sexta-feira, 12 de junho de 2020


OS EFEITOS PSICOLÓGICOS DA PR´TICA DO RITUAL MAÇÕNICO



A definição mais comum de Maçonaria é a de que “Maçonaria é um belo sistema de morali­dade velado em alegorias e ilustrado por símbolos” (ZELDIS, 2011). Isto já diz muito sobre a instituição e o seu modo de ensino e aprendizagem, que ocorre por meio de rituais repletos de alegorias e expressões simbólicas. No entanto, entre o desdobramento do ritual e o comportamento moral dos seus praticantes há um mecanismo psicológico que não pode ser ignorado e cuja compreensão pode colaborar um melhor entendimento da razão da Maçonaria atrair ao longo dos séculos o interesse de tantos distintos homens e a ira de tão perigosos inimigos, como os nazistas, papas e o Comintern – Comité Comunista Internacional (ROBERTS, 1969).

Este estudo tem por objectivo analisar as influências psicológicas que a prática ritualística maçónica, as suas falas, movimentos, símbolos, dramas e alegorias, podem ter sobre os seus praticantes.

Muitos talvez possam julgar os rituais maçónicos como ingénuos, ultrapassados, estranhos ou até mesmo supersticiosos. Serão apresentados neste estudo indícios de que tanto os rituais como a mitologia possuem as mesmas fontes de origem – o inconsciente (CAMPBELL, 2007; JUNG, 2005).

Há, sem dúvida, inúmeras diferenças entre as religiões e mitologias da humanidade, e todas estas, de uma forma ou de outra, podem ser encontradas em alguma medida, representadas nas alegorias maçónicas (MAXENCE, 2010).

Foi em 1900 que Sigmund Freud apresentou ao mundo a sua teoria do Inconsciente, na obra “A interpretação dos sonhos” (FREUD, 1972). O conceito de Inconsciente já existia de alguma forma desde a Grécia Antiga, contudo foi somente com Carl Gustav Jung que tal teoria encontrou a sua plenitude, alcançando um sentido mais amplo, quando o mesmo diferenciou a actuação do inconsciente de uma camada (Publicado em freemason.pt) mais profunda, que chamou de Inconsciente Colectivo, que são formas ou imagens de natureza colectiva que se manifestam praticamente em todo o mundo como constituintes dos mitos e, ao mesmo tempo, como produtos individuais de origem inconsciente, que influenciam toda a nossa psique (JUNG, 2011c).

Ao contrário da escola freudiana, que afirma que os mitos estão profundamente enraizados dentro de um complexo do inconsciente, para Jung, a origem atemporal dos mitos reside dentro de uma estrutura formal do inconsciente colectivo. Torna-se assim uma diferença considerável para Freud, que nunca reconheceu a autonomia congénita da mente e do inconsciente, enquanto que, para Jung havia uma dimensão colectiva inata e com autonomia energética.

As ideias apresentadas por Jung foram o embasamento científico que o estudioso das Religiões e Mitologias Comparadas, Joseph Campbell, adoptou para sustentar as similaridades existentes entre todas as religiões e mitologias da história. Tal conceito chamado anteriormente de “Monomito” [1] por Jaymes Joyce, foi esmiuçado por Campbell, que mostrou todo o roteiro da manifestação arquetípica do herói, que se encontrava representado em todo o mundo como um arquétipo do Inconsciente Colectivo (JUNG, 2010; JUNG, 2011a).

Assim, será com base nas obras de Campbell e Jung o desenvolvimento deste artigo, que visa comparar e reapresentar o simbolismo maçónico sob a óptica científica da Psicologia Junguiana e da Ciência das Religiões.
Análise Comparativa da Psicologia Junguiana com o Simbolismo Maçónico
O que é um Símbolo? [2]

Os símbolos são, em síntese, metáforas e compêndios de um conhecimento sensivelmente elevado (CAMPBELL, 2007), mas que em outras palavras, são manifestações exteriores dos arquétipos. Os arquétipos só se podem expressar através dos símbolos em função de se encontrarem profundamente escondidos no inconsciente colectivo, sem que o indivíduo os conheça ou possa vir a conhecer (JUNG, 2011b). Desta forma, no nosso nível comum de consciência, para compreendermos um elevado sentimento contido no Inconsciente Colectivo, necessitamos dos símbolos, gestos existentes desde o início da humanidade (CAMPBELL, 2008; JUNG, 2011a).

Estas afirmações precedentes necessitam de um exemplo hipotético: O amor da mãe para com o seu filho jamais seria compreendido por palavras ou descrições objectivas, como números ou letras. Em vez disto, podemos, ao invés de escrever sobre tal amor, apenas apresentar o conhecido símbolo do coração. Deste modo, mesmo que parcialmente, a noção que teremos a respeito do amor de uma mãe para com o seu filho, será muito mais próxima do que as expressadas por meras palavras (JUNG, 2011d).

As mitologias e sentimentos são comumente manifestados por meio de símbolos e gestos. Do mesmo modo, a Maçonaria actua atra­vés da ritualística das suas iniciações e instruções. Os símbolos e gestos actuam como um catalisador de sentimentos dos seus praticantes através do mito trabalhado pelo grupo-cultura (CAMPBELL, 2008). O avanço moral que a Maçonaria proporciona aos seus adeptos é, além de consciente, educativo e ético, também um reforço psicológico.

A diferença crucial entre símbolo e arquétipo é que o primeiro pode ser visto e em alguns casos também tocado e sentido, ao passo que o segundo pode ser apenas sentido, e mesmo assim, somente por intermédio do primeiro. Portanto, para que haja símbolos, deve antes haver arquétipos, pois aqueles são a manifestação destes em menor escala (JUNG, 2011d; JUNG, 2012). Contrariamente a esta teoria junguiana agora apresentada, observamos na psicanálise de Freud outra visão dos arquétipos, que se encontra centrada nos três arquétipos relativos ao chamado “Complexo de Édipo”, que, pelas suas características peculiares, possui proximidades com a antropologia e com a linguística, ao passo que a visão apresentada neste artigo, Junguiana, possui proximidades com os conceitos do Inconsciente Colectivo sustentados pelo sociólogo francês Émile Durkheim, um dos pais da Sociologia Moderna, onde na sua obra o define como o conjunto de crenças e sentimentos autónomos de uma sociedade (DURKHEIM, 2004). As suas teorias também influenciaram Freud, mas com devido efeito, acham-se proficuamente delineadas nas obras de Jung.
O Templo Maçónico do Rito Escocês e a Psique Humana

Os maçons são unanimes em dizer que o Templo Maçónico [3] é simbólico, e como já vimos, o símbolo é muito mais do que mera ornamentação artística para representar algo (JUNG, 2012). Importante registar que o templo maçónico não é uma réplica do Templo de Salomão, se não apenas simbolicamente inspirado no Templo de Salomão, mas contendo muitas outras influências, de acordo com o Rito adoptado (ISMAIL, 2012). No caso do presente estudo, refere-se a um templo do Rito Escocês Antigo e Aceito.

Portanto, toda a ornamentação e divisão do templo não é fruto do acaso, a começar pela Sala dos Passos Perdidos, mais adiante o Átrio, a Câmara ou Caverna de Reflexões, e finalmente o Templo em si. Todos estes compartimentos são estágios há muito tempo utilizados para separar o sagrado do profano (VAN GUENNEP, 2011).

Neste contexto, o ritual tem por objectivo a realização da passagem de um estado de consciência para outro, estados esses chamados maçonicamente de profano e sagrado, e em última análise, o templo com as suas divisões simboliza o estado de consciência em que nos encontramos. Desta forma, o templo em si representa um estado intransponível de pureza e santidade para os seus membros. As funções-cargos expressas no ritual e as disposições do templo são personificações simbólicas das leis psicológicas que actuam na psique (CAMPBELL, 2007; MAXENCE, 2010), conforme será demonstrado neste estudo.

Rituais ou simples gestos simbólicos identificam a nossa consciência com o campo essencial de acção. O soldado que retorna da guerra, ao passar pelo Arco do Triunfo, um rito de passagem, acaba deixando a guerra para trás. Da mesma forma, ao passarmos pela sala dos passos perdidos e posteriormente pelo átrio, sabemos que estamos num local consagrado para a prática do bem, o Templo Maçónico. Assim, as salas que antecedem o templo, cumprem a função psicológica de devidamente introduzir o adepto num local que, por meio dos seus símbolos, colabora para o ingresso a um estado da consciência necessário para que o ritual cumpra o seu dever cognitivo de forma efectiva (JUNG, 1978; VAN GUENNEP, 2011).

De acordo com a psicologia analítica de Carl G. Jung, a psique divide-se em três níveis: A consciência, o inconsciente pessoal e o inconsciente colectivo (HALL & NORDBY, 2010). Conforme se segue abaixo, tais divisões se conciliam em significados e funções com os cómodos de uma Loja Maçónica do Rito Escocês Antigo e Aceito, ou seja, sala dos passos perdidos, átrio e templo, sendo que na parte interior, teremos o ocidente e o oriente.
Nível 1 – Consciência: Sala dos Passos Perdidos

A consciência é a única parte da psique a qual conhecemos directa e objectivamente (HALL & NORDBY, 2010), e nela tudo ocorre geralmente de forma racional e lógica. Da mesma forma, isto também ocorre antes de entrarmos no templo, pois é na sala dos passos perdidos que tudo ainda ocorre de forma desprovida de questões oníricas, sem sinais ou gestos simbólicos.

O significado psicológico de persona, para Jung, é aquela parte da personalidade desenvolvida e usada nas nossas interacções mundanas, ou profanas, no vocabulário maçónico. É a nossa face externa consciente, a nossa máscara social, como veículo não da nossa real vontade, mas da nossa necessária aceitação (JUNG, 1978; HALL & NORDBY, 2010). Assim que, nas iniciações maçónicas, o gesto dos candidatos serem despidos de todos os metais, e iniciarem todos exactamente da mesma forma, significa que, naquele momento, o indivíduo despe-se das suas personas. Este des­prendimento faz-se necessário visto que, conforme Jung, no nível do inconsciente pessoal – que citaremos logo adiante – não há persona, a qual se manifesta apenas no nível consciente.

O crescimento psicológico ocorre, de acordo com Jung, quando alguém tenta trazer o conteúdo-conhecimento do inconsciente, para o nível consciente, e estabelecer uma relação entre a vida consciente e o nível arquetípico da existência humana (JUNG, 1978; JUNG, 2011b). O homem que assim o fizer, haverá de reconhecer as origens dos seus problemas no próprio inconsciente, pois a pessoa que não torna consciente as suas limitações e defeitos, acaba por projectar sobre os outros tais percepções negativas (HALL & NORDBY, 2010). Fazendo o devido paralelo, o crescimento na senda maçónica somente ocorre quando se aplica no chamado mundo profano o que se estuda e aprende no mundo maçónico, que é neste quadro comparativo o referido inconsciente pessoal, e assim tem-se a oportunidade de transformar o conhecimento em sabedoria.
Nível 2 – Pré-consciência: Átrio

Para Freud, a consciência humana sub­divide-se em três níveis, chamados de Consciente, Pré-Consciente e Inconsciente. O estado inter­mediário entre a Consciência, abordada no Nível 1, e o Inconsciente, que será abordado no Nível 3, é o de Pré-consciência, o qual tem por característica uma experiência munida de relativo equilíbrio entre um material perceptível e um material latente (FREUD, 1972).

Desta forma, tem-se o átrio do templo maçónico como representativo desse estado de pré-consciência, visto o átrio, apesar de muitas vezes interpretado como sendo uma extensão do templo, é fisicamente um cómodo intermediário entre a sala dos passos perdido e o templo maçónico. Nele ocorre o momento de transição entre os estados psicológicos, em que os maçons se concentram, geralmente com as luzes (Publicado em freemason.pt) apagadas, para se desvencilharem dos problemas e pensamentos do chamado “mundo profano” e adentrarem ao interior do templo. Assim, o átrio assemelha-se em correspondência com o pré-consciente na medida em que ambos não possuem uma natureza específica, mas sim transitória. Portanto, este estado intermediário tem por objectivo introduzir o personagem no recinto onírico e simbólico seguinte.
Nível 3 – O Inconsciente Pessoal: O Templo Maçónico

Todas as experiências que se têm, mesmo aquelas consideradas esquecidas, mas que todavia não deixaram de existir, são armazenadas no inconsciente pessoal. É neste nível que ocorrem os sonhos quando se está dormindo, e como todos sabem, tais eventos sonhados são dotados de acontecimentos surreais e ilógicos perante a nossa realidade objectiva (JUNG, 2005).

Assim o Inconsciente Pessoal encontra correspondência com o templo maçónico, onde a ritualística e os símbolos alcançam a totalidade dos trabalhos, e estes retratam bem o estado fictício e mítico do drama maçónico, estado este que – paralelamente – também é encontrado nos sonhos, com os seus símbolos abstractos, passagens ilógicas e surreais, onde tanto no estado onírico como na ritualística, pode-se viajar do Oriente ao Ocidente com alguns poucos passos, e do amanhecer ao pôr do sol, vai-se em alguns minutos, semelhante ao que ocorre nos sonhos, pois no nível do inconsciente pessoal não há uma limitação objectiva. Da mesma forma o simbolismo da ritualística não possui um senso lógico. Ambas linguagens (sonhos e ritualística) são figuradas.

Assim como o ritual maçónico não é literal e tem por objectivo transmitir instruções morais, os sonhos também não o são e, segundo Jung (2011d), o crescimento e amadurecimento moral são a real e efectiva finalidade dos sonhos. Desta forma, em ambos os casos se perde o efeito do lógico e racional, para com isso, trabalhar o simbólico e onírico. Sendo assim, interpretar o ritual maçónico de forma literal é um erro lastimável, ao passo que o sonho, inexoravelmente, também deve ser interpretado de forma não literal (JUNG, 2012).

Os conceitos de Anima e Animus foram talvez as duas mais importantes descobertas de Jung. Ambos são aspectos inconscientes de um indivíduo. O inconsciente do homem encontra ressonância com o arquétipo feminino, chamado de Anima, enquanto que a mulher associa-se com o arquétipo masculino, chamado de Animus. Cabe notar que quando se fala de masculino e feminino, quando se tratando de Animus e Anima, está a referir-se às expressões e características, e não algo literal (JUNG, 2011b; JUNG, 2012), pois, como supramencionado, o inconsciente reside num nível atemporal, inteiramente psicológico, portanto não material.

A Anima manifesta-se na psique de forma emocional, passiva e intuitiva, por outro lado, o Animus manifesta-se de forma racional, activa e objectiva. Jung costuma relacionar Anima ao deus grego Eros, o deus do Amor, ao passo que Animus é relacionado com o termo Logos, que significa verbo, razão (JUNG, 1978). No templo maçónico tal equilíbrio dual é conhecido pelas duas colunas, Boaz e Jachin. No Rito Escocês, os Aprendizes Maçons tomam assento do lado da coluna Boaz, e ali são instruídos sobre a educação moral, espiritualidade e ética maçónica, conceitos perfeitamente associados ao arquétipo de Anima. Já do lado da coluna Jachin tomam assentos os Companheiros Maçons, que, ao contrário dos aprendizes, possuem as suas instruções voltadas para as artes ou ciências liberais, bem como para algum conhecimento esotérico, que são características de Animus. Ao Oriente vê-se o Sol e a Lua, que são símbolos conhecidos do Animus e da Anima.

Desta forma, Boaz e Jachin, representam Anima e Animus, e a consecução entre ambas colunas representa o Casamento Alquímico, a totalidade do ser, ou seja, o Equilíbrio Perfeito, o Mestre. Aquele que caminha com tal união, anda pelo caminho ou câmara do meio (CAMPBELL, 2008), no nosso caso, o Mestre Maçom.
Nível 4 – Inconsciente Colectivo: Sólio do Ori­ente

Teoria proposta pela Psicologia Analítica, o inconsciente colectivo difere do inconsciente pessoal, visto que não se trata de experiências individuais, mas, como o nome sugere, são experiências colectivas (JUN, 1978). Trata-se de uma espécie de reservatório de imagens, estas chamadas de imagens arquetípicas. Tais imagens e concepções são herdadas pelo homem de forma inconsciente através do inconsciente pessoal. O inconsciente colectivo estimula no homem desde o nascimento um comportamento padrão pré formado. Assim, recebemos a forma do mundo numa imagem virtual e essa imagem transforma-se em realidade consciente quando, durante a vida, identificamos os símbolos a ela correspondentes (JUNG, 2011b).

Os conteúdos do inconsciente colectivo são denominados de arquétipos. Um arquétipo é compreendido como um modelo original que conforma outras coisas do mesmo tipo, semelhante a um protótipo (JUNG, 2011b). Tanto o inconsciente colectivo como o arquétipo se confundem com aquilo que chamamos de egrégora.

Jung acreditava que tanto a experiência quanto a prática religiosa eram fenómenos que tinham a sua fonte no inconsciente colectivo (JUNG, 2011c). O céu, o inferno, o Jardim do Éden, o Olimpo, são interpretados pela psicologia junguiana e freudiana como símbolos do inconsciente (JUNG, 2011c; FREUD, 1972), e se enquadram ao simbolismo do dossel e do sólio no Oriente, localizado a sete degraus acima do nível onde se encontram os Aprendizes, Companheiros e Mestres, onde se encontra o chamado Trono de Salomão e que possui estampado o olho que tudo vê no Rito Escocês Antigo e Aceito.

Assim como o inconsciente colectivo dispõe da pré-formação psíquica da psique (JUNG, 1978), o direccionamento dos trabalhos vem do Oriente da Loja, além de que as informações originais da Loja, presentes na carta constitutiva, também se localizam na região do sólio.
Os efeitos e sinais da Ritualística Maçónica no Inconsciente

Os rituais praticados e todas as suas repetições centram o indivíduo dentro dos propósitos do mito, pois o ritual é a simples representação do mesmo. Ao participar de um (Publicado em freemason.pt) ritual, vivencia-se a sua mitologia. Assim, tais gestos e movimentos transcendem os adeptos (CAMPBELL, 2008), como, por exemplo, na execução mito de Hiram Abiff, que ocorre no grau de Mestre Maçom. Tornar-se Mestre Maçom é o mesmo que Jung chamava de processo de individuação para realização do Si mesmo (MAXENCE, 2010).

Quanto à ritualística e ao seu potencial psicológico, Jung (2011b), discorre sobre a psicologia analítica e as formas de actuar no inconsciente pessoal do indivíduo:

Outra forma de transformação é alcançada através de um ritual usado para este fim. Em vez de se vivenciar a experiência de transformação mediante uma participação, o ritual é intencionalmente usado para produzir tal transformação. (…) Se recebe um novo nome e uma nova alma, ou ainda se passa por uma morte figurada, transformando-se num ser semidivino, com um novo carácter e um destino metafísico transformado. (Os Arquétipos e o Inconsciente Colectivo, CARL GUSTAV JUNG, 2011, p. 231)

Desta forma, o indivíduo que vivencia o ritual, as iniciações, elevações e exaltações, acaba por se transformar, seja pelas convicções conscientes ou pela influência do inconsciente (JUNG, 1978).

Os maçons devem, portanto, realizar reflexões da simbologia maçónica. Ao executar um ritual de alto valor cultural, com gestos e passa­gens incomuns à sociedade, o qual, sob um olhar céptico e profano, pode ser considerado como infantil e ingénuo, deve o Maçom analisar tais movimentos a nível psicológico, onde reside a sua maior força e resultado. Ademais, abordar o ritual maçónico ou qualquer outro ritual sem um entendimento psicológico e simbólico do seu significado, é como ver animais nas nuvens, ou seja, um exercício de vontade e imaginação sem maiores resultados.

Conhecendo a antropologia das sociedades primitivas, Jung comparou a vida com a trajectória do sol num dia. A primeira parte, do nascimento para a sociedade, é semelhante ao amanhecer do sol. A segunda parte, da participação efectiva no mundo e na sociedade, é semelhante ao meio dia. E, enquanto o desafio da primeira metade da vida é a própria vida, o desafio da segunda metade é a própria morte, representada pelo anoitecer (CAMPBELL, 2008; JUNG, 2005).

Para o primitivo não bastava ver o Sol nascer e declinar. Esta observação exterior correspondia a um acontecimento anímico, isto é, o Sol representava na sua trajectória o destino de um Deus. Todos os acontecimentos mitologizados da natureza, tais como o Verão, Inverno, amanhecer, meio dia e por do sol, as fases da lua, as estações, não são alegorias destas experiências objectivas, mas sim, expressões simbólicas do drama interno e inconsciente da alma, que a consciência humana consegue apreender através da dramatização dos rituais maçónicos (JUNG, 2011b).

Outro detalhe ritualístico curioso relativo ao sol é a circulação em sentido horário, também chamada de dextrocêntrica. Uma prática tão antiga quanto a Maçonaria. Os gregos e romanos tinham o lado direito como favorável, visto que este, de forma geral, favorece mais o seu dono do que o esquerdo. Relacionaram tal procedimento ao aparente movimento que o Sol faz diariamente em torno da Terra. Assim, estas civilizações, tendo sempre o aparente movimento do Sol como referência, adoptavam a circulação em sentido horário, tendo altares, fogueiras, totens ou sacrifícios como eixo dos seus templos (ISMAIL, 2012).

A função psicológica da ritualística maçónica é a de restaurar um equilíbrio psicológico por meio do sistema mitológico proposto pela instituição, de modo a produzir um material onírico no inconsciente dos seus membros (JUNG, 2005). Desta forma, o conhecimento da Maçonaria retrata um estudo do inconsciente, tanto do inconsciente pessoal, através dos efeitos directos da ritualística, como do inconsciente colectivo, através do estudo da Mitologia Maçónica.

Nos rituais tribais de iniciação os membros recebem uma marca, que nos tempos actuais figura como simbólica (VAN GUENNEP, 2011), e que distinguem o iniciado dos não iniciados. Na iniciação no Rito Escocês isto ocorre com uma chancela no peito esquerdo. Seja uma marcação física ou apenas simbólica, tais actos ritualísticos operam igualmente no inconsciente (JUNG, 2005).

A prática de diferentes termos linguísticos também é usada para separar o sagrado do profano nos grupos religiosos (VAN GUENNEP, 2011). Este exemplo é um dos diferenciais da ritualística maçónica, onde uma linguagem própria é comumente adoptada. Inúmeros são os exemplos disto no Rito Escocês, como justo e perfeito, tronco, Huzzé, sólio, pálio, veneralato e muitos outros.
Conclusões

Em síntese, a mitologia pode ser entendida, sob a óptica da Psicologia Junguiana, como um sonho colectivo, sintomático dos impulsos arquetípicos existentes no interior das camadas profundas da psique humana (JUNG, 1978), ou, numa visão religiosa, como a revelação de Deus aos seus filhos. Tanto a mitologia como os seus símbolos são metáforas reveladoras do destino do homem e nas diversas culturas são retratadas de diferentes formas (CAMPBELL, 2007). Sendo assim, a vivência do drama de um mito nada mais é do que uma ferramenta de compreensão e promoção do crescimento psicológico do individuo, sendo esta a função principal do mito (CAMPBELL, 2008). Assim, a análise para toda questão mitológica, como também, este estudo da ritualística maçónica em questão, é, por derradeiro, o estudo da psique humana.

Em várias sociedades e cultos primitivos, a prática religiosa consistia em vivenciar a Mitologia de forma directa, pois o mito poderia influenciar o executor da prática religiosa de forma indirecta no decorrer das cerimónias, por intermédio do inconsciente. Assim o crescimento (Publicado em freemason.pt) e a finalidade da Mitologia aconteciam de forma particular em cada um, como uma semente que aos poucos iria germinando (JUNG, 2005). Entendimento similar ocorre na Maçonaria e é explicitado quando maçons dizem aos neófitos na Palavra a Bem da Ordem que “hoje você entrou para a Maçonaria, mas precisa deixar que a Maçonaria entre em você”. A tradição maçónica conserva estes costumes como forma de instrução aos seus membros, sendo actualmente uma das poucas instituições em que o homem pode ter contacto com tais experiências (BLAVATSKY, 2009).

Rafhael Guimarães
Notas

[1] O termo “Monomito” é de autoria de James Joyce, da obra “Finnegans Wake”.

[2] O conceito adoptado nesta obra de símbolo é o da Psicologia Junguiana, que difere do conceito semiótico de símbolo instituído por Ferdinand de Saussure, pai da linguística, bem como também difere parcialmente de certas análises Psicanalíticas de Freud.

[3] O termo “templo maçónico” é comumente usado nos ritos maçónicos de origem latina. Os de origem anglo-saxónica costumam chamar o local de reuniões de “Sala da Loja”.
Bibliografia
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