Os Mistérios de Elêusis
Autor: João Anatalino
Tudo que sabemos sobre os Mistérios de Isis e Osíris nos foi legado pelos gregos, pois os sacerdotes egípcios mesmos jamais os desenvolveram na forma escrita, fazendo apenas raras referências em alguns papiros e na complicada simbologia dos rituais e hinos funerários que compõem o chamado Livro dos Mortos. Plutarco, que traduziu para o grego o drama de Osíris, helenizou o mito, comparando Isis á Plutão e Osiris á Perséfone, os deuses gregos que representavam os poderes interiores da terra. Dessa forma, identificou os Mistérios Egípcios com as realidades da vida e da morte, dando-nos a ideia de que eles significavam realmente uma recapitulação simbólica desse processo. Os gregos, todavia, já praticavam, desde tempos imemoriais, algo semelhante aos Mistérios Egípcios. Esse ritual era praticado no santuário de Elêusis, próximo á cidade de Atenas.
Os Mistérios de Elêusis tinham como ponto central o psicodrama de Démeter, como era chamada entre os gregos a deusa da agricultura. Irmã de Zeus, Démeter tinha uma filha chamada Perséfone . Um dia Perséfone foi raptada por Hades, o deus dos infernos, que habitava no centro da terra. Démeter, então, amaldiçoou a terra, que tornou-se estéril e não produziu mais nada. Depois de muita luta ela finalmente conseguiu, com a intervenção de Zeus, que o soturno deus Hades libertasse Perséfone, mas com a condição de que esta passasse seis meses no céu e seis meses no inferno. Daí o porquê Perséfone simbolizar a semente que passa um tempo no seio da terra até frutificar.
Com base nesse mito, os gregos desenvolveram os Mistérios de Elêusis, que eram cerimônias iniciáticas nas quais se praticavam rituais destinados a despertar Perséfone, ou seja, a semente que foi enterrada e renascia, dando nova vida à terra. Esse mito tinha representações entre todos os povos de cultura grega. Entre os romanos, as festas dedicadas a Démeter, eram realizadas no mês de abril e se prolongavam durante uma semana. Nessas ocasiões os romanos de origem nobre e aqueles que se destacavam nas artes e nas ciências eram iniciados.
O culto a Démeter, embora de origem grega, tem clara inspiração nos Mistérios Egípcios. Démeter, no mito egípcio, é Isis e Perséfone, no caso, é Osíris. Ambos os cultos tinham idêntica finalidade: despertar o poder regenerador da terra, para que ele executasse sobre a semente nela lançada, a mesma operação que os poderes de Isis realizara sobre o corpo de Osiris.
E se isso podia ocorrer em relação á semente do cereal, também poderia ser aplicado ao ser humano, enquanto semente da vida espiritual cósmica. Porque o mesmo processo não poderia ser utilizado para promover a regeneração psíquica do homem? Dessa forma, o mito evoluiu da religião para a metafísica e acabou se tornando um dos mais representativos arquétipos da espiritualidade humana. Nem os cristãos, embora seus líderes condenassem violentamente essas práticas, não foram infensos à influência desses. Mistérios. Há quem sustente que a Paixão e Morte de Jesus Cristo nada mais é que uma encenação desses Mistérios.
Eis porque tanto os Antigos Mistérios egípcios quanto os Mistérios de Elêusis são constantemente invocados nos ritos maçônicos, pois ambos evocam a necessidade de uma morte e uma regeneração do iniciado, como condição essencial á sua passagem de um estado de consciência profana para uma consciência superior de iniciado
.
Da mesma forma que seu congênere egípcio, os Mistérios de Elêusis eram divididos em duas etapas. Havia os Grandes e os Pequenos Mistérios. O primeiro era representado em março, correspondente ao equinócio de primavera, o segundo em setembro, correspondente ao equinócio de inverno. Representavam, conjuntamente, os ciclos da terra, em seus processos de morte e ressurreição, expressos nas estações do ano.
Nos Pequenos Mistérios o iniciando se preparava para receber os Grandes Mistérios. Nessa primeira parte do cerimonial ele era purificado, interrogado, fazia diversas promessas e juramentos, aprendia os sinais e passos do iniciado. Após jurar guardar estrito segredo sobre o que viu e ouviu, ele recebia o titulo de Mystos, que significava ser ele um “ iniciado”, porém ainda incapaz de contemplar a Grande Luz. Somente após o interstício de um ano estaria pronto para penetrar nos Grandes Mistérios.
Estes últimos perduravam nove dias e comportavam rituais que eram desenvolvidos dentro e fora do templo. Na última fase da cerimônia o iniciado se vestia com uma pele de carneiro, significando que ele seria o sacrificado, a ”semente” sobre a qual a terra executaria o seu trabalho de regeneração.
A cerimônia de elevação do iniciado aos Grandes Mistérios é comparável a cerimônia de elevação ao grau de mestre na Maçonaria Simbólica, e muitos autores acreditam que a Lenda de Hiram foi diretamente adaptada dessa fonte. De qualquer forma, a instituição que existia por trás dessas práticas iniciáticas se assemelha bastante á Maçonaria. Não era qualquer pessoa que podia ser iniciada nos Mistérios de Elêusis. Somente homens de reconhecida idoneidade e excelente reputação eram cooptados para fazer parte do fechado círculo de iniciados.
A escolha e o processo de cooptação de recipiendários eram rigorosos, sendo patrocinada pelo próprio estado ateniense, tanto que a legislação que Sólon redigiu para Atenas continha punições para aqueles que transgredissem as regras de silêncio exigidas em relação aos rituais. Plutarco conta que até Alcebíades foi punido por ter violado tais regras. Fulcanelli diz que a revelação dos segredos dos Mistérios de Elêusis aos profanos era punida com a morte, e mesmo aqueles que os ouviam eram considerados criminosos.
A prática dos Mistérios de Elêusis era o elo que unia as grandes personalidades do povo grego. Alcebíades, o famoso general ateniense, bem como Sólon, o grande legislador, Demóstenes, o magnifico orador e a grande maioria dos filósofos eram iniciados. Sócrates, Pitágoras e Aristóteles confessaram a influência que receberam dessas práticas iniciáticas. Sófocles, o laureado poeta, dizia que “somente aqueles que contemplaram os Mistérios entrarão na posse da verdadeira vida”.
Nos Mistérios de Elêusis os iniciados aprendiam o verdadeiro significado dos mitos helênicos. Descobriam, finalmente, que tais mitos não eram apenas explicações fantásticas das origens e dos acontecimentos históricos relativos ao povo grego, mas sim alegorias que continham ensinamentos morais, históricos e psicológicos da mais profunda relevância. Era nesses mitos e lendas que estava hospedada a verdadeira sabedoria iniciática e somente "os eleitos" podiam adquiri-la.. O próprio Platão, nos diálogos de Fédon, reconhece que “ os homens que estabeleceram os Mistérios, eram iluminados” e “somente aqueles que fossem iniciados, morariam com os deuses”.
Não é, portanto, sem razão, a analogia que se faz entre a Maçonaria, enquanto instituição, e os Mistérios de Elêusis. Não só em relação ao domínio do esotérico, presente em ambas as instituições, mas também pelo seu objetivo disciplinador, por assim dizer, elas podem ser consideradas como “escolas de treinamento espiritual”, onde a mente do homem é preparada para o exercício de uma consciência superior, que o capacite a exercer na sociedade um papel diferenciado. Graças a esses ‘treinamentos espirituais”, os gregos superaram as limitações geográficas de um território tão pobre em recursos naturais como era a Grécia, fundando um império comercial e cultural que inaugurou uma nova era na civilização humana.
Se a Maçonaria, enquanto filosofia e prática de vida, fosse devidamente entendida pelos que nela se iniciam, e realmente levada á sério, certamente se poderia obter um resultado semelhante aos que os gregos conseguiram com a prática dos Mistérios de Elêusis, ou seja, uma plêiade de homens realmente virtuosos.
Note-se que o declínio da cultura grega, bem como da cultura egípcia, coincide com a popularização dessas cerimônias. Nesse sentido, é bom observar que nem sempre um aumento de quadros significa uma melhoria de qualidade. Aliás, no caso, o resultado é exatamente o contrário. A quantidade, geralmente faz declinar a qualidade. Se a Maçonaria quiser sobreviver como verdadeiro “centro de treinamento de conscientização superior”, seria interessante não esquecer o conselho de Jâmblico, o filósofo grego que deu características de ciencia experimental à alquimia: ele disse que a popularização do conhecimento iniciático, ao invés de democratizá-lo, o abastarda. E que só verdadeiramente aptos para recebê-los devem ser iniciados. Não nos custa reconhecer que ele tinha razão.
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Fonte: CONHECENDO A ARTE REAL, PUBLICADO PELAS MADRAS, SÃO PAULO, 2007.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 19/04/2010
Reeditado em 26/04/2010
Código do texto: T2207023
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