terça-feira, 23 de junho de 2020



A HERANÇA GREGA NA MAÇONARIA = PARTE II

por Luiz Marcelo Viegas



A Herança Grega na Maçonaria: o Pitagorismo, os Mistérios Dionisíacos e o Orfismo. A Iniciática Grega e sua relação com a Maçonaria na visão de Theobaldo Varoli Filho

DE VOLTA Á GRÉCIA

O Irmão José Castellani, em artigo publicado com o titulo de “Influência da Antiga Civilização Grega na Simbologia Maçônica”, construiu uma bela e sucinta introdução sobre o que a cultura grega produziu, e que transcrevo a seguir, com o intuito puro e simples de que a mesma refresque as nossas memórias ou sirvam de passagem para a nossa máquina do tempo em sua viagem pelo mundo grego, onde veremos as influências todas que direta ou indiretamente foram assimiladas pela doutrina maçônica.


“Os grandes legados da civilização helênica, a todos os povos, foram, principalmente, baseados na ciência, nas artes, na literatura e na religião. A poesia, heroica e religiosa, surgiu na Trácia e em Delfos, no Templo de Apolo; constituíram-se os ciclos poéticos, inspirados nos fatos históricos, derivando, dessas fontes, os imortais poemas “A ILÍADA” e “A ODISSEIA”, de Homero. O período clássico da literatura grega desenvolve-se entre os séculos V e IV a.C., quando a literatura dramática adquire a potência máxima e o teatro evolui, deixando de ter a sua expressão apenas nas festas dedicadas ao deus Dionísio; a tragédia é moldada com Pratinas, Frínico e Téspis, alcançando a perfeição com Sófocles, Ésquilo e Eurípedes; a comédia toma formas com Epicarmo, Sofron e, principalmente, Aristófanes.


Na filosofia distinguem-se: Euclides e a Escola de Megara, Anaxágoras, Demócrito, Antístenes e a Escola Cínica, Fédon e a Escola de Élis e, principalmente, Aristóteles e o Liceu, Platão e a Academia. A história, cujo principio está em Heródoto, é cultivada por Filistos, Tucídedes, Éforo, Xenofonte e Teopompo; a geografia é impulsionada por Eratóstenes, Nearco e Polemon.


Na matemática e na astronomia, destacam-se Euclides e Arquimedes, enquanto que a filologia tem como seus expoentes, Aristarco, Calímaco e Zenódoto, tudo isso ao par com os ensinamentos dos pensadores jônicos, como Tales de Mileto, Pitágoras de Samos e Heráclito de Éfeso. A arquitetura, especialmente a dos Templos, sempre foi muito desenvolvida, desde a Grécia arcaica, de maneira geral, nas concepções religiosas pertinentes aos deuses olímpicos, semideuses e heróis, e especificamente no culto a Dionísio, nos Mistérios de Elêusis, no Orfismo e no Pitagorismo. O gênio grego, grande influenciador na cultura do mundo antigo, através de Roma, chegou até ao mundo contemporâneo ainda com grande influência moral, intelectual e artística, e ao qual, a riqueza da Simbologia Maçônica não poderia escapar.”


De volta à civilização grega então, vamos conhecer quais os outros Mistérios que faziam parte desse universo. Antes, um trecho acerca dos mesmos, extraído da obra “MAÇONARIA – Escola de Mistérios – A Antiga Tradição e seus Símbolos” do Irmão Wagner Veneziani Costa:

“De Pitágoras a Plutarco, os professores do passado testemunharam em favor dos Mistérios, até Cícero, que declarou que ‘o aprendizado do homem na morada do lugar Oculto o compelia ao desejo de viver de maneira nobre e suscitava pensamentos felizes para a hora de sua morte’. O homem vivia sua época majestosa; eles não eram somente sublimes e nobres mas, também, elevados e sutis.


Platão dizia que os Mistérios foram estabelecidos por homens de grande talento que, no início dos tempos, se esforçaram para ensinar a pureza, para superar a crueldade da raça, para exaltar sua moral e refinar seus modos e para conter a sociedade por meio de vínculos mais fortes do que aqueles impostos pelas leis humanas. Sendo esses os seus propósitos, aquele que se importa com a vida do homem, em geral, entrará em seus santuários desaparecidos com compaixão; e se nenhum Mistério mais se liga ao que eles ensinaram – nem mesmo a sua antiga alegoria da imortalidade -, há interesse permanente em seus ritos, em sua dramatização e em seus símbolos empregados no ensinamento da sábia, virtuosa e bela Verdade. Estamos cada vez mais seguros em afirmar que a ideia e o uso da iniciação, são tão antigos quanto a Casa dos Homens da sociedade primitiva, pois eram universais e assumiram formas diferentes em territórios diferentes.”

COMENTÁRIOS

A título de ilustração, e baseado em outro tanto no que até aqui foi exposto, considerando ainda o trabalho que precedeu este, atentemos para alguns detalhes importantes que deveremos ter em mente:
Os Mistérios eram praticados por vários povos da antiguidade, não era um privilégio dos gregos, tanto que, aos Mistérios de Elêusis tem sido atribuídas várias origens, entre elas, a egípcia, a cretense, a tessálica ou trácia.
Os Mistérios de Elêusis são considerados os mais importantes, ainda restando o Pitagorismo, e esse, sem dúvida, por ter sido liderado por Pitágoras, bastante familiar aos Maçons em virtude dos ensinamentos de Pitágoras serem constantes na Ordem Maçônica. Havia outros Mistérios, com certeza. Ouçamos o Irmão Luiz Vitório Cichoski, que à pág. 86 do seu livro, “Fundamentos da Iniciação”, diz assim: “Nos relatos históricos da Maçonaria menções à Grécia são uma constante. São sempre lembrados os Mistérios relativos às sociedades Eleusina, Órfica, Pitagórica, Dionisíaca.”
No que tange aos Mistérios Gregos, a prioridade então, é abordar somente aqueles que possuem ligações mais perceptíveis com a Maçonaria no que se refere a sua herança, e onde o Pitagorismo, com certeza, tem sua devida importância.

QUEM FOI PITÁGORAS?

Antes, vejamos uma biografia do filósofo e matemático Pitágoras, com dados extraídos do “Dicionário de Maçonaria”, esse que já é um clássico do Irmão Joaquim Gervásio de Figueiredo:

“PITÁGORAS (580-500? A.C.). Célebre filósofo grego, nascido na ilha de Samos e fundador da escola Pitagórica, depois de haver estado no Egito, onde foi iniciado no santuário de Tebas, e na Caldeia e Índia, onde estudou astronomia, astrologia e ciências matemáticas, esotéricas, etc. No último destes países é conhecido com o nome de Yavanâchârya (‘O Mestre Jônio’). À sua escola afluíam as melhores inteligências dos centros civilizados, e seus discípulos se tornaram lendários por seus conhecimentos sobre conduta social, fidelidade a seus princípios, e exemplar espírito de solidariedade e fraternidade. Foi o primeiro a ensinar o sistema heliocêntrico, sendo considerado o maior matemático, geômetra, astrônomo e metafísico da antiguidade histórica, e professou a doutrina da reencarnação ou metempsicose, mas sem as distorções que alguns lhe adicionam. Uma conjuração política suscitada em Crotona, encabeçada por Cylon, cuja admissão fora recusada na Ordem por ter sido julgado ambicioso e cruel, voltou-se também contra essa Escola, destruiu-a e massacrou muitos de seus membros. Pitágoras desapareceu então misteriosamente e nunca se encontrou seu corpo. De sua doutrina restam os ‘Versos Áureos de Pitágoras’, que ainda percorrem o mundo, e muitos Irmãos consideram ser a Ordem Maçônica uma sua continuadora. Segundo uma lenda, ele chegou a ir às Gálias para iniciar-se ali também nos Mistérios Druídicos.”

Aliás, sobre esses mesmos Versos Áureos temos um comentário verdadeiramente esclarecedor do Irmão Theobaldo Varoli Filho:

“(…) A propósito, é muito lamentável que certas lojas maçônicas costumem exibir, nos seus salões de PP.’.PP.’., certas versões dos ‘Versos Áureos’ ou ‘Carmen Aureum’, traduzidas do latim e deturpadas por tradutores maçons, os quais, por sua vez, atribuíram o canto diretamente a Pitágoras, quando deveriam esclarecer-lhe a verdadeira procedência. Esses versos resultaram de uma síntese de várias e poucas máximas apregoadas por discípulos da escola itálica ou pitagórica. ‘Venera os deuses de acordo com a sua condição, cumpre a tua palavra, honra os heróis e os gênios que estão debaixo da terra’(ctônicos), eis alguns trechos dos Versos Áureos, proclamados como mandamentos. No mais, é quase despido de importância o que esse versos possam oferecer à filosofia do simbolismo maçônico, pois os ensinamentos pitagóricos tem muito maior alcance na doutrina da Maçonaria, a partir do conceito do Uno e a seguir, na interpretação dos números das figuras geométricas, na iniciática da díada e dos opostos, estudada no grau de companheiro e originalmente inspirada na Tábua das Oposições (contrastes) atribuída ao médico Alcmon. Este discípulo de Pitágoras foi aquele que em primeiro lugar proclamou que o cérebro é o centro de sensibilidade.”

COMENTÁRIOS

Vou fazer um comentário bem sucinto, até pelo fato de possuir um trabalho, que foi publicado pela revista “A Trolha” em sua edição de nº 325, Novembro/2013, que se intitulava “Comentário e Síntese do Grau mais Histórico e Intelectual da Maçonaria: o de Companheiro Maçom”. Pois é, lendo as considerações do Irmão Theobaldo Varoli Filho, principalmente quando ele menciona que os ensinamentos pitagóricos tem maior alcance na doutrina maçônica e que são estudados no Grau de Companheiro Maçom, eu me remeto àquele trabalho, onde entre outras coisas eu escrevi: “Se existem poucas sessões de Companheiro, desculpa muito utilizada, mas, verdade verdadeira, não poderá ser um impeditivo para que sejam montados grupos de estudos em períodos pré-sessão, ou num outro dia, previamente escolhido, onde Companheiros possam ouvir aos seus Mestres instrutores, sobre as questões todas que os afligem e assim crescerem em conhecimento, bebendo da história, da ritualística, da filosofia e da ciência tão presentes nesse que é o Segundo Grau da Maçonaria Simbólica.” Sem generalizar, mas, Pitágoras, nem é tão falado assim, muito menos estudado como deveria.

O PITAGORISMO

O “Vade-Mécum Maçônico” do Irmão João Ivo Girardi dá-nos as seguintes informações sobre o Pitagorismo (pág. 503):

“O Pitagorismo foi um movimento de reforma do Orfismo grego, que era uma religião de contornos vagos, mais uma disposição de espírito do que uma doutrina racional, a qual concebia um ideal de vida purificada, ascética e virtuosa, insistindo na oposição da alma e do corpo e na responsabilidade individual.”

Ainda, em sua pág. 419, no item 3 do verbete “Mistérios Gregos”, temos:

“Pitágoras: foi buscar os princípios de sua doutrina filosófica na Índia e no Egito, depois de haver sido iniciado nos Mistérios Gregos. Sempre encobriu a sua filosofia com o véu dos Mistérios – tinha um cuidado especial na escolha de seus discípulos. Dividia-os em três categorias:

I – Ouvinte (Alkoustikoi) – deveria demonstrar três anos em meditação, ocasião em que se lhes prescrevia certos trabalhos intelectuais, cujos resultados, se satisfaziam o Mestre, facultavam a ascensão à segunda etapa;

II – Matemático (Mathematikoi) – nesta etapa, que durava cinco anos, o candidato devia permanecer em profundo silêncio, ouvindo a voz do Mestre através de um véu que ocultava a entrada do Santuário. Como já se encontra numa fase mais avançada devia por em prática o cerne da doutrina pitagórica: relacionar os diversos ramos da matemática com a música, descobrindo as correspondências entre as ciências;

III – Físico (Physikoi) – ao alcançar este estágio estava apto a receber o perfeito conhecimento da doutrina sagrada. A física era conhecida não no sentido atual do termo, porém como era usado na Grécia Clássica: o estudo da natureza.

Os iniciados entregavam-se ao estudo místico dos mistérios da natureza e da vida interior do homem. O símbolo distintivo da comunidade criado por Pitágoras era uma estrela de cinco pontas, que representa em sua posição normal – vértice para cima – o homem em sua alta espiritualidade, pois, nela, pode-se inscrever uma figura humana, com a cabeça ocupando a ponta superior e os membros superiores e inferiores as demais pontas. Por isso, ela é chamada de Estrela Hominal, representando a sabedoria, a gnose e a espiritualidade, com todos os seus atributos.

(…) Diz José Castellani: ‘Os três Graus maçônicos (Aprendiz, Companheiro e Mestre) representam as três grandes fases da evolução do pensamento do homem; intuição, análise e síntese; de maneira geral, os três estágios das escolas pitagóricas seguem também, essa evolução. Além disso, os Ouvintes do pitagorismo, guardavam absoluto silêncio, durante o seu aprendizado, limitando-se a ouvir e aprender, situação muito similar a da Maçonaria, onde o Aprendiz, simbolicamente, é uma criança e, portanto, não fala, limitando-se, também, a ouvir os Mestres. Os Mestres na maçonaria possuem também, no simbolismo de seus trabalhos, semelhança com os Físicos do pitagorismo, pois, ambos tem o escopo de estudar os mistérios da natureza e a vida interior do homem’.”

Muito oportuno é registrar o trecho que dá sequência, já que ajuda a cumprir um dos objetivos principais do presente trabalho que é mostrar as heranças da Maçonaria e do quanto ela está impregnada com essas mesmas influências:

“A tradição de Pitágoras foi transmitida para as Escolas Neoplatônicas. Seus ensinamentos internos vieram a influenciar nos ensinamentos cristãos e formaram, também, a base de muitas escolas de instrução mística, aparecendo atualmente em muitos Graus Maçônicos superiores. Em Loja Maçônica composta – tal como temos na atualidade – encontramos perfeitamente a teologia grega, na representação de vários cargos.”

E também:

“O Pitagorismo não foi um movimento efêmero, mas muito sério; a prova disso é o seu extenso período de influência; uma Escola que dava início às novidades provindas do intelecto. Seus conhecimentos incursionavam pela filosofia, geometria, astronomia, matemática e música. Primeiro desvendador da alma e precursor da psicologia, o seu saber envolvia misticismo, verdades e fantasias. Pitágoras foi inovador em alguns princípios considerados tabus na época, como o heliocentrismo, unidade invisível de Deus, igualdade de condições entre os sexos, na transmigração das almas, ou metempsicose; na dissociação entre astronomia e astrologia, a química com a alquimia e, sobretudo o amplo significado dos números. Afirmava ‘que todas as coisas são números’. É aqui que a Maçonaria encontra guarida de vez que valoriza os números e com eles tece a tênue fusão entre o pensamento e a divindade. A Arte Real dimensiona o Grande Arquiteto do Universo, usando a Geometria.

(…) Uma boa parte da religião e filosofia dos egípcios parece ter sido construída quase totalmente sobre a ciência dos números; por isso, cada coisa na Natureza era explicada com base neles. Os Pitagóricos os tinham em tão elevada opinião que chegavam a considerá-los como a origem de toda as coisas, admitindo mesmo que o conhecimento dos números era equivalente ao conhecimento de Deus. Os sacerdotes egípcios ensinaram a Pitágoras que, enquanto a Mônada – número 1 – possuía a natureza de causa eficiente, dualidade era meramente matéria passiva.

Um ‘ponto’ correspondia à Mônada, sendo ambos indivisíveis; e como a Mônada era o princípio dos números, também o ponto, a sua vez, era das linhas. Uma linha, diz com dualidade, sendo ambas consideradas como ‘transições’. A linha é um comprimento sem largura, estendendo-se entre dois pontos. Uma superfície liga-se a tríade porque, em adição ao dual, isto é, o comprimento e a largura, possuem a terceira propriedade, que é efetivada pela atribuição de três pontos, sendo dois opostos entre si e o terceiro na junção das linhas feitas pelos outros dois. Um sólido ou cubo representa a tétrada; se se dispuser três pontos em forma triangular e colocar-se um quarto ponto central sobre eles, ter-se-á um corpo sólido na forma de uma pirâmide, que tem três dimensões – comprimento, largura e altura.

Expressando sua opinião sobre os Corpos Regulares de Platão, os pitagóricos arguiam que o mundo era feito por deus ‘em pensamento e não no Tempo’, e que havia Ele começado Sua Obra com fogo e o 5º Elemento; por isso, há cinco figuras de corpos sólidos que são expressões matemáticas. E dizem que a terra foi feita de um cubo, o fogo de uma pirâmide, o ar, de um octaedro, a água de um icosaedro (20); e a Esfera do Universo, de um dodecaedro. E assim foram deduzidas as combinações da Mônada com princípio de todas as coisas. Da Mônada veio a dualidade indeterminada; delas duas vieram os números; dos números os pontos; dos pontos, as linhas; das linhas, as superfícies; das superfícies, os sólidos; destes, os corpos sólidos cujos elementos são quatro – fogo, água, ar e terra. De todos eles sob várias transmutações, foi criado o mundo.

Pitágoras ensinou a seus discípulos a Geometria, da qual podiam ser capazes de deduzir uma razão para todos os seus pensamentos e ações, bem como averiguar a verdade ou a falsidade de qualquer proposição através do infalível processo de demonstração matemática. Assim sendo, capazes de contemplar a realidade das coisas e detectar o embuste e a fraude declarava-se estar no caminho que levava à felicidade perfeita. Tal era o ensino e a disciplina das Confrarias Pitagóricas.”

OS MISTÉRIOS DIONISÍACOS

Do “Vade-Mécum Maçônico”, também transcrevemos o verbete DIONÍSIO, onde de forma resumida há menção ao culto também. Diz assim:

“DIONÍSIO: Deus grego (Baco para os romanos), era filho de Zeus (Júpiter para os romanos) e, além de ser o protetor da vegetação e das vinhas, era, também, o deus dos mortos, através das promessas de ressurreição. O culto a Dionísio apresentava muitos aspectos, pois, pelas promessas de ressurreição, despertava grande fervor religioso, entre o povo, por deter o segredo da imortalidade. A lenda do assassinato de Dionísio, pelo Titã, seguido do seu esquartejamento e de sua ressurreição dentre os mortos, corresponde, intimamente, à lenda de Osíris e era ensinada com o mesmo significado desta. Estas duas lendas e mais a do deus sumeriano Dumuzi, contribuíram par a lenda do 3º Grau Maçônico.”

Por sua vez, o Irmão Luiz Vitório Cichoski, já citado anteriormente, contribui com algumas informações sobre Dionísio e também com as suas ponderações, no mínimo instigantes, sobre as associações que são feitas em âmbito maçônico com tal divindade. Vejamos o que ele diz:

“Miticamente, e de acordo com Heródoto, Dionísio (Baco) era filho de Zeus e da mortal Sêmele, filha do rei Cadmo e Harmonia. Essa ligação provocou em Hera um ciúme patológico que a levou a convencer Sêmele de solicitar de Zeus uma prova de sua divindade, pois sabia ela que tal evento eliminaria a rival. E assim deu-se. Percebendo Zeus que a amante estava grávida, aninhou o prematuro ser na sua coxa até que se completasse o tempo, quando então o heterogêneo divino-humano ser nasceu e recebeu o nome de Dionísio – dis (dois) + ónisos (nascido). Desde então passou a ocultar-se de Hera que mantinha o desejo de eliminá-lo como o fizera com sua mãe. Vários episódios compõem sua biografia onde perece e é ressuscitado pelo pai, o Senhor do Olimpo.

É reconhecido como o Deus do vinho – que os romanos chamavam de Baco – e o comportamento dos seus seguidores, envolvidos pelos efeitos etílicos, demonstra o lado irracional, violento e incontrolável da libação. Sua corte, seus seguidores – as Mênades ou Bacantes – são tomadas de surtos maníacos ferozes, durantes os quais cometem os maiores desatinos.

Causa estranheza a associação deste Deus, ligado à lascívia e à depravação, com muitos vícios com a Maçonaria que se propõe a combatê-los. Tal associação é vista por alguns através de diversos Símbolos com grande representação negativa: o bode, o tirso, serpentes, o desasseio. Por sinal, os festejos públicos deste Deus acabaram proibidos em Roma a partir de 186 a.C.

Deixando de lado os aspectos mitológicos, maçonicamente, encontramos razão de estudarmos este estranho Deus grego, visto ter ele, assim como outros deuses agrários, completado uma Viagem Iniciática ao submundo, isto é, ao inferno de Hades para resgatar sua mãe, Sêmele, e entronizá-la entre os deuses do Olimpo. Portanto, pelo fato de haver morrido e ressuscitado diversas vezes e, também, descido ao reino de Hades, é possível associar este Deus com o Mito do eterno retorno, isto é, do nascimento, morte e ressurreição.”

Ainda:

“(…) Uma das principais fontes relativas ao culto de Dionísio está em ‘As Bacantes’, de Eurípedes. É nesta tragédia que o autor sugere que os folguedos noturnos – com sua agressividade, selvageria e mania – exemplificam um rito secreto: 

‘Penteu: – Dessas orgias por ti obtidas, qual a natureza?

Dionísio: – Aos não iniciados vedadas estão as coisas secretas.’

É a partir desta compreensão que se associa o culto de Dionísio com as sociedades secretas e, daí, com a Maçonaria. Haveria em tudo que vimos caracterizar o Rito e o Mito deste Deus grego elementos encontrados nos Ritos e Mitos da Maçonaria Especulativa Moderna?

Pois o relato do Mito e Ritual de Dionísio-Zagreu pode ser a chave para um dos preconceitos mais arraigados associado com a Maçonaria Moderna. Este enredo foi trazido ao conhecimento ocidental pelos autores cristãos da antiguidade. No referido enredo, Hera, ainda enciumada com o filho de Sêmele, enviou titãs para encontrarem e exterminarem a criança. Para se aproximarem do infante sem despertar suspeita, presenteiam-lhe com diferentes mimos – chocalhos, espelho, ossinhos, pião, na sequência agarram-no, esquartejam-no colocando os pedaços em um caldeirão para assarem e comê-los. Contudo, o coração da criança acaba nas mãos de Atena (ou Reia, ou Deméter) que o entrega a Zeus e este, então, traz Dionísio outra vez à vida. Um aspecto acabará proporcionando uma espécie de redenção destes mitos macabros quando se der a aproximação do culto de Dionísio com o Orfismo, que admitia a imortalidade e a reencarnação da alma pela purificação – contribuindo com a representação do renascimento purificado.”

COMENTÁRIOS

Com relação ao Orfismo, nosso próximo Mistério, ainda que, ligado ao Culto de Dionísio, faremos uma breve explanação, já que, não foram encontradas influências diretas desse Mistério para com a Maçonaria.

Antes, porém de adentrar no tema, é importante frisar sobre o que já foi dito sobre as ressalvas necessárias. No trabalho anterior, fizemos questão de repassar o pensamento de Frau Abrines, colhido pelo Irmão Nicola Aslan, sobre a questão de não existir qualquer conexão histórica entre os mistérios antigos e a Maçonaria, e isso é altamente relevante para nós.

Por isso, e somente por isso, ouçamos também o que disse o grande estudioso Alec Mellor (ele estava se referindo ao que Ramsay havia defendido em seu discurso):

“Sob uma forma diferente, mas igualmente inaceitável, outros usaram desde o século XVIII, o simbolismo comparado, ou, com maior exatidão, abusaram, a fim de procurar título ao Ritual Maçônico. Raciocinaram por paralogismo, valorizaram semelhanças fortuitas, admitiram analogias muito vagas, apresentaram como certezas comparações forçadas com muita enfatuação, mas com bem pouco simples bom-senso, na falta de conhecimento históricos. (…) O erro capital de alguns foi o de acreditar que os mistérios antigos comportavam um ensinamento altamente filosófico destinado a uma elite de pensadores e, depois, de transportar essa falsa hipótese no quadro da Maçonaria e mais particularmente nos Altos Graus. O erro remonta, aliás, a uma época mais remota…”

O ORFISMO

Era um culto de natureza religiosa e filosófica que teria sido instituído por Orfeu e teve uma grande expansão nos séculos VII e VI a.C, na Grécia. Conforme o “Vade-Mécum Maçônico”, os principais elementos que constituem a doutrina órfica são:

“I. No homem há um princípio divino, uma alma que caiu em um corpo para corrigir uma imperfeição;

II. Essa alma não só preexiste ao corpo como também sobrevive a ele, estando destinada a reencarnar em corpos sucessivos até que consiga depurar-se das imperfeições e dos erros que a fazem voltar ao mundo.”

Ainda conforme o disposto no “Vade-Mécum Maçônico”, importante é levarmos em consideração, o seguinte:

“De um modo geral, a mensagem órfica é a de que todos somos deuses, por herança divina. E deveremos voltar a estar junto a Deus. Sem o orfismo não se explicaria a filosofia e a doutrina de Pitágoras, nem a de Empédocles e, sobretudo, não se explicaria Sócrates e boa parte do pensamento de Platão, bem como toda a tradição que deriva de ambos.”

O Irmão Luiz Vitório Cichoski, em seu excelente livro, já citado anteriormente, intitulado “Fundamentos da Iniciação”, faz um relato da lenda em seus mínimos detalhes, que não irei transcrever aqui por razões de espaço, mas, os seus comentários posteriores, em parte, reproduzo na sequência:

“Modernamente, principalmente após a descoberta (1962), estudo e publicação (2005) dos papiros de Darveni, na Macedônia, reconhece-se no orfismo ‘uma das mais antigas religiões de mistérios grega… de influência persa, zoroastriana’. (…) Um de seus feitos fundamentais guarda estreita relação com a Maçonaria, pois, é tido como ‘fundador das Iniciações’ e de mistérios; para tanto se valia da catarse e de purificações. Contudo, ‘ignoramos o essencial da Iniciação que se considerava fundada‘ por Orfeu. Dela conhecem-se apenas as exigências preliminares: vegetarianismo, ascetismo, purificação, instrução religiosa (hierì lógoi, livros). Dela também se conhecem as pressuposições teológicas: a transmigração e, por conseguinte, a imortalidade da alma’.

Mais uma vez é preciso comparar as características do orfismo com a Maçonaria de nossos dias. Quais os pontos de aproximação? Qual a possível herança órfica encontrada em nossa Instituição? Recordando que os dois pontos fundamentais da teogonia órfica eram: a) transmigração das almas e, b) a imortalidade das almas. (…) Tanto o orfismo como o pitagorismo defendiam além da dupla consideração para com a alma – imoralidade e transmigração – com a punição no Inferno e o retorno final ao Céu; mais ainda, o vegetarianismo, necessidade de purificações, ascetismo.

(…) Outra característica importante em um estudo pareado com a Maçonaria, é a possibilidade de se reconhecer nos ‘órficos’ os sucessores dos grupos iniciatórios que, na época arcaica, exerciam diferentes funções sob o nome de cabiros, telchines, curetes, coribantes, dáctilos, grupos cujos membros guardavam ciosamente certos ‘segredos de ofício’ (eram metalúrgicos e ferreiros, mas também curandeiros, adivinhos, Mestre de Iniciação, etc.). Os ‘segredos de ofício’ relacionados a diferentes técnicas que buscavam o domínio sobre a matéria tinham simplesmente cedido lugar aos segredos’ referentes ao destino da alma depois da morte’.”

COMENTÁRIOS

Os Mistérios Gregos, com certeza, não se esgotam aqui, há muito mais para ser descoberto para aqueles que se interessem pelo assunto. O objetivo proposto era mesmo abordar em parte, e em específico aqueles “Mistérios” que guardam uma relação (e isso, me parece que mais em função de analogias) com alguns aspectos das nossas Iniciações.

O Irmão Luiz Vitório Cichoski descreve ainda em seu livro, o culto de Átis e Cibele.

Para encerrar o assunto “Mistérios Gregos”, resolvo transcrever uma nota daquele que foi um grande escritor e estudioso maçom, o Irmão Theobaldo Varoli Filho, que consta em seu “Curso de Maçonaria Simbólica”, no volume primeiro, direcionado para o Aprendiz, em seu capítulo X, todo ele concernente à Grécia, na parte reservada aos Mistérios Gregos. Ninguém é obrigado a concordar na íntegra com o teor do texto que vem a seguir, como eu mesmo não concordo em sua totalidade, mas, é sempre bom ouvi-lo e tirar nossas próprias conclusões. Eis o que ele escreveu:

“NOTA DO AUTOR AO APRENDIZ – Por mais enfadonho que seja este nosso trabalho, ele revela a nossa intenção de desmascarar certos mistificadores que nas lojas apregoam o caráter ‘maçônico’ dos mistérios dionisíacos e outros como os de Elêusis e de Orfeu. A Maçonaria contemporânea prepara o aprendiz para a verdade e procura expurgar a Sublime Ordem dos poucos mestres da mentira que ainda restam nas lojas. Uma coisa é estudar a evolução da iniciática, outra coisa é anotar os títulos das lombadas de certos livros e inventar origens da maçonaria, como o fizeram, lamentavelmente, muitos escritores maçons, abusando da boa-fé de irmãos desavisados e, assim, encontrando acolhida e projeção de obras fundadas na falsidade. Isso precisa ter fim e, aliás, foi uma das causas de afastamento de intelectuais da Sublime Instituição.

O maçom de hoje pode reconhecer a origem iniciática do teatro grego, pois isso tem sérios fundamentos. Pode haurir das obras de Sófocles os ensinamentos que inspiram ‘Antígona’, ‘Electra’, ‘As Trequinianas’, ‘Édipo-Rei’, ‘Ajax’, ‘Filoctetes’, ‘Édipo em Colona’, etc. Pode admirar-se das peças de Eurípedes, como ‘Efigênia em Táurida’, ‘Efigênia em Áulis’, ‘Electra’, ‘Hipólito Coroado’, ‘As Troainas’ e outras. Pode supor que Eurípedes era um iniciado, como sugere o citado verso das ‘Bacantes’. Pode maravilhar-se com Aristófanes, que em ‘As Rãs’ previu a Lei de Gresham (a moeda má expele a boa) e em ‘As Nuvens’ se pôs a criticar impiedosamente e mediocremente a filosofia de Sócrates, como criticou a outros filósofos, inclusive os sofistas, os costumes gregos, a política, a religião, a guerra e a vaidade ateniense, em outras suas obras como ‘As Vespas’, ‘As Aves’, ‘Lisístrata’, etc. Pode supor que Ésquilo tenha sido iniciado em Elêusis, ainda que pouco se logre inferir do que restou dos oitenta dramas que escreveu, entre os quais ‘Prometeu Agrilhoado’, ‘Os Persas’, ‘Os Sete Chefes diante de Tebas’, ‘Agamenon’, ‘Coéforas’, ‘As Eumênidas’ e ‘As Suplicantes’. O que não pode nem deve permitir é essa fantasia pela qual a Maçonaria seria filha e sucessora de todas as organizações iniciáticas que passaram pelo mundo.”

Eu diria que o texto acima é sempre atual, ainda que não admitamos concordar com o mesmo ao pé da letra. Mesmo hoje, com toda a informação disponível, com todas as pesquisas maçônicas que decorreram da época em que o Irmão Varoli escreveu o texto até os dias de hoje, muita coisa ainda é publicada sem critérios exigentes, muitas teorias fantasiosas continuam aparecendo, muitas conclusões pouco fundamentadas idem. Ao realizarmos as pesquisas que os nossos trabalhos exigem, nos deparamos volta e meia com textos circulando na Internet, ou até mesmo livros que foram publicados recentemente, onde falta a devida sustentação. Eu acho que fundamentalmente, o Irmão Varoli se referiu nessa sua nota aos Aprendizes, na base de um alerta sobre a importância da boa leitura, da instrução maçônica ser bem alicerçada, sem titubeios, e com certeza ele na essência do que proferiu, insinuou sobre a velha questão de saber separar o joio do trigo.


Autor: José Ronaldo Viega Alves

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