sábado, 16 de dezembro de 2017


ROSACRUCIANISMO



Dos símbolos iniciáticos que mais excitam a imaginação, o da Rosa-Cruz é, sem dúvida, o mais surpreendente. Seja pela expressão de uma imagem da natureza (uma rosa) unida ao geométrico quaternário (uma cruz); seja pelas interpretações de “espírito” (rosa) unido à “matéria” (cruz), ou da analogia com o esquadro e o compasso, fato é que da comunicação latente nessas imagens surgiram variados entendimentos sobre os rosa-cruzes.

Um deles, ainda presente em nossos dias, é a confusão entre Rosa-Cruz Maçônica e outras Ordens iniciáticas que ostentam os mesmos nome e símbolo. Esse equívoco, bastante comum e próprio do proselitismo, resulta da incompreensão do Grau Rosa-Cruz contido nas preleções superiores da Maçonaria.

O Grau de “Cavaleiro Rosa-cruz”, correspondente ao 18º do Rito Escocês Antigo e Aceito (também existente noutros Ritos), difere das práticas contemplativas e da devoção relacionada ao conceito de divindade – elementos fundamentais do Rosacrucianismo de outras Ordens – não inclui, portanto, a filosofia ou os ensinamentos privativos de outras Ordens.

Além disso, os maçons inseriram na alegoria do Grau a figura do pelicano que alimenta sua ninhada com o sangue do próprio peito dilacerado pelo bico, emocionante alusão ao homem que se sacrifica pelo bem dos seus irmãos.

O Rosacrucianismo na Maçonaria é marcado pelas narrativas bíblicas que remontam ao período de 539 a.C. até 515 a.C., ultrapassa o Antigo Testamento para além da tradição cristã e suas conotações históricas. O Capítulo Rosa-Cruz tem como pano de fundo o pensamento hebraico e a sabedoria cavaleiresca (isto é, o imaginário e as narrativas de cavalaria do século XIII) formadores da identidade histórica e religiosa das nações do Ocidente.

As demais organizações do Rosacrucianismo seguem, na maioria dos casos, uma provável tradição dos antigos egípcios, o misticismo, elementos da gnose de Alexandria e o simbolismo alquímico interpretado à luz da transmutação mental. A transformação da humanidade para melhor é igualmente a meta comum de todos os agrupamentos associados ao Rosacrucianismo: um mundo novo onde homens e mulheres possam viver em liberdade, mais conscientes, mais responsáveis e, por conseguinte, mais felizes e poderosos.

OS INVISÍVEIS DO SÉCULO DEZESSETE 

O movimento Rosa-Cruz desencadeado nas duas primeiras décadas do século XVII foi concebido por pessoas (ou pessoa) de pensamento iluminado, intelectuais de genial entendimento sobre questões sociais, políticas, científicas e religiosas da época.

Três publicações sucessivas, na forma de manifestos, apareceram na cidade alemã de Kassel, a partir de 1614: “Fama Fraternitatis Roseae Crucis oder Die Bruderschaft des Ordens der Rosencreutz” (Notícia da Fraternidade da Rosa e da Cruz ou Irmandade da Ordem dos RosaCruzes) seguida da “Confessio Fraternitatis oder Bekenntnis der Societät und Bruderschaft Rosencreutz ” (Confissão da Sociedade e da Fraternidade Rosa Cruz) em 1615 e da “Chymische Hochzeit Christiani Rosencreutz anno MCDLIX” (Casamento Químico de Christian Rosencreutz ano MCDLIX) em 1616.

Na Alemanha, a suspeita de autoria caiu sobre Johann Valentin Andreae (1586-1654) jovem de uma família de Würtemberg envolvida com a reforma luterana. Outros pesquisadores atribuem a autoria a Francis Bacon. Esta hipótese parece ser a mais plausível embora também não possa ser comprovada.

Mas foi na França que o movimento Rosa-Cruz teve maior impacto. Numa manhã do outono de 1623, Paris acordou surpreendida por cartazes que anunciavam a chegada de uma enigmática irmandade. A tribuna escolhida não poderia ser melhor: a Pont Neuf, construída sobre o local onde, trezentos anos antes, Jacques de Molay, último Grão-Mestre dos Templários, fora queimado numa fogueira. Aponte era o lugar preferido dos artistas de rua e populares. Não houve quem não tomasse conhecimento do anúncio:

“Nós, deputados do Colégio Principal dos Irmãos da Rosa-Cruz, estamos, visíveis e invisíveis, sediados nesta cidade pela graça do Altíssimo, para o qual se voltam os corações dos justos. Ensinamos e demonstramos sem a necessidade de livros, falamos toda espécie de linguagem do país onde estamos, com o objetivo de tirar os homens, nossos semelhantes, de erro e da morte”.

E os “invisíveis” convidavam os interessados a juntarem-se à fraternidade, com a ressalva:

“(…) os que nos procurarem por mera curiosidade, jamais nos encontrarão… mas, se seu desejo for autêntico, nós os encontraremos e nos faremos reconhecer”.

Os analfabetos se contentaram com as especulações truncadas de alguns aventureiros: “deputados de uma corporação… homens invisíveis… falar em línguas… vencer a morte…” Ofertas tentadoras! Quem não desejava tornar-se invisível e bisbilhotar todos os recantos da cidade, entender todas as línguas e se tornar imortal?

Enquanto isso, os responsáveis pelos cartazes permaneciam ocultos numa espessa nuvem de mistério. Quando muito, os textos velavam com as iniciais C.R+C. o nome emblemático de Christian Rosencreutz, mítico fundador da Ordem.

O rei e a Inquisição ficaram imobilizados diante dessa figura, pois Christian Rosencreutzera um nome cristão; havia uma rosa e a salvífica imponência da cruz. A quem pegar? – “onde estaria o Diabo?”

As instruções de Gabriel Naudé à França (1623), a pedido do Rei Louis XIII, apontaram vestígios do protestantismo no movimento dos invisíveis. Havia entre os luteranos um grupo independente que adotava certo grau de misticismo – os pietistas. Essa corrente buscava a salvação tanto na Bíblia quanto nos textos de Jacob Boehme e Sebastian Franck. Quanto ao secreto símbolo – uma cruz e uma rosa concêntricas – Martin Lutero já havia sugerido, como distintivo da Reforma, uma rosa de cinco pétalas com uma cruz no centro.
AS VIAGENS

Os manifestos Rosa-Cruzes estão repletos de enigmas e obscuro simbolismo cuja interpretação demanda o estudo das condições históricas da época e de “chaves” só conhecidas pelos leitores aos quais os textos se destinavam.

Através de uma análise elementar, identificamos as seguintes “chaves”:
A lenda egípcia da peregrinação de Ísis e a ressurreição de Osíris;
Estágios da Arte Real relativos à morte, reencontro e ressurreição de um mestre;
O arquétipo da viagem representado nas “circumambulações iniciáticas”;
O arquétipo do casamento sagrado ou hierosgamos;
Princípios da restauração do cristianismo original inspirado na Reforma Protestante;
O encontro do Ocidente com o conhecimento Islâmico;
Reminiscências da Ordem do Templo e do assassinato de seu último Grão-Mestre, Jacques de Molay.

Essas viagens fundamentavam a esperada reorganização da Ordem (os Cavaleiros de Cristo e outras ordens militares da Idade Média) após o desaparecimento dos Cavaleiros Templários em 1314.

Os Manifestos fazem referência ao ano de 1604, quando o Imperator descobriu o túmulo de C.R+C. numa edificação de sete lados, constantemente iluminada por lâmpadas inextinguíveis. Na parede que obstruía a entrada estava escrito: “post 120 annos patebo” (após 120 anos serei encontrado). No centro da construção havia um altar com a inscrição: “A C.R+C. hoc universi compendium unius mih sepulcrum feci” (a Christian Rosencreutz, compêndio único do universo, fiz este túmulo). Em volta de um primeiro círculo, lia-se “Jesus mihi omnia” (Jesus é tudo para mim); no círculo do meio, quatro figuras com as inscrições: “Nequaquam Vaccum” (em parte alguma o vácuo); “Legis Jugum” (o jugo da lei); “Libertas Evangelii” (a liberdade do Evangelho); “Dei Gloria Intacta” (a Glória de Deus é inatacável), todas elas expressões cristãs, tanto Templárias quanto da predileção reformista.

René Descartes, na primeira parte do Discurso do Método, conta a revelação que teve, em novembro de 1619, sobre os alicerces de uma nova ciência. Após servir à instrução militar na Holanda, Descartes viajou pela Dinamarca e Alemanha, e voltou à França em 1622, onde a leitura dos manifestos Rosa-Cruzes e a popularidade dos cartazes espalhados por Paris, levaram-no a se interessar pelo assunto. Colocou de lado a mixórdia ocultista que rondava a questão e prosseguiu em suas investigações guiadas pela razão.

Descartes procurou os Rosa-Cruzes por todos os lugares, mas suas buscas, segundo ele mesmo disse, foram infrutíferas. Contudo, a “moral provisória” que ele adotou no Discurso do Método – um conjunto de quatro intrigantes regras – pode ser considerada uma justificativa (ou escapatória) do seu silêncio e das tais “buscas infrutíferas”:
Regra nº1 – uma ampliação da consciência sobre a ordem do mundo;
Regra nº2 – uma reflexão moral que visa a adaptação a essa ordem;
Regra nº3 – o respeito às autoridades constituídas, seja pelo critério da maioria, seja pela tradição;
Regra nº4 – o caráter instrumental dessas investigações, tendo como objetivo o estudo constante e o bem viver.

Pode parecer muito simples e… ao mesmo tempo astuto; uma reflexão atenta sobre esses quatro pilares da “moral provisória” de Descartes revelam o puro Rosacrucianismo conforme o que permanece ministrado no vasto universo daquela primitiva sociedade invisível.
CONCLUSÃO

Sobre o Rosacrucianismo, a única “conspiração” que existe – e há de perdurar – é a viagem constante em busca do conhecimento, a jornada do espírito de fraternidade, a defesa da liberdade individual e da dignidade humana. E a esperança daqueles que se empenham no estudo da natureza humana e da realidade que os cerca, até que seja alcançada a Mansão dos Invisíveis, a união dos opostos cantada no Antigo Testamento através dos versos do Rei Salomão:

“Eu sou a rosa de Sarom, o lírio dos vales”… “Jardim fechado és tu, minha irmã, esposa minha, manancial fechado, fonte selada.” (Cântico dos Cânticos 2:1 e 4:12).

Autor:José Maurício Guimarães

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