domingo, 10 de dezembro de 2017



CATEDRAIS GÓTICAS



Por Oliveira Pereira (Oriente de Portugal)

Por terem um conhecimento secreto, os Cavaleiros da Ordem do Templo, para além de muitos outros feitos, notabilizaram-se na construção das Catedrais góticas, essencialmente, porque tinham o conhecimento de que construir significava muito mais do que edificar uma estrutura física. Na verdade, tanto para a Ordem do Templo como para todo o verdadeiro crente, construir significa ter a capacidade de gerar espaços e lugares que propiciam a união da Terra ao Céu, o que se traduz que através da construção o Homem liga-se ao Divino e ao Sagrado, formando deste modo a Unidade Harmoniosa. Os Cavaleiros Templários tinham a interiorização e o conhecimento necessário para compreender os valores harmónicos que emanam de uma construção religiosa, e em particular de uma Catedral gótica. Porém, não é necessário sermos Iniciados nos mistérios da Ordem do Templo para sentirmos o sagrado de uma Catedral gótica, uma vez que este emana tanto nas suas dimensões e volume, como das imagens que ostenta e da qualidade da luz que é filtrada pelos seus vitrais e que é projetada no seu interior, moldando sombras e criando mistérios.

A CAMINHADA NO INTERIOR DE UMA CATEDRAL GÓTICA

Ao entrarmos numa Catedral gótica, entramos pela porta que dá acesso à nave principal, e por essa via, tanto podemos caminhar com os traços que marcam o nosso sacrifício, como podemos caminhar com satisfação, uma vez que a emoção com que iniciamos a nossa caminhada nesse espaço sagrado, só depende de como foi construída a nossa Catedral interior. Entremos, pois, no interior da Catedral imbuídos de fé e de esperança. Logo à entrada (nas poucas Catedrais góticas ainda existente), podemos encontrar o chamado “Labirinto de Salomão”, por ser o símbolo da Sabedoria, que no mais puro sentido alquímico, tem o mesmo significado que é atribuído ao mito grego de Teseu, o herói que entra num labirinto para combater o Minotauro. E, que após ter vencido o monstro metade homem, metade touro, consegue regressar, graças ao fio que sua esposa Ariadne (aranha) lhe dera. Porém, para o cristão, o labirinto de uma Catedral gótica assume um simbolismo mais consentâneo com a sua filosofia, o qual para ele passa a significar o caminho que une a Terra com o Céu. Assim, ao percorremos os seus labirínticos caminhos, procuramos chegar à nossa salvação eterna e, para que isso seja possível, simbolicamente temos que enfrentar a morte e a ressurreição, até chegarmos à Jerusalém celeste, ao Santo Graal.

Na verdade, ao caminharmos neste labirinto, estamos simbolicamente a caminhar nos caminhos que iremos percorrer em toda a nossa vida. Pois, mais cedo, ou mais tarde, entraremos em contato com o nosso monstro interior, isto é, entraremos em contato com as nossas imperfeições. E, quem consegue combater e vencer os seus próprios defeitos (o Minotauro) e possui o fio de Ariadne (o símbolo do conhecimento iniciático) consegue ver a verdadeira Luz e encontrar o Santo Graal.

Assim, vencido o labirinto, continuamos a caminhar ao longo da nave central, e encontrar tanto à nossa direita, como à nossa esquerda, duas ou mais filas de compridos bancos de madeira, que simbolicamente são as muitas Moradas da Casa de Deus, dado que em cada assento, haverá sempre um lugar para quem o procure.

Nessa caminhada em direção ao trono da Divindade, estamos compenetrados, pelo que não nos distraímos, nem com a estatuária esguia que nos olha por cima, nem com as histórias sagradas que se projetam no chão sagrado. Seguimos sempre em frente, pois sabemos que encontramos o Altar ao fundo dessa comprida nave, no qual se consagra o pão e o vinho, símbolo da matéria e do espírito, e que por essa razão, é o portal da pureza e da perfeição, a partir do qual não existem mais paixões, nem mais mesquinhez humana. Comungando nesse altar, sabemos que purificamos e limpamos o nosso espírito, das impurezas, das imperfeições de carácter, e das culpas que ao longo da vida vamos formando. Contudo, será somente através do nosso puro e sincero arrependimento, que purificaremos o nosso Eu Interior, e com este limpo e purificado, sabemos que somos eternos, dado que estamos imbuídos da pura Perfeição e da Pureza da Luz Sagrada.

Assim, para alcançarmos essa mística Luz branca que vem do Oriente, temos que continuar a caminhar pela comprida nave da Catedral, rodear a fonte dos transeptos, e obrigatoriamente, voltar o nosso rosto para o Oriente, para a direção onde nasce o Sol, para a direção que foi o berço das grandes tradições espirituais. Pelo que ao saímos do transepto das trevas, obrigatoriamente seguimos em direção à Luz. E, nessa direção, poucos passos adiante, sentimos logo a atmosfera que nos convida à introspecção e à reflexão.

Após termos alcançado o altar dos sacrifícios, chegamos pôr fim ao local onde se situa o Coral Gregoriano, local onde cantam os Anjos e todos os Seres Perfeitos e imaculados, que acolhem todos aqueles que abandonam a sua prisão de carne e ossos, para, finalmente, retornarem ao seu verdadeiro Lar Eterno. E, deste local onde pairam os seres perfeitos e imaculados, por fim, avistamos o Altar Mor.

Chegados ao local onde recebemos a luz que vem do Oriente, a direção que simboliza a Luz de Deus, Aquele que foi O Grande Arquiteto de todo o Universo, embora lá esteja a representação do Mestre Perfeito que nos indicou o Seu caminho, mais consentâneo com os escritos gnósticos, que nos apresentam um Jesus mais humano e menos divino do que os evangelhos ditos canónicos. Imbuídos da mais pura Fé, sabemos que no coração deste palácio da Divindade, só terão lugar os que abandonaram todas as paixões e todas as misérias humanas, caso contrário, serão obrigados a percorrer o árduo caminho em direção ao Ocidente, e sair da Paz Eterna, para a confusão do mundo profano, de aprendizagem e evolução.

Uma das sete leis de Hermes diz-nos que o que está em baixo é igual ao que está em cima, o que também é válido para as Catedrais góticas, pois se os pináculos de uma Catedral gótica furam os Céus, as suas criptas perfuram e escondem-se nas entranhas da terra. Lá, que é o paradeiro das ossadas e dos espíritos vagabundos. E, que por estar sempre envolta no eterno manto do silêncio, da humidade e da escuridão, atraem sobre elas densos mistérios, pelo que são poucos aqueles que se aventuram sem secretos medos, por aqueles escuros e húmidos labirintos. Nesses lúgubres lugares, podemos encontrar numerosas colunas, encimadas com atarracados capitéis, onde a elegância e a riqueza cedeu o lugar à solidez e à robustez. Na verdade, nesta parte intima da Catedral gótica, domina o poder das trevas, que no seu escuro manto, abraça e esconde o asilo dos mortos e a necrópole dos ilustres. E, tal como nas catacumbas romanas, que foram na antiguidade o cemitério dos cristãos, neste lugar de mistério e de medos, também existe lajes de pedra, mausoléus de mármore e sepulcros em ruínas, que nos dão a conhecer fragmentos do passado, e que nos profetizam, que neste mundo nada somos, e tal como aqueles que antes de nós viveram e, ali repousam, um dia também ao pó regressaremos. E, porque esta mensagem é uma verdade intemporal, qualquer mortal receia entrar neste mundo de trevas e de fantasmas. E tanto mais que a panóplia de horrendas figuras que decoram as fachadas da Catedral gótica, parecem anunciar, que naqueles escuros labirintos existem cavernas onde vivem os ciclopes, ou quiçá, ainda pior, podem dar acesso ao portal do inferno.

Na verdade, cada parede, cada coluna destes livros de pedra esculpida, contam ao visitante uma surpreendente odisseia humana, ao mesmo tempo que nos ensina qual é o Caminho Reto, que nos permite não nos desviarmos, nem para os bancos da esquerda, nem para os bancos da direita, a fim de podermos atingir a plenitude do Altar Mor, e de lá, jamais retornar, a menos que seja para auxiliar um nosso irmão, que ainda não tenha conseguido encontrar o seu caminho, e que por isso, vagueia perdido entre os bancos das naves laterais. Assim, ao prestarmos esse auxilio, passaremos a conhecer um dos significados dos dois cavaleiros sobre um único Cavalo. Que é sem dúvida, o voluntário que foi amparar o seu Irmão Menor de Armas, que se achava perdido entre as ilusões do mundo, e a hipnose provocada pela luxúria, cumprindo desse modo o seu juramento sagrado.

A CATEDRAL INTERIOR

Se interrogarmos o mais comum dos mortais, para que nos explique o que é uma Catedral gótica? De certo, que ele nos dará como resposta, que uma Catedral é o Palácio de Deus. Mas, se a intensidade da fé desse mortal for imprecisa e pouco segura, então, ele dar-nos-á como provável resposta: que uma Catedral é um lugar destinado à meditação e à oração. Porém, se interrogarmos um herdeiro das herméticas tradições Templárias, provavelmente, responder-nos-á qualquer coisa como: uma Catedral, tanto poderá ser o nosso “Caminho na Terra”, como poderá ser o nosso “Templo Interior”. Pois, tal como aqueles belos livros de pedra rendilhada com os seus pináculos a furar os Céus, escondem e expõem conhecimentos, pois tal como aqueles colossos, o nosso “Templo Interior” também expõe as nossas virtudes, e esconde os nossos erros; mostra as nossas esperanças, e ofusca as nossas decepções.

Assim, o Iniciado consciente da sua Fé, constrói na Terra a sua Catedral Interior para que a sua vida nesta seja correspondente àquela que espera vir a ter nos Céus, e deste modo, o Iniciado parte simbolicamente de Postulante a Escudeiro, e ao concluir a edificação da sua Catedral Interior, chega finalmente ao grau de Cavaleiro. Aliás, no contexto medieval, a Catedral gótica também tinha a imagem de ser o Céu na Terra, dado que oferecia ao crente uma forte impressão do sagrado e do Divino, tanto pelo seu forte simbolismo, que se agarra às paredes, que se esconde nos nichos e que se suspende das abóbadas, como pela majestade e solenidade das imagens dos apóstolos e de Deus a olharem-no de cima para baixo, como que a analisarem o seu verdadeiro íntimo. E, tal como a Catedral de pedra, é erguida de harmonia com o Verbo e, não por consequência de um qualquer racionalismo, também nós erguemos a nossa Catedral interior na mais pura base de uma forte formação moral; nas ações que praticamos no dia a dia; e pela beleza dos nossos pensamentos, os quais poderão conduzir-nos para além do finito, do tempo e do espaço que conhecemos como mortais.

Por outro lado, se a Catedral de Pedra representa nitidamente os dois mundos da vida na Terra: o mundo exterior, onde a história da imortalidade é vivenciada na estatuária e nas histórias que são contadas através dos coloridos vitrais, e a do mundo interior, o qual é representado pelo espaço, pela grandiosidade, pelo silêncio, pela paz, e pela pura luz que vem do alto. Na verdade, o sagrado de uma Catedral Interior, está no nosso pensamento, que nos conduz à imaginação de um Universo transcendente, berço de infinitas vidas. Pelo que tal como a Divindade habita na Catedral de pedra, podemos considerar também, que o nosso “Eu” habita na nossa Catedral Interior, em perfeito silêncio e em harmonia com Esta. Por isso podemos também considerar que o mundo exterior a este Templo Interno, é um mundo profano, confuso e cheio de ruído, que nos impossibilita concretizar a nossa verdadeira missão espiritual, neste minúsculo ponto azul.

Os Cavaleiros Templários, que para além de outros feitos, se notabilizaram na construção das Catedrais góticas, essencialmente, por terem o conhecimento secreto de que construir significava muito mais do que edificar uma estrutura de pedra, uma vez que tanto para eles, como para aquele que é o verdadeiro crente, construir significa ter a capacidade de gerar espaços e lugares que propiciam a união da Terra ao Céu, o que faz com que através da construção, o Homem se ligue ao Divino e ao Sagrado, formando deste modo a unidade. Pelo que através deste conhecimento secreto os Cavaleiros Templários tinham a interiorização e o conhecimento necessário para compreender os valores harmónicos que emanam de uma Catedral gótica.

Todavia, não é necessário sermos Iniciados nos mistérios dos Cavaleiros do Templo, para sentirmos o sagrado de uma Catedral Gótica, uma vez que este está expresso tanto nas suas dimensões e volumetria, como está expresso nas imagens que ostenta e na qualidade da luz que é filtrada e projetada para o seu interior. Agora, que já conhecemos a nossa Catedral Interior, entremos na nossa câmara de reflexão, pelo holograma da porta da Deusa, à semelhança e imagem da porta que nos permitiu entrar nesta nave planetária, para que o nosso recolhimento espiritual seja meditativo e primordial, tal como o faríamos no interior de uma Catedral de pedra. Pois, tal como naquela, quando entramos na nossa Catedral Interior, para além de suspendemos a confusão dos nossos pensamentos, suspendemos também o turbilhão dos nossos apegos e dos nossos anseios, e neste estado de pureza e de leveza absoluta, preparamo-nos para aumentar a pequena Luz que habita no nosso “Eu”, uma vez que é quando com sinceridade nos entregamos à meditação e à reflexão, que aquela pequena e tímida Luz que habita no nosso peito, aumenta de intensidade. Essa tímida Luz que conhece os nossos mais íntimos segredos, não tem comparação com outro qualquer fenómeno, uma vez que apesar de pequena, agiganta-se no nosso coração, toma-o por completo e, propaga-se ao nosso pensamento e a todo o ambiente que nos rodeia e nos envolve, fundindo-se instantaneamente com a Luz que ilumina este minúsculo ponto galáctico.

Agora que conheces a existência de uma Catedral Interior em cada um de nós, quando visitares o teu Templo sagrado, lembra-te deste artigo, pois entraste no palácio de Deus, e por conseguinte, aproveita esse momento para purificar o teu pensamento, por forma a que o teu espírito esteja sempre pronto para integrar essa Luz Eterna, que em cada dia nos ilumina com a sua Sabedoria, com a sua Beleza e que nos dá a sua Força, para continuarmos a nossa viagem galáctica que um dia iniciámos, e que nunca chegaremos a ver o seu término.

O ESOTERISMO DE UMA CATEDRAL GÓTICA

Numa Catedral gótica, encontramos bizarras figuras que se agarram aos pináculos, colam-se aos arcobotantes, prendem-se aos muitos frisos de pedra talhada, suspendem-se nas abóbadas, e até se escondem nos mais recônditos nichos e nos mais sombrios recantos, que pela sua profusão e simbolismo, parecem contradizer o fim para que aquelas joias da arquitetura foram edificadas, dado que fazem parte integrante da decoração de uma Catedral gótica, uma panóplia de figuras que bem poderiam ser consideradas sacrílegas, ou no mínimo heréticas, que vão desde as horrendas gárgulas, até aos ameaçadores dragões alados e aos vampiros de aspecto assustador, passando pelos misteriosos ciclopes, até às figuras que entroncam e dão vida aos contos e às lendas da mitologia celta, como sejam as figuras do homem verde e do seu deus “Pan”, que por ter sido apresentado aos cristãos, libidinoso e o principal figurante em ritos considerados por estes de deboche e de libertinagem, durante muito tempo, foi confundido com o próprio demônio cristão.

Todavia, apesar desta figura metade homem e metade bode, semelhante a muitas representações do “Bafomé” dos Templários, causar ao homem medieval calafrios e medos justificados, para nossa grande surpresa, não deixou de ornamentar com grande destaque, os frisos dos pórticos da maioria das Catedrais góticas. Pelo que esta figura de aspecto horripilante, tal como o símbolo Templário de que muito se assemelha, parece ter sido ali colocado, para transmitir ao Iniciado, que transpõe o pórtico da Catedral gótica, de que está a entrar num espaço sagrado, que o transcenderá à essência Divina e, que uma vez catapultado para essa dimensão cósmica, se confundirá com o próprio Deus, uma vez que neste espaço sagrado lhe é transmutado o verdadeiro sentido da humanização.

Para além desta criativa e surpreendente estatuária de aspecto horripilante e sacrílego, convivem lado a lado com estes monstros de pedra esculpida, uma fauna não menos bizarra e peculiar, uma vez que apesar de ser considerada pela cristandade medieval, maldita e pagã, não deixaram de ornamentar estes colossos símbolos da fé cristã. É o caso do grifo, que é uma figura mitológica meio leão, meio águia, e que a antiga Igreja Cristã considerava ser o invólucro do demónio; ou até mesmo o cavalo, que por esta Igreja foi durante muito tempo considerado ser a montada das forças das trevas; e muitos outros animais considerados por esta malditos e impuros, fazem parte integrante da decoração das Catedrais góticas, como é o caso do bode, que para aquela Igreja era o símbolo da luxúria; a loba, que esta considerava ser o símbolo da avareza; o tigre, que considerava ser o símbolo da arrogância; o escorpião, considerado ser o símbolo da traição; o leão, considerado ser o símbolo da violência; o corvo, considerado ser o símbolo da malícia; a raposa, considerada ser o símbolo da heresia; a aranha, considerada ser o símbolo do diabo; o sapo, considerado ser o símbolo do pecado, e muitos outros animais com conotações sacrílegas ou perniciosas para esta.

Para além desta intrigante e peculiar fauna, fazem parte da decoração de algumas Catedrais góticas os símbolos alquímicos, andróginos, hermafroditas e também os símbolos que representam a eterna busca da juventude pelo homem, os quais, pelo menos em duas Catedrais, estão bem explícitos e muito visíveis. Um na Catedral de Chartres, numa gravura, onde está representada a rainha de Sabá exibindo uma barba, e outro na Catedral de Nantes, onde também numa gravura, está representada uma figura de um homem que aparente estar na flor dos anos, a olhar para um espelho, cuja parte posterior da cabeça é a de um homem que já viu e suportou bastantes invernias.

Na verdade, os símbolos alquímicos, que foram muito do agrado dos antigos maçons operativos, em todos os tempos têm sido considerados a fonte inesgotável de conhecimentos que prolongam a vida, e o cerne da longevidade, se não mesmo o segredo da verdadeira imortalidade física. E, por terem sido incluídos na decoração das Catedrais góticas, muitas delas financiadas pelos Cavaleiros Templários, descortinam-nos a pretensão que estes Cavaleiros tinham em quererem alcançar o último poder, o poder da imortalidade.

Um outro elemento patente na decoração de uma Catedral gótica, não menos surpreendente e intrigante, e que por sinal, também foi muito do agrado e apreço dos Cavaleiros do Templo são as misteriosas e enigmáticas Rosáceas, as quais são a primeira representação luminosa da transfiguração, a “roda” para os alquimistas, por representar o tempo necessário para o fogo transmutar a matéria e, o livro pintado para o ensino do sagrado através da arte vitral.


Na verdade, para além de outras possíveis caracterizações, o gótico distingue-se pelo intenso trabalho dos antigos maçons operativos, que com o malho e o cinzel, souberam manifestar fisicamente através destes colossos o seu génio e o seu próprio trabalho interior, dado que estes monumentos refletem a sua obra interna e externa. Pelo que podemos considerar que estes monumentos da cristandade substituíram o pergaminho, uma vez que a ornamentação esculpida, veio a ajudar a divulgar mensagens proibidas na impressão. Provavelmente, uma das principais razões porque foram as grandes Catedrais em pedra decoradas com a diversa, bizarra e sacrílega decoração, a qual ainda hoje, transmite aos crentes uma mensagem exotérica, e aos iniciados, uma mensagem esotérica. Porém, o conhecimento que estes templos emanam a quem os visita, nada poderá ser considerado mais laico, e pela profusão das imagens moldadas pela luz baça que vem do alto, nada poderá ser considerado mais humano.


O VENTRE DA DEUSA

Poucos são os visitantes duma Catedral gótica, que com um olhar crítico e observador, olharam para os portais góticos desses majestosos monumentos da cristandade. Contudo, pelas velhas portas de carvalho já carcomidas pelo tempo, incontáveis gerações de cristãos atravessaram-nas, certamente, imbuídos da mais pura fé. Provavelmente, muitos deles até pararam para apreciar com algum deleite os seus belos frisos de pedra talhada. Todavia, poucos foram aqueles, que conseguiram descodificar o segredo da sua forma ogival. Que sendo arcos de edificações Templárias, na certa, contêm uma mensagem mística e oculta que se destina aos seus Iniciados.

A história diz-nos que os Templários foram grandes devotos do feminino. A literatura de ficção fala-nos de ritos carnais e obscenos entre os dois sexos. Contudo, tanto a história como a literatura dizem-nos que a devoção que os Templários nutriam pela mãe de Jesus Cristo, Maria, era muito profunda, o que não nos surpreende, uma vez que encontramos nesta devoção, muitas semelhanças com a devoção prestada a Maria pela Ordem de Cister, sobretudo, pela figura do abade S. Bernardo, que foi o grande inspirador da Ordem do Templo, e também o grande divulgador do culto Mariano. Assim, através desta conotação podemos deduzir, que a Ordem do Templo nutria também uma grande simpatia pelo culto Mariano e, por sua vez, ao culto da Grande Deusa. Sendo esta a razão, porque aqueles grandes Senhores de manto branco representaram nos pórticos das Catedrais góticas, a parte mais intima da Deusa, a sua vulva.

Na verdade, o culto da Virgem é um dos arquétipos mais fortes de toda a história da humanidade. Desde os mais remotos tempos, que existe uma relação prototípica entre a Virgem e a Lua. Essa Virgem-Lua, que no contexto teológico cristão, dá pelo nome de Maria, e no contexto gnóstico, dá pelo nome de Maria Madalena. Mas, que tanto num contexto, como no outro, é aquela que reflete e difunde na Terra a luz mística do Cristo-Sol.

Por outro lado, as “Deusas” e as “Virgens” mediante um processo de sincretismo, todas elas descendem da Grande Mãe. E, as inscrições contendo explicitamente o nome de Isis, numa estátua da “Virgem”, que fora descoberta na Catedral de São Estevam, em Metz, eliminam qualquer dúvida sobre a correspondência entre Maria e a Grande Mãe. Aliás, a própria Catedral de Chartres, uma das Catedrais góticas mais conhecidas no mundo cristão, tal como muitas outras Catedrais cristãs dedicadas à Virgem Maria, ou à outra Maria, foram erigidas num local de peregrinação consagrado à Grande Deusa, antes do cristianismo. Pelo que em Chartres, continua a ser homenageada a Virgem e Mãe, só que, em vez de se chamar Ísis, Ceres, Tara, Deméter ou Ártemis, tem o nome de Maria, ou seja, a Grande Deusa assume uma miríade de nomes. E, para reforçar esta metamorfose, Maria tal como as anteriores grandes Deusas, manifesta também uma ligação arquetípica com a água, o precioso líquido da vida e do baptismo. Aliás, todos os cultos relacionados com a Grande Mãe, invariavelmente, estão relacionados com os poderes regeneradores da água. Para além destes arquétipos e lendas atribuídas às “Deusas”, estas ainda estão associados ao arquétipo feminino da fecundação, o qual desde os tempos pré-históricos está muito associado à fecundidade da terra. Daí as “Virgens” ou as “Deusas” serem geralmente representadas com uma criança ao colo e, muitas delas apresentarem a cor da terra.

Em termos Alquímicos, as “Virgens Negras” simbolizam a matéria no seu estado primordial, uma vez que nessa velha ciência, a cor preta é considerada a primeira fase da Grande Obra, por corresponder ao estado de fermentação, de putrefacção e de ocultamento. Enquanto que a cor branca, pelo contrário, corresponde à iluminação e à elevação espiritual. Pelo que as estátuas da Virgem Maria eram tidas pelos Templários como simples objeto de devoção, enquanto que para estes Iniciados, as imagens de Maria Madalena representavam o princípio cósmico da criação e da regeneração da vida.

Todavia, o culto prestado à Grande Deusa em muitas Catedrais góticas, não se deve essencialmente à influência Templária, como foi o caso da Catedral de Chartes, acima mencionado, deve-se também ao facto de nas localidades onde foram construídas as Catedrais já se praticar há muito o culto à Grande Deusa, ou em outros casos por terem sido edificadas sobre antigos lugares de culto a deusas pagãs. Uma atitude que fora corroborada pelo próprio Papa Gregório, que exortou o clero de então a permitir que os aldeões das províncias pagãs recentemente convertidas, pudessem continuar a celebrar as suas antigas festas e erguer imagens em antigos locais de peregrinação onde foram erguidas igrejas cristãs. Aliás, esta foi uma prática constante da Igreja para a cooptação dos povos recém convertidos à fé cristã.

Na verdade, a Catedral gótica, que secretamente se tornou a casa da Grande Deusa, foi edificada de forma a se assemelhar ao ventre desta, por forma a atrair e prender o crente no seu interior, como a chama bruxuleante atrai e hipnotiza o incesto noctívago, pois a luz espectral e policroma dos altos vitrais que irradia para o seu interior, convida-o ao silencio e à oração, predispondo-o à meditação. Portanto, o ventre da Grande Deusa, é o refúgio hospitaleiro de todos os infortúnios. É o asilo inviolável dos perseguidos, e o sepulcro dos nobres e ilustres. É o centro da atividade pública e a apoteose do pensamento do conhecimento e da arte. É a cidade dentro da própria cidade. O seu aspecto abobadado de ventre fecundo, tal como as grutas e as cavernas, simboliza a vida que se dá ao crente em forma de renascimento espiritual. E, com base nesta simbologia, justifica-se qual foi a razão porque os portais das Catedrais góticas foram construídos de forma afunilada, e porque ostentam uma rosácea por cima destes, à semelhança de um clitóris, o único órgão do corpo humano concebido somente para dar prazer, o que torna a rosácea num ornamento pouco católico.

Na verdade, o feminino está sempre latente nestas grandiosas construções sagradas. A grande Rosácea, que espelha e projeta o pôr-do-sol para o interior do Templo, para além de lhe conferir uma luminosidade rubra, que é a cor da perfeição, está sempre rasgada nas fachadas das Catedrais a Ocidente, a direção tradicionalmente consagrada às divindades femininas. Mas, se dúvidas houvesse ainda quanto ao arquetípico feminino que está associado às Rosáceas, depressa se desvaneceria, uma vez que compõe a grande rosácea aquilo a que se chama de “teia de aranha”, que é uma referência inequívoca à Grande Deusa, na sua plena manifestação de fiandeira e de senhora do destino do homem, o que a transforma em mais um estranho símbolo para um Templo cristão. E, tanto mais quando os mistérios do feminino assentam exclusivamente num conceito carnal, místico e religioso, onde a sua energia e poder provém da sexualidade e a sabedoria do conhecimento da rosa. Rosa que foi também usada pelos trovadores e pelos alquimistas, como anagrama de Eros, ou do amor sexual. Aliás, existe uma lenda atribuída aos Templários que nos diz que “quem ousar erguer o véu de Isis e interpretar com sabedoria e inteligência os seus segredos e mistérios, obterá o baptismo da Sabedoria e será superior em Glória, Poder e Força”. Aliás, os iniciados nos mistérios de Isis reconhecem nesta lenda, a fórmula esotérica muito usada pelos alquimistas espirituais: “A primeira matéria recolhe-se no sexo de Isis”.

Assim, pela magia da vulva, o visitante é atraído ao interior da Catedral gótica, com o respeito que é devido à Grande Deusa. Num profundo silêncio e com disposição à interiorização, de conformidade com o espaço que pisa. Junto a uma pia de água benta, quase sempre representada por uma gigantesca concha octogonal, símbolo da natividade da Deusa, com as pontas dos dedos embebidas nesse precioso líquido da vida, dá início ao ritual da água, e com este se purifica, para poder receber a Luz sagrada.


Oliveira Pereira

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