INICIAÇÃO - O CAMINHO DAS VIRTUDES
Inicia-se na escuridão. O caminhante cego é conduzido pelo seu guia a iniciar uma jornada, que no final, dizem, devolver-lhe-á a visão.
Mesmo amparado, caminha trôpego, instável e inseguro. Todos os quatro sentidos restantes de percepção estão funcionando ao máximo das suas capacidades. Cada som, cada odor, cada detalhe do relevo é importante. Na falta da luz, a mente trabalha ao máximo da sua capacidade para compensar a falta de visão.
Alguém sussurra palavras de apoio aos seus ouvidos, as quais o acalmam. No proceder gentil, terno e suave desta pessoa denota-se consideração quase contemplativa, semelhante a acto de adoração. E esta Polidez desenvolve no caminhante o efeito semelhante ao apoio do cajado, que o ampara nos momentos de dificuldades e desequilíbrios das estradas. E mais, enche-o de moral frente aos possíveis perigos; pois é propalado que, na via que pretende passar, existem inúmeros riscos e armadilhas. Já está consciente da necessidade de muita bravura para superar os perigos à sua frente. A Coragem surge então como o ponto de prova mais elevado para seguir no caminho em toda a sua extensão.
O caminhante já sabe que a via possui segredos que possibilitam perspectivas de um futuro promissor, principalmente visando à continuação da construção e o acabamento do seu templo interior, da sua condição humana aperfeiçoada. Sabe também que, a matéria prima a ser utilizada nesta obra será retirada do interior dele mesmo, independente das suas limitações e imperfeições. Inclusive, e como bem maior, ser-lhe-á possibilitado ver a luz em matizes diferentes dos até então observados. Tem a promessa que estes bens serão adquiridos não por dinheiro, mas ser-lhe-ão doados se dispuser de coração onde reina a Pureza.
Para demonstrar que possui coração puro, é submetido a testes de integridade. Passa por pontes instáveis, é ameaçado com arma branca, sente-se rejeitado, é inquirido, é admoestado, enfim, passa por uma série de actividades que, noutra situação, seriam encaradas como ultraje. Vence as provas representadas simbolicamente pela Terra, Ar, Água e Fogo.
O caminho em que pisa possui inúmeras passagens secretas, que abrigam tesouros materiais, intelectuais, ritualísticos e espirituais. É exigida dele a Fidelidade para com a manutenção destes segredos. Tudo mediante juramentos e acompanhado de advertências severas. Os moradores locais usam de muita Prudência com a pretensão do passante. Usam de múltiplos expedientes para descobrir e desarmar eventuais tentativas de aventura leviana. A Prudência, filha mais velha da Sabedoria, é requisitada diversas vezes na tomada de decisões em todos os questionamentos e juramentos.
Conforme vai sendo aprovado em cada etapa, segredos passam a ser-lhe revelados:
É recomendado que desenvolvesse moderação e sobriedade ao consumir comida e bebida, bem como comedimento em outros prazeres da vida. A Temperança é apresentada como rumo para a felicidade da alma e da saúde do corpo.
É perceptível um refinado senso de Humor em alguns dos procedimentos.
É orientado a desenvolver o reconhecimento por alguém que lhe prestou um benefício, fazendo da Gratidão um modelo.
É exortado a se dispor a sacrificar os seus próprios interesses em benefício da colectividade e de tornar a magnanimidade constante na sua vida. Onde perder uma ocasião de ser útil é considerado infidelidade e um socorro recusado, perjúrio.
Nunca doar nada de forma aviltante ou de modo a ofender àquele que recebe.
Nunca tornar pública a sua doação, ou gabar-se dela, para obter reconhecimento e louvor.
Cultivar permanentemente a Simplicidade e a Boa Fé.
Praticar a Generosidade, a qual trará progresso à vida familiar e secular. E que esta virtude triunfe sobre a indiferença.
Desenvolver sentimento piedoso para com a tragédia pessoal de outrem, principalmente dos seus companheiros. E este deve estar acompanhado do desejo de minorar a dor.
Praticar a Misericórdia que compele à participação não apenas material, mas também, espiritual da infelicidade alheia. Suscitar um impulso altruísta de participar do sofrimento de outrem, com Ternura para com o sofredor.
Fazer da Compaixão e do Amor as virtudes mais preciosas da vida, na medida em que, munido de Tolerância, reconhece que cada ser humano é parte da humanidade, independente de raça, cor, religião, cultura e ideologia.
Não apenas desenvolver a Humanidade em pensamentos de generosidade diante do sofredor, mas desenvolver a Doçura que o impede de produzi-la ou de aumentá-la.
É convocado a se alistar numa tropa de elite, homens de escol treinados em agir contra a tirania e a escravidão resultantes da força sem Justiça.
Que a Justiça deve começar na sua própria casa, de uma forma para a qual se deve desenvolver uma estabilidade nas decisões a partir de um bom coração, e do Amor dirigido pelo equilíbrio entre racionalidade e emotividade.
É estimulado ao estudo da verdade independente de dogmas religiosos ou filosóficos. Praticando permanentemente o que é justo à semelhança de uma fortaleza inexpugnável, no alto de uma montanha indestrutível que não pode ser abatida pela força ou acção de nenhum exército. Onde este forte e esta montanha inexpugnável é o Grande Arquitecto do Universo, conceito que engloba todas as divindades que o homem cria em si.
O caminhante a tudo absorve avidamente, pois já sabe que está no lugar certo, e que o Criador, só se faz presente onde as pessoas se tratam como irmãos e têm profundo sentimento de Amor de uns pelos outros. Um Amor que transpõem barreiras raciais, sociais e nacionais, unindo pessoas em genuína fraternidade universal. E decide definitivamente no seu coração e na sua mente, que é num lugar assim que o seu templo poderá receber os acabamentos para ser aprovado por Aquele que construiu todos os Universos existentes. E considera que, como a vida é uma teia tecida de bens e de males, será ali que passará a açoitar as suas virtudes para que estas não se tornem orgulhosas. Pretendendo que virtudes assim tratadas acabem fortalecidas, transpostas não apenas no desenvolvimento de energias para se abster de vícios, mas até, em sequer os desejar.
E termina a escuridão. E o caminhante chega ao final do caminho das virtudes. Faz-se a luz. À sua frente são subitamente revelados, pelo brilho da luz, diversos cavalheiros, perfilados e estranhamente paramentados. Nas suas mãos espadas e estas apontadas directamente ao seu coração. Passado o sobressalto, ele vê, não com os olhos da racionalidade, mas, com os olhos do coração, que das pontas das espadas emerge a mais pura energia do Universo, brota em profusão a maior riqueza que se pode desejar obter, partindo da mais nobre de todas as virtudes, uma que os humanos seres têm capacidade de produzir e doar sem esforço e sem sentimento de perda, a mais importante delas, o Amor.
Charles Evaldo Boller
Bibliografia
COMTE-SPONVILLE, André, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, tradução: Eduardo Brandão, ISBN 85-336-0444-0, primeira edição, Livraria Martins Fontes Editora Limitada, 392 páginas, São Paulo, 1995;
PUSCH, Jaime, ABC do Aprendiz, segunda edição, 146 páginas, Tubarão Santa Catarina, 1982;
Ritual do Grau de Aprendiz Maçom do Rito Escocês Antigo e Aceito, terceira edição, Grande loja do Paraná, 98 páginas, Curitiba, 2001.
Nenhum comentário:
Postar um comentário