O SEGREDO DO ARCO REAL
Autor: João Anatalino.A origem da lenda
No rito do Arco Real os graus do Capítulo e extensivamente, nos graus filosóficos do REAA, uma das alegorias mais peculiares é a chamada Palavra Perdida. Essa palavra, que segundo a tradição, aparecia dentro de um triângulo emoldurado por um olho onisciente, era um símbolo de poder, que encerrava o mistério da criação. Para os israelitas que escreveram a Bíblia e detinham o segredo da sua verdadeira interpretação, essa palavra era o nome verdadeiro de Deus, que muitos poucos conheciam e menos ainda eram os que sabiam pronunciá-lo corretamente. Esse nome conferia um extraordinário poder ao seu detentor, e quem detivesse esse conhecimento seria capaz de construir civilizações, mas também poderiam desafiar o próprio Deus.
A maçonaria do Arco Real trabalha esse tema através de uma interessante lenda envolvendo os antigos patriarcas antediluvianos. Essa lenda diz que Jubal, Jabel e Tubal – Cain, haviam inscrito em duas colunas, uma de pedra, outra de tijolos queimados, todas as antigas ciências que os Irmãos da Fraternidade da Luz haviam ensinado aos primeiros homens. Essa ciência foi perdida por ocasião do grande dilúvio que afogou a antiga civilização, mas foi recuperada por um grande sábio egípcio chamado Thot, o qual a ensinou aos sacerdotes daquele país, razão pela qual os egípcios eram tão sábios nesses conhecimentos arcanos. [1]
A Fraternidade da Luz aqui referida é a Confraria dos anjos rebeldes, formada pela rebelião de Lúcifer, o anjo da Luz que se rebelou contra o Criador e foi expulso do céu com um grande contingente de seguidores, sendo arrojados na terra para cumprir uma pena de exílio. Seriam esses anjos rebeldes que teriam desencaminhado o homem, revelando-lhe o conhecimento do bem e do mal, referido na Bíblia.[2]
Na verdade, o conhecimento do bem e do mal, conforme referido no livro sagrado, seria de fato, as ciências que proporcionaram ao homem o desenvolvimento da sua civilização. Por isso, em todas as tradições dos povos antigos, existem lendas a esse respeito, atribuindo aos deuses (ou seres extraterrestres), a iniciação do homem na ciências que fazem uma civilização. No Egito essa iniciação era atribuída a Osíris, na Pérsia a Mitra, na Índia a Indra, na Mesopotâmea a Enlil, na Grécia a Hermes.[3]
A utilização maçônica da lenda
Jubal, Jabel e Tubal – Cain eram descendentes de Cain, o amaldiçoado filho de Adão. Eles detinham esses conhecimentos, por isso diz-se que eles foram rebeldes contra o Grande Arquiteto do Universo, já que os repassaram aos homens, semeando também entre eles a rebelião.[4]
Os homens, tendo aprendido essa ciência, contra a vontade do Grande Arquiteto do Universo se tornaram maus e arrogantes. Por isso Ele fez cair o pavoroso dilúvio que cobriu de águas toda a face da terra por mais de cento e cinquenta dias. [5]
A rebelião desses três homens, que representavam as artes, a técnica e a ciência daquele tempo, ficou conhecida nessa tradição como a rebelião dos companheiros, pois Jabel era perito nas artes da agricultura e pastoreio, Jubal era hábil em música e nas artes mais refinadas do espírito, e Tubal – Cain um competente artífice em obras de ferro e bronze.[6]
Simbolicamente, essa lenda reflete uma interpretação cabalística da Bíblia, feita por alguns autores, que veem nesse episódio um reflexo do conflito ocorrido nos céus entre o Mestre do Conhecimento (Aquele que pensa o universo, o seu Grande Arquiteto) e aqueles que o aplicam (os anjos construtores, os Demiurgos), que eram aqueles Anjos da Fraternidade da Luz, a quem o Grande Arquiteto do Universo constituiu mestres universais, para construírem o mundo que Ele havia concebido. Essa concepção é fundamentalmente maçônica, mas sua inspiração vem do Zhoar, o Livro do Esplendor, que introduz a Cabala judaica.
A saga de Noé, com sua arca, e depois com o trabalho de reconstrução da humanidade destruída pelo dilúvio, é vista neste simbolismo como uma espécie de reconstrução do edifício universal, obra que o Grande Arquiteto do Universo confiou á família do piedoso patriarca.
Essa lenda explica também o episodio da Torre de Babel, onde o Grande Arquiteto do Universo precisou confundir as línguas faladas pelos homens, pois segundo essa lenda, Ninrode, o “poderoso caçador perante o Eterno”, rei dos acadianos, havia encontrado as colunas gravadas e estaria tentando aplicar os conhecimentos nelas contido para construir edifícios que tinham por meta pesquisar os segredos do céu, desafiando assim o poder do Grande Arquiteto do Universo.[7]
Por isso é que antigos maçons, antes que a Arte Real se tornasse uma instituição identificada por um nome, costumavam dizer sempre que a maçonaria havia sido aprendida diretamente dessas colunas erguidas pelos três descendentes de Cain, sendo a torre de Babel uma aplicação prática dessa arte.
Todavia, com a confusão das línguas, a antiga sabedoria se perdeu e deixou de ser comunicada à humanidade em geral. Apenas alguns homens de mérito, a critério do Grande Arquiteto do Universo, podiam deter esse conhecimento. Era como se fosse uma palavra que havia sido perdida, por isso cunhou-se a Lenda da Palavra Perdida. Esse tema continua a ser desenvolvido na Lenda de Enoque, que é o tema de um dos capítulos do Arco Real e também do REAA. [8]
A filosofia da lenda
Aquele a quem a Palavra Perdida era comunicada assumia o compromisso de trans-miti-la somente a outra pessoa cujo mérito fosse reconhecido pelo Grande Arquiteto do Universo. Porque essa era a sabedoria com a qual o mundo fora construído e todas as coisas podiam ser feitas. Por isso os homens perversos, e aqueles que não a conseguiam obter pelo mérito de suas obras intentavam obtê-la à força, destruindo povos e nações e cometendo toda sorte de crimes e violência para obter esse poder.[9]
E esse é (segundo a filosofia do grau), o motivo de todas as guerras e conflitos que existem no mundo, porque quem não consegue obter por sua própria inteligência e trabalho as coisas que deseja ter, procura tomar de quem tem, usando a força ou a prática ardilosa, que geralmente degenera em crime.
Assim, a boa maçonaria foi desenvolvida justamente para ensinar aos homens puros e de bons costumes essa antiga sabedoria que nos capacita a obtê-las com verdadeiro mérito.
Daí a razão de a maçonaria se inspirar nos princípios e na prática dos antigos israelitas. Porque, segundo a lenda, a Israel bíblica foi a herdeira desses conhecimentos contidos nas colunas de bronze, as quais, segundo informa a Lenda de Enoque, essa sabedoria teria sido transmitida a Abraão e depois a Moisés, para que estes pudessem desenvolver a “maquete humana” do grande edifício cósmico que o Grande Arquiteto do Universo se propôs a construir. [10]
Mais tarde essa sabedoria, simbolizado pelo Nome Sagrado e chamado de Palavra Perdida, teria sido ensinada a Salomão e Adonhiram (o mestre Hiram do REAA), para que estes inscrevessem na estrutura de um edifício esses conhecimentos arcanos para que estes fossem registrados para a posteridade. Resulta daí o simbolismo do Templo de Salomão, que na maçonaria passou a ser o seu principal ícone.
Esse é o simbolismo desenvolvido pelo ensinamento dado nos Capítulos do Arco Real, cujo paralelo também se encontra nos graus filosóficos do Rito Escocês. O que aí se propõe é que os maçons que frequentarem esses capítulos encontrem a “Palavra Perdida”, pois esta está oculta em seus corações, já que o próprio homem é um templo vivo do Criador. E essa palavra é a sabedoria que ensina os homens a construir povos e nações, sustentados por colunas semelhantes á que suportavam o Templo de Salomão. Estabilidade e Força, refletidos na estrutura das colunas Boaz e Jakin. As grandes realizações maçônicas do passado tiveram nesse simbolismo a sua maior inspiração. Talvez fosse o momento de os maçons de hoje começarem a procurar novamente essa Palavra, pois ao que parece, ela atualmente ela já se perdeu ha algum tempo e precisa ser reencontrada.
[1] O deus egípcio Thot também era identificado com o Osíris, que antes de sua morte tinha sido um grande rei, a quem o Egito devia os princípios de sua civilização. Na Grécia esse personagem ficou conhecido como Hermes Trismegistus, o deus das artes e das ciências, que teria nascido anteriormente por três vezes no Egito, legando àquele povo, em cada encarnação, um ciclo de civilização. Segundo essa tradição Pitágoras, o grande matemático e filósofo grego, também teria aprendido a sua ciência diretamente dessa fonte.
[2] Gênesis, 3:1. Esse tema foi desenvolvido por John Milton em seu poema clássico “O Paraíso Perdido”.
[3] Veja-se, a propósito, a s curiosas teses de Zecarias Sitchin, em seu livro “Décimo Segundo Planeta”, na qual ele interpreta os mitos sumerianos da criação (que inspiraram os cronistas bíblicos) como resultados de uma expedição realizada por seres extraterrestes.
[4] Simbolicamente, essa lenda está conectada ao Drama de Hiram, representado na elevação do maçom ao grau de Mestre, no Rito Escocês. Ela simboliza a “traição dos companheiros”, que se voltam contra seu Mestre, exigindo dele um reconhecimento por um mérito não conquistado. Ressalte-se que o nome de Tubal – Cain foi adotado como senha para o grau de companheiro maçom justamente pelo fato de ser ele o “patrono” dos companheiros, ou seja, um prático que não detinha o grau de Mestre e quis, á força, obter o segredo do mestrado, (a palavra de passe) que lhe daria esse título.
[5] Gênesis, 6;9
[6] Gênesis, 4:17
[7] Ninrode era descendente de Cam, o amaldiçoado filho de Noé. Os edifícios em questão eram os famosos “zigurats”, templos construídos em forma de torre escalonada, que serviam de serviam para observações astronômicas. A propósito, o rei Ninrode era um importante personagem na maçonaria operativa, tendo sido apontado, inclusive, como “pai da maçonaria antiga”, conforme uma antiga Old Charge (o manuscrito Cooke, +- 1410).
[8)Vejam-se as nossas obras “Conhecendo a Arte Real” publicada pela Ed. Madras e Mestres do Universo, publicada pela Ed. Biblioteca 24x7.
[9] Esse é centro do simbolismo desenvolvido pelo curioso Drama de Hiram. O poder deve ser conquistado pelo mérito, através do trabalho constante e do estudo meticuloso. Os que o procuram obter pela violência e pela força terão sempre o destino dos Jubelos da lenda.
[10] Essa “maquete” foi a Israel bíblica, que tornou-se um povo com Abraão e uma nação com Moisés. O simbolismo arcano do Templo de Salomão reflete essa sabedoria e na sua constituição revela-se a Palavra Perdida, que foi perdida novamente após a destruição daquele edifício e só é reencontrada nos mistérios da paixão de Cristo. Esse é o segredo revelado no simbolismo dos graus superiores do Arco Real e nos graus filosóficos do REAA.
João Anatalino