruel, tanto antimaçônicas quanto históricas, estava um maçom escocês chamado Alexander Laurie.


REFERÊNCIAS MAÇÔNICAS DO SÉCULO XIX AOS TEMPLÁRIOS

Em 1804, Laurie, um vendedor de livros e artigos de escritório para a Grande Loja da Escócia, mas que passaria a servir alternadamente como Grande Secretário e Cogrande Secretário dessa instituição, publicou um livro sobre a história da Maçonaria e da Grande Loja da Escócia. Embora Laurie frequentemente receba o crédito pela autoria do livro, ele provavelmente foi escrito por sir David Brewster.[27] Em 1859, seu filho, William Alexander Laurie – então Grande Secretário -, reproduziu a obra de seu pai em formato expandido sob o título exageradamente longo de The History of Free Masonry and the Grand Lodge of Scotland witch Chapters on The Knights Templar, Knights of St. John, Mark Masonry and R. A. Degree to which is added na Appendix of Valnable Papers (A História da Maçonaria e da Grande Loja da Escócia com Capítulos sobre os Cavaleiros Templários, Cavaleiros de São João, Maçonaria da Marca e Grau do Arco Real a qual é acrescentada um Apêndice com Documentos Valiosos). Embora William não tenha incorporado grandes mudanças ao original, ele conseguiu alterar os capítulos existentes com informações mais fatuais do que as usadas por Brewester e publicadas pelo pai de Laurie.[28] Mas apesar de a versão revista ter incluído informações que eram mais corretas historicamente do que a obra anterior, a exposição sobre os Cavaleiros Templários e sua ligação com a Maçonaria não é mais convincente do que aquela publicada no século XVIII. No capítulo dois da versão de 1859 (veja no Apêndice II o texto completo), Laurie oferece ao seu leitor a seguinte informação fabulosa e errônea:

“Provar que a Ordem dos Cavaleiros Templários fora uma ramificação da Maçonaria seria um trabalho desnecessário por causa do fato de que isso é de conhecimento comum por parte dos maçons, e ninguém foi mais zeloso em confirmar isso do que os inimigos da Ordem (Barruel); os maçons aceitaram o fato, não por ser muito honroso para eles, mas sim por ser verdade; os inimigos e apoiarem porque, com a ajuda de um pouco de sofisma, poderia ser usado para desgraçar seus oponentes.

A Ordem dos Cavaleiros Templários foi instituída durante as Cruzadas no ano de 1119, por Hugo de Pàyens e Godovredo de St. Omer, e recebeu esse título porque seus membros originalmente residiam perto da igreja em Jerusalém, que era dedicada ao nosso Salvador. Embora o seu propósito declarado fosse proteger os peregrinos cristãos cuja devoção equivocada os levou à Cidade Santa, ainda assim é quase que indubitável que o propósito mais importante e primordial deles fora praticar e preservar os Ritos e os mistérios da Maçonaria. Sabemos ao menos que eles não apenas possuíam os mistérios, mas também realizavam as cerimônias e inculcavam as obrigações dos Maçons, é igualmente certo que a prática desses Ritos não contribuía em nada para a proteção dos peregrinos católicos. Se eles tivessem publicamente admitido o propósito real da instituição, em vez daquele auxílio que eles por muito tempo desfrutaram, teriam sentido a hostilidade da Igreja em Roma. Mas como eram inspirados por uma estima sincera pela fé católica, e com uma aversão resoluta aos donos da Judeia, nunca se suspeitou que faziam outras coisas em suas reuniões secretas, além dos assuntos de direção da sua Ordem, do avanço da religião e do extermínio dos seus inimigos.[29]

Algo interessante é que o capítulo 5 do livro de William Alexander Laurie perpetuava o mito inverso de que os Templários, que haviam sido debandados, criaram a Maçonaria. No entanto, como esse mito e sua evolução serão abordados mais adiante no livro, retornemos à discussão presente. Laurie não fora o único autor maçônico do século XIX a acrescentar seus próprios enfeites à história fictícia de uma ligação entre Templários e maçons, e o mito também não ficou limitado à Inglaterra e à Escócia. A história de a Maçonaria ter sido praticada pelos cruzados também foi aceita do outro lado do oceano, onde escritores maçônicos americanos estavam extremamente ansiosos em acrescentar seus próprios acompanhamentos à história.

Apesar de a história dos Templários de Thomas Smith Webb, encontrada na versão de 1818 do seu ritual (ver Apêndice III), conter muitos erros históricos, para crédito dele, ele não faz nenhuma menção a Templários praticando os Ritos da Maçonaria. No entanto, um dos seus protegidos, Jeremy Ladd Cross, reimprimiu muito da história da Maçonaria de Laurie, de 1804, na versão de 1851, da sua obra The True Masonic Chart or Hieroglyphical Monitor (O Verdadeiro Quadro Maçônico ou Manual Hieroglífico). O acréscimo da obra de Laurie, citada apenas como a History of Freemasonry by a Brother, certamente contribuiu para ajudar a perpetrar aos leitores americanos as falsas afirmações de longa data de que os Templários adotaram ritos e cerimônias maçônicas.

Mas outros ritualistas e escritores americanos levariam as afirmações mais além ainda. O autor anônimo de The Templar´s Text Book (O Manual do Temp0lário), publicado em 1859 (ver Apêndice IV), com The Crafsman (OArtifice), de Cornelius Moore, oferece a seguinte fábula maçônica no discurso da ascensão e queda dramática dos Cavaleiros Templários:

“Esta Ordem (os Templários) não tinha nenhuma conexão com a antiga Maçonaria, exceto pelo fato de que os ritos e mistérios da Maçonaria eram praticados e presenciados por eles; e desde o princípio, ninguém podia receber as honras da Ordem, antes de ter recebido vários graus da Maçonaria até o Arco Real.[30]

O autor do The Templar´s Text Book não foi o único escritor maçônico a perpetuar essa guinada no mito. Alfred Creigh, que era, à época, o historiador dos Cavaleiros Templários da Pensilvânia e dos Estados Unidos, incluiu um relato fantástico na introdução do seu livro de dois volumes de 1867, intitulado History of the Knights Templar of the State of Pennsylvânia (História dos Cavaleiros Templários do Estado da Pensilvânia). Falando a respeito de Henrique II da Inglaterra e Gilvert de Clare, o primeiro conde de Pembroke (1100-1147), Creigh conta o seguinte a seus leitores Templários Maçônicos:

“Está registrado que, neste reino, os Cavaleiros Templários eram iniciados primeiro nos mistérios da Maçonaria, no período em que eram patronos dela, e o Grande-Mestre do Templo era nomeado para supervisionar as Lojas, que, pela designação, a preeminência era confinada às Ordens de Cavalaria, sobre a Sociedade de Maçons. Com essa junção entre as duas Ordens, a Maçonaria assumiu um caráter mais importante e uma posição mais alta aos olhos de todos e continuou a crescer na estima geral até o reinado de Ricardo I. Acredita-se que foi nesse período que fora formalmente estabelecida a primeira ligação de uma Loja Maçônica com os Cavaleiros Templários. Antes disso, cavaleiros eram iniciados individualmente nos mistérios maçônicos e patrocinavam a Sociedade de Maçons, no entanto, subsequentemente e depois da supressão da Ordem e da dispersão deles por todo o reino cristão, e após recuperarem a estabilidade e estarem livres de perseguição, essa Ordem de Cavalaria era conferida exclusivamente àqueles que haviam passado pelos altos graus da Maçonaria[31]

Greigh parece compartilhar a opinião do autor de The Templar´s Text Book de que nenhum homem poderia ser admitido na Ordem Templária até que tivesse passado pelos chamados altos graus da Maçonaria. Como vários escritores maçônicos dos séculos XVIII e XIX, nenhum dos autores oferece uma prova válida para apoiar essas afirmações, que são, é claro, historicamente absurdas. Como veremos no capítulo 5, o ritual de iniciação dos Cavaleiros Templários medievais não faz nenhuma referência a uma condição prévia maçônica, seja operativa ou especulativa, nem oferece nada além de uma similaridade passageira com os rituais da Arte, como eles desenvolveram do século XVII em diante.
Mas da mesma forma que devemos ter cuidado ao criticar os escritores do século XVIII, como Anderson e Preston, que escreviam para uma época e público em particular, também devemos ter cuidado ao dirigir nossa desaprovação aos escritores norte-americanos. É importante compreender que os livros citados foram escritos para um público feral; mais exatamente, escritos para os Templários americanos, que deviam passar pelos graus da Maçonaria e do Arco Real, antes de entrar nas Ordens Templárias.[32] Dessa forma Greigh e seus contemporâneos poderiam estar emendando requisitos maçônicos modernos na Ordem Medieval como parte de sua história tradicional.

Enquanto não podemos jamais entender os motivos dos homens que criaram uma mitologia sobre os Cavaleiros Templários, que formam a base para o fato histórico nas mentes dos maçons de hoje, o certo é que esses homens, não importa se bem-intencionados ou não, causaram mais danos do que qualquer outra coisa no que diz respeito ao assunto. Apesar de que esses escritores possam talvez ser perdoados por criar um mito de uma conexão direta entre Templários de antigamente e seus homônimos, para ajudar a atrair homens aos graus cavalheirescos relativamente novos, já passou da hora de os maçons colocarem de lado essa ideia.

Quase três séculos depois de a Maçonaria passar a existir oficialmente, mais de 200 anos após o surgimento das organizações templárias ligadas à Maçonaria, sabendo que os Templários originais foram destruídos antes de atingir tal marca, está na hora de os Templários Maçônicos ficarem satisfeitos com sua longevidade. Além disso as versões fantasiosas de como a Ordem surgiu deveriam ser substituídas pelo que realmente aconteceu, pois, a história real de como as Ordens Templárias evoluíram é tão interessante quanto os relatos mitológicos.

Para nossa sorte, o Grande Priorado da Inglaterra e do País de Gales acrescentou um prefácio no seu ritual que fornece aos membros da Ordem informações que fazem a distinção entre os Templários originais e os seus semelhantes maçônicos. Ao falar sobre o desenvolvimento dos graus cristãos na metade do século XVIII, o Grande Priorado nos conta o seguinte:

“Os mais importantes desses foram um rito Templário Maçônico e um Grau Rosa Cruz, nenhum deles tem qualquer ligação histórica ou ritual com as antigas Ordens Militares dos Rosacruzes medievais”.[33]

Infelizmente, nem todas as grandes organizações são tão meticulosas para apesentar a distinção. Bem no começo do século XX, o Supremo Grande Priorado do Canadá, que é a organização governante autônoma para os templários Maçônicos naquele país, esforçou-se ao máximo para garantir que todo homem que fosse consagrado um Cavaleiro Templário entendesse a história de como o Templarismo Maçônico surgira. No entanto, deixou de fora a The Trird Historical Sketch (A Terceira Cena Histórica) do ritual, algo que permitiu que os Templários Maçônicos canadenses apoiassem os mitos de uma época mais antiga. Do discurso descartado, lemos o seguinte:

“O grande erro que causa tanta confusão sobre a natureza dos graus templários modernos, conforme associado à Maçonaria, surge principalmente do fato de não conhecer ou não distinguir a grande diferença entre a Maçonaria dos dias de hoje e daquela a partir da qual ela surgiu. Os graus templários fazem referência e representam a conexão que supostamente existiu no passado com a antiga Ordem Templária e os construtores cristãos eclesiásticos, que, ao apartarem-se dos Conventos, se associaram com as Guildas de construção, a partir das quais a Maçonaria Especulativa moderna supostamente surgiu – mas essa reapresentação não constitui nenhuma parte no sistema templários presente do Império Britânico, salvo por afinidade.

A introdução dos graus Templários na Maçonaria teve origem no continente europeu logo depois de a Maçonaria Especulativa ter sido importada da Inglaterra, e no início ficou restrita àqueles em altas posições da vida social, que eram desejosos de que a Maçonaria fosse considerada descendente da antiga Ordem Religiosa e Militar dos Templários. Esse desejo teve base em uma fábula, de que quando a dissolução da Ordem ocorreu (1312 d. C.) alguns Cavaleiros ingressaram nas Guildas de Maçons na Escócia, e com isso deram origem à Maçonaria Livre e Aceita.[34]

Antes de examinar e desconstruir o mito de que os Templários fugiram para a Escócia, onde criaram a Maçonaria, devemos entender a ascensão e a queda dos Cavaleiros Templários originais.


Texto compilado do livro "O Compasso e a Cruz" de Stephen Dafoe" - Editora Madras.


[1] Extraído da Obrigação do Aprendiz Maçom, como aparece no Rito Candadense, essa instrução é uma das muitas contidas no documento, que chama a atenção do recém-iniciado Aprendiz para suas obrigações para com Deus, seus vizinhos e consigo mesmo.
[2] Esse artigo foi originalmente apresentado na Lojas Vitruviana n. 767, em Indianápolis, Indiana, em julho de 2005. Foi publicado inteiramente em Heredom: The Transactions of the Scottish Rite Reserarch Society Volume 14, e está disponível on-line em www.scottishire.org/what/educ/heredom /articles/vol14-dafoe.pdf. Acesso em 21 Jan 2009.
[3] O evento do peixe frito é uma atividade comum p0ara levantar fundos entre as Lojas dos Estados Unidos. É visto com zombaria pelos maçons que estão insatisfeitos com o fato de que a Maçonaria está mudando da filosofia e do intelectualismo para o que eles interpretam como a tentativa da Maçonaria de remodelar-se com base nos clubes sociais.
[4] A Chave de Hiram, de Christopher Knight e Robert Lomas, oferece, entre um incontável número de teorias, a ideia de que Jesus e seu irmão Tiago estavam lutando para estabelecer um Reino dos Céus na terra usando rituais de estilo maçônico. Os autores propõem a teoria de que os Templários descobriram esses escritos perdidos de Jesus e os enterraram sob a Capela Rosslyn. Born in Blood, de John J. Robinson, propõe uma teoria interessante ligando os Templários aos maçons por meio da Revolta dos Camponeses de 1381. Os dois livros, embora de natureza especulativa, são extremamente populares entre os maçons.
[5] A Ma~çonaria surgiu pública e formalmente em 24 de junho de 1717, quando quatro Lojas de Londres se uniram para formar a Grande Loja. Isso não significa que ela surgiu magicamente do nada nessa data, já que é claro que as Lojas Maçônicas devem ter existido antes disso para que elas pudessem unificar-se em uma instituição governante.
[6] Alegoria é uma figura de linguagem que está dentro do que se classifica como figura das palavras, ou seja, relaciona-se a semântica, é encontra seu significado dentro das abstrações. De acordo com o dicionário Aurélio: “Simbolismo concreto que abrange o conjunto de toda uma narrativa ou quadro, de maneira que a cada elemento do símbolo corresponda um elemento significado ou simbolizado”, isto é, além de servir como figura de linguagem para textos, bastante comum em fábulas e parábolas, cabe também a obras de arte.
Em muitos casos, lições de moral são utilizadas como forma de alegoria, pois elas representam situações a partir de artifícios que significam alguma coisa por meio de outras coisas. A própria construção etimológica da palavra alegoria, que vem do grego allegoría, identifica sua função que significa, “dizer o outro”.
Apesar de se parecer com a metáfora, diferenças e discussões existem acerca delas. Alguns estudiosos defendem a proximidade de ambas e outros pesquisadores discordam. Na turma dos que encontram ligações está Quintilano, que afirma que alegoria é “metáfora continuada que mostra uma coisa pelas palavras e outra pelo sentido”. Mas resumidamente, a metáfora adequa-se a termos isolados, enquanto a alegoria diz respeito ao texto na íntegra.
[7] Os rituais da Arte ou Maçonaria Especulativa são montados em torno da história da construção do Templo do rei Salomão. Na nova versão alegórica, Hiram Abif é assassinado por três artífices que queriam aprender os segredos de um Mestre Maçom, antes de o Templo ser concluído. A descrição bíblica, embora mencione um artífice chefe chamado Hiram ou Hirão, não faz menção alguma sobre sua morte
[8] Dafoe Stephen – “O Compasso e a Cruz – uma história dos cavaleiros templários maçônicos” – Tradução de Alexandre Trigo Veiga - Editora Madras.
[9] COOPER, Robert L. D. The Rosssyn Hoas (O Embate de Rosslyn). Hersham, Surrey Lewis Masonic. 2006. P. 40.
[10] STEVENSON, David. “James Anderson: Man and Mason”. In: Heredon: The transactions of the Escotish Rite Research Society Volume 10. P. 93-94. Como Stevenson destacou em seu artigo, Anderson foi ridicularizado com o passar dos anos por estudiosos maçônicos que vieram depois dele, sem que eles levassem em consideração a época na qual escreveu seu trabalhou qual era o objetivo da publicação. Talvez esses historiadores desejassem mostrar o quão científico o tema da história maçônica havia se tornado.
[11] A referência de Anderson às “Sociedades ou Ordem dos Cavaleiros Militares, e as Religiosas também” é provavelmente uma alusão aos cavaleiros seculares que lutaram nas cruzadas e nas Ordens Militares, como os Templários, Hospitalários e Cavaleiros Teutônicos que assumiram tanto o papel religioso quando o militar.
[12] ANDERSON, James. The Constitutions of the Free-Masons, Londres 1723. Reimpressão fac-simile feita pela Masonic Service Association dos Estados Unidos, 1924.
[13] COOPER. Op. Cit., p, 41
[14] KAHLER, Lisa. “Andrew Micahel Ramsay and hirs Masonic Oration”. In; Heredom: The Transactions of the Scotish Rite Research Society Volume ‘, 1991.
[15] Um trecho da versão da Grande Loja do discurso de Ramsay como reproduzido em BATHAM, Cyril N. “Ramsay´s Oration The Epernay and Grand Lodge Versions”. In: Heredom. The Tranactions of the Scotish Rite Research Society Volume I, 1991. Veja o capítulo 6 para uma explicação detalhada das duas versões e os estímulos que o fizeram escrever o discurso.
[16] KAHLER, Op. Cit.
[17] COOPER. Op. Cit. P. 43-44
[18] Esse Templo era na verdade a segunda sede da Ordem em Londres, e ainda existe. É geralmente chamado de Round Church, em Londres.
[20] COOPER. Op. Cit. P. 44.
[21] O autor está fazendo referência à história bíblica da Torre de Babel.
[22] HUTCHINSON, William. The Spirit of Mansonry in Moral and Elucidatory Lectures (2.ed). Carlisle: F. Jollie, 1775. P. 112-116.
[23] A obra de Barruel consistia em quatro volumes, os dois primeiros foram publicados em 1797 e os dois últimos em 1798.
[24] The Catholic Encyclopaedia: Augustin Barruel. Disponível em www.newadvent. Org/cathen/02310ª.htm. Acesso em 23 de jan 2009. Também MACKEY, Albert F. Na Encyclopaedia of Freemansonry and its Kindred Sicences vol 1. Chicago: The Masonic History Company, 1927, p. 99.
[25] BARRUEL – Memorirs Illustrating the History of Jacobinism Part II: The Antimonarchical Conspiracy vol. 2. Hartford: Hudson & Goodwin, 1799, p.212-213
[26] COOPER. Op. Cit. P. 58.
[27] COOPER. OP. CI. P. 56. Também: MACKEY, Albert G.. The History of Freemasonary, Cap XXV: Legend of the Donysiac Artificers. New York: Gramery, 1996. P. 166. Cooper sugere que, embora Laurie tenha permitido que seu nome fosse usado como autor da obra, sir David Breswster foi o Ghost-writer. Mackey também afirma que Brewster e não Laurie escreveu o livro.
[28] Ibid. p. 56.
[29] LAURIE, William Alexander: The History of Free Masonry and the Grand Lodge of Scotland with Chapters on The Kinifhts Tgemplar; Knigths of St. John, Mark Masonry and R. A. Degree to which is added na Appendis of Valuable Papers. Edinbgurh: Seton & Machenzie, 1859, p. 29-30
[30] The Craftsman, and Templar´s Text Book and also Melodies for the Craft: Jacob Ernst, 1859. P. 249-250.
[31] CREIGH, Alfred. History of the Knights Templar of the State of Pennsylvânia. V. 1. Philadelphia: J.B. Lippincott & Co. 1867, p0. 12.
[32] Em algumas jurisdições americanas, os maçons também devem receber os graus do Rito Críptico, além dos graus da Arte e os Capitulares. Esses graus têm sido oferecidos com frequência crescente durante uma tarde de sábado em final ou final de semana para ajudar a aumentar a quantidade decadente de membros.
[33] Ritual n.1 – The Order of the Temple and Drill, The Great Priory of the United Religious, Military and Masonic Orders of the Temple ando f St. John of Jerusalém, Palestine, Rhodes and Malta of England and Wales and its Provinces Overseas, London: Chancelaria das Ordens, 2007, p. 3.
[34] Esse trecho é do Third Historical Sketch, que foi uma parte importante do ritual do Supremo Grande Priorado do Canadá. Embora estivesse presente na virada do século XX, todas as tentativas de descobrir sua origem e o porquê de sua descontinuação permanecem sem resposta do Grande Priorado do Canadá. A instrução completa foi reimpressa em seu formato original no Apêndice V: um relato de Duas Histórias sobre a Origem dos Templários.