domingo, 28 de junho de 2015



A presença de Clérigos Católicos na Maçonaria



João Evangelista Martins Terra, S.J.

Para mostrar que, apesar dessas normas, não há absolutamente nenhuma incompa­tibilidade entre a Igreja e a maçonaria, os folhetos de propaganda maçônica trazem infalivelmente este argumento: até bispos, padres e frades entraram na maçonaria. E citam o conde de Irajá, bispo do Rio de Ja­neiro; Dom José Joaquim de Azeredo Coutinho, bispo de Olinda, que eram maçons; Cônego Januário, Frei Caneca, Frei Sampaio, Frei Montalverne e outros que entraram na maçonaria.

Não é preciso negar esse fato. Mas im­porta explicá-los no seu contexto históri­co. Por que eles entraram na maçonaria? Quais intuitos levaram a maçonaria a alici­ar para suas fileiras bispos e padres? E, so­bretudo, é preciso ver que tipo de padres ela conseguiu atrair.

Todos os nomes dos bispos, padres e fra­des por eles citados são geralmente do início do século passado, quando, em muitos meios políticos, predominava a idéia da Independência do Brasil. A própria maço­naria de então foi fundada no Brasil com finalidades pronunciadamente políticas. Algumas lojas de Pernambuco foram fun­dadas por padres, como a loja ou academia Areópago, fundada pelo carmelita Arruda Câmera, em 1801; a Loja do Paraíso ou Loja Suassuna, fundada pelo padre João Ribeiro. Ora, esses frades ou padres quase nada sabiam ou não se interessavam pelas doutrinas maçônicas; o que queriam eram ambientes secretos onde discutir suas ide­ologias liberais ou idéias revolucionárias. As lojas de Pernambuco e da Bahia, lá pelo anos 1810, como também as do Rio, pelo anos de 1820, eram de fato centros políti­cos, que “tramavam” a independência. Até as publicações maçônicas insistem neste particular. O maçom Adelino Figueiredo Lima, no seu livro Nos Bastidores do Mis­tério (Rio, 1954, p. 137), ao falar da funda­ção do Grande Oriente, escreve: “E encer­rou-se a sessão sob o juramento solene de que a nova potência maçônica independente tinha um fim específico a cumprir: fazer a independência do Brasil“. E não faltaram então padres e frades patriotas e políticos que alimentavam o mesmo ideal. Aliás, a Revolução de 1817 não é conhecida como a revolução de maçons, mas como a revo­lução dos padres.

Além disso, Frei Caneca, Frei Sampaio, Cônego Januário e outros foram, talvez, excelentes patriotas e hábeis políticos, mas não se pode por isso dizer que fossem tam­bém sacerdotes disciplinados e religiosos exemplares. Identificam-se os ideais polí­ticos desses padres com os ideais políticos da maçonaria de então, que, ao menos no Brasil, ainda não manifestara provas de anticlericalismo. E, para conseguir a inde­pendência, conjugaram suas forças. Não como sacerdotes, mas como políticos, ape­sar de sacerdotes, tornaram-se maçons.

Convém notar que entre o bispo Azeredo Coutinho (1802) e D. Marques Perdigão (1830) a diocese de Olinda esteve pratica­mente acéfala durante 30 anos. O 13º bispo de Olinda, D. Frei José da Santa Escolástica, eleito em 1802, não veio a Pernambuco, o 14º bispo, D. Frei José Ma­ria de Araújo, eleito em 1804, só chegou a Pernambuco em dezembro de 1807, para falecer logo em seguida. O 15º bispo, D. Frei Antônio de São José Bastos, eleito em 1810, nunca veio a Pernambuco, morrendo em 1819 no Rio, sem conhecer a sua diocese; o 16º bispo, D. Frei Gregório José Veigas, eleito em 1820, não chegou a to­mar posse da diocese, morrendo em Lis­boa; o 17º bispo, D. Tomás de Noronha, eleito em 1823, só foi confirmado bispo de Olinda em maio de 1828, resignando em agosto do ano seguinte, entregando o bis­pado ao cabido. O 18º bispo, D. João da Purificação Marques Perdigão, eleito em 1829 e confirmado em 1831, encontrou a diocese num estado deplorável.

Durante 30 anos sem bispo, clero e religiosos estavam habituados à anarquia. Esse período foi a época das revoluções, revoluções de padres, em grande parte ordenados fora da diocese e não encardinados. Alguns deles, como o célebre Pe. Roma, cujo nome real era José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima, nascido no Recife, que professou entre os frades carmelitas de Goiana, de onde fugiu para Portugal e depois para Roma, onde diz que foi ordenado pessoalmente pelo Papa Pio VII, retomou ao Recife onde teve dois fi­lhos, foi enviado pelo governo provisório de 1817 à Bahia para levantar o povo em favor da causa revolucionária, e foi fuzila­do na Praça da Pólvora na Bahia.

O autor de Os Mártires Pernambucanos o classifi­ca como apóstata (G. Vilar de Carvalho, A liderança do clero nas revoluções republi­canas – 1817-1824, p. 76.) Mas historia­dores de grande peso, como E. Vi1hena de Moraes, põem em dúvida seu caráter sa­cerdotal, afirmando que “nem sequer se sabe ao certo se chegou realmente ao presbiterado” (O Patriotismo e o Clero no Brasil, Rio, 1929, p. 24). De fato, não foi encontrado nenhum documento que ateste sua ordenação. Essa era a situação do clero secular e regular na época das revoluções pernambucanas.

Quando D. João da Purificação Marques Perdigão chegou a Olinda, todo o país, de sul a norte, estava envolto nas revoluções e insurreições ocorridas no período das Re­gências Trinas de 1831 a 1835, que no Norte receberam o nome de Guerra dos Cabanos ou Cabanada. Foi a intervenção enérgica e pacificadora do bispo de Olinda, D. Perdigão, que, por meio de suas pastorais, em que fazia importantes exortações ao clero e aos fiéis, procurando convencer os liti­gantes de que deviam iniciar um período de paz, que logrou pôr termo à Cabanada, em 1835.

Convém notar ainda que nessa época e até mesmo durante todo o Império, os pa­dres e políticos não se sentiam adstritos, em consciência, às leis da Santa Sé, que con­denavam e interditavam a maçonaria, visto que o regalismo reinante na época se nega­va a dar-lhes seu “necessário” Benepláci­to, para obterem força de lei.

Além disso, nesses inícios, a maçonaria incipiente não se tinha ainda inserido nas estruturas do poder e não se tinha revelado anticlerical. Foi somente durante o Segun­do Império que ela logrou o poder ministe­rial e militar. Quase todos os Ministros e Governadores de Estados foram copiados pela maçonaria. Mais ainda, a maçonaria tinha-se infiltrado em quase todas as con­frarias e irmandades da Igreja e pretendia dominar o próprio poder eclesial. Em Olinda, o próprio Deão, Joaquim Francis­co de Faria, Vigário Capitular que, em duas vacâncias, tinha sido governador da Diocese, teve de ser suspenso pelo bispo por causa da sua recusa em desligar-se da maçonaria.

Revoltado, ele liberou, como vimos, a insurreição dos maçons contra os jesuítas, cujo colégio foi assaltado e destruído; contra o jornal católico “União”, cuja tipografia foi destroçada, e contra a re­sidência do bispo, que só não foi invadida porque na última hora surgiu uma proteção policial.

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