sexta-feira, 4 de agosto de 2017

O MITO DO HEROI SACRIFICADO
(HIRAN ABIF E O CULTO SOLAR)

João Anatalino
Os cultos solares

Como todos os maçons sabem, a sua Arte, embora encontre seus fundamentos organizacionais entre os pedreiros medievais, mais propriamente na estrutura das corporações dos chamados pedreiros-livres (chamados masons pelos ingleses e maçons pelos franceses), têm, na sua filosofia e princípios fundamentais, um pé firmemente fincado na estrutura do antigo reino de Israel. Tanto isso é verdade que encontraremos no catecismo dos graus superiores da Maçonaria uma verdadeira profusão de temas e ensinamentos inspirados no Velho Testamento. Isso é interessante, porquanto, sendo a Maçonaria ocidental uma instituição tipicamente cristã, é bastante estranho que sejam, primordialmente, os temas da Biblia hebraica a inspirar a liturgia desenvolvida nos graus superiores da Maçonaria e não a teologia dos Evangelhos cristãos. Essa é, sem dúvida, uma das razões que fazem católicos e evangélicos, especialmente aqueles menos informados, desconfiarem da Maçonaria e levantarem contra os maçons as mais estúpidas e ridículas acusações.

A verdade é a que a doutrina maçônica ̶ se assim podemos chamar os preceitos cultuados pelos maçons ̶ estão muito mais fundamentados em fontes hebraicas do que cristãs. E no que toca á influência cristã que aparece em alguns dos graus (especialmente o 18- O Cavaleiro da Rosa-Cruz), ela tem um parentesco mais próximo com o gnosticismo do que com o cristianismo ortodoxo, propriamente dito. 

Como sabemos, o cristianismo ortodoxo, seguido tanto pelos católicos quanto pelos evangélicos, é uma criação do apóstolo Paulo de Tarso. Não fosse ele a doutrina pregada por Jesus jamais teria saído dos estreitos limites do território de Israel e não teria se tornado uma crença mundial. E foi o apóstolo Paulo que transformou Jesus, o Messias cristão, (um herói tipicamente da cultura israelita) no Cristo grego, um arquétipo de caráter universal, cultuado por praticamente todos os povos antigos. 

A tradição de um herói sacrificado, no entanto, que dá sua vida pela salvação do povo, não é específica da cultura de Israel, mas sim um tema existente em praticamente todas as culturas antigas. É, na verdade, uma inspiração derivada das antigas religiões solares, na qual o sol, sendo aquele que permite a existência da vida, por efeito da energia que ele prodigaliza, é o “herói que morre todas as noites”, e ressuscita pela manhã, energizando a terra para que ela produza os seus frutos.
Daí os povos antigos desenvolverem o culto ao sol, fazendo dessa crença uma verdadeira religião, criando ritos de fertilização como os praticados no Egito, com os Mistérios de Ísis e os praticados pelos gregos, com os Mistérios de Elêusis, o persas com os Mistérios de Mitra, os hindus com os Mistérios de Indra, etc. 

O mito do herói sacrificado

Todo maçom que tenha sido elevado ao mestrado na Arte Real já fez a sua marcha ritual em volta do esquife do Mestre Hiram Abiff. A alegoria da morte de Hiram é uma clara alusão ao mito do sacrificado. Ele está conectado, de um lado ao simbolismo da ressurreição e de outro lado ao mito solar. Pois nas antigas religiões solares, como vimos, o sol, princípio da vida, morria todos os dias para ressuscitar no dia seguinte, após passar uma noite em meio ás trevas. 

Assim como toda a teatralização dos Antigos Mistérios, fosse na Grécia ou no Egito, ou em qualquer outra civilização que praticasse esses festivais, mais do que uma simples homenagem aos protetores da natureza, esses rituais simbolizavam a jornada do espírito humano em busca da Luz que lhe daria a ressurreição. É nesse sentido que a marcha dos Irmãos em volta do esquife de Hiram, sempre no sentido do Ocidente para o Oriente, nada mais é que uma imitação desse antigo ritual, que espelha a ansiedade do nosso inconsciente em encontrar o seu “herói” sacrificado (ou seja, o sol), para nele realizar a sua ressurreição. Pois o sol, em todas essas religiões, era o doador da vida. Ele fertilizava a terra e fazia renascer a semente morta. Destarte, toda a mística desses antigos rituais tinha essa finalidade: o encontro com a luz que lhe proporcionaria a capacidade de ressurreição.

Essa é a razão da estranha marcha praticada pelos maçons em volta do corpo assassinado do arquiteto Hiram Abbif, sempre no sentido do ocidente para o oriente, pois o que ali se simboliza é a marcha do espírito humano em busca da luz (a luz solar) que nasce no oriente e caminha para o ocidente. Desse forma, o espírito humano, fazendo o caminho inverso, há de encontrar o seu “herói sacrificado” e com ele realizar a união, obtendo a sua “iluminação.” Esse é, pois, o sentido simbólico da cerimônia de elevação do Irmão ao grau de mestre.


O sacrifício da completação

Conectado com esse simbolismo, os antigos povos, em suas tradições iniciáticas relacionadas com grandes obras arquitetônicas, desenvolveram o chamado “sacrifício da completação”. Esse sacrifício consistia em oferecer ao deus a quem era dedicado o edifício um sacrifício de sangue, que podia ser o holocausto dos inimigos aprisionados em guerra ou pessoas escolhidas entre próprio povo. Muitas vezes essa escolha recaia sobre mulheres virgens (as vestais) ou jovens guerreiros, realizadores de grandes feitos na guerra. Acreditava-se que assim os deuses patronos dos poderes da terra se agradariam daquele povo, prodigalizando-lhes fartura de colheitas e proteção contra os inimigos.[1]

Esse tema remonta á antigas lendas, cultivadas pelos povos do Levante, segundo o qual nenhuma grande empreitada poderia obter bom resultado se não fosse abençoada pelos deuses. E essa benção era sempre obtida através de um sacrifício de sangue. Esse costume era praticado inclusive pelos israelitas, como mostra o texto bíblico ao informar que Salomão, ao terminar a construção do Templo de Jerusalém “sacrificou rebanho e gado, que de tão numeroso, nem se podia contar nem numerar.”[2]

Dessa forma, na Maçonaria, o Drama de Hiram tem uma dupla finalidade iniciática: de um lado presta sua referência ao culto solar, sendo Hiram, nessa mística, o próprio sol que é homenageado; de outro lado, cultua o herói sacrificado, pois é nele que se consuma a obra maçônica. A Maçonaria, como se sabe, é uma sociedade de "pedreiros", que visa construir uma sociedade justa e perfeita.

Nessa mística podemos incluir o simbolismo que está no centro do próprio mistério que informa a crença cristã. Pois Jesus Cristo, o sacrificado do credo cristão, também é imolado para que a obra de redenção da humanidade seja realizada. A Maçonaria, como vimos, trabalha especificamente com esse simbolismo no grau dezoito, o chamado Cavaleiro da Rosa-Cruz.

Concluindo, podemos dizer que a Maçonaria é uma sociedade teosófica e humanista que no seu propósito místico está centrada na estrutura do antigo reino de Israel. Como se sabe, a doutrina que fundamenta a formação e a existência do povo israelense, como se comprova na sua própria saga histórica, é a de que Israel, como povo e nação, é uma espécie de “maquete da humanidade autêntica”, ou seja, o povo modelo que Deus escolheu para que a humanidade nele se espelhasse. E em sua face mística, o povo de Israel seria a estratégia pela qual Deus reuniria “os cacos do vaso sagrado (o universo)” quebrado pela ação impensada de Adão e Eva. Ou seja, Israel seria o próprio “Messias” realizando a Tikun olam.[3]

É nesse sentido que a Maçonaria, adotando a estrutura e o simbolismo do Velho Testamento, em sua ritualística procura desenvolver o mesmo sentido que Israel dá á sua doutrina. Por isso podemos dizer que a Maçonaria é a Cabala do Ocidente. 


[1] Veja-se o relato bíblico em Juízes: 11;30,31, na qual o juiz Jefté sacrifica a própria filha em razão de um voto feito á Jeová.
[2] Reis I- 8:5- Na imagem, gravura mostrando os maçons em volta do esquife do Mestre Hiram. Fonte: “Morals and Dogma”, de Albert Pike - Kessinger Publishing Co. 1992.
[3] O termo Tikun olam (תיקון עולם) significa "reparar o mundo". É um termo cabalístico que sustenta a crença de que Deus escolheu o povo de Israel para reparar o caos causado pelo pecado de Adão. Vide nesse sentido a obra de Gershon Scholen- A Cabala e Seu Simbolismo, Ed. Perspectiva, São Paulo, 2015. É nesse sentido, tmbém, que a Maçonaria adotou o lema "Ordo ab Chao", que significa Ordem no Caos, pois sendo a Maçonaria uma espécie de sucedâneo do reino de Israel, essa seria a sua missão no mundo: realizar a ordem no caos, construíndo uma sociedade justa e perfeita. 
João Anatalino

quinta-feira, 3 de agosto de 2017



OS TEMPLÁRIOS E A MAÇONARIA (CONEXÕES)



Por João Anatalino Rodrigues

A influência das tradições cavalheirescas na Maçonaria, oriunda das Ordens de Cavalaria fundadas na Terra Santa são inegáveis. A razão essa influência não é difícil de perceber. Basta recuar um pouco na história, até o século XIV, ou mais propriamente o ano de 1.314, quando um maltrapilho exército escocês, chefiado pelo rei Roberto The Bruce, derrotou o fortíssimo exército inglês do Rei Eduardo II, na batalha de Bannockburn, conquistando a liberdade para a Escócia. Eduardo II, rei da Inglaterra, era genro de Felipe, o Belo, rei da França, responsável direto pela extinção da Ordem dos Templários e condenação à morte dos seus líderes, particularmente o Grão-Mestre Jacques de Molay. Na batalha de Bannockburn, muitos cavaleiros templários lutaram ao lado do rei escocês.

A filha de Robert The Bruce, Marjorie, havia desposado um cavaleiro chamado Walter Stuart, o qual sucedeu a Bruce como rei da Escócia. Para abrigar os proscritos cavaleiros templários em seu reino, o monarca escocês criou a Ordem de Santo André do Cardo. A razão de tal santo ter sido escolhido para patrocinar a nova Ordem só pode ser explicada a partir de referências simbólicas, pois o santo em questão jamais pisou o solo escocês. Na verdade, André (Andros em grego) é o mesmo que Lázaro em hebraico. Lázaro, como sabemos, é aquele que foi ressuscitado por Jesus. André, ou Lázaro, o ressuscitado, o que renasce das próprias cinzas, a fênix dos alquimistas, nada mais seria, portanto, que um simbolismo bastante apropriado para uma Ordem de cavaleiros místicos que se tomaria por herdeira dos míticos templários. R. Ambelain, um dos mais argutos pesquisadores dos assuntos maçônicos, nos fala dessa estranha relação: “o misterioso André, por trás do qual se esconde um nome hebraico da circuncisão, outro não é senão Lázaro, o ressuscitado. Daí sua participação no corpus dos alquimistas, onde se encontram símbolos como a Fênix, que renasce das próprias cinzas, e como por acaso, sobre uma fogueira formada unicamente por duas ou quatro achas de madeira, dispostas em cruz de Santo André”.[1]

Foi, portanto, esse cavaleiro templário o fundador da dinastia Stuart, que mais tarde, ocuparia, inclusive, o trono inglês. Em 1614, o mago alquimista Johannes Valentin Andréas, (veja-se a coincidência de nome Andréas, André) lançaria o seu famoso manifesto Fama Fraternitates, que, historicamente, deu origem à lenda da Rosa-Cruz.

Muito curiosamente, o brasão de armas desse mago era o mesmo utilizado por um ramo da família Stuart, de Lennox, o que nos leva a pensar que no início do século XVII, uma interação entre os Obreiros da Arte Real, os cavaleiros templários e os alquimistas já existia. R. Ambelain, sempre muito arguto, denuncia uma linhagem de reis maçons, que reinaram sobre a Escócia e a Inglaterra concomitantemente, muito antes das guerras puritanas e da Revolução Gloriosa, que apeou os Stuarts do trono inglês e os obrigou a se refugiar na França. Nela consta, por exemplo, James I (James VI da Escócia), nascido em 19 de junho de 1566, morto em 27 de março de 1625. Foi esse filho da famosa rainha Maria Stuart que estabeleceu contato com diversos magos e alquimistas, oferecendo a eles proteção e prestígio em sua corte. Foi esse rei que fundou, também, em 1593 a Ordem Real da Rosa-Cruz, com trinta e dois cavaleiros da antiga Ordem de Santo André do Cardo.

James I foi o pai de Carlos I, o monarca inglês decapitado pelos puritanos de Cromwel. Seguindo a tradição mística do pai, Carlos I constituiu, em 1645, o chamado Invisible College, por inspiração de filósofos alquimistas, como Robert Boyle, Jean Sparrou, Jacob Boehme e outros. Esse foi, portanto, o núcleo da Maçonaria dita escocesa, anterior ao seu desenvolvimento no continente, promovido pelos Stuarts exilados na França. A Maçonaria escocesa, propriamente dita, é, portanto, uma derivação da Ordem de Santo André do Cardo, a qual, através do General Monck, chefe do exército escocês recebido “maçom aceito” na Grande Loja de Edimburgo, constituiu a Ordem dos Mestres Escoceses de Santo André, que congregava exclusivamente partidários dos Stuarts. Foram os membros dessa Ordem que seguiram o pretendente ao trono inglês em seu exílio na França e fundaram as chamadas lojas militares, ou jacobitas, como então ficaram conhecidas.[2] Daí o desenvolvimento de um ritual de duplo sentido, que ao mesmo tempo em que evoca antigas tradições egípcias e gregas, temas alquímicos e gnóstico e o simbolismo do Templo de Jerusalém, reconstruído por Zorobabel, incorpora também motivos cavalheirescos, relacionados com os templários e a restauração dos Stuarts no trono inglês.[3]

Carlos I, da Inglaterra

Essa, aliás, foi a justificativa invocada pelo cavaleiro André Michel de Ramsay, ao discursar para os maçons franceses, invocando uma relação direta entre a Maçonaria do Rito escocês e os cavaleiros cruzados, especialmente os Templários e os Hospitalários.

Em 1603, a rainha Elisabeth, da Inglaterra, última descendente da dinastia dos Tudores, morreu sem deixar herdeiros. O trono inglês foi entregue ao seu primo, o rei da Escócia, James VI, da família dos Stuarts, que assumiu a coroa inglesa com o nome de James I. A unificação das coroas inglesa e escocesa não agradou a nenhum dos dois povos, inimigos já de longa data. Mas, pior ainda, o novo rei cultivava ambições absolutistas que não combinavam com a tradição inglesa de amor à liberdade. Essa tradição já havia sido demonstrada no século XIII quando o rei João, o Sem Terra, foi obrigado a assinar a famosa Magna Carta, documento que tem sido reconhecido como o precursor das modernas constituições.

Além disso, o rei Jaime I, para fazer face à crescente despesa pública resultante da sua reforma despótica de governar, aumentou violentamente os impostos sem comunicar o Parlamento. Com isso, atraiu contra si a revolta dos agentes econômicos, dos políticos e do povo em geral. Em seguida desagradou os protestantes, pela proteção indiscriminada que deu aos anglicanos, simpatizantes do catolicismo.

A grande maioria dos ingleses pobres e da classe média baixa era composta de anglicanos de orientação calvinista. Aos poucos, esses anglicanos foram se agrupando em seitas ortodoxas, praticantes de um rígido sistema moral, chamados puritanos. Eram grupos que recusavam toda e qualquer influência católica, razão pela qual logo se colocaram contra o rei, gerando muita confusão e conflito na vida do povo inglês.

O rei Jaime I pretendeu limitar a liberdade religiosa desses grupos, e que logo degenerou em conflito. Esse conflito está na origem da imigração maciça dos protestantes ingleses para a América, e das lutas que começaram na Inglaterra, entre a dinastia dos Stuarts e o Parlamento, dominado pelos protestantes de orientação calvinista.[4]

Em 1625 morrei Jaime I, sendo sucedido no trono pelo seu filho Carlos I. Alimentando as mesmas pretensões absolutistas do pai, logo entrou em conflito com o Parlamento. Praticando uma tributação escorchante e uma política restritiva às liberdades públicas, o novo rei logo atraiu o ódio de todas as classes sociais do país, menos a nobreza que o apoiava.

Mesmo assim, o rei persistiu em governar tiranicamente. Ao entrar em conflito com os puritanos escoceses, teve que enfrentar uma rebelião armada, que logo degenerou em verdadeira guerra civil. O Parlamento, para apoiar o rei, fez diversas exigências que ele não aceitou. Então o rei dissolveu o Parlamento, que, em consequência lhe declarou guerra.

Entre 1642 e 1649 a guerra civil devastou a Inglaterra. Do lado do rei lutaram os nobres, os latifundiários, os católicos e os anglicanos que lhe eram fiéis. Do lado do Parlamento, estava o grosso da população, formado por pequenos proprietários, comerciantes, operários e principalmente protestantes. A primeira fase da guerra acabou com a derrota do rei. A paz foi negociada com a condição de que a monarquia parlamentar fosse mantida, e a fé presbiteriana adotada como religião oficial. O rei foi obrigado a assinar a Petição dos direitos, uma espécie de nova Magna Carta, na qual reconhecia uma série de direitos civis dos cidadãos ingleses.

Mas a tirania não tinha sido completamente abolida. Principalmente na questão da religião o rei intervinha com muita parcialidade. Ao pretender impor o anglicanismo como religião oficial do estado atraiu novamente a revolta dos protestantes.

A guerra recomeçou, desta vez opondo os simpatizantes da monarquia e os partidários dos “cabeças-redondas” chefiados por Oliver Cromwell.[5] Em 1649, os partidários de Cromwell, finalmente, venceram a guerra. Em consequência a monarquia foi abolida, e no seu lugar foi implantada uma espécie de ditadura autocrática, liderada pelo próprio Cromwell, que se intitulou “Lorde Protetor”. O Rei Carlos I foi capturado pelos “cabeças-redondas” e decapitado em 30 de janeiro de 1649.

Oliver Cromwell

O governo de Cromwell logo começou a ser contestado. Rebeliões estouraram em toda parte. Na Escócia, o filho mais velho de Carlos I foi coroado rei e iniciou, a partir daquele país, uma nova guerra civil pela restauração dos Stuarts no trono inglês. Cromwell venceu os revoltosos ingleses e escoceses e obrigou os partidários do jovem pretendente a se refugiarem na França.

Na Inglaterra, o descontentamento com a ditadura dos puritanos continuava. A nação inteira ansiava pela sua queda. Em 1658 Cromwell morreu, deixando no governo seu filho Ricardo. Este, não tendo herdado a fibra do pai, foi logo obrigado a renunciar. O Parlamento aproveitou então para restaurar a monarquia, convidando o príncipe Carlos a ocupar o trono do pai decapitado, reconduzindo a dinastia Stuart ao trono em 1660. O jovem rei assumiu o título de Carlos II e reinou até 1665, sendo sucedido por seu irmão Jaime II, que reinou até 1688.

Jaime II, entretanto, despertou novamente a revolta dos ingleses em consequência de suas pretensões absolutistas. Em muitos aspectos repetiu o que de pior existia no comportamento de seus antecessores. Contrariou tanto protestantes quanto anglicanos, pela proteção que dispensou aos católicos. E quando ficou patente que o trono passou para um de seus filhos, de orientação católica, a deposição da dinastia Stuart tornou-se inevitável. Em consequência, o Parlamento convidou o príncipe Guilherme de Orange, rei da Holanda, para ocupar o trono inglês. Esse convite foi motivado pelo fato do príncipe Guilherme ser casado com Maria, a filha mais velha de Jaime II.

Guilherme de Orange e sua esposa tomaram posse do trono inglês e o rei Jaime II refugiou-se na França. Essa revolução tornou-se conhecida na história como “Revolução gloriosa”, pois foi uma revolução sem sangue. Durante o governo da dinastia Orange, o Parlamento recuperou seu poder e aprovou numerosas leis ampliando as liberdades públicas. Uma ampla reforma tributária aboliu a taxação indiscriminada sem a aprovação dos representantes do povo. O Toleration Act concedeu liberdade religiosa a todos os súditos ingleses e o Bill of Rights estabeleceu direitos civis para todos os cidadãos. Foi o início do fim da monarquia absoluta na Inglaterra e o começo de uma era de lutas pela liberdade, que logo iria se espalhar por todo o mundo ocidental.

A Revolução Gloriosa em muito contribuiu para os movimentos libertários que ocorreram nos fins do século XVIII, particularmente a Revolução Americana, a Revolução Francesa e as guerras de libertação das colônias espanholas e portuguesas. Foi o ideal de liberdade disseminado pela Revolução Gloriosa que, levado para a América pelos imigrantes ingleses, forneceu o modelo para o desenvolvimento da cultura daquele país, profundamente vinculada à ideia de liberdade. Em muito também contribuiu para o desenvolvimento das ideias Iluministas de Voltaire, Jefferson, Payne e outros grandes apóstolos da liberdade.[6]


NASCE O RITO ESCOCÊS

É possível imaginar o conturbado ambiente político e cultural naqueles cruciais anos que se seguiram à Revolução Puritana, à restauração dos Stuarts e a Revolução Gloriosa, que os depôs novamente. Não é difícil avaliar o que se passava na cabeça, (e no espírito sensível), daqueles homens, principalmente aqueles que simpatizavam com a causa stuartista. Podemos sentir a agitação que movimenta seus espíritos, de um lado, a desconfiança em relação à religião oficial, de como a vigilância e a perseguição das autoridades civis e eclesiásticas contra qualquer grupo que demonstrasse gosto pela filosofia oculta.

Uns, desejosos de praticar uma Maçonaria voltada ao esoterismo, com espírito mais religioso que prático, de certa forma orientado pelo catolicismo, e outros querendo uma Maçonaria mais de acordo com anova orientação política, religiosa e filosófica, trazida pela Reforma Protestante e pelo Iluminismo.

Nas hostes católicas e anglicanas, porém, estavam os principais representantes da nobreza e da intelectualidade artística e científica inglesa. Foram esses personagens que fugindo da Inglaterra juntamente com a família Stuart, desenvolveram a partir do continente uma ideia de Maçonaria ligada à política, integrando os velhos sentimentos templários de vingança, que sobreviveu entre os escoceses e os franceses, às esperanças stuartistas de ver restaurada no trono inglês a dinastia daquela família. Afinal de contas, os partidários da pretendente Stuart eram todos anglicanos, ou católicos jacobitas, como ficaram conhecidos os partidários daquela família real.[7]

É natural que essa Maçonaria desenvolvida a partir do continente refletisse a orientação católica, desgostando os maçons ingleses, partidários do protestantismo. Daí o movimento que resultou na fusão das Lojas londrinas, para criar uma nova Arte Real, que, não obstante fosse patrocinada por pastores anglicanos, como Anderson e Desaguiliers, por exemplo, adotaria uma postura sincrética em relação à religião, como convinha a um adepto do Iluminismo.

Foi essa Maçonaria que emergiu das Constituições de Anderson, e que, mais tarde André Michel de Ramsay, Charles Radcliffe, o Barão Hundt, Willermoz e outros, se encarregariam de desenvolver e promover, como novo credo das elites esclarecidas em todo o mundo. A esse credo eles associariam as tradições dos cavaleiros templários, cuja saga, estranha, misteriosa e curiosamente muito semelhante à dos maçons especulativos, veio a calhar para a construção de um mito.

(Texto extraído do Livro “Conhecendo a Arte Real – Influências históricas e filosóficas da Maçonaria - Rodrigues, Anatalino João, Editora ISBN)

[1] Robert, Ambelain, A Franco-Maçonaria, pg. 152, 153. 
[2] Idem, pg. 105. 
[3] Na imagem, o rei Carlos I, da Inglaterra, decapitado por ordem do Parlamento em 1649. Fonte Wikipédia Fundadion. 
[4] Eram calvinistas e luteranos a maioria dos imigrantes que fundaram as primeiras colônias americanas. 
[5] Os “cabeça-redondas” foram assim chamados por causa do corte de cabelo que adotaram. Eram, em sua maioria, “puritanos” calvinistas. Já o anglicanismo era uma dissidência do catolicismo, formada pelo rei Henrique VIII no início do século XVI. Aquele rei inglês, famoso pelos seus inúmeros casamentos, separou a Igreja Católica inglesa de Roma, tornando-a uma unidade independente, submissa ao próprio rei. Assim, o anglicanismo nada mais era que um catolicismo submetido ao rei ao invés do Papa. Com isso não podiam concordar os protestantes, particularmente os calvinistas, cujo ódio ao catolicismo era irreconciliável. Na foto Oliver Cromwel, o líder dos “cabeças-redondas”. Fonte Enciclopédia Barsa. 
[6] A teoria política que fundamentou a Constituição americana foi em grande parte baseada no Bil of Rights inglês. Uma porção considerável desse documento foi absorvida também pela famosa Declaração dos direitos do Homem, na França. 
[7] Jacobitas era o nome de uma seita fundada pelo monge Jacob, o sírio, no ano 550 A. D. Essa seita sustentava a natureza humana de Jesus, como profeta e não como “filho de Deus”. Utilizava-se de palavras de passe, sinais secretos e toques para se reconhecerem, além de praticarem uma espécie de iniciação que muito se aproximava da Maçonaria desenvolvida pelo Rito Escocês. Daí o título que foi dado aos maçons que desenvolveram o escocismo, de jacobitas. Eis aí uma possível ligação mística entre a Maçonaria do Rito Escocês e os cavaleiros templários, já que uma das acusações que lhes foram feitas foi exatamente a de negar a divindade de Jesus.