A SIMBIOSE MITO-LOGOS
Por Sérgio Biagi Gregório
A palavra mito tem um sentido próprio e um sentido vulgar. Vulgarmente, a sua noção está associada à idéia de alucinação, delírio, fantasia difícil de se realizar. Propriamente falando, a dimensão mítica do ser humano está vinculada à construção de sentido, sentido este que procura uma explicação para as suas necessidades vitais. Uma dessas necessidades refere-se à criação do mundo e dos seres humanos. O mito do Adão e Eva é um exemplo. Pergunta-se: o ser humano age sempre pela razão? Não será ele movido muito mais pela emoção? É possível separar uma coisa da outra?
Na antiguidade, o nascimento da filosofia – que dava ênfase ao logos – tinha por objetivo desconstruir a visão mítica – fantasiosa – do mundo. O dualismo se fez presente. Assim sendo, o mito é atraso, a filosofia traz o progresso; o mito é treva, a filosofia é luz; o mito é obscuro, a filosofia é clara; o mito é a ignorância, a filosofia o saber; o mito é imobilismo, a filosofia representa o progresso histórico; o mito é simbologia, a filosofia constrói argumentos.
A verdade, porém, é que há uma (co) implicação mito-logos. O ser humano é um misto de fé e de razão, de imaginário e de racional. Se dermos muita atenção ao sentimento, prejudicaremos a razão; se dermos muita atenção à razão, poderemos cair na mesma armadilha em que caiu Descartes, ao afirmar que é pela razão que conhecemos a Deus. O pensamento correto seria: somente depois de sentirmos Deus dentro de nós é que teremos condições de analisá-Lo à luz da razão, e não o contrário. Antes de ser racional, o ser humano é afetivo.
Transformemos a simbologia do mito em uma explicação racional. Vejamos o mito da criação bíblica, em que Deus, do pó da terra, fez o primeiro homem, Adão. Depois de moldá-lo, soprou-lhes a narina e deu-lhe vida. Explicação: o húmus da terra recebeu o sopro divino e se tornou homo. Em outros termos, a matéria (húmus) necessita do sopro (Espírito) para ter vida. A Doutrina Espírita acrescenta o Perispírito, elemento semimaterial próprio para a união entre Espírito e Matéria.
A percepção é um atributo do Espírito. À medida que avançamos na espiritualidade vamos, também, descortinando novos horizontes. O que ontem era prazer hoje é tempo perdido que precisa ser mais bem aproveitado. Conforme alçamos os vôos do Espírito, vamos também nos sentindo mais isolados, mais distantes. Isso não pode nos entristecer. O importante é sabermos colocar cada coisa no seu devido lugar. Uma delas é perscrutar essa relação íntima entre o mito e o logos, entre a razão e a emoção, entre o aqui e o agora e o futuro que nos espera.
As palavras não valem por si mesmas; elas dependem de uma interpretação axiológica e contextual. Saibamos, assim, aproximar a nossa hermenêutica à hermenêutica própria de cada termo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário