A Lenda de Enoque
Autor: Joao Anatalino
A lenda de Enoque é a alegoria sobre a qual se assentam os ensinamentos dos graus doze a quatorze da Maçonaria do Rito Escocês Antigo e Aceito.
Essa lenda , que já fez parte da Bíblia, é hoje um escrito apócrifo, provavelmente produzido por um escritor gnóstico do século I. Existem dois livros atribuídos a esse personagem: O Livro de Enoque e o Livro dos Segredos de Enoque. É no Livro de Enoque (e não no livro dos Segredos), que encontramos a lenda do grau treze. Essa lenda, adaptada pelos maçons espiritualistas, em síntese, diz o seguinte:
“ Enoque, durante um sonho, foi informado sobre o Verdadeiro Nome de Deus. Esse nome, entretanto, lhe foi proibido de divulgar. E Deus lhe informou também sobre o castigo que iria ser lançado sobre a humanidade pecadora, através do dilúvio. Para que o Inefável Nome de Deus não fosse perdido após a catástrofe, Enoque fez com que esse nome fosse gravado numa pedra triangular, num alfabeto desconhecido, só inteligível aos anjos e a ele próprio. Portanto, ninguém sobre a terra, a não ser o próprio Enoque sabia a verdadeira pronúncia do nome de Deus.
Antes do dilúvio havia sobre a terra civilizações bastante desenvolvidas em termos de artes e ciências. Para preservar os conhecimentos dessas antigas civilizações ( a Atlantida, segundo a Doutrina Secreta), Enoque fez com que vários textos fossem gravados em duas colunas, e em cada uma delas esculpiu o nome sagrado. Uma delas era feira de mármore, a outra fundida em bronze . Ele as colocou em um suntuoso templo que fez construir em um lugar subterrâneo, só dele e de alguns eleitos, conhecidos (uma sociedade secreta, tipo maçonaria). Esse templo tinha nove abóbadas, sustentadas por nove arcos. No último arco Enoque mandou gravar o Delta Luminoso, e fez um alçapão onde guardou a pedra com o Inefável Nome de Deus nela gravado.
Com o dilúvio, todas as antigas civilizações foram destruídas e seus conhecimentos científicos e artísticos esquecidos. Noé e sua família foram os únicos sobreviventes, mas nada sabiam das antigas ciências. Das colunas gravadas por Enoque, somente a de bronze pode ser recuperada. Nela constava o Verdadeiro Nome de Deus, mas não a forma de pronunciá-lo, pois essa sabedoria estava escrita na coluna de mármore. Asim, essa pronúncia permaneceu desconhecida até que Deus a revelou a Moisés em sua aparição no Monte Sinai.
Mas Moisés foi proibido de divulgá-la, a não ser ao seu irmão Aarão, que seria, futuramente, principal sacerdote do povo hebreu. Deus prometeu a Moisés, todavia, que mais tarde esse Nome seria recuperado e transmitido a todo o povo de Israel. Isso só aconteceu nos tempos de Shimon Ben Iohai, o codificador da Cabala, mas nem todo o povo de Israel compartilhou dessa sabedoria, uma vez que ela continuou sendo transmitida apenas aos rabinos que atingiam os grus mais altos na chamada Assembléia Sagrada.
Moisés, no entanto, mandou que o Nome Inefável, com a pronúncia correta, fosse gravado em uma medalha de ouro e guardado na arca da Santa Aliança juntamente com as tábuas da lei. Dessa forma, o Sumo Sacerdote, em qualquer tempo, poderia compartilhar dessa sabedoria e invocar o Grande Arquiteyto do Universo na forma correta. Mas a Arca da Aliança foi perdida numa batalha que os israelitas travaram contra os sírios. Mas, guardada por leões ferozes, os sírios nunca conseguiram abri-la e mais tarde ela foi recuperada pelos sacerdotes levitas. Durante as batalhas que o povo de Israel travou contra os filisteus pela posse da Palestina, a Arca foi perdida mais uma vez, sendo capturada pelo exército inimigo. Os filisteus, que não sabiam do poder que tinham nas mãos, fundiram a medalha de ouro com o Nome Inefável e a transformaram num ídolo dedicado ao Deus Dagon. Esse foi um dos motivos pelos quais O Grande Arquiteto do Universo instruiu Sansão para que este praticasse seu último ato de força no Templo dos filisteus em Gaza, pois esse era o templo de Dagon.
De tempos em tempos, Deus comunicava a algum profeta o segredo dessa pronúncia, com a condição de que ele o mantivesse em segredo. Assim, durante longo tempo o Nome Inefável e a forma de pronunciá-lo ficaram ocultos, até que Deus o revelou a Samuel e este o transmitiu aos reis de Israel, Davi e depois a Salomão.
Após construir o Templo de Jerusalém, (que reproduzia a forma e a estrutura do templo construído por Enoque, inclusive com os nove arcos, onde, no nono se erguia o Altar do Santo dos Santos, no qual a Arca da Aliança estava depositada), Salomão determinou a Adoniran, Stolkin e Joaben a construção de um templo dedicado á Justiça. Estes, após escolher e preparar o terreno, verificaram que aquele era exatamente o lugar onde Enoque havia construído o seu templo. Após demoradas pesquisas e árduos trabalhos escavando as ruínas do antigo templo, descendo a diversos níveis subterrâneos, os mestres destacados por Salomão, sob o comando de Adoniran, descobriram a coluna onde o sagrado Delta estava gravado.
Dessa forma, o Verdadeiro Nome de Deus foi recuperado e pode ser transmitido ao povo de Israel na sua forma escrita, mas a forma de pronunciá-lo permaneceu desconhecida, pois a coluna de mármore, onde estava essa sabedoria estava inscrita, foi destruída pelo dilúvio. Somente Salomão, o Rei de Tiro e os três mestres que desceram ao subterrâneo detinham esse conhecimento. Com o desaparecimento daqueles personagens, ficou perdida novamente a pronuncia da Palavra Sagrada..
As instruções dos graus se referem ás viagens que o iniciando tem que fazer, a exemplo dos três Mestres, para encontrar a Palavra Sagrada. Simbolicamente, para o maçom essas viagens equivalem a uma descida dentro de si mesmo a fim de liberar a luz que existe dentro dele. Aqui temos novamente a evocação, tão cara aos gnósticos e aos alquimistas, da necessidade de encontrar “dentro de si mesmo” aquela energia que faz o homem integrar-se à divindade.
Pois outra coisa não é a Palavra Perdida. O Inefável Nome de Deus é o principio que libera o espírito de suas amarras materiais e o torna livre para galgar as alturas e penetrar no reino da luz. Essa tradição freqüenta a mística de todas as religiões do mundo, desde o Budismo tibetano até á Cabala, que a desenvolve através da metafísica dos números e suas relações com a divindade.
Com a perda do verdadeiro significado, diz a lenda, foi este substituída pelas iniciais IHVH .que, depois de pronunciada, é coberta com três Palavras Sagradas, três sinais e três palavras de passe; sómente após o cumprimento desse ritual se chega ao Nome Inefável. De acordo com a tradição, os cinco primeiros iniciados no grau de Cavaleiro do Real Arco foram os próprios reis Salomão e Hiram, rei de Tiro, e os três Mestres que descobriram o templo sagrado de Enoque. Um juramento de não pronunciar o Verdadeiro Nome de Deus em vão foi feito pelos mestres recém eleitos, juramento esse que se repete na elevação ao grau 14.
Diz ainda a lenda, que mais tarde outros Mestres foram admitidos no grau, até o numero de vinte e sete, sendo a cada um deles distribuído um posto. Outros Mestres, que tentaram obter o grau sem o devido merecimento receberam o justo castigo, sendo executados e sepultados no subterrâneo onde a pedra gravada com o Nome Inefável foi originalmente depositada .
A prece final de encerramento dos trabalhos do grau nos dá bem a significação do conteúdo finalistico da lenda.
“Poderoso Soberano Grande Arquiteto do Universo. Vós que penetrais no mais recôndito dos nossos corações, acercai-vos de nós para que melhor possamos adorá-lo cheios de vosso santo amor. Guiando-nos pelos caminhos da virtude e afastando-nos da senda do vicio e da impiedade. Possa o selo misterioso imprimir em nossas inteligências e em nossos corações o verdadeiro conhecimento de vossa essência e Poder Inefável, e assim, como temos conservada a recordação de Vosso Santo Nome, conservar também em nós o fogo sagrado de vosso santo temor, principio de toda sabedoria e grande profundidade de nosso ser. Permiti que todos os nossos pensamentos se consagrem á grande obra de nossa perfeição, como recompensa merecida de nossos trabalhos e que a União e a Caridade estejam sempre presentes em nossas Assembléias, para podermos oferecer uma perfeita semelhança com a morada de vossos escolhidos, que gozam do vosso reino para sempre. Fortalecendo-nos com vossa Luz, para que possamos nos separar do mal e caminhar para o bem.Que todos os nossos passos sejam para o proveito da nossa aspiração, e que um grato perfume se desprenda no Altar de nossos corações e suba até vós. Ó Jeová, nosso Deus! Bendito sejais, Senhor. Fazei com que prospere a obra feita pelas nossas mãos, e que sendo vossa Justiça o nosso guia, possamos encontrá-la ao término da nossa vida.Amem”.
O significado iniciático da lenda
O ensinamento iniciático da lenda é claro. Ela nos diz que há uma chave, uma palavra, um verbo, a partir do qual todas as coisas se constroem. Essa palavra, esse verbo, é o Inefável Nome de Deus, o verdadeiro, o primeiro e único princípio, imutável e incriado, de onde tudo se originou e para onde tudo um dia retorna. O Evangelho de São João diz que no princípio era o Verbo, o Verbo era Deus, e um Deus era o Verbo. Estava no início com Deus e nada do que foi feito foi feito sem Ele, e tudo o que foi feito, foi feito por Ele. Por isso, quando Deus se apresentou a Moisés no Monte Sinai ele não disse, em principio, qual era seu nome. Ele, conhecido como o Inominado, por ser absoluta potência, não tinha um nome que pudesse ser pronunciado por lábios humanos.
Ele Era. Por isso Ele disse “Eu sou”, significando com isso que Ele era o Verbo Divino, a partir do qual tudo o que existe no universo toma forma e consistência.
Mas todo verbo é uma potência a ser desenvolvida. E todo verbo, em si mesmo, não tem sentido nem significado se não tiver um predicado. Deus então criou o cosmo para que ele fosse o seu predicado.
O Verbo, transmitido ao homem na forma do seu espírito, o fez senhor da criação terrestre. E como o homem aprendeu a articular “eu sou”, teve também que perguntar a si mesmo “o que?” E foi para responder a essa inquietante pergunta, “ eu sou o que?”, que ele também se viu obrigado a construir um predicado para si mesmo. Esse foi o detalhe que fez a diferença entre os homens e as outras espécies animais.
Por isso é que “ser é verbalizar”. Ser é dar sentido á existência, é ter uma resposta para a pergunta: o que somos nós? A certo momento da vida até podemos confundir o ser com “estar” ou “ter”. Mas estar vivo não é ser vivo, estar feliz não é ser feliz, e ter algo que se parece com vida ou felicidade não é ser realmente vivo e feliz. Ser é um estado de perfeita organização interior que não pode ser afetado por nenhum acontecimento exterior.
O esforço da inteligência na formulação lógica do pensamento é apenas um caminho para se dar um parto seguro a luz que habita nos subterrâneos da nossa mente, onde ali foi encerrada pelo Sublime Arquiteto do Universo, como pedra filosofal que precisa ser redescoberta para que possamos entender quem e o que realmente somos. Essa luz só pode ser liberada por um trabalho paciente e ritualístico de adepto, ou de iniciado. Esse é o objetivo do ensinamento maçônico.
>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>
Condensado do Livro "Conhecendo a Arte Real", publicado pela Madras, São Paulo, 2007.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 24/04/2010
Reeditado em 25/04/2010
Código do texto: T2217747
Classificação de conteúdo: seguro
Nenhum comentário:
Postar um comentário