sexta-feira, 26 de junho de 2020


O CONCEITO PLOTINIANO DO UNO




Quando discursava,
seu intelecto visivelmente iluminava sua face:
de presença sempre cativante,
nessa época ele havia se tornado ainda mais encantador:
uma leve umidade escorria de sua fronte;
Plotino irradiava benignidade.
(Porfírio, Sobre a Vida de Plotino…)

conceito de Uno atribuído a Plotino (c. 205 – 270) representa uma verdadeira ruptura com o modo tradicional grego de pensar, que até então identificava a unidade com o Pensamento, o Ser. Conhecer o conceito plotiniano de Uno é conhecer uma das principais raízes que, um pouco mais tarde e ao longo da Idade Média, constituiriam o próprio conceito de Deus no cristianismo. Tão relevante é à formação do cristianismo dos primeiros séculos da era cristã, que se credita a ele a fonte que teria levado Agostinho às reflexões que lhe serviram de base para formulação de sua doutrina; porquanto fora através da leitura de Plotino e de Porfírio que o Bispo de Hipona, por fim, conceberia então o conceito do Ser eterno e imutável, a realidade imaterial que transcenderia seu espírito (Bochet, 1996:41). Foram os conceitos do neoplatonismo que conduziram Agostinho à crença de que o universo não somente havia surgido de um Princípio Uno, mas que também tendia a retornar à Unidade (Marrone, 2008:30).


Ao que parece, Plotino era natural Licópolis, no Egito, e fora discípulo de um dos maiores filósofos gregos do período, o alexandrino Amônio Sacas (c. 175 – 242). Amônio de Sacas é considerado por alguns o iniciador do neoplatonismo (Reale, 2008:5), enquanto outros veem em Plotino o próprio fundador dessa linha filosófica (Laurent, 1996:417). Todavia, discordâncias à parte, o fato é que não há muito sobre a vida de Plotino e praticamente tudo que existe a seu respeito vem do breve texto “A Vida de Plotino”, escrito por um de seus mais próximos discípulos, Porfírio de Tiro. Alias, fora também Porfírio quem compilaria a obra plotiniana, organizando-a em cinquenta e quatro tratados, distribuídos em seis grupos de nove tratados cada, chamados de Enéadas (Bezerra, 2006:61).

Na Sexta e última Enéada, Plotino investiga a hipótese do Uno, também citado como Uno-Bem (Bezerra, 2006:66). Conforme Plotino, o Uno – o Primeiro Princípio – é o fundamento e o princípio absoluto (Reale, 2008:41). Assim, em termos hierárquicos, o Uno antecede e gera o Pensamento, que, por sua vez, é identificado com o que ele chama de Espírito ou Inteligência (Nous). Sem o Primeiro Princípio, o Espírito nada seria (Laurent, 1996:423). Ainda segundo a elaboração plotiniana, o Uno se caracteriza por ser absolutamente Uno, e não-múltiplo; sem limites; sem extensão, nem figura; sem movimento, nem repouso; atemporal, sem sentido, nome ou conhecimento (Bezerra, 2006:71).


O Uno ainda constitui a primeira das três hipóstases que compõem o sistema concebido por Plotino. As demais são: a segunda hipóstase, o já citado Espírito; e a terceira hipóstase, denominada de Alma. As hipóstases são sucessivas e ocorrem através do que Plotino denomina Processão (Próodos). Assim, o Uno, por ser livre, através de sua atividade e pela Processão, gera o Espírito. Este último, a seu turno, também pela Processão, gera a terceira e derradeira hipóstase, a Alma, o mundo sensível. Como complemento, seguindo com a teoria de Plotino, haveria ainda o – por assim dizer – caminho de volta. Nesse contexto, paulatinamente, hipóstase por hipóstase e através do que ele entende como Conversão (Epistrophé), caberia ao mundo sensível retornar ao Uno e, por conseguinte, à perfeita liberdade.

Assim foi concebida a idéia do Uno por Plotino: gerador de todas as coisas e, ao mesmo tempo, destino de tudo o que foi gerado. Alguma semelhança com o Deus cristão?

Bibliografia:

BEZERRA, Cícero Cunha. Compreender Plotino e Proclo. Petrópolis: Vozes, 2006.

BOCHET, Isabelle. “Santo Agostinho”; in: LABRUNE, Monique; JAFFRO, Laurent. A Construção da Filosofia Ocidental – Gradus Philosophicus. São Paulo: Mandarim, 1996; pp 41-51.

LAURENT, Jérôme. “Potino”; in: LABRUNE, Monique; JAFFRO, Laurent. A Construção da Filosofia Ocidental – Gradus Philosophicus. São Paulo: Mandarim, 1996; pp 417-425.

MARRONE, Steven P. “A Filosofia Medieval em seu contexto”; in: McGRADE, A. S. (org.). Filosofia Medieval. Aparecida: Ideias & Letras, 2008; pp 27-70.

PORPHYRY, “On the life of Plotinus and the Arrangement of his Work”; in: MACKENNA, Stephen (Ed.). Plotinus – The Enneads. New York: Larson, 1992; pp. 1-21.

REALE, Giovanni. Plotino e Neoplatonismo. São Paulo: Loyola, 2008.

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