A REAL SOCIETY, ANTECÂMARA DA MAÇONARIA
Tradução José Filardo
Por Cécile Révauger
Em muitos aspectos, a Royal Society e a Maçonaria britânica podem ser consideradas como irmãs gêmeas, filhas do Iluminismo, embora, naturalmente, suas produções fossem…. Se ambas reivindicam origens várias décadas antes, elas tomam seu crescimento no século XVIII e ainda estão vivas em nossos dias.
Francis Bacon em Nova Atlantis, tanto em Oxford e Londres. A sociedade de Londres se reunia no Gresham College, nome sob o qual ficou logo conhecida. Sir Christopher Wren, o arquiteto que reconstruiu Londres depois do grande incêndio de 1666, foi nomeado professor de astronomia no Gresham College em 1657. Sir Robert Moray, um cientista escocês próximo de Charles II também participava de reuniões do Gresham College. Embora seja fantasioso considerar o inglês Sir Christopher Wren como o primeiro Grão-Mestre, como foi reivindicado às vezes, quando ele era apenas o arquiteto de Londres, parece igualmente inegável que o escocês Sir Robert Moray foi iniciado em uma loja provisória de Newcastle sob a égide da loja St. Mary’s Chapel em 20 de maio de 1641. Ambos trabalham para formalizar os trabalhos do Gresham College: em 15 de julho de 1662, uma Carta Régia é concedida, dando origem à Royal Society, uma instituição que visa incentivar as descobertas científicas e se estabelece em nossos dias ainda em Londres e Edimburgo (a Royal Society of Edinburgh, no entanto, data de 1783). A partir de 1695, a Royal Society publica suas atas, as Philosophical Transactions, que refletem os trabalhos e experimentos: na tradição empírica de John Locke, todo o conhecimento deve ser testado para ser validado.
Naquela época, a Grande Loja da Inglaterra ainda não emergira. No entanto guildas e companhias de pedreiros de ofício existiam, conforme evidenciado pelas Antigas Obrigações, conjuntos de textos que governavam a vida desses pedreiros chamados “operativos” porque eles realmente participavam em projetos grandes de catedrais ou edifícios públicos. Na Escócia, as primeiras lojas de maçons aparecem a partir do século XVII e acolhem os membros que não são necessariamente parte do ofício de construtores, bem antes da criação da Grande Loja da Escócia em 1736. Nas origens da Royal Society, encontramos assim cientistas ingleses e escoceses, alguns dos quais estavam próximos dos pedreiros de ofício.
Na esteira da Revolução Gloriosa, Newton, a Royal Society e a primeira Grande Loja
Se a Royal Society viu oficialmente a luz sob a Restauração, em 1662, ela quase não era ativa durante o reinado de James II, monarca absoluto, convertido ao catolicismo e que desprezava o Parlamento. Realmente decolou com a época de Locke e Newton, na esteira da Revolução Gloriosa, que corresponde ao surgimento do Iluminismo, na Inglaterra.
Frontispício de História da Royal Society.
Pode-se ver Francis Bacon e William Brouncker sob o busto do rei Charles II.
A Revolução Gloriosa de 1688, apoiada pelos parlamentares e alguns bispos anglicanos e de quem John Locke elogiava os méritos em seus Tratados sobre o Governo, pôs fim à monarquia por direito divino, substituído por uma monarquia parlamentar. Além disso, ela se apoiava nas divergências; todos estes dissidentes, protestantes, mas não anglicanos até então perseguidos por se opor o peso dos católicos. A Declaração de Direitos de 1689 proclamou a soberania do povo e do Parlamento. Certamente por pessoas, entendia-se especialmente os aristocratas e os meios mais ricos, mas ainda assim era um primeiro passo rumo à democracia. O Iluminismo corresponde a este desafio a todos os dogmas, políticos e religiosos, no contexto da Revolução Gloriosa. Esta tolerância religiosa é acompanhada por um desejo por conhecimento, progresso científico, gerados por uma crença no homem e não só em Deus. Sir Isaac Newton, que publicou sua grande obra, Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, um ano antes da Revolução Gloriosa, e depois Opticks em 1704, presidiu a Royal Society de 1703 até 1727. Se ele mesmo não fazia parte de nenhuma loja, nem seu amigo, o filósofo Locke, ele trouxe para a prestigiosa sociedade um grande número de franco-maçons, entre os quais Théophile Desaguliers, um dos arquitetos da Grande Loja da Inglaterra. Como acabam de demonstrar Andrew Prescott e Susan Sommers, esta última não viu a luz em 1717, mas certamente em 1721, quando o Duque de Montagu foi eleito Grão-Mestre, dois anos após ter sido recebido na Royal Society. Desaguliers, o que provavelmente colaborou na redação das Constituições de Anderson, ajudou a popularizar as teorias de Newton em The Newtoniam System of the World: the Best Model of Government, an Allegorical Poem (1728). Ele explicava que de acordo com Newton “O que fazia mover os planetas em tal ou qual ordem […] era Harmonia e Amor”, uma visão que claramente se afasta do conceito tradicional da origem do mundo. Mesmo não sendo uma questão de negar a existência de Deus, um grande lugar foi deixado para as leis da natureza. Antes que Anderson escrevesse suas famosas Constituições (1723), exatamente no mesmo espírito, a Royal Society tinha proibido toda a discussão política e religiosa, conforme destacaria mais tarde Benjamin Franklin, que era um membro: “A Royal Society aceita todos os partidos, mas a política é completamente excluída dos nossos trabalhos.”
Sir Isaac Newton (1642-1727) 1726 por Enoch Seeman
Muitos franco-maçons eram membros da Royal Society
De 1721 a 1741, doze dos 22 Grãos Mestres britânicos eram membros da Royal Society. Podemos, certamente, duvidar do alto nível científico de todos estes Grãos Mestres e é provável que a sua participação na prestigiosa Sociedade fosse sobretudo honorária. No entanto, é significativo que eles estivessem orgulhosos de incentivar com sua simples presença as descobertas científicas de seu tempo, de promover esta nova “cultura da ciência”, este “casamento da ciência e o Iluminismo”, para citar Roy Porter. Com a morte de Newton em 1727, seus dois vice-presidentes, Martin Folkes e Hans Sloane, são candidatos à sua sucessão. É Hans Sloane quem ganha. Presidente do Royal College of Medicine, ele é também um botânico que publica artigos sobre o café e a pimenta da Jamaica, que ele mesmo explorou e um colecionador que reúne seus objetos em sua mansão de Chelsea, um pequeno museu que posteriormente fornecerá as primeiras peças do Museu Britânico. Apesar de muitos manuscritos na Biblioteca Britânica relativos à Maçonaria trazerem o seu nome, não há nenhuma evidência de que ele mesmo fora iniciado. Por outro lado, seu sucessor em 1741, seu antigo rival Martin Folkes, foi Grão-Mestre Adjunto de Charles Lennox, duque de Richmond em 1721. Dado que os cargos de Grãos Mestres eram honorários na época, sempre ocupados por aristocratas, a função de Adjunto era essencial. Folkes vai para Paris, onde foi membro da Academia Real de Ciências e apoiaou a candidatura de Voltaire para a Royal Society (1743). Especialmente interessado em Numismática, ele parece ter tido competências mais diplomáticas do que científicas. Sob sua presidência, a Royal Society era essencialmente um clube social.
Dois presidentes deram um verdadeiro impulso à Sociedade: Sir John Pringle, físico, eleito em 1772 e, especialmente, Sir Joseph Banks que o sucedeu em 1778 por 42 anos. Banks tinha acompanhado o Capitão Cook em sua expedição de 1768 a 1771. Eles tinham por missão, de um lado observar o trânsito de Vênus, o que fizeram desde o Tahiti para medir a unidade astronômica e, assim, estimar a distância entre o Sol e a Terra, e de outro verificar a existência da Austrália, então designada como Terra Australis incognita. Joseph Banks tornou-se maçom muito jovem, um pouco antes de 1768.
O ecletismo científico dos membros da Royal Society é característica do conhecimento na época do Iluminismo, que ainda não fora dividido, compartimentado em diferentes disciplinas, como observaria mais tarde Foucault. Esta verdadeira sede por conhecimento era tanto uma riqueza quanto uma fraqueza. Uma riqueza, porque esses primeiros cientistas estavam interessados em tudo, sem antolhos, uma fraqueza também, é claro, e que às vezes se prestou à sátira.
Publicação da Royal Society: As leis da natureza.
Na idade de ouro da sátira na Inglaterra, a mais divertida era a de Jonathan Swift, que agora sabemos era maçom, em As Viagens de Gulliver (1726). Ele descreveu a academia de Lagado, povoada por estes projectors, como eram então chamados, estes homens de “projetos” um pouco loucos que queriam experimentar tudo, tão grande era sua sede de descoberta. Um desses projetores decide então construir uma casa começando pelo telhado, enquanto outro tenta extrair raios de sol de pepinos para aquecer a atmosfera… Samuel Johnson, o autor do primeiro dicionário do idioma Inglês, também ironiza: “Grandes esperanças nasceram com o progresso repentino das artes úteis … os membros da Sociedade se reúnem e se reúnem sem que as misérias da vida tenham diminuído visivelmente.”
E os maçons também não escapariam da sátira. A sociedade paródica apareceu de maneira muito efêmera na década de 1720. O pintor Hogarth, ele mesmo um grande intendente da Grande Loja da Inglaterra, os imortalizou em O Mistério da Maçonaria Trazido à Luz pelos Gormogons (1724). Esta pintura descreve uma procissão liderada por um certo “Chin Quan”, bem como pelo sábio Confucius, que continha, entre outras personagens grotescas, um macaco vestido de avental e luvas maçônicas, provavelmente uma caricatura do Reverendo Anderson, o autor das Constituições maçônicas de 1723. Como vemos, não se tratava de sátiras virulentas, mas sim de divertidos flagrantes.
Novas ideias, princípios comuns
As inovações muitas vezes fazem sorrir, sabemos disso. No entanto, só elas permitem que os homens evoluam. A Royal Society, assim como a Maçonaria Inglesa e Escocesa, traz a marca do Iluminismo. Se elas têm as suas raízes mergulhadas em séculos anteriores, se elas se dizem herdeiras de tradições antigas, elas rejeitam dogmas, o conhecimento fossilizado, os preconceitos. No início do século XVIII, elas são portadoras de ideias que fundaram nossas sociedades modernas, embora sejam muitas vezes postas à prova hoje: a tolerância, as virtudes da observação, o respeito pela natureza e homens em sua diversidade.
Publicado em FM – Revista da Maçonaria, no. 4 – Fora de Série
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