segunda-feira, 29 de junho de 2015



A lenda de Baphomet

Autor: João Anatalino – Recanto das Letras


Uma das acusações lançadas contra os Templários foi a de que eles, em suas iniciações, eram obrigados a adorar uma estranho ídolo que foi chamado de Baphomet. A primeira vez que esse assunto apareceu no processo foi durante o interrogatório de Hugo de Pairaud.

– Consta que em vossas cerimônias de iniciação, vós solicitais aos iniciados que adorem uma certa cabeça humana. Como era esse ídolo e como faziam?

– Existia, sim, uma cabeça – disse Pairaud. – Eu a vi em Montpellier, quando participei de um Capítulo. Fiz-lhe as reverências pedidas, assim como todos os Irmãos presentes. Mas não as fiz de coração, mas apenas com as palavras do ritual.

– E como era esse ídolo? – perguntou o Inquisidor.

– Era semelhante a uma cabeça humana. Tinha uma barba negra.Parecia ser feita de madeira ou metal, não sei bem, e aparentava ter quatro pés, dois na frente e dois atrás...

Jacques de Molay e os três dignatários do Templo, perguntados sobre a tal cabeça, disseram nunca a ter visto. Tinham ouvido falar dela através de uma menção que o Papa Clemente V havia feito certa vez, de que, em alguns Capítulos da Ordem estariam havendo um culto idólatra. Mas fora disso, alegaram nada saber a acreditavam tratar-se de uma maledicência dos inimigos da Ordem.

Foi o preceptor de Paris, Renaud du Tremblay, que deu mais detalhe sob o assunto:

– Vi essa cabeça no Capitulo de Montpellier, dirigido pelo Irmão Peiraud – disse o preceptor. Os Irmãos do Capítulo a adoravam. Eu também o fiz, mas falsamente, e não com o coração...

– Como se parecia ? – perguntou o Inquisidor.

– Parecia uma cabeça humana, um rosto com uma grande barba negra. 

– Como era esse rosto?

– Terrível! Assemelhava-se a um demônio.A cada vez que olhava para ele, eu era invadido por um extremo terror...

– E porque vos a adorastes?

– Tinhamos feito coisa pior negando Cristo. Adorar aquela cabeça parecia ser pecado menor. Mas nunca a adorei com firmeza de coração...

A todos os Templários foram feitos perguntas sobre o misterioso ídolo a quem eles adoravam em seus Capítulos. Os depoimentos eram muito contraditórios. Nenhum dos depoentes soube dar uma descrição exata do tal ídolo, o que levou os inquisidores a concluir que ele não tinha uma imagem definida, ou que cada Capítulo tinha a sua própria imagem dele. As descrições mais consistentes o davam como sendo uma cabeça de três rostos, um olhando para a frente e os dois outros, um para a direita e outro para a esquerda. Era uma cabeça barbada, que usava um turbante semelhante aos que os rabinos judeus usavam. 

O que significava essa cabeça e quais eram as palavras usadas no ritual, nenhum dos templários inquiridos soube explicar. 

Em várias das preceptorias invadidas e varejadas pela polícia de Filipe, e também nas preceptorias de outros reinos, procurou-se desesperadamente os tais ídolos e rituais escritos, que se encontrados seriam uma prova contundente da heresia templária. Mas nada foi encontrado que pudesse servir de prova irrefutável dessa prática. 

Tudo que se referia ao tal ídolo era muito contraditório.Um notário público, chamado Antoine Siccus, de Vercellyz, que estivera no Oriente a serviço dos Templários, deu um estranho testemunho a esse respeito. Disse ele que ouvira essa história em Sidon, contada por um cavaleiro templário. Ela acontecera na Armênia, onde um cavaleiro da Ordem se apaixonara por uma jovem. 

E ela por ele. Mas estando ele impedido de possui-la, em razão dos seus votos de castidade, e ela de desposá-lo pela mesma razão, a jovem tirou a própria vida. O cavaleiro, enlouquecido de dor e de amor, foi, á noite, ao túmulo da jovem e violou o cadáver. 

Cometeu com a morta aquilo que não tivera coragem de fazer enquanto viva. Após terminar o seu ato infame, ouviu uma voz que dizia: “ voltarás daqui a nove meses para ver o resultado do teu ato.” Nove meses depois, o cavaleiro voltou ao túmulo da sua amada e lá encontrou uma cabeça humana entre as pernas da jovem, e o cadáver na posição e na condição de uma mulher que dera a luz. E novamente uma voz se fez ouvir: “ guarda bem essa cabeça. Dela lhe virão todas as riquezas futuras.”

Mas outros Templários, instados a falar sobre o assunto, foram menos delirantes que o inefável notário. Disseram, sem muitas contradições, que os Templários possuiam relicários, aos quais davam muito valor. Uns diziam que se tratava de uma cruz de madeira, feita com lascas da verdadeira cruz em que Jesus foi crucificado, e sobre essa cruz havia uma cabeça esculpida. Essa cabeça, disseram as testemunhas, era milagrosa, pois fazia cair chuva quando dela se precisava e afastava pestes quando ela tomava conta das aldeias.

Em todas as preceptorias varejadas foram encontrados alguns relicários que, de alguma forma, corroboraram esses testemunhos. Por ocasião da invasão do Castelo do Templo, em Paris, o Irmão encarregado da guarda e administração dos bens da Ordem foi intimado a apresentar todos os objetos de culto existentes naquele edifício. No auto de apreeensão e guarda que se lavrou do ato, o oficial encarregado escreveu que “ os comissários mandaram que Guilherme Pidoye e seus companheiros Guilherme de Gisors e Raignier Bordone, apresentassem todas as cabeças em metal ou madeira, encontradas no edifício do Templo. Os três apresentaram aos comissários uma grande cabeça trabalhada em prata amarela; tinha rosto de mulher, e interiormente ossos de uma cabeça humana, envolvidos em um pano branco; por cima tinha um sudário, feito de tecido fino ou gaze da Síria, de cor avermelhada, cobrindo-a. Havia um número, numa etiqueta, cozida nesse pano: Caput LVIII. Perguntado o que significava aquela cabeça, os ditos Templários responderam que se tratava da cabeça de uma das Onze Mil Virgens que foram sacrificadas pelos bárbaros hunos quando as hordas de Átila passaram por Colônia[1]

Nada mais foi encontrado na casa do Templo.” 

Em outras preceptorias, por toda a Europa e além-mar, os inquisidores encontraram outras relíquias que, vagamente, foram associadas á lenda de Baphometh. Na verdade, porém, nunca se chegou a nenhuma conclusão do que era, ou do que significava esse símbolo. Alguns dos Templários inquiridos sugeriram que esse culto tinha se originado nas crenças dos muçulmanos, que veneravam o seu profeta Mohamed, e por isso, talvez, o nome do tal ídolo. Outros, definiram o assunto como “segredo da Ordem”, só conhecido pelos Mestres dos referidos capítulos. Assim criou-se a lenda de Bafometh, mas em todas as precptorias templárias, a única que continha uma réplica dessa enigmática figura era a preceptoria de Tomar em Portugal. Ela ainda pode ser vista hoje. Trata-se de uma cabeça barbada de três rostos, coberta com um turbante semelhante aos que usavam os antigos fariseus. Em nenhum lugar se encontrou uma figura de bode, com traços demoníacos. 

[1] A lenda das Onze Mil Virgens se refere á Santa Úrsula, filha do rei romano-britânico Donaut condado de Dumnonia, no sudoeste da Inglaterra. Ela foi dada em casamento ao governador romano Conan Meriadoc da Armórica (península da Bretanha). Ao viajar para a Inglaterra para juntar-se ao noivo, com um séquito de 11 mil servas virgens, uma tempestade as levou para o continente, onde foram capturadas pelos hunos, que então estavam devastando toda a Europa. Ao se recusarem entregar sua virgindade aos belicosos guerreiros de Átila, elas foram todas decapitadas. Isso teria acontecido em Colônia, na Alemanha. A princesa Úrsula, por ter se recusado a deitar-se com o próprio Átila, teria sido morta pelo famoso chefe bárbaro, conhecido como “Fragelo de Deus”, com uma flechada. Úrsula foi canonizada como mártir e se tornou uma santa muito respeitada no calendário católico. Mas na revisão acontecida em 1969, a Igreja considerou não haver provas a veracidade da lenda das Onze Mil Virgens e retirou Santa Úrsula do calendários dos santos. Seu nome, entretanto, como São Jorge e São Benedito, que também tiveram seus nomes “cassados” do rol dos santos, continua a ser muito respeitado,. No século XVI a freira Angela Merici fundou a Ordem das Ursulinas Essa Ordem, dedicada à educação de meninas, existe até hoje e presta excelentes serviços na área social e na educação. 
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Da obra "Filhos da Viúva", A Conspiração dos Templários- título provisório, no prelo.


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