Tradução José Filardo
Apesar de se nutrir de referências cristãs, a maçonaria será, entretanto, muito rapidamente condenada pela Igreja católica, devido ao segredo que cerca seus ritos e sua proximidade com o protestantismo. Aos olhos do papa atual, seus adeptos continuam em “pecado grave”.
Londres, Junho de 1717. Assim que se constitui a Grande Loja da Inglaterra, a Santa Sé não intervém. No início, este primeiro reagrupamento orgânico de quatro lojas londrinas se faz na maior discrição, e o papa não é, de forma alguma, informado. Em seguida, os primeiros consolidadores destes maçons-livres – Jean Théophile Desaguliers e James Anderson – são pastores protestantes. Enfim, as primeiras regras conhecidas destas misteriosas assembleias fazem a parte bela a Deus, à religião, à moral cristã. O maçom escreve o pastor Anderson, não será jamais “nem ateu estúpido nem libertino irreligioso”. Em seus primeiros anos, e assim que ela se expande por toda a França, Alemanha e Itália, a maçonaria reúne essencialmente cristãos – protestantes ou católicos – inclusive muitos clérigos. Aliás, ela se inspira no cristianismo em muitos de seus rituais e símbolos, desde suas mais antigas referências bíblicas até a veneração do Grande Arquiteto do Universo.
Clemente XII, eleito papa em 1730, vai ouvir falar dessas lojas mais ou menos secretas que abordam esoterismo e mitologia, muito mais do que elas se misturam com religião. Parecia, informam a ele alguns bispos locais, que algumas delas atacam violentamente a religião! Verdade ou mentira? Em Avignon, em Flandres, em Portugal, em Viena, a Sagrada Congregação da Santa Inquisição instaura inquéritos, realiza algumas detenções que desembocam em processos. Menos para condenar os membros dessas associações suspeitas, que para saber mais sobre seus objetivos. Clemente XII não gosta dos maçons por um motivo muito pessoal. Ele, um Corsini, devota ódio feroz à família Médici, que privou o papa de sua cara Toscana, dedica a François de Lorraine. Este notório maçom confiou o governo ao príncipe de Craon, outro ilustre maçom. Eis o que vai precipitar a condenação desta “seita” em 1738, na célebre bula In Eminenti, por pelo menos três motivos.
O primeiro é o segredo que preside as atividades dos maçons e que faz pronunciar a todos os adeptos o juramento de observar o silêncio, “sob pena de ter a garganta cortada”. Um juramento assim solene reduz a muito pouco a confiança que um diretor de consciência – ou mesmo um juiz civil – pode conceder àquele que o presta.
O segundo motivo é a “má reputação” que acompanha as atividades maçônicas – que derrapa, algumas vezes, para a libertinagem desenfreada – e que explica, pensa o papa, o famoso segredo em que esta gente cerca os suas atividades. Mas o terceiro motivo de intervir toca o cerne da religião. Todas as lojas adotam uma grande tolerância em relação a todas as confissões religiosas sem distinção. E, esta redução da importância da religião católica ao mesmo nível das confissões “heréticas” e inaceitáveis para a igreja que condena este sacrilégio de “indiferença”.
Nas décadas seguintes, sete papas condenarão a maçonaria mais ou menos nos mesmos termos: Bento XIV (1751), Pio VII (1821), Leão XII (1825), Pio VIII (1829), Gregório XVI (1832), Pio IX (1846) e Leão XIII cuja encíclica Humanum Genus em 1884 confirmará claramente que existe incompatibilidade entre a adesão a uma loja e a condição de membro da Igreja. A sanção é assim ameaçar aquele que violasse estas regras com a excomunhão pura e simples.
Duas evoluções importantes na Europa vão contrariar esta posição imutável do papado. Em primeiro lugar, os papas são ameaçados em suas possessões territoriais, e mesmo algumas vezes em suas vidas, pelos terremotos que são a Revolução francesa de 1789 e a Primavera dos povos em 1848. O fim dos estados pontificais em 1870 consegue mergulhar o papado em uma confusão gravíssima. A tentação é grande, nos corredores do Vaticano, de imputar todas as suas infelicidades a algum complô maçônico anticlerical, ou seja, “satânico”. Em seguida, a própria maçonaria se divide. Em 1877, o Grande Oriente – anticlerical e muito ativo nos corredores da República francesa – separa-se da maçonaria tradicional. A invocação do “Grande Arquiteto do Universo” não é mais obrigatória para grande insatisfação da maçonaria do norte da Europa que permanece deísta e não pretende, de forma alguma, declarar guerra ao papa.
Que certas lojas maçônicas como o Grande Oriente de França não tenham então cessado de trazer o combate secular contra a religião católica, é uma evidência. A separação entre Igreja e Estado em 1905 é um exemplo chocante. Mas trata-se de condenar firmemente uma “seita hostil à Igreja” – como diz o novo Código de direito canônico publicado em Roma em 1917 – e não somente uma “sociedade secreta” de “reputação duvidosa”, e quando se trata de obediências favoráveis à religião, que não colocam de forma alguma em perigo a ordem pública?
Diante de um adversário multiforme, e impulsionado por algumas tentativas de diálogo mais ou menos bem-sucedidas, o papado vai se encontrar arrastado entre duas atitudes. De uma parte, a vontade de distinguir os maçons hostis à Igreja dos outros, expressa em 1972 pelo cardeal Franjo Seper, prefeito da Congregação para a doutrina da fé. De outro lado, a exigência de definir uma posição comum a toda a instituição, no sentido da proibição reiterada por seu sucessor o cardeal Joseph Ratzinger em 1983. Este último não condena mais o membro católico de uma loja a ser excomungado, é verdade, mas ele considera sempre esta confusão como um “pecado grave”. Ora, e é justamente ele que se tornou papa em 2005, sob o nome de Bento XVI…
Jornalista e escritor, especialista em Catolicismo, Bernard Lecomte acaba de publicar "Os últimos Segredos do Vaticano"
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