sexta-feira, 27 de outubro de 2017


CRONOS E KAIROS: OS MATIZES DO TEMPO
ARTIGO 3

Extraído do Blog O ponto dentro do Círculo


UMA QUESTÃO DE TEMPO: A TEMPORALIDADE MODERNA


O tempo é uma questão para os homens, nos textos bíblicos como Eclesiastes, na mitologia grega e nos pensadores filosóficos de todos os tempos.

O Kronos e o Kairós são definições que auxiliam na compreensão e discussão sobre a temporalidade.

Na mitologia grega Kronos é uma divindade, o deus do tempo cronológico; que destronou seu pai. Seu neto Kairós, filho de Zeus; era a personificação do tempo subjetivo, pessoal de cada homem e de cada deus.

Esse era o tempo oportuno, o momento certo; era simbolizado por um jovem atleta que tinha asas nos pés, sendo veloz em seus movimentos e transitando de um espaço a outro aleatoriamente se tinha dificuldade de alcança-lo.

Conforme Coenen e Brown, a eternidade e o tempo são duas categorias distintas, e, os gregos tinham diversas palavras para designar diversas facetas destas duas categorias, como é possível perceber a seguir com duas definições kairós e chronos (2452- 2476):

Para Hesíodo, kairós estava relacionado com a “medida certa”, apropriado ou decisivo. Além do sentido material, temporal e léxico possuía a conotação do “lugar apropriado”.

No sentido material e temporal kairós tem o sentido de uma situação critica que exige uma decisão que evite fatalidades ao homem. Para Aristóteles, kairós era uma situação positiva: uma oportunidade. Para Platão, uma situação negativa: “perigo”, um risco.

No sentido temporal, subentende um tempo oportuno, tempo apropriado, um momento favorável.

A partir de Homero, Chronos, não é mais um determinado tempo fixado em uma regra geral; o tempo passa ser invariável “longo” ou “curto”.

Posteriormente assume o sentido de tempo desperdiçado, ou período e a duração de vida.

Para o homem grego o tempo era o poder determinante de sua vida, por um lado parecia que o tempo era infinito, mas por lado percebia que o tempo alocado ao individuo era finito, curto demais.

O tempo “onividente” era juiz de todas as coisas, era o esclarecedor de questões obscuras, principalmente ai verdadeiro valor de um homem e o tempo era aquele que curava as pessoas de suas feridas por meio do esquecimento.

No entanto, o tempo não trazia a salvação da morte, por isso, o grego buscava consumir, gastar o tempo de sua existência, ou estender a vida após a morte deixando um legado, uma fama póstuma.

Portanto, para os gregos o problema sobre o tempo era vencer seus obstáculos por meio da esquematização intelectual.

Com Platão, o chronos foi criado juntamente com os céus estrelados e voltará a desaparecer, juntamente com eles. Um tempo oposto a imutabilidade do Eterno e Infinito, marcado pela brevidade do tempo, com os conceitos temporais de passado, presente e futuro. O tempo, no pensamento de Platão, corresponde o movimento dos planetas.

Aristóteles percebeu o chronos na realidade dos existentes, se afastando da ideia de Platão da Existência. Os movimentos podem ser medidos por números, definindo o tempo como a medida contínua de movimentos sucessivos, este é o tipo de processo que os gregos expressam as coisas de modo visual.

Tanto em Aristóteles como em Platão, o tempo tem uma posição de inferioridade ao espaço.

Porém, quando Coenen e Brown tratam do pensamento teológico, eles marcam suas diferenças em relação ao pensamento judaico-cristão dos pensadores gregos.

Teologicamente falando, o tempo duradouro é propriedade de Deus, o Criador, ao passo que o tempo passageiro pertence ao homem, como criatura. Chronos denota principalmente a expansão quantitativa e linear do tempo, um espaço ou período de tempo, e, portanto, é um termo para o conceito formal e científico do tempo. […] É instrutivo para a totalidade do modo de o NT entender o tempo que não é o conceito formal de chronos, mas sim, o de kairós, que qualificava o conteúdo do tempo de Jesus, que fica em primeiro plano. (COENEM & BROWN, 2013, 2452)

No pensamento judaico-cristão o tempo não ocupa espaço de reflexão, mas sim, o momento em que o homem terá o encontro com Deus no tempo oportuno (kairós), em um dia (chronos).

O filósofo Santo Agostinho, seguindo o pensamento cristão e sendo influenciado por Platão, debruçou-se a compreender o que seria o tempo:

“Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-los clara e brevemente? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta já não sei.” ” (AGOSTINHO, 1981, 243).

O filósofo buscou compreender a distinção da temporalidade da eternidade como tempo divino com a temporalidade cronológica da criação, portanto, do mundo e dos homens.

Na eternidade, que pertence ao divino, sempre é presente como é Deus, o Deus dos cristãos.

Na eternidade, ao contrário, nada passa, tudo é presente, ao passo que o tempo nunca é o todo presente. Esse tal verá que o passado é impelido pelo futuro e que todo o futuro esta precedido dum passado, e todo o passado e futuro são criados e dinamam d’Aquele que sempre é presente. Quem poderá prender o coração do homem, para que pare e veja como a eternidade imóvel determina o futuro e o passado, não sendo ela nem passado e nem futuro? (AGOSTINHO, 1981, 242)

Deus é o dominador do futuro. O tempo é uma criação divina, de um Deus que existe antes do tempo. “Criastes todos os tempos e existes antes de todos os tempos. Não é concebível em que possa dizer-se que não havia tempo.” (1981, 243).

Agostinho entendia que o homem que vive no tempo cronológico marcado por passado, presente e futuro não pode compreender a eternidade, pois este está preso neste tempo que remete ao cotidiano, enquanto a eternidade é todo presente.

A esse, que o poderá prender e fixar, para que pare um momento e arrebate um pouco do esplendor da eternidade perpetuamente imutável, para que veja como a eternidade é incomparável, se a confronta com tempo, que nunca para? Compreenderá então que a duração do tempo não será longa, se não se compuser de muitos movimentos passageiros. (AGOSTINHO, 1981, 242).

Para o filósofo, o futuro não existe e nem o passado, e o presente é um momento com curto período de existência.

De que modo existem aqueles dois tempos – o passado e o futuro -, se o passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e não passasse para o pretérito, já não seria tempo, mas eternidade. (AGOSTINHO, 1981, 244)

Para Agostinho, o tempo do homem é constituído por três tempos, subdividindo este tempo por mais partes encontra-se o presente.

Se pudermos conceber um espaço de tempo que não seja suscetível de ser subdividido em mais partes, por mais pequeninas que sejam, só a esse podemos conceber um espaço de tempo presente. Mas este voa tão rapidamente do futuro ao passado, que não tem nenhuma duração. Se a tivesse, dividir-se-ia em passado e futuro. Logo, o tempo presente não tem nenhum espaço. (AGOSTINHO, 1981, 244).

Portanto, o passado e o futuro para Agostinho não existe, ele se encontra no imaginário das pessoas que projeta suas memórias e expectativas no presente.

“É impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das presentes, presentes das futuras.” (Idem, 249)

A questão da duração dos tempos, Agostinho entendeu que somente é possível prolongar o passado e o futuro no espírito humano pela expectativa, atenção e memória. Sendo assim, o futuro não existe, mas sim, “o futuro longo é apenas a longa expectação do futuro” e como não existe o passado, pois “o pretérito longo é outra coisa não é senão a longa lembrança do passado” (255).

Segundo Ricardo Bitun, com a mudança da sociedade tradicional para a sociedade moderna, o paraíso, o lugar de descanso e prazer; foi transferido do porvir, de eras vindouras para o tempo “hoje” por meio do progresso técnico-cientifico, em que o homem é seu próprio deus e o tempo, conforme Bauman; vence e domina o espaço e as pessoas.

Conforme Ricardo Bitun a modernidade trouxe profundas mudanças nos conceitos.

de espaço e tempo e a utopia ou a parusia que sofreu um processo de secularização ou imanetização. A razão moderna está no centro do processo de desencantamento do mundo e no coração da esperança moderna: a esperança de que a realização dos sonhos da humanidade reside no progresso tecnológico […] o homem se tornou o sujeito de sua emancipação. (SUNG, 1994, apud BITUN, 2011, 36).

Conforme Bauman (107-149), a história do tempo começou com a Modernidade, isto é, “a modernidade é o tempo em que o tempo tem uma história” (2000,129), isto ocorreu quando o espaço e tempo se tornaram distintos devido o uso de meios de transportes não-humano e não-animal substituindo o wetware (os humanos e animais) na movimentação pelo espaço.

O tempo torna-se independente aos fatores imutáveis da massa da terra e dos mares, pois se tornou dinâmico, ajustável e manipulado; como ferramenta na modernidade ganha status de dinheiro e riqueza, opondo-se ao espaço, cada vez mais superado pela velocidade do tempo.

O hardware venceria o wetware, a questão do tempo na modernidade ganharia novas facetas: a sua emancipação do espaço e posteriormente a conquista do espaço.

Com a racionalidade e eficiência da produção o tempo passa a ser rotinizado, amansado e congelado para que o domínio do espaço não se tornasse um caos.

Mas tudo se transforma com o software e com advento da modernidade leve, a partir deste momento o tempo passa ser “tempo nenhum” (BAUMAN, 2000, 136), pois agora com o software o espaço é reduzido e atravessado em tempo real.

A marca do tempo torna-se a “instantaneidade” determinando as relações de dominação, sendo assim, os dominadores são os detentores dos meios de velocidade para obter informações, atravessar espaços e conecta-se a outras pessoas.

As dominadas são aquelas ainda presas ao espaço não podendo mover-se tão rapidamente. Aceleração e procrastinação são armas neste processo de dominação.

Na instantaneidade o longo prazo é substituído pelo curto prazo, consumo passa a está nos objetos não duráveis, a durabilidade torna-se um recurso de risco.

O modo de convívio dos humanos também é transformado pela instantaneidade, este período é marcado pela desvalorização da eternidade e da durabilidade, uma geração que não se prende em memórias e nem na expectativa do futuro. No entanto, Bauman entende:

Mas a memória do passado e a confiança no futuro foram até aqui os dois pilares em que se apoiavam as pontes culturas e morais entre a transitoriedade e a durabilidade, a mortalidade humana e a imortalidade das realizações humanas, e também entre assumir a responsabilidade e viver o momento. (BAUMAM, 2000, 149)

A revista Época, com a matéria ”Desacelere” apresenta o livro de Frank Partnoy Como fazer a escolha certa que defendeu que as decisões mais eficientes são tomadas por aqueles que procrastinam suas decisões para o amadurecimento diferentemente dos que usam a intuição imediatista.

A questão é o tempo necessário para tomada de decisões, a discussão de Bauman sobre o tempo e o espaço facilita entender que neste ponto as decisões são o meio para o fim que é o tempo.

O site o GLOBO com a matéria Tudo ao mesmo tempo agora: um fenômeno da era digital, afirma que os humanos tornaram se escravos do presente, dos momentos e isto por causa dos tabletes, celulares e mídias digitais.

Ao mesmo tempo em que desorientados é urgente à obrigatoriedade de conseguir lidar com as informações e a realidade ao redor.

O professor Douglas Rushkoff, entende que os humanos estão presos ao presente um “instante prolongado”. Uma saída do “futurismo” para o “presentismo”, desta forma, os humanos encontram se congelados a um instante.

As pessoas não percebem que o uso dos meios digitais são para poupar o tempo e organizar as tarefas, elas fizeram ao contrário, estão viciadas na velocidade e sentem a necessidade de está em todos os lugares e fazer o que querem tudo ao mesmo tempo.

O direito da espera foi perdido, a necessidade de está conectado ao mundo virtual e viver a identidade virtual causa um caos mental chamado de “Digifrenia”.

A pós modernidade ou modernidade líquida como se refere Bauman é um momento que instiga novas reflexões, em que os conceitos estão diluídos. E o conceito tempo não escapa a diluição e a necessidade de reflexão.

Autora: Priscilla Luciane Bastos Oliveira

*Nadir é aluna do programa de pós-graduação em ciências da Religião (Mestrado), Universidade Mackenzie


Referências bibliográficas

AGOSTINHO, Santo. Confissões – livro XI: O homem e o tempo. Disponível: http://www.fafich.ufmg.br/bib/downloads/CONFISSOES_Livro_XI_O_Homem_e_o_Tempo.pdf. Acessado em: 22-11-2015

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. pags 107-149.

BITUN, Ricardo. Mochileiros da Fé. São Paulo: Editora Reflexão, 2011.

COENEN, Lothar & BROWN, Colin. Dicionário Internacional de teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2013 pags. 2452-2476.

Revista Época. Desacelere. Acessado em 22-11-2015. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2012/10/desacelere.html

Site o Globo. Tudo ao mesmo tempo e agora: um fenômeno da era digital. Acessado em: 22-11-2015. Disponível em:

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