sexta-feira, 13 de abril de 2018



MAÇONARIA E A CONJURAÇÃO MINEIRA - ALGUMAS IDEIAS


Autor: José Filardo

Inúmeras vezes, vi e ouvi textos sobre a História da Maçonaria em que o autor, por imprecisão linguística ou, até mesmo, ignorância afirma que a maçonaria surgiu em 1717 e da mesma forma, que a maçonaria brasileira teria surgido em 1822. Confundem a consolidação de lojas em uma organização central, com a própria instituição. É verdade que no Brasil foi um processo meio português, onde na falta de lojas para consolidar, escolheu-se fracionar a única loja existente em três unidades, de forma a atender ao pré-requisito de formação de um Grande Oriente.

Esse “erro” é muito comum devido à tendência da historiografia tradicional se concentrar em datas e personagens históricos, em detrimento do contexto e das forças vivas da sociedade, que são os verdadeiros protagonistas da história.

A história da maçonaria oferece uma dificuldade adicional que é o segredo. Dessa forma, o acesso aos arquivos é difícil pois, muitas vezes, arquivos foram destruídos principalmente como resultado de perseguições ou ameaças de perseguição. Como bem lembrou o Dr. Alexandre Mansur Barata em sua dissertação de doutorado “Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada e Independência”, a falta de documentos pode ser suprida pela análise das consequências dos atos.

Essas “mal-traçadas linhas” são baseadas naquele excelente trabalho sobre a maçonaria brasileira no período de 1790 até 1822.

A questão aventada pelo ilustre irmão Jorge Cyrino foi em relação ao rito que seria seguido pelos conjurados. Na realidade, o rito é de somenos importância, se considerarmos que não há possibilidade de se saber se os conjurados maçons pertenciam a uma loja. O que podemos especular é sobre as influências que agiram sobre o movimento, à luz de outras informações sobre a maçonaria no século XVIII.

Mister se faz que se recue até 1717 quando da fundação da Grande Loja de Londres, esta sim, uma consolidação de quatro lojas maçônicas já existentes naquela cidade, a saber, a Loja da Taverna do Ganso e a Grelha, Loja da Taverna da Coroa, Loja da Taverna da Macieira e Loja da Taverna do Copo e as Uvas.

Esta Grande Loja arvorou-se em herdeira “direta e legítima da maçonaria operativa medieval”, e sofreu a influência dos protestantes John Anderson e do Pastor Desagulliers Homem de grande erudição e de forte personalidade foi ele, sem dúvida, quem abriu as portas das lojas aos judeus, muçulmanos e hindus. Até então, os ritos exclusivamente cristãos dos maçons operativos não permitiam essas adesões. É o que explica o aspecto agnóstico das Constituições de Anderson onde apenas se exige do postulante que “professe uma religião com a qual todos os homens concordem”. (Ir.´. Lucas Galdeano inhttp://www.freemasons-freemasonry.com/galdeano_tratado.html )

Estes maçons da Grande Loja de Londres eram os “modernos”.

Nos anos seguintes, foram fundadas as Grandes Lojas da Irlanda (1725) e da Escócia (1736) que adotaram uma posição mais conservadora e que se recusaram a reconhecer a Grande Loja de Londres, por conta da modernidade desta última, que não exigia a presença do Livro da Lei e permita a adesão de pessoas de diferentes religiões.

Em 1726, a maçonaria foi transplantada para a França por meio de uma loja inglesa que funcionava na taverna AU LOUIS D’ARGEN sob jurisdição Inglesa. Em 1728 é fundada a Grande Loja de França.

Entre 1735 e 1738 surgem, praticamente ao mesmo tempo, os ritos Francês – muito parecido com o “emulation”, mas com um viés jacobino e libertário – e o Escocês que vai pouco a pouco se desgarrando do rito tradicional, por força de influências de nobres católicos fugidos da Escócia e Inglaterra e que não podiam se contentar com a simplicidade do rito tradicional. Precisavam acomodar seus egos e seus títulos em uma ordem que os reconhecesse. Some-se a isso o fato de que as bulas papais tinham assinalado para os inquisidores determinando que “além de seu caráter secreto, a maçonaria era contrária à fé católica porque pressupunha a convivência entre homens de religiões diferentes. Essa ‘tolerância religiosa’ defendida pelos maçons era considerada pelos inquisidores como ‘imoral’, pois negava a religião revelada, caindo sobre aqueles que a defendiam a suspeita de heresia.” (Barata, p. 170). Os maçons católicos franceses preferiram ajustar o rito para ficar mais “soft” e poder ser palatável para a nobreza.

Em 1744, surge o rito Adonihramita, minoritário, originário de um erro tipográfico que gerou uma discussão estéril e, em consequência, mais um rito desnecessário.

Em 1751, maçons ingleses conservadores fundam a Antient Grand Lodge of England que se contrapunha aos “modernos” da Grande Loja de Londres. Eram os “Antigos” (No século seguinte, as Grandes Lojas da Irlanda e da Escócia reconhecem a Grande Loja de Londres – mas, para isso esta tem que ceder em seus princípios e incluir a obrigatoriedade do Livro da Lei – e funda-se a GLUI – Grande Loja Unida da Inglaterra – que se arvora em Vaticano na Maçonaria.

De maneira geral, o panorama da maçonaria européia exibia a polaridade entre a maçonaria inglesa conservadora e a maçonaria francesa caracterizada pelo pensamento libertário que culminaria na Revolução Francesa. Além disso, diferentemente do que ocorria no “environment” inglês que era protestante, rompido com o Vaticano, a presença da Inquisição e da Santa Madre na França funcionou como a lei física da ação e reação.

Há que se considerar que o fluxo de informações nestes tempos era muito lento e a evolução e transferência de influências era difícil. Mas, os deslocamentos militares ofereciam uma agilidade incomum no trânsito de idéias, e muitos militares eram maçons, assim como comerciantes e aventureiros.

O panorama da evolução da Maçonaria tem como pano de fundo a crise do sistema colonial, o surgimento da industrialização inglesa que demandava novos mercados consumidores e a evolução do pensamento que culmina com o Iluminismo onde “baseados na razão (racionalismo), os iluministas contestavam a origem divina do poder real e defendiam a idéia de que o poder deveria emanar do povo e em seu nome ser exercido. Apesar de toda a oposição e censura dos Estados absolutistas, as idéias iluministas se difundiam e empolgavam os intelectuais, quer nas metrópoles, quer nas colônias.”

Portugal se encontrava sob o jugo da Espanha no Sec. XVII. A partir de 1640, a Inglaterra, muito desinteressadamente passa a proteger Portugal, que recentemente recuperara sua independência.

Mais tarde, em 1661, os holandeses assinaram o acordo da Paz de Haia, reconhecendo o domínio português sobre o Nordeste brasileiro e a região africana de Angola. Em troca, os portugueses aceitaram a dominação holandesa em suas possessões do Oriente e pagaram uma indenização de quatro milhões de cruzados (moeda portuguesa) à Holanda.

A Inglaterra, que já se impunha como nova potência marítima, serviu de intermediária nos acordos entre flamengos e lusitanos.

Em troca do apoio a Portugal, a Inglaterra ficou com os domínios portugueses de Tânger (África) e Bombaim (Ásia), e a permissão para o trânsito de mercadores ingleses no comércio português da Índia. Por acordo, que culmina com o casamento entre a princesa Catarina (portuguesa) e o rei Carlos II (inglês), Portugal recebeu da Grã-Bretanha dois milhões de cruzados, suficientes para quitar metade da indenização prometida à Holanda. Pela outra metade, os portugueses tiveram de pagar juros em libras aos britânicos.

Com isso, a Inglaterra passou a influenciar Portugal, com quem estabeleceu uma aliança econômica e política. Através dessa aliança, torna-se o principal fornecedor de manufaturas inglesas às colônias portuguesas. Quebra-se o domínio comercial holandês e os britânicos substituem os flamengos enquanto grande potência pré-capitalista.

A partir do século XVII, após a expulsão dos holandeses, o Brasil tornou-se a mais importante colônia portuguesa. Isso porque a Coroa lusitana perdera pontos comerciais

importantes nos acordos com a Holanda e a Inglaterra, tendo que voltar- se integralmente à exploração econômica na colônia brasileira.

Assim é que em 1703, Portugal enfraquecido e dependente dos ingleses assina o Tratado de Panos e Vinhos, aumentando a penetração da Inglaterra na sociedade portuguesa via comércio, o que leva a um aumento da população de ingleses no Reino, tanto no continente e nas ilhas quanto nas colônias. E estes comerciantes são os arautos da boa nova – a maçonaria.

Assim é que em 1727 é fundada uma Loja Maçônica em Lisboa, alcunhada pela Inquisição de “Hereges Mercantes” composta de comerciantes ingleses e em 1733 funda-se outra loja “Casa Real dos Pedreiros Livres de Lusitânia, composta de católicos irlandeses. Observe-se que o lapso entre a organização da Grande Loja da Inglaterra e a fundação de lojas em Portugal é muito curto, o que poderia indicar que se tratava de maçons ingleses, de lojas organizadas antes da fundação da GL de Londres.

1738. Uma data muito importante para os maçons.

Naquele ano, Clemente XII publica a In Eminentis, encíclica em que determina a excomunhão dos católicos que pertencessem à Maçonaria. Em Portugal, a Casa Real dos Pedreiros Livres, composta por católicos irlandeses imediatamente se dissolve em obediência ao Papa.

Em 1742, é fundada uma loja de influência francesa, presidida pelo suiço Johann Coustos e que seria ferozmente perseguido pela Inquisição.

Os autos da inquisição dessa época estão cheios de incidentes envolvendo Pedreiros Livres, o que indica ter havido uma difusão das idéias maçonicas entre os portugueses.

Em 1751, a Santa Madre volta a atacar com uma segunda bula, a Providas de Benedito XIV que agrava a situação dos maçons que se recolhem para não sofrer consequências.

Nos autos da inquisição, fica evidente que a maçonaria francesa, revolucionária, liberal representava uma ameaça ao status quo. Entre as perguntas a serem feitas às testemunhas, havia:

“Se alguma pessoa afirma que a Confissão Sacramental só se deve fazer para receber o escrito, dizendo com estas palavras – para o Recibo, para se não andar com estórias e abusos da Excomunhão. Outrossim, que louve aos Pedreiros Livres comespecialidade os da França, (grifo meu) afirmando que estes eram a melhor gente que havia e que eram bons homens.” (IANTT, Inquisição de Lisboa, Maço 38, n. 411).

Com a ascensão do Marques de Pombal, para muitos um maçom dedicado, cujo governo propiciou grande liberdade aos maçons portugueses e também aumentou a influência da maçonaria francesa, via contratação de mercenários franceses empregados no governo português. Em 1777 cai Pombal cai e os reacionários portugueses retomam o poder.

Mas, retrocedamos ao início do Século XVIII quando o colonialismo e o mercantilismo desmorona e os ingleses assumem a liderança com sua novel indústria.

Portugal havia se enterrado em dívidas e quem havia financiado eram os ingleses, de olho no grande mercado representado pelas possessões portuguesas. Para adicionar mais um problema, Portugal expulsa os holandeses que produziam e comercializavam o açúcar. Os holandeses mudam-se para as Antilhas levando mudas de cana e começam a plantar cana e produzir açúcar ali. Como eles detinham o circuito de comercialização mundial da commodity, os portugueses perderam mercado e o preço desabou, comprometendo a economia portuguesa. A saída foi incrementar a busca por metais preciosos que já ocorria, mas que a partir daí tornou-se crucial. Havia que se pagar as dívidas.

Com a descoberta de ouro em Minas Gerais, o Brasil passa a ser o centro do império português e um grande polo de atração de imigrantes e aventureiros, entre eles muitos maçons.

Conforme Barata, “É bem possível que até o final do século XVIII, a Maçonaria não funcionasse na América Portuguesa, entendendo-se por tal uma organização institucionalizada e com funcionamento regular nos mesmos moldes das outras organizações maçônicas internacionais.”

Durante o século XVIII, portanto, maçons europeus transitavam pelo Brasil e se estabeleciam no norte e no Rio de Janeiro e estavam ligados às lojas-mães, sem que haja evidências, a não ser na tradição oral, de terem constituído lojas locais.

As lojas-mães de alguns destes maçons tinham influência inglesa e, provavelmente, conheciam e praticavam o rito tradicional da Grande Loja de Londres que chegou aos nossos dias como Emulation ou York.

Outra parte desses maçons, todavia, foi influenciada por lojas de origem francesa, mais libertarias e revolucionárias, mas que também, provavelmente, conheciam e praticavam um rito praticamente idêntico ao rito inglês, com traços iluministas de anti-clericalismo e ‘republicanismo’ característicos da maçonaria francesa desde seu princípio.

Tanto em Portugal quanto no Brasil, as referências à ameaça dos Pedreiros-Livres são, na maior parte das vezes, relacionadas com a França, pois a maçonaria inglesa não representava uma ameaça ao status quo da monarquia portuguesa.

Tal receio foi alimentado pela publicação em 1797, em Londres, do famoso livro do Abade Barruel, Memoires pour servir à l’histoire du Jacobinisme, cuja tese principal era que a Revolução Francesa teria sido tramada nas lojas maçônicas. (Barata, p. 48)

Em 1799, na Bahia, procedeu-se um sumário de culpa contra o Padre Agostinho Gomes “tendo em vista que era do conhecimento geral em Lisboa que as ‘principais pessoas’ da cidade de Salvador ‘por uma loucura incompreensível, e por não entenderem os seus interesses, se acham infestas dos abomináveis princípios franceses” (grifo meu) (Barata, p. 44)

Em 1794, Caetano José Pinto foi denunciado por supeita de pertencer à maçonaria, tendo em vista ouvir dizer que ele “conhecera Pedreiros Livres, e que o chegaram a convidar para seu sócio, o que não afirmo com toda certeza, assim como também se ele disse ter-lhe sucedido isto no Porto ou em França por onde viajou (grifo meu)”. (Barata, p. 45)

Segundo Augusto de Lima Junior, in História da Inconfidência de Minas Gerais, “Tiradentes teria sido iniciado na maçonaria no Rio de Janeiro, e os maçons cariocas teriam articulado a aproximação de Thomas Jefferson, embaixador norte-americano na França e o estudante carioca da universidade de Montpellier, José Joaquim da Mata, no sentido de tentar obter o apoio dos Estados Unidos à revolta na colônia portuguesa. José Joaquim da Maia teria se apresentado como um delegado dos pedreiros-livres do Rio de Janeiro“. (Augusto de LIMA JUNIOR, História da Inconfidência Mineira).

Nos Autos da Devassa da Inconfidência surgiu a “suposição da existência de uma loja maçônica formada por comerciantes da praça do Rio de Janeiro que teriam fornecido a credencial maçônica necessária para que José Joaquim da Maia, o Vendek, estudante brasileiro na Universidade de Montpellier se encontrasse comm o embaixador norte-americano na França, Thomas Jefferson, com o objetivo de conseguir o apoio dos Estados Unidos para a revolta que se articulava em Minas Gerais. E também o fato de que muitos desses comerciantes maçons tenham sustentado os inconfidentes mineiros durante o período em que estiveram presos no Rio de Janeiro à espera da sentença final.”

Conforme Alexandre Barata, “A presença de maçons numa vila interior da capitania do Grão-Pará no início do século XIX (1803) sugere que a sociabilidade maçonica estava muito mais dispersa na América Portuguesa. Mas, uma outra surpresa trazia o relato de José Bernardo: a sua iniciação maççônica teria acontecido em Caiena, por ocasião da conquista daquela possessão francesa.” (grifos meus)

Em outro ponto: “Seu crime era o de ser pedreiro-livre. Pelo que consta de sua confissão, teria sido iniciado na maçonaria em julho de 1791 a convite de dois franceses, negociantes como ele.” (grifo meu)

“No início do século XIX, diversas lojas maçônicas começaram a funcionar, ora se filiando à Obediência Francesa, ora à portuguesa. O Rio de Janeiro, a Bahia e Pernambuco se transformaram em espaços de crescente efervescência maçônica.” (grifo meu)

Segundo manifesto de José Bonifácio de Andrada e Silva, a primeira loja maçônica a ter funcionamento regular no Brasil for a Reunião, fundada em 1801 em Niterói e filiada, dois anos depois, ao Grand Orient de l’Ile de France. (grifo meu)

Concluindo e voltando à indagação inicial sobre o rito sob o qual operavam os conjurados da Inconfidência Mineira, tem-se que a maior probabilidade é que fosse o rito de emulação “‘moderno” em sua vertente jacobina e francesa, vez que tanto a maçonaria portuguesa quanto a nascente maçonaria brasileira exibem laços e influências importantes da Maçonaria Francesa.

quinta-feira, 12 de abril de 2018

A INICIAÇÃO COMO SUPERAÇÃO DO EGO


Tradução Idalina Lopes

Por Jean-Luc Maxence



Iniciação maçônica e psicanálise de inspiração junguiana pertencem a uma verdadeira teoria da libertação pessoal que visa a um complemento de realização da pessoa, uma espécie de superação da miséria interior.

Na realidade, não há qualquer necessidade de ter sido iniciado no Grande Oriente, na Grande Loja da França, na Grande Loja Nacional da França, na Maçonaria Mista ou em outro lugar, de acordo com esse ou aquele ritual tradicional, sob qualquer tipo de obediência, para saber como se desenrola o cenário in praxis. Com efeito, nosso século, mesmo guardando desesperadamente o gosto pelo segredo, de modo paradoxal, só gosta deste último quando ele é revelado ou vulgarizado diante de e para um grande número, inclusive e principalmente por jornalistas ávidos de sensacionalismo e de enigmas esotéricos.

O próprio glossário da Maçonaria tornou-se conhecido de todos, para não dizer vulgarizado. De fato, livros foram editados, na Europa e no resto do mundo, sobre as regras maçônicas que pontilham uma realização espiritual… Felizmente, e como René Guénon nos lembra com satisfação em sua obra, a iniciação não pode jamais, para além do conceito, ser expressa ou sintetizada por palavras precisas!

Em uma sociedade, com frequência, mais vinculada à superfície das aparências imediatas e imediatamente perceptíveis do que à profundeza do pensamento, muitas vezes, oculto por pudor ou por vontade deliberada, tornou-se evidente que todo segredo apenas pode dissimular o diabólico e que todo juramento discreto pronunciado por vários pode ser apenas a antecâmara dos complôs mais horríveis. Claro, não se está mais na época das imposturas organizada, como aquela do jornalista escroque Léo Taxil, que fez com que muitos eclesiásticos católicos, a partir de 1892, acreditassem que o Demônio aparecia nas Lojas e dirigia as reuniões. Mas nosso início de século ainda gosta de condenar a Maçonaria Especulativa, vendo ali apenas pretextos para falcatruas políticas ou financeiras, e muitas vezes estendendo a suspeita aos recantos às vezes obscuros de algumas Oficinas maçônicas.

Na realidade, quando um postulante profano faz, de boa vontade, um pedido de iniciação, de entrada, portanto, na via espiritual da Maçonaria, o “caminho a seguir” é bastante simples e não tem nada de hermético. Primeiro, o interessado expressa sua candidatura por escrito. Depois, uma “pesquisa” é conduzida junto a ele, em geral por três pessoas já Mestres. Então, ele se apresenta a um encontro preciso, com os olhos vendados, no Templo no qual será oficialmente ouvido e interrogado. E a célebre “passagem sob a venda” que ainda hoje provoca fantasias entre tantos profanos e provavelmente encontra suas origens ancestrais em uma rica simbólica que talvez remonte aos mistérios de Elêusis, ou até bem antes. Quando o recipiendário poderá retirar sua venda que o torna provisoriamente cego, durante a iniciação propriamente dita, ele receberá então a luz. Essa luz lhe parecerá tão mais intensa porque dela esteve privado por muito tempo. Trata-se de uma luz com significações simbólicas polimorfas, segundo os Catecismos dos primeiros rituais. Assim, no R...E...A...A... (Rito Escocês Antigo e Aceito), a instrução esclarece: “A luz só ilumina o espírito humano quando nada se opõe à sua irradiação. Enquanto a ilusão e os preconceitos nos cegam, a obscuridade reina em nós e nos torna insensíveis ao esplendor da verdade”. No R...E...R... (Rito Escocês Retificado), é explicado que a luz “elementar” da qual o recipiendário está privado é o “símbolo demasiado evidente dos falsos brilhos que dividem o homem abandonado à sua própria direção”. Diz-se até mesmo: “Vós estais nas Trevas, mas não temais, vosso guia caminha na luz e não pode vos desviar”.

Dito de uma outra forma, a luz entregue ao novo iniciado é o levantar da cortina, ou a aurora, de um longo e complexo processo de lenta transformação individual que às vezes conduz a uma espécie de deslumbramento interior. Portanto, expresso de uma forma mais abrangente, a iniciação parece um processo destinado a realizar “psicologicamente” (propõe Serge Hutin), até mesmo “psicanaliticamente” (acrescenta Bruno Etienne), a passagem de um estado profano a um estado sagrado, de uma quase cegueira a uma clarividência verdadeira. E Jean Mourges, então, chegaria até mesmo a sustentar que a iniciação se revelava como uma verdadeira “metafísica vivida”.

O processo de individuação, de acordo com Jung, não seria também uma “metafísica vivida”? Da mesma maneira, no decorrer da iniciação maçônica, quando é solicitado ao neófito que deposite seus “metais” na entrada do Templo, isto é, que deixe fora do espaço sagrado, antes da reunião solene, seus objetos pessoais de valor (“nem ouro, nem prata, nem relógio, nem brincos, nem qualquer outra joia, nem metais”, esclarece um texto de 1801), isso não corresponderia ao que o psicanalista de inspiração junguiana pede ao seu “paciente-impaciente” analisado, ou seja, que deixe de lado sua máscara social, ou melhor dizendo, sua famosa “persona”!

O conceito de persona, para Jung, é capital e só pode ser compreendido se colocado em relação àquele do Si mesmo já evocado. Ao longo de seus trabalhos sobre a identidade, o inventor da psicologia das profundezas recomenda ao Eu de “se descolar” de sua própria persona.Ou, dito de uma outra forma, de sua máscara sociocultural, ele nomeia e define então a persona. Ele evoca suas origens latinas, uma vez que a palavra em questão designava a máscara da tragédia, que era ao mesmo tempo “porta-voz” (“per-sonare”) e identificação do personagem representado no palco pelo ator.

Ora, no decorrer de sua vida, Jung nunca deixou de “levantar a máscara”. Por isso, Ysé Tardan Masquelier pode logicamente escrever: “A persona tem muito a ver com o que Ma vie chama de ‘a personalidade número um’, essa construção de superfície que tem o mérito de permitir ao ser profundo de se expressar de uma forma precisa, de se comunicar com o outro tendo como base os diferente papéis que lhe são atribuídos”.

Não se trata de, evidentemente, compreender o conceito de persona,sob o pretexto de uma semelhança sonora, como sinónimo usual da palavra francesa personne (pessoa). Isso induziria, evidentemente, a um inoportuno contrassenso. Aliás, o próprio Jung afirma: “é necessário se dar conta de que, caso se vá até o fundo das coisas, a persona não tem nada de real: ela não se beneficia de qualquer realidade própria; ela é somente a formação de compromisso entre o indivíduo e a sociedade”. Em outros termos, a persona é o papel social, o lobo que apresentamos ao olhar do outro, em nosso meio profissional, muitas vezes também em nosso meio familiar, essa “máscara”, essa fantasia nem sempre consciente de ser uma imagem superficial de nossa “personagem mundana”. A persona é contingente das influências exteriores, dos cenários, das conveniências, e, portanto, transitória, ou, pelo menos, flutuante. Ela é aquilo que constitui nossa aparente identidade, mas não é de forma alguma nossa personalidade verdadeira. Ela é aquilo que parece nossa globalidade. Ela é, em realidade, quando se vê sob o véu de Ísis, somente nosso falso reflexo. A persona é nosso escudo social que deve ser quebrado, nossa casca superficial, nossa carapaça que deve ser rompida custe o que custar caso se queira apreender nosso núcleo autêntico de integração psíquica. É exatamente isso que leva C. G. Jung a escrever: “Por estar sujeito a um nome, adquire um título, assume uma carga que ele representa e encarna; um é isto, o outro é aquilo. Claro, naturalmente, em um certo sentido, isso corresponde a alguma coisa; todavia, comparada à individualidade do sujeito, sua persona não é senão uma realidade secundária, um simples artifício, um compromisso em cuja constituição outros participam muitas vezes bem mais do que o próprio interessado. Sua persona é apenas uma aparência, e poderíamos dizer por meio de uma tirada espirituosa, uma realidade com duas dimensões”.

Sob esse ponto de vista, o paciente que vem ver C. G. Jung ou seus sucessores contemporâneos em seu consultório não tem de, necessariamente, destruir sua persona, deslocá-la ou negá-la, mas ter bastante consciência de sua presença, ter bastante consciência de suas influências, de sua importância por vezes perversa, para então “jogar a máscara e só iniciar uma psicoterapia ou uma análise estando de alguma forma “desmascarado”, disposto a renascer mais verdadeiro, mais nu, aceitando de antemão uma espécie de segundo nascimento de si mesmo. E disso que se trata estar em uma “viagem” em psicologia das profundezas. Nada menos, em todo caso.

Da mesma maneira, o iniciado que vem à porta do Templo pedir a Luz, que aceita sofrer a cegueira da venda e a iluminação repentina, muitas vezes ofuscante, de seu desarraigamento, assemelha-se inegavelmente ao sujeito que engaja, de modo voluntário, um processo psicanalítico. As duas posturas parecem, então, paralelas. O iniciado, como já foi visto, deposita seus “metais” no limiar do Templo antes de ali entrar em busca, principalmente, do Templo ideal que cada um abriga em si, em busca tenaz de toda força, sabedoria e beleza. O analisado que se deita no divã ou se acomoda em sua poltrona, diante de seu analista, também de alguma forma esvazia seus bolsos psíquicos. Ele abandona suas reações de respeito humano, seus pudores, suas falsas vergonhas e suas manobras de fuga. Ele deixa fluir a palavra libertadora, aquela do inconsciente que fala. Isso lhe permite “mergulhar” no oceano das lembranças e das imagens passadas. Ele reencontra sensações vindas de longe. Ele se aproxima de seu próprio centro (com ou sem maiúscula real!).

O analisado, como o iniciado, aceita morrer para renascer melhor. Ele empreende um trabalho de clarificação de si mesmo, de sustentação, com muita frequência, de humildade no início. Ele aceita a regra principal de um falso jogo, uma vez que engaja o conjunto de sua personalidade, ou seja, a regra de ouro que consiste em se entregar mesmo com a emergência muitas vezes misteriosa e assustadora do vasto e indefinido continente do inconsciente, sendo este individual ou coletivo.

De acordo com esses pontos de vista, iniciado e analisado adotam uma mesma postura, um mesmo combate. Eles desejam ganhar o lugar de sua própria verdade, de sua profundeza, de sua própria pedra filosofal. Eles correm o risco insensato da ressurreição, do renascimento. Estamos, então, em pleno mito universal e fundador. Claro, trata-se de morrer a si mesmo para melhor renascer a si mesmo, de passar de um estado ontológico aparentemente inferior (cegueira espiritual) a um conhecimento (gnose?). Trata-se de meditar na famosa “Câmara de Reflexão”, a fim de se preparar, a seguir, para a passagem da obscuridade para a luz, do profano ao Aprendiz, do Aprendiz ao Mestre, tomando a “ponte” do Companheiro… É a eterna travessia da morte, dos infernos, do obscuro, da Sombra capital para a aurora magnífica e pura da lucidez e da harmonia. No consultório do clínico (ele é o ouvido benévolo, o analisado “vasculha” a pré-história de sua psique. De certo modo, ele analisa seu próprio passado, quando deixar fluir sua palavra presente para se armar melhor com as ferramentas eficazes que lhe permitirão, no melhor dos casos de uma cura possível, apreender melhor o futuro e seus obstáculos. O “conhece-te a ti mesmo” não envelheceu em nada e talvez por isso os deuses continuem desaparecendo da memória dos homens. Tanto na iniciação quanto na cura analítica do tipo junguiano, o que está em jogo é realmente da ordem da integração psíquica como objetivo das duas posturas propostas àqueles que buscam sua própria verdade. Nos dois casos, trata-se realmente de uma “libertação”. A última etapa do “processo de individuação”, tantas vezes já evocado, é a saúde psíquica e social e também física. E isso só é possível quando se arranca, muitas vezes com dor, a máscara de sua persona. Como escrevia há muito tempo (em 1960) Alan W. Watts, seria uma loucura jogá-la na lixeira: “Quando examinamos de perto as regras de vida do Budismo e do Taoísmo, do Vedanta e do Yoga somos realmente obrigados a constatar que não se trata de forma alguma de filosofias ou de religiões, pelo menos não no sentido como as entendemos no Ocidente. Elas seriam muito mais comparáveis à nossa psicoterapia”. Da iniciação maçônica, aos nossos olhos, poderíamos fazer a mesma observação. Na realidade, a semelhança essencial entre o ensinamento das organizações tradicionais iniciáticas (métodos específicos de realização espiritual) e a psicologia das profundezas e suas psicoterapias reside em um objetivo comum: chegar gradualmente, à custa de um melhor conhecimento de si mesmo, a significativas mudanças de consciência que nos permitem sentir diferentemente nossa própria aventura existencial, apreender sob um novo ponto de vista nossos laços relacionais com a sociedade e com o meio natural.

Iniciação maçônica e psicanálise de inspiração junguiana pertencem a uma verdadeira teoria da libertação pessoal que visa a um complemento de realização da pessoa, uma espécie de superação da miséria interior. O iniciado aceita passar por uma série de provas, superar obstáculos, viver “viagens”, para que tudo “isso” revele mais do que as simples palavras da tribo que precisam ser ditas. O próprio teatro onde acontece misteriosamente a lenta empreitada dual (e que sonha com uma reconciliação dos contrários) é, sem dúvida, a Loja. E o Aprendiz, obrigatoriamente durante os primeiros tempos de sua presença “em reunião”, mantém o silêncio e o respeito. Ele rapidamente aprende, ao experimentá-lo, que o silêncio “fala” e que a atenção e a vigilância são mais fáceis. Em análise, seja na linha de Freud, Jung ou Lacan, o silêncio também tem sua importância capital. Por experiência, sabemos que é muitas vezes entre uma palavra e outra, na respiração entre duas frases, na pausa que incita à reflexão e à explosão da emoção e do ressentido, que essa indispensável “abertura” do paciente em relação aos seus conflitos, desejos, medos e bloqueios encontra seu lugar. Sim, a cura analítica tem realmente como objetivo “no fim da corrida” (ou da individuação?) superar o Ego por meio de uma transformação da consciência, não indo, porém, ao encontro das grandes tradições do Oriente, como a do Senhor Buda, que ensina que o Ego é detestável, o que seria o mesmo que dizer, como Krishnamurti: “a personalidade me desgosta!”. C. G. Jung, como psiquiatra, diz realmente que a persona deve ser superada, e não destruída, para alcançar o Si (isto é, o sucesso holístico do conjunto de um destino humano). Nem sempre ele está distante de uma certa tradição tibetana que diz que toda estrada de realização sempre terá de enfrentar o Ego, dominá-lo, castigá-lo, superá-lo, e até mesmo aniquilá-lo. Que ele o nomeie “Grande Arquiteto do Universo” ou não, o artesão maçom se abre inteiramente à intuição de uma realidade maior do que ele próprio, a uma vastidão, diria, no entanto, o agnóstico Luc Ferry, que ultrapassa o indivíduo.

O paciente de Jung e de seus herdeiros (admitindo que eles existam!) também deve se tornar o ator de sua própria metanoia.


Maxence, Jean-luc, in JUNG é a Aurora da Maçonaria O Pensamento Junguiano na Ordem Maçônica, Madras 2004.

domingo, 8 de abril de 2018



JACOBISMO IRLANDÊS E MAÇONARIA


Tradução J. Filardo
Extraído do Blog Bibliot3ca
Por Sean Murphy


Jacobitismo e Maçonaria são dois assuntos que no passado foram negligenciados ou desconsiderados por historiadores profissionais. O jacobitismo, naturalmente, foi vítima da vitoriosa interpretação Whig da história, embora nos últimos anos tenha sido objeto de um crescente corpo de trabalho na Grã-Bretanha, e agora está sendo estudado mais de perto também na Irlanda. A Maçonaria tem sido negligenciada em um grau ainda maior, sendo considerada em alguns setores como um assunto melhor deixado à atenção de entusiastas maçônicos, aqueles com os ‘pés firmemente plantados nas nuvens’. No entanto, a Maçonaria, e em particular as questões de suas origens e seu papel na era do Iluminismo e da revolução, são agora cada vez mais objeto de estudos acadêmicos, e o interesse também se agita na Irlanda.

Embora a relação entre radicalismo e maçonaria no século XVIII tenha sido a área mais estudada, a conexão entre o jacobitismo e maçonaria está agora recebendo mais atenção. Nesse artigo, consideraremos o jacobitismo irlandês e a maçonaria juntos no período entre o final do século XVII e meados do século XVIII, e veremos que havia ligações íntimas e significativas entre os dois movimentos. As fontes usadas nesta pesquisa preliminar são em grande parte secundárias e às vezes pouco mencionadas, e dificilmente é necessário acrescentar que pesquisas adicionais e mais detalhadas sobre documentos não publicados em arquivos na Irlanda, Grã-Bretanha e Europa são necessárias.

O movimento jacobita tinha como objetivo principal a restauração dos Stuarts aos tronos da Inglaterra, Escócia e Irlanda, na pessoa, primeiro de James II e posteriormente de seu filho James III, o “Velho Pretendente”, e seu neto, Príncipe Charles Edward, o Jovem Pretendente. Os jacobitas procuraram principalmente a França para ajudar a recuperar o que eles viam como sua herança legítima, e como é bem conhecido, o forte componente irlandês e principalmente católico do movimento esperava, através de uma restauração Stuart, reverter a expropriação que havia seguido as vitórias Williamitas de 1688-91, e que foram mantidas pela sucessão hanoveriana em 1714.

A Maçonaria foi e continua a ser uma fraternidade secreta ou pelo menos semi-secreta com um sistema arcano de ritual e propósitos sociais e filantrópicos declarados, mas que também tem periodicamente atraído suspeitas de possuir agendas políticas ou de interesse próprio ocultas. Uma distinção importante é feita entre a maçonaria operativa original, quando apenas os trabalhadores maçons eram membros e a maçonaria “especulativa” posterior, que atraiu e que, eventualmente, passou a ser dominada por aqueles que não trabalhavam no ofício. O retrato de Deus como um benigno Grande Arquiteto do Universo, o uso de simbolismo quase mágico, o desenho de analogias morais a partir de boas práticas de construção, progressão por graus, lendas sobre o Templo de Salomão, Egito antigo e os Cavaleiros Templários. Esses e outros elementos esotéricos da Maçonaria continuam a fascinar tanto os devotos modernos quanto os adeptos durante a Era da Razão.

Acreditava-se anteriormente que a Maçonaria tinha suas origens na Inglaterra, de onde se dizia ter se espalhado para a Escócia, Irlanda, Europa, América e outros lugares. Entretanto, em uma contribuição importante para a historiografia maçônica séria, David Stevenson mostrou que a Maçonaria realmente se originou na Escócia por volta de 1600, quando a mitologia medieval e as ideias místicas da Renascença foram misturadas nas lojas de pedreiros para criar o movimento moderno! Argumentou-se também de forma persuasiva que a ascensão de James VI da Escócia aos tronos da Inglaterra e da Irlanda como James I proporcionou a oportunidade pela qual a Maçonaria pode se espalhar para esses países e, além disso, havia desde o início uma conexão íntima entre o movimento e a dinastia Stuart.

Embora exista pouca documentação sobre a Maçonaria Irlandesa durante a maior parte do século XVII, fica-se impressionado com a concentração na parte norte da Irlanda de lápides e móveis desse período exibindo imagens maçônicas como o esquadro e o compasso. Uma das primeiras lápides maçônicas sobreviventes está em Bangor Abbey, Co. Down, e é a de William Stennors, um mestre pedreiro que morreu em 1627. Foi plausivelmente sugerido que Stennors pode ter sido trazido da Escócia por um dos mais proeminentes donos de plantações, James Hamilton, de Ayrshire, mais tarde Conde de Clandeboye. A carreira variada de Hamilton incluiu um período como professor de escola e reputado agente secreto de James VI em Dublin, a partir de 1587, e ele também foi nomeado membro do recém-criado Trinity College de Dublin.’ À luz do que hoje se sabe sobre as origens escocesas da Maçonaria e o fato de que os pedreiros têm sido numericamente mais fortes em Ulster, é provável que colonos escoceses como Hamilton possam ter atuado como o principal canal para a introdução do movimento na Irlanda durante os períodos tardios de Tudor e início de Stuart.

A mais antiga referência documental à Maçonaria na Irlanda está contida em um discurso satírico proferido no Trinity College Dublin em 1688 por um estudante chamado John Jones, um amigo de Swift. Jones se referiu ao estabelecimento de uma fraternidade de maçons no e ao redor do Trinity College, composta de cavalheiros, mecânicos e porteiros, e mencionou também a descoberta de uma marca de maçom no corpo de um certo Ridley.” Os comentários jocosos de Jones indicam que sua audiência devia estar bem familiarizada com o conceito de Maçonaria, e que a organização não era uma mera novidade em Dublin. Além de Ulster e Dublin, outro lócus da maçonaria antiga parece ter sido Munster, entre famílias de colonos ingleses ligados a Richard Boyle, o Grande Conde de Cork, tais como os Parsons, St. Legers e Kings.

A ligação específica mais antiga da maçonaria com o jacobitismo também data do final do século XVII e assume a forma de uma tradição de que uma loja maçônica estava ativa em 1688 em uma unidade militar irlandesa. Em 1772, a loja francesa Parfait Egalité, no Regimento de Walsh, conseguiu assegurar o reconhecimento de sua reivindicação de datar sua constituição a partir de 25 de março de 1688. Este regimento era anteriormente chamado de Real Irlandês e exilou-se na França após a derrota jacobita em 1691. Ele foi renomeado Regimento de Walsh depois de 1770 em referência ao seu comandante Antoine Joseph Philippe Walsh. Walsh era um membro de uma família proeminente em seu apoio ao jacobitismo, e seu ancestral, James Walsh de Ballynacooly, Co Kilkenny tinha comandado o navio no qual James II escapou para a França após a Batalha do Boyne. ”

A Maçonaria Irlandesa manifestou-se publicamente pela primeira vez na década de 1720, através da formação de uma Grande Loja, ou órgão governamental nacional. Uma Grande Loja Inglesa havia sido formada em 1717, dois anos após a Rebelião Jacobita de 1715, e o propósito primordial deste desenvolvimento parece ter sido assumir o controle da Maçonaria das mãos de elementos Tory-Jacobitas, criando efetivamente um movimento Whig-Hanoveriano, a partir do qual, pelo menos formalmente proibia-se a discussão política em lojas”. Tão bem sucedida foi essa manobra, que as raízes escocesas e pró-Stuart da Maçonaria foram, em última instância, em grande parte esquecidas, e a Maçonaria Jacobita passou a ser vista como uma versão aguada da corrente pura e original inglesa.

O estabelecimento de uma Grande Loja Irlandesa por volta de 1723 ou 1724 pode ter sido influenciado pelo exemplo inglês e teve uma motivação semelhante. O primeiro relato jornalistico detalhado sobre a maçonaria irlandesa descreve uma reunião em Dublin, em 23 de junho de 1725, que elegeu Richard Parsons, segundo visconde e primeiro conde de Rosse, como grão-mestre para o ano seguinte. A reportagem retrata uma organização obviamente completa, levando à inferência de que a Grande Loja Irlandesa havia sido formada em algum momento nos anos anteriores.

O primeiro conde de Rosse era uma personagem interessante, mais lembrado por seu comportamento libertino e alegadas associações com o Clube do Inferno (Hellfire Club) do que por sua conexão com a Maçonaria “. Rosse era o tataraneto de Sir William Parsons, que ocupara, entre outros cargos, o cargo de inspetor-geral da Irlanda, cargo em que estava envolvido na Plantação de Ulster. Embora evidência documental para provar o ponto esteja faltando, é bem possível que o segundo conde de Rose tenha sido nomeado grão-mestre irlandês em 1725 como resultado das associações anteriores de sua família com a Maçonaria, da mesma maneira que Sir William Sinclair de Roslin foi nomeado grão-mestre da Escócia, em 1736, devido às conexões íntimas de sua família com a maçonaria naquele país. ”

Os grandes vigilantes durante o grão mestrado do Conde de Rosse eram Sir Thomas Prendergast e Marcus Anthony Morgan, ambos firmes defensores do establishment hanoveriano. O grande-secretário era Thomas Griffith, ator importante que servia como vigia de maré no porto de Dublin, e os deveres desse último funcionário alfandegário incluíam a prisão daqueles que recrutavam ou procuravam entrar a serviço do Pretendente. À primeira vista, a associação de Rosse com tais homens na nova iniciativa da Grande Loja indicaria que ele era pró-Hanoveriano. No entanto, sua política era, na verdade, difícil de definir e, como veremos, em determinado momento ele seria acusado diretamente de inclinações jacobitas.

Os anos 1726-29 foram denominados “período obscuro” pelos historiadores oficiais da Maçonaria Irlandesa, e eles relacionam isso à provável luta entre jacobitas e hanoverianos pelo controle do movimento. Em 1726, a imprensa de Dublin apresentou relatos de atividades jacobitas, bem como a adoção da causa jacobita pelo principal maçom inglês, o duque de Wharton. Dois dias depois de um tumulto sério em Dublin em 9 de junho de 1726, o aniversário do Pretendente, houve um relato obviamente falso, mas ainda assim sugestivo de que o conde de Rosse aparecera trazendo rosas brancas, um símbolo jacobita, provocara uma briga com um oficial do exército e fora morto.

Referências detalhadas à Maçonaria Irlandesa não reapareceram na imprensa de Dublin até 1731 e é provável que algum tipo de renascimento ou renovação estivesse em andamento, mas não necessariamente um em que o elemento Hanoveriano fosse dominante. Em uma reunião na Bull’s Head Tavern, em Fishamble Street, em 6 de abril de 1731, James King, quarto barão Kingston, que antes atuara na maçonaria inglesa, foi eleito grão-mestre da maçonaria irlandesa para o ano seguinte. A família King havia se estabelecido na Irlanda durante o reinado da rainha Elizabeth e possuía propriedades em Boyle, Co Roscommon e Mitchelstown, Co Cork. O pai de Kingston, John, o terceiro barão, renunciou ao protestantismo pelo catolicismo, apoiou James II e o seguiu no exílio. Embora o terceiro Barão fosse perdoado em 1694 e retornou à Irlanda, é claro que ele permaneceu católico e que ele e seu filho continuaram suspeitos de nutrir lealdades jacobitas.

Assim, foi relatado que em junho de 1722, o mesmo ano do Atterbury Plot, o terceiro Barão Kingston estava sob custódia do alto xerife de Cork, sob suspeita de que seu filho estava ocupado recrutando homens para o serviço do Pretendente”. Tendo recebido pedidos de assistência de Kingston, o arcebispo William King escreveu-lhe no mesmo mês afirmando que o assunto só poderia ser resolvido através dos tribunais. King também observou explicitamente a Kingston que o país fora perturbado por um tipo de pessoas chamadas “Gansos Selvagens” e que alguns milhares haviam sido listados para o serviço do Pretendente. Apesar de não ser totalmente antipático à situação de Kingston, King também aproveitou a oportunidade para repreendê-lo por suas conexões católicas contínuas:

Eu não devo esconder de sua senhoria que é muito observado que sua família é completamente papista (sic) e que você vive tanto segundo a velha maneira irlandesa como os mestiços irlandeses do reino, o que lhe traz muitos inconvenientes. ”

James, o quarto Barão Kingston, nascido na França em 1693, obteve o título com a morte de seu pai em fevereiro de 1728, e está claro que ele logo decidiu minimizar os “inconvenientes” mencionados pelo arcebispo King. O novo lorde Kingston ocupou seu assento na Câmara dos Lordes em maio de 1728 sem registrar qualquer objeção aos juramentos anticatólicos, e em abril de 1729 foi nomeado conselheiro privado irlandês. Embora agora Kingston fosse obviamente considerado digno de confiança tanto em níveis religiosos quanto políticos pelo establishment, havia uma indicação de algumas dificuldades contínuas até 1743, quando ele foi condenado à custódia de Black Rod por não comparecer aos serviços da Câmara dos Lordes.

Kingston, conforme mencionado anteriormente, foi nomeado grão-mestre dos maçons irlandeses em 1731 e foi sucedido no posto em 1732 por Nicholas Netterville, quinto visconde Netterville de Dowth, Co Meath, membro de uma proeminente família católica e também sobrinho do primeiro conde de Rosse. O avô de Netterville, o terceiro Visconde, lutara no exército de James II, mas o próprio Netterville tomou seu assento na Câmara dos Lordes irlandesa em 1730 sem recusar os juramentos, geralmente um sinal de pelo menos conformidade religiosa exterior bem como política. O sucessor de Netterville como grão-mestre em 1733 e 1734 foi Henry Benedict Barnewalll, quarto visconde Barnewall de Kingsland, mais uma vez membro de uma proeminente família católica com conexões jacobitas e primo do primeiro conde de Rosse. O pai de Barnewall, o terceiro Visconde, novamente apoiara James e enquanto pai e filho se apresentaram à Câmara dos Lordes irlandesa em 1692 e 1740 respectivamente, eles não foram admitidos devido à sua recusa em fazer os juramentos anti-católicos, indicando que não estavam preparados para oferecer conformidade religiosa e política.

O quarto Barão Kingston serviu novamente como grão-mestre em 1735, e seus sucessores durante os anos 1736-44 foram Marcus Beresford, primeiro visconde de Tyrone, William Stewart, terceiro visconde Mountjoy, Arthur Mohun St. Leger, terceiro visconde Doneraile, Charles Moore, segundo barão Moore de Tullamore, Thomas Southwell, segundo lorde Southwell e John Allen, terceiro visconde Allen. Ninguem desse grupo possuía vínculos jacobitas óbvios, e alguns possuíam, de fato, origens impecavelmente pró-Williamitas e pró-Hanoverianas, indicando que o elemento católico-jacobita nos altos escalões da Maçonaria Irlandesa podia agora estar em declínio. O visconde Allen morreu em maio de 1745, como resultado de uma briga com alguns soldados bêbados em Dublin um mês antes, mas nenhuma evidência foi encontrada para mostrar que este incidente tinha alguma conotação política. ” No entanto, houve considerável dificuldade em encontrar um substituto para Allen como grão mestre, pois vários ex-detentores do cargo e outros nobres maçons recusaram-se a servir. Não está claro se essa relutância tinha algo a ver com a ameaça renovada de um levante jacobita, mas pode ser significativo que o fiel Lorde Kingston tenha sido quem concordou em preencher a lacuna e servir novamente como grão-mestre ”.

Tem sido apontado que é errado descartar a poesia irlandesa jacobita do século XVIII como “sentimentalismo -Charley-sobre-o-waterismo” ou como uma mera forma literária desprovida de importância, pois ela não poderia existir sem uma audiência simpática, “Por mais que uma confiança equivocada possa nos parecer em retrospecto, a massa de católicos irlandeses continuou a procurar uma restauração Stuart como um meio de acabar com sua exclusão religiosa e política. Parece notável, portanto, que o País não tenha se insurgido como a Escócia durante a última grande rebelião dos Stuart em 1745. Pareceria que as principais explicações para essa quietude estavam no fracasso dos jacobitas em desembarcar uma força de invasão na Irlanda, e na sensata decisão do lorde tenente, o conde de Chesterfield, de evitar uma reação exagerada e tratar os católicos irlandeses tão conciliatoriamente quanto possível.

No entanto, foi uma história diferente com os irlandeses no exterior, pois os Gansos Selvagens desempenharam um papel proeminente na rebelião de 1745 e dos famosos “Sete Homens de Moidart que acompanharam o príncipe Charles Edward à Escócia em 1745, quatro eram irlandeses”.
James II da Escócia

Poucos irlandeses podem ter sido mais comprometidos com o caso dos Stuart do que Antoine Vincent (Anthony) Walsh e Pierre André O’Heguerty, dois ricos armadores franco-irlandeses que eram empreiteiros navais e corsários que operavam em Nantes e St. Malo. Continuando a tradição familiar de apoio aos Stuart, Walsh forneceu um navio para transporte e foi um dos que desembarcaram na Escócia com o Bonny Prince Charlie em agosto de 1745, depois organizando seu resgate em setembro de 1746, quando a causa foi perdida. O’Heguerty tinha considerável influência na corte francesa e, enquanto organizava apoio material para a campanha do príncipe, também tentava persuadir os franceses a desembarcar tropas na Irlanda e na Escócia. McLynn sugere que o apoio de O ‘Heguerty aos Stuarts, incansável como foi, também pode ter sido fortemente motivado pelo desejo de alcançar a independência da Irlanda e, por volta da Gurra dos Sete Anos na década de 1750, ele ainda pressionava por uma invasão francesa da Irlanda. ‘

A conexão da família Walsh com a Maçonaria já foi mencionada, e O’Heguerty é creditado como membro de um grupo de jacobitas que fundou a primeira loja maçônica francesa em 1725. Não há dúvida de que a Maçonaria era vista pelos jacobitas como um meio importante para promover seus fins e que eles influenciaram grandemente seu desenvolvimento, tanto que algumas testemunhas chegaram a ponto de descrever a Maçonaria como uma gigantesca conspiração jacobita. Os autos no caso de uma Loja Portuguesa de Maçons irlandeses, em sua maioria, que cairam sob o jugo da Inquisição em 1738, mostram quão importante era a rede maçônica para os emigrados, e de fato alguns sacerdotes dominicanos se juntaram à loja portuguesa ‘para ter uma melhor introdução e entrar em contato com aqueles que podiam ajudá-los em seu trabalho. As lojas maçônicas ofereciam um dos poucos ambientes onde católicos e protestantes poderiam se encontrar em pé de igualdade durante a era penal, e apesar da hostilidade do Vaticano ao movimento, a maioria dos maçons irlandeses era católica no final do século XVIII, se não antes disso.

Na esteira do fracasso da rebelião de 1745, o jacobitismo como força política entrou em declínio terminal na Grã-Bretanha e na Irlanda, e embora muitos jacobitas aristocráticos tenham feito as pazes com a ordem estabelecida, parece ter havido uma tendência, entre os médios e apoiadores de classe baixa de transferir sua lealdade à política radical “. Assim, dentro de alguns anos depois de 1745, alegações não totalmente implausíveis foram feitas de que o radical Charles Lucas estava sendo apoiado por papistas e jacobitas. No longo prazo, o cultivo do jacobitismo irlandês de uma “linguagem e simbolismo de revolta” pavimentou o caminho para o crescimento de um republicanismo popular que ainda buscava a França por salvação, de modo que quando a ajuda francesa finalmente chegou em 1798, foi pronta e facilmente explicável como a realização do sonho jacobita.

A variedade jacobita da Maçonaria, que era politicamente orientada, desvaneceu-se rapidamente na Irlanda no rescaldo da derrota de 1745, como também aconteceu na Grã-Bretanha e no Continente. Entretanto, embora a Maçonaria Hanoveriana parecesse triunfante, o jacobitismo deixou uma marca permanente na forma da Maçonaria do “Antient Rite” na Grã-Bretanha, Irlanda e América, e na Maçonaria “escocesa” no continente. Um grupo de maçons majoritariamente irlandeses na Inglaterra, alegando que a Grande Loja daquele país havia se desviado de alguns dos verdadeiros princípios do ritual maçônico, formou em 1751 uma Grande Loja Antiga independente que continuou existindo até 1813. O principal organizador e ideólogo dos Antigos era Laurence Dermott, que era quase certamente da família MacDermott de Strokestown, co-ligada aos jacobitas, no condado Roscommon. “Também é digno de nota que as Grandes Lojas irlandesas e escocesas continuaram a se considerar mais próximas os Antigos do que da Grande Loja Oficial inglesa. Finalmente, a consciência do legado jacobita de politização e mistura de credos é vital para entender a extraordinária proliferação da Maçonaria radical e republicana que marcou primeiro os movimentos Voluntário e depois os Irlandeses Unidos no final do século XVIII.