quinta-feira, 26 de outubro de 2017


PITÁGORAS E OS CAMINHOS DA ALMA
CAPÍTULO III

Extraído do Blog "O ponto fora do Círculo"


A ALMA UNIVERSAL: KOSMOS E HARMONIA

Aos pitagóricos do século quinto a.C. creditou-se um conjunto de ideias cosmogônicas que envolviam, em primeiro lugar, a geração dos números; em seguida, e a partir daqueles, a das figuras geométricas; por fim, a dos corpos físicos, partindo das figuras geométricas. Os princípios de todas as coisas existentes, antes da geração dos números, foram nomeados, por Filolau, de “Limitante” e “Ilimitado”, péras-ápeiron[47]. Seu tratado Da Natureza começava assim:

A natureza do kósmos foi harmonizada a partir de elementos ilimitados e limitantes; assim o kósmos no seu todo, como tudo o que nele existe[48]. (Filolau, fr. 1, Diógenes Laércio VIII, 85, 44 B1 D.K.)

O Limitante e o Ilimitado foram definidos como os dois princípios contrários por intermédio dos quais o mundo se desenvolve[49]. De um acordo entre tais princípios, decorre toda a ordem universal, fundamentando-se, pois, a constituição das coisas que existem na concórdia dos dois elementos primordiais. Assim atestou Proclo, séculos mais tarde:

As coisas imperfeitas são submetidas às divinas e o kósmos resulta de um acordo dos contrários, constituído de coisas limitantes e ilimitadas, segundo Filolau. (Proclo, Timeu I 176)

Tal concordância é demonstrada em outro reconhecido fragmento de Filolau[50], evidenciando, assim, a tese matemático-ontológica essencial em todas as formas do Pitagorismo:

Forçoso é que as coisas que existem sejam, todas elas, ou limitantes ou ilimitadas ou, simultaneamente, limitantes e ilimitadas. Mas não podem ser apenas ilimitadas. Portanto, uma vez que elas não consistem nem somente de coisas limitantes nem somente de ilimitadas, é evidente, por conseguinte, que tanto o universo como aquilo que nele existe foram harmonizados a partir simultaneamente dos limitantes e dos ilimitados. É isto o que demonstram, também, as coisas tal como efetivamente existem: as coisas provenientes dos limitantes, limitam; outras, procedentes tanto dos limitantes como dos ilimitados, são, em parte limitantes, em parte ilimitadas; e aquelas provenientes dos ilimitados, são, evidentemente, ilimitadas[51]. (Filolau, fr. 2, Estobeu, Anth. I, 44 B2 D.K.)

O fator limitante e o ilimitado, enquanto princípios, não se encontram isolados em si mesmos como entidades estancadas em uma substância abstrata, mas estão dispersos ou organizados nas coisas individuais. Por questões lógicas, ao ilimitado deve se contrapor um agente “limitante” ou “estabelecedor de limite”, em todos os níveis de realidade. O limitante, como reflete Burkert, exerce, nesse sentido, um poder ativo. O autor sugere, ainda, que uma forma mais inteligível de entender tais conceituações seria comparar o “limitante” a um princípio formativo e o “ilimitado” a um princípio material[52]. Um bom paradigma para tal funcionamento pode ser entrevisto no exemplo da música, graças à sua estrutura numérica e proporcional encontrada nas notas “concordantes” da escala. Todo o campo do som, variando indefinidamente em direções opostas – alto e baixo – representa o ilimitado. O limite é imposto nesse continuum quando este é dividido de acordo com o respectivo sistema de razões proporcionais. Como explica Guthrie, “a variedade infinita da qualidade do som é reduzida à ordem pela exata e simples lei da razão na quantidade”. O elemento ilimitado ainda se mantém nos espaços entre as notas; no entanto, o ilimitado não é mais um continuum desordenado: “ele é confinado dentro de uma ordem, um cosmos, pela imposição do Limite ou Medida”[53].

Prosseguindo com a explanação da geração universal pitagórica, tem-se a consubstanciação do “Princípio Primeiro”, o “Uno”:

O primeiro composto harmônico, o Uno, no centro da esfera, chama-se Hestía[54]. (Filolau, fr. 7, Estobeu, Anth. I, 44 B7 D.K.)

A formação do Uno e sua relação com o Ilimitado é, também, testificada por Aristóteles:

Os Pitagóricos[…], claramente, afirmam que, quando o Uno se consolidou, quer a partir de planos, quer da superfície ou de um gérmen ou de elementos que eles não são capazes de exprimir, logo a parte mais próxima do ilimitado começou a ser atraída e limitada pelo limite. (Aristóteles, Metafísica, N3 1091 a12, g.n.)

Em obra perdida, relatada por Estobeu, Aristóteles ainda afirma a introdução de outros elementos à geração universal, caso do “tempo” e do “vazio”:

No primeiro livro da sua obra Sobre a filosofia de Pitágoras, escreve ele [Aristóteles] que o universo é uno e que do ilimitado nele são introduzidos o tempo, o sopro e o vazio, que distingue sempre os lugares de cada uma das coisas. (Estobeu, Anth. I, 18, 1c, 58 B30 D.K.)

O conceito de vazio é de cardeal relevância para o entendimento do todo pitagórico, pois é ele que propicia o movimento e, a partir daí, o devir. O próprio Aristóteles, retornando ao tema em seu livro Física[55], explica que, segundo os pitagóricos, o vazio não apenas existe como também penetra no céu a partir do sopro ilimitado, ou seja, este inspira também o vazio. É o vazio que distingue a natureza das coisas, por ser ele quem separa e define os termos sucessivos de uma série. Isto acontece, em primeiro lugar, com os números, por ser o vazio a distinguir a sua natureza[56].

Na hierarquia da geração universal, o número é princípio de todas as coisas, tanto como matéria quanto como formador de suas modificações e de seus estados permanentes. Aristóteles atribui-lhes grandeza própria:

Os pitagóricos[57] afirmam que só existe o número (arithmós). Eles constituem todo o universo com os números: e estes não são puras unidades, mas unidades dotadas de grandeza. (Aristóteles, Metafísica, M6 1080 b16, trad. Reale)

Evidencia-se uma relação entre os números e os princípios cosmológicos. Vejamos mais de perto. Do precedente fragmento 2 de Filolau, depreende-se que existem limitantes e ilimitados e compostos de ambos. Tal dimensão cosmológica encontra eco na doutrina dos números, na medida em que os limitantes são os números ímpares e os ilimitados são os pares; seus produtos, “as coisas que provém do limitante”, formam as espécies do número. Como esclarece Timpanaro Cardini, “a antítese limitante-ilimitado é a equivalente espacial daquela que, em sede aritmética, corresponde ao ímpar-par”. Da mesma forma que operam o limitante e o ilimitado no nível cosmológico, os dois seres matemáticos opostos – o ímpar e o par – revestem aspectos múltiplos na natureza[58]. Essa hipótese se apoia em fragmentos de Filolau e Aristóteles:

De fato, o número tem duas espécies que lhe são peculiares, a ímpar (perissón) e a par (ártion), e uma terceira, derivada da combinação destas duas, a par-ímpar. Cada uma das duas espécies tem muitas formas, que cada coisa exprime por si mesma. (Filolau, fr. 5, Estobeu, Anth. I, 44 B5 D.K.)

Os pitagóricos dizem que o ilimitado é o par. É que este, dizem eles, quando está envolvido e limitado pelo ímpar, fornece o elemento ilimitado das coisas existentes. Uma prova deste fato é o que acontece com os números. Se se colocarem os gnômones em redor do um, a figura resultante é sempre a mesma; sem o um, varia constantemente. (Aristóteles, Física, T4, 203 a10, J.Barnes)

O limitante não só é relacionado ao número ímpar como, em termos cosmológicos, corresponde ao Uno; no mesmo âmbito, a correspondência ao ilimitado é a “Díade Indefinida”[59]. A Díade, como princípio de dualidade, é responsável pelo desenvolvimento da pluralidade universal, partindo dos números. Por outro lado, a unidade e o caráter único de cada número específico derivam do Um, fonte do limite e da definição. Como observa Estobeu, o ímpar é também princípio da totalidade, visto que contém “começo, fim e meio”[60]. Decorre daí uma importante elaboração cósmica onde a unidade é o princípio de permanência ou de identidade e a dualidade é o princípio da mudança, do devir. O cosmos é, pois, permeado pela dualidade que se manifesta em todas as dimensões da existência, como profere Alcméon:

A maior parte das coisas humanas são dualidade. (Alcméon, Diógenes Laércio VIII 83)

Tal asserção encontra-se expressa na tábua de opostos pitagóricos, relatada por Aristóteles (Met., 986a), onde está refletida uma concepção dual de toda existência, tanto em termos aplicáveis à matéria – caso das oposições direita-esquerda ou macho-fêmea – quanto em esferas metafísicas, caso da oposição limite-ilimitado, a primeira da série de opostos. Ademais, a oposição primordial determina a “qualidade” de cada extremo da oposição. Nesse sentido, o bom (agathón) está colocado na mesma coluna que o limite, o ímpar (peritón) e a luz (phós), para citar alguns. “Os pitagóricos tiveram o mérito de sublinhar que o Bem existe, pela tabela dos opostos, e que é na coluna do belo que se destacam o ímpar, o retilíneo, o igual e certos números”, refere Aristóteles, mais adiante, na mesma obra (Met., 1093 b).

A primeira oposição, limitante-ilimitado, como observa Timpanaro Cardini, representa o dueto de elementos primordiais que implica na inteira concepção do universo. Para a autora, tal dualismo[61] coloca, de um lado, a tríade fundamental limite-uno-ímpar e, do outro, a tríade oposta ilimitado-múltiplo-par[62]. Em tal cenário, tornase imperativa a presença de um elemento “agregador” das partes; sem este, a separação dos elementos seria absoluta. Como explica Ferreira dos Santos, os “dessemelhantes” precisam, para se harmonizarem e formarem uma unidade entre si, de algo que os “analogue”, um “logos analogante”[63].

Ora, se os dois princípios geradores de todas as coisas devem se ajustar para que as coisas sejam geradas, tal acordo deverá se adequar a um ritmo ou consonância matemática, visto que os elementos últimos de tudo são os números. Introduz-se, assim, o conceito de harmonia: o hiato que os elementos contrastantes dispõem no cosmos só poderá ser sanado pela correta adequação a certas proporções harmônicas[64]. Explica Guthrie que “harmônico”, no período em questão, significava “afinação” ou teoria acústica. O autor infere, a partir de tal concepção, que os atributos do cosmos se devem ao fato de que ele, justamente, é uma harmonia, que pode ser encontrada desde as mais simples relações musicais até os movimentos de escala cósmica entre planetas e estrelas fixas[65]. Passemos à disposição de Filolau:

Acerca da natureza e da harmonia (αρμονίαϛ), a posição é a seguinte:[…] visto que esses princípios [limitantes e ilimitados] não eram, essencialmente, nem semelhantes e nem homogêneos, teria sido impossível criar com eles um kósmos se não tivesse intervindo a harmonia – seja qual for sua origem. As coisas que eram semelhantes e homogêneas não teriam tido necessidade de harmonia; mas, sim, as que são dessemelhantes e heterogêneas ou de ordem desigual precisam ser coligadas pela harmonia, de forma a permanecerem unidas no universo ordenado[66]. (Filolau, fr. 6, Estobeu, Anth. I, 44 B6 D.K.)

Esse é o sentido de “acordo” concebido por Filolau em seu fragmento 1, pressuposto a todo elemento material enquanto harmonização entre limitante e ilimitado. Pode-se, assim, entender o postulado filolaico “tudo advém por necessidade (ανάγκη) e harmonia”, confirmado por Diógenes Laércio (VIII, 85). Bem cabe, a propósito, a definição de Nicômaco, atribuível tanto à forma musical quanto à cósmica: “a harmonia nasce, exclusivamente, dos contrários”, sendo “a unificação dos complexos e pluri-mesclados elementos e o consenso entre dissonantes”[67].

A relação entre números, harmonia e cosmos é atestada por Aristóteles quando escreve que “eles [os pitagóricos] afirmavam que a totalidade do céu era harmonia e número” (Met., A5 986 a1). Da mesma forma, um fragmento de Da harmonia, de Arquitas, conservado por Porfírio em Comentário aos harmônicos de Ptolomeu, mostra a irmandade entre astronomia, matemática e música:

Aqueles que se dedicam às ciências matemáticas (μαθήματα) alcançam bons resultados; e não é estranho que raciocinem apropriadamente sobre cada coisa, pois, conhecendo bem a natureza do Todo, devem ver bem, mesmo nas coisas particulares, como estas são. Assim nos forneceram claras noções a respeito da velocidade dos astros, sua aurora e crepúsculo, como também sobre a geometria, a aritmética e não menos sobre a música. Porque essas ciências são de fato irmãs. (Arquitas, Da Harmonia, 47 B1 D.K., grifo nosso)

Com base nos fragmentos anteriores, depreende-se da passagem acima que, ao mencionar o termo “música”, Arquitas não se refere ao conceito restrito, mas, sim, à sua plena concepção de harmonia. Tal postura é avalizada por Platão quando, em passagem muito similar, também atesta a irmandade entre astronomia e harmonia:

É sabido, disse eu, que, assim como os olhos foram moldados para a astronomia, assim também os ouvidos foram formados para a harmonia, e que estas ciências são irmãs, tal como afirmam os Pitagóricos e nós, ó Glauco, com eles concordamos. (Platão, República, 530d, tr. P. Nassetti, grifo nosso)

Os estudos em questão eram considerados em estrita conexão pelo fato de serem todos regidos por leis reproduzíveis em equações matemáticas. Tendo em vista tal pressuposto, tem-se a chave para compreender que tanto o movimento dos astros quanto o das notas na escala musical se fundamentam em uma relação numérico-harmônica. Decorre dessa relação, como bem observa Guthrie, a renomada Teoria da Harmonia das Esferas, descrita por Aristóteles como pitagórica. Tal teoria parte das premissas que (a) objetos físicos se movendo na velocidade dos corpos celestes devem, necessariamente, produzir um som; (b) os espaços entre os diversos planetas e a esfera das estrelas fixas correspondem, matematicamente, aos intervalos entre as notas de uma oitava; logo, (c) conclui-se que o som que eles produzem tem um comprovado caráter musical. A propósito de tal teoria, aventa o autor que nela se encerra uma ideia de extrema importância, sendo, provavelmente, o melhor exemplo da tentativa pitagórica de explicar o plano cósmico a partir da íntima conexão entre as leis da matemática e da música[68]. O testemunho de Empédocles confirma:

Pitágoras ouvia a harmonia do Todo, isto é, percebia a universal harmonia das esferas e dos astros movimentando-se com aquelas; a qual nós não escutamos, devido à limitação de nossa natureza. (Empédocles, Porfírio VP 30, 31 B129 D.K.)

A partir dos fragmentos, pode-se sistematizar a geração universal pitagórica. O cosmos é engendrado a partir de elementos ilimitados e limitantes, sendo o Uno princípio do Limite e a Díade princípio do Ilimitado. Pela aspiração do vazio ilimitado situado fora da esfera – e sob constante ação do fogo central – o cosmos é forjado, continuamente. Analogamente aos dois princípios primordiais, os números perpassam as várias dimensões do cosmos e atuam como princípios de todas as coisas, produzindo a unidade e a diversidade. Para que se faça ordem em todos os níveis da dualidade cósmica, é necessário que os princípios – sejam os cosmológicos, sejam os aritméticos – sejam conciliados pela presença da harmonia.

Resta considerar que se o número, enquanto modelo ideal a partir do qual todas as coisas procedem, permite que estas participem da unidade por imitação de sua natureza, também a psyché do homem deverá participar de tal realidade. Se a harmonia reina em todas as relações duais do cosmos, ela deverá encontrar ressonância, por equivalência, na relação do corpo com sua alma.

Continua…

Autora: Anna Maria Casoretti

Anna é Graduada em Filosofia pela Universidade Mackenzie e Mestre em Filosofia Antiga pela Pontifícia Universidade Católica, PUC-SP. Autora do trabalho A Origem da Alma, também publicado no blog e que você pode conferir clicando AQUI.


Notas

[47] – As traduções aqui utilizadas, sejam do grego para o italiano ou deste para o português, adotam, em geral, os termos “limitante” e “ilimitado” para πέρας e άπειρον; Timpanaro Cardini (Pitagorici Antichi, 18 B1), entretanto, adota a tradução terminante e interminato, que nos parece mais adequada em relação à sua significação. Contudo, aqui será mantida a tradução de uso mais comum. Ademais, será mantida a tradução “elementos” ilimitados e limitantes visto que esta é utilizada não apenas por Timpanaro Cardini como também por Barnes e Girgenti (Diógenes Laércio). Kahn traduz por “coisas” ilimitadas e limitantes.

[48] – “[..]α φύσις δ’εν τωι χόσμωι αρμόχϑη εξ απείρων τε χαί περαινόν – των, χαί όλος <ό> χόσμος χαί τά εν αυτώι πάντα”. Para maiores detalhes acerca da discussão filológica concernente à passagem, ver nota ao fragmento nº 1 em Timpanaro Cardini. A autora, outrossim, explica sua opção tradutiva do verbo “περαίνο” por “terminare”, em razão de seu duplo valor transitivo e intransitivo, sendo, portanto, o único que se preste a configurar a duplicidade de significado de peraínonta.

[49] – Tal dualidade traz várias implicações, inclusive no campo ético onde πέρας é identificado com o bem e άπειρον com o mal. Para mencionar uma simples declaração acerca disso, Aristóteles, em Ética (II06 b 29), diz: “o mal pertence ao Ilimitado, como conjecturaram os pitagóricos, e o bem ao Limite” (apud Guthrie, 2003b, p.207). Tal questão não será abordada.

[50] – Acerca da autenticidade dos fragmentos de Filolau, informa Burkert que o que a tradição oferece sob o nome de Filolau não é um quadro unificado, mas uma grande variedade, cuja homogeneidade é demonstrada em sua obra Lore and Science in Ancient Pythagoreanism. Constata o autor que há um núcleo identificável nos fragmentos 1-2 e 4-7, juntamente com as considerações de Aécio e Boécio que lidam com ontologia, astronomia e teoria musical (ib., p.242). Acresce Burkert: “O grupo decisivo de fragmentos no qual Filolau fala sobre o ‘limitante’ e o ‘ilimitado’ e, também, sobre número e harmonia, recebeu muito pouca atenção; e os opositores da autenticidade de tais fragmentos não fizeram nenhuma análise completa destes” (ib., p.250). Esclarece o autor que estudiosos suspeitaram da pesada insistência com que as ideias principais – ‘limitante e ilimitado’, ‘cosmos’ e ‘harmonia’ – são repetidas. Entretanto, tal procedimento cauteloso denota um “esforço genuíno de pensamento, ansioso por manter o controle sobre os pontos importantes, sem exibir nenhuma pretensão cuidadosamente aprendida ou emprestada”. Uma invenção seria, portanto, pouco provável, posto que “o que está envolvido não são termos técnicos ou floreios verbais fáceis de imitar, mas uma específica maneira na qual a alma vai tentando entender a realidade. Filolau mostra, assim, sua afinidade com os pré-socráticos, como detecta, ainda, Diels, em relação às recorrências: ‘a quantidade de repetições entediantes, até mesmo em Anaxágoras, é incrível’ ”(ib., pp.252-254).

[51] – Ανάγκα τά εόντα ειμεν πάντα ή περαίνοντα ή άπειρα ή περαίνοντά τε καί άπειρα. Άπειρα δέ μόνον ή περαίνοντα μόνον ού κα είη […].

[52] – Cf. Burkert, 1972, p. 253-255. O exemplo é apenas ilustrativo: o próprio Burkert ressalva que a ideia de que “deus dá forma à matéria disforme” – ao impor limites – é característica dos platonistas. Segundo, também, exposição de Aristóteles, a dicotomia forma-matéria não se aplica à teoria do número pitagórica.

[53] – Cf. Guthrie, 2003, p. 248.

[54] – Para os pitagóricos, Héstia é o “fogo central”. Também, “Centro do lar”, “núcleo da circunferência”.

[55] – Cf. Aristóteles, Física, Δ 6, 213 b22, J. Barnes.

[56] – De acordo com Kirk, Raven e Schofield (2008, p.359), o aparecimento do conceito de vazio distinto do ar aponta para o século quinto e para os Eleatas. Em termos mais precisos, teria sido o pitagórico Xuto, conhecido através da Física de Aristóteles e do Comentário de Simplício, a sustentar a existência do vazio (kénon) no universo. Partindo das categorias do raro e do denso, Xuto efetua um “raciocínio por absurdo”: sem vazio, não existiria nem compressão nem contração e, sem esses fenômenos, o mundo não teria movimento (Mattéi, 2007, p.59).

[57] – Ao atribuir aos pitagóricos os primeiros progressos nos estudos de matemática, Aristóteles refere-se aos pitagóricos “contemporâneos dos filósofos Leucipo e Demócrito e seus anteriores”. Como observam Kirk, Raven e Schofield (p.347), a atividade filosófica dos atomistas gira em torno de 440 a.C.; portanto, Aristóteles está se referindo a tal período do Pitagorismo, e anterior (Metafísica A5, 985 b23).

[58] – Cf. Timpanaro Cardini, p.399. A tal propósito, esclarece Burkert (1972, p. 468), baseando-se em Estobeu, que os números ímpares correspondem ao princípio mais bem estimado, o do “limite”, e também são masculinos. O um é um caso excepcional, sendo, simultaneamente, par e ímpar, feminino e masculino.

[59] – Cf. Burkert, 1972, p. 255. Os termos “uno” e “díade indefinida” também aparecem na Metafísica de Aristóteles, por exemplo, em N3 1091 a5.

[60] – Cf. Estobeu, Antologia, I, 6, apud Mattéi, 2010, pp. 80-81.

[61] – Não é de se estranhar a forte presença de uma concepção dual do universo nas doutrinas pitagóricas: pelos relatos de Aristóxeno, consta que Pitágoras teria apreendido de Zoroastro, o caldeu, que ‘desde a origem, existem duas causas para tudo, um pai e uma mãe: o Pai é a luz, a Mãe é a sombra. A partir daí, todo o cosmos é composto, masculino e feminino’

[62] – Cf. Timpanaro Cardini, 2010, n.p.292.

[63] – Cf. Ferreira dos Santos, 2000, p.88.

[64] – Cf. Burkert, 1972, p.253.

[65] – Cf. Guthrie, 2003, p.308 e n.p.162.

[66] – Kirk, Raven e Schofield (p.234) observam que Filolau argumentou a priori ao inferir que limitantes e ilimitados se sujeitaram, necessariamente, a tal processo de mútuo ajustamento.

[67] – Nicômaco, Introdução à aritmética, II, 19,115 (44 B10 D.K.).

[68] – Cf. Guthrie, 2003, pp.167 e 295.

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