A Maçonaria britânica a serviço da monarquia
Tradução José Filardo
por Cécile Révauger
A Maçonaria é filha do iluminismo inglês e escocês. Sem o espírito tolerante de Locke e Newton, sem a Revolução Gloriosa, que pôs fim à monarquia por direito divino e emancipou os protestantes dissidentes, ela nunca teria visto a luz do dia sob a forma que conhecemos hoje. Isso ocorre porque o contexto religioso e político dos anos 1717 anos foi-lhe favorável, de modo que a Grande Loja da Inglaterra foi capaz de decolar, precedendo em vinte anos a Grande Loja da Escócia (1736). Conceder liberdades aos homens é uma coisa, mas ainda é necessário que eles possam fazer bom uso dela. As lojas maçônicas, ao contrário dos clubes ingleses muito aristocráticos são as únicas estruturas de abrigo para esses dissidentes que estão fora da Igreja anglicana da Inglaterra e até ainda privados de direitos civis (que eles obterão somente em 1828). Porque Anderson inscreveu a tolerância religiosa em suas famosas Constituições, esses Dissidentes, provenientes das classes médias em ascensão, pequenos artesãos e comerciantes, que não têm acesso ao governo e ao Parlamento, compostos exclusivamente por elites fundiárias até 1832, podem se acotovelar nas lojas com aristocratas anglicanos que estão no poder em toda a Inglaterra.
Maçonaria e sociedade britânica
A Maçonaria reflete perfeitamente esta tensão entre a aristocracia rural, as elites fundiárias de um lado e a burguesia ascendente de outro, que vive do comércio e finanças, e especialmente este modus vivendi entre estes dois componentes, esse compromisso social tão característico da sociedade britânica. O surgimento da Grande Loja dos Antigos na década de 1750 corresponde a evoluções sociológicas significativas: um grande número de imigrantes escoceses e irlandeses, de meio social mais humilde, foram recusados pela Grande Loja da Inglaterra e fundam sua própria Grande Loja, a dos Antigos. Ironicamente, eles farão conhecer a primeira Grande Loja sob o nome de “Moderna”. Antigos e Modernos cerram novamente fileiras durante a Revolução Francesa e as guerras napoleônicas, apoiando a monarquia britânica contra qualquer ameaça reformista. Ao mesmo tempo, a aristocracia e a burguesia industrial criam uma frente para erradicar qualquer ameaça revolucionária. É por isso nenhuma revolução do tipo francesa teve lugar em solo britânico. Essa é a razão pela qual, sob a liderança do Duque de Sussex e seu irmão, o duque de Kent, os maçons britânicos colocam um fim às suas discussões e formam a Grande Loja Unida da Inglaterra em 1813. A ligação entre monarquia e Maçonaria é indefectível. Em 1832, a aristocracia fez um compromisso com a burguesia industrial e as classes médias, como um todo, dando acesso ao Parlamento aos dissidentes, quando ela tinha até então monopolizado todas as posições de deputados.
Os pobres são os grandes perdedores neste compromisso eleitoral entre a aristocracia e a burguesia. Eles permanecem amplamente excluídos das lojas, como de qualquer outro clube ou sociedade, de um lado por razões financeiras óbvias, mas também por razões sociais e culturais: eles não têm acesso à cultura iluminista, não se beneficiam da educação que é apanágio dos ricos (será preciso esperar até 1870 para que a escola primária se torna obrigatória para todos). Eles não possuem terras, eles frequentam muito pouco as igrejas antes do advento dos Metodistas e dos evangelistas no final do século XVIII (que permanecerão, na sua maioria fora das lojas). A sociabilidade do Iluminismo não se estende aos pobres, que, no entanto, representam a imensa maioria da população ao longo dos séculos XVIII e XIX. Isso provavelmente se deve ao fato de que as lojas emitem regras muito estritas sobre a obrigação de pagar as captações, e tornando a beneficência obrigatória. No entanto, nem todos compartilham a mesma concepção: a maior parte do tempo, trata-se de caridade para uso interno, para os irmãos. No mesmo ano da grande Lei dos Pobres (New Poor Laws), que obriga os pobres para trabalhar nas novas fábricas ou a serem trancados nas horríveis casas de trabalho descritas por Dickens em Oliver Twist, um oficial da Grande Loja, Robert T. Crucefix tenta convencer o duque de Sussex a fundar a instituição beneficente Real Maçônica, uma instituição de caridade para o benefício dos maçons mais idosos. O projeto nasceu somente em 1842 e afeta apenas uma pequena parte da população, apenas maçons. Os pobres se juntam às sociedades de amigos, essas sociedades de ajuda mútua que proporcionam a seus membros e seus cônjuges, mediante uma taxa modesta, algum subsídio em caso de doença, perda de emprego ou morte. Embora muitos maçons façam parte destas sociedades mútuas entre os negros norte-americanos e em vários países do Caribe, isso raramente acontece na Inglaterra.
Maçonaria e Império Britânico
Os maçons estão muito presentes no Império, quer nas colônias americanas no Caribe anglófono, na Índia e mais tarde na Austrália. As elites coloniais e maçônicas são muitas vezes as mesmas. A Maçonaria britânica tem grande experiência em matéria de integração social, não exatamente sobre a integração dos pobres, mas da burguesia comercial e financeira, das elites coloniais e locais. Nas colônias americanas, que são assentamentos, os maçons se dividem; de um lado os patriotas que ingressam em lojas e instituições nascentes durante a Revolução e de outra os legalistas, leais à Coroa Britânica e os exércitos de Sua Majestade. Na Índia, as elites britânicas assentam o poder do império, criando numerosas lojas, sob a liderança do Grãos Mestres Provinciais que são grandes figuras do Império, que dependem diretamente da Grande Loja Unida da Inglaterra ou da Grande Loja da Escócia, que se abrem gradualmente às elites muçulmanas, monoteístas, e muito menos dispostos aos hindus politeístas. Nas ilhas de açúcar do Caribe, os britânicos, excelentes diplomatas, confiam nos agricultores locais que fundaram lojas; isso não os impede de alugar os locais de prestígio do Freemasons’ Hall em Londres à sociedade abolicionista de Wilberforce e Clarkson partir de 1807 até a abolição da escravatura em todo o Império Britânico em 1833 (e mesmo depois, em 1840, para a Convenção Internacional contra a escravidão que acolhe delegados americanos). A evolução do Duque de Sussex é reveladora daquela da sociedade britânica como um todo: embora fosse muito pouco engajado na luta contra o tráfico, uma vez abolido esse último, como verdadeiro liberal, Sussex apoia a abolição da escravatura em todo o Império. Da mesma forma que, com a exceção de alguns lobbies de plantadores e traficantes negreiros, um consenso nacional real desencadeia-se pela abolição da escravidão na Grã-Bretanha em 1833, as lojas maçônicas das ilhas do açúcar para pouco a pouco se abrem aos escravos emancipados, lentamente , em Barbados, Jamaica, Trinidad …e é mesmo por iniciativa de uma loja de Barbados que a Grande Loja Unida da Inglaterra, em 1847, revê as Constituições de Anderson e substitui o termo “nascido livre” por “livre” para abrir os templos aos libertos. Meio século depois, em 1899, o maçom Rudyard Kipling exalta tanto o Império quanto a fraternidade universal, proclama que os ocidentais têm o dever de “civilizar” os povos colonizados, e assim carregar o “fardo do homem branco”. A Maçonaria britânica apoia a política conduzida pelo governo de seu país, a colonização, mas também a descolonização. Durante a Segunda Guerra Mundial, um dos seus membros mais famosos, Winston Churchill, encarnará a luta contra o nazismo.
Uma osmose entre a Maçonaria e o poder na Inglaterra
A Maçonaria britânica vive em osmose com as instituições e o poder britânico, o que é chamado do outro lado do Canal de Estabelecimento, as elites sociais, políticas, culturais e religiosas. Certamente essa adequação entre a Maçonaria e poder às vezes vem à custa dos meios mais desfavorecidos. Porque ela tem por princípio que só pode haver uma Grande Loja “regular” por país, a Grande Loja Unida da Inglaterra reina suprema desde 1813, apesar de ter perdido um grande número de membros durante as décadas recentes*. Sendo muito naturalmente ligada à monarquia, que também está na chefia da Igreja Anglicana, ela continua a exigir dos seus membros a crença em Deus, mesmo que seja mais um posicionamento de princípio, um tipo de garantia de boa moral que uma postura teológica. Ela ainda não aceita os britânicos enquanto os últimos obtiveram o direito de votar antes dos franceses (em duas etapas em 1918 e 1928) sobre a questão das mulheres constata-se, portanto, uma certa discrepância entre a sociedade britânica e a Maçonaria, embora os membros do Establishment resistiram muito tempo às sufragistas e à emancipação das mulheres. Ao contrário da Maçonaria francesa, que é pluralista, a Maçonaria britânica afirma sua hegemonia, quer na Inglaterra com a Grande Loja Unida da Inglaterra, ou na Escócia, com a Grande Loja da Escócia.
Quadro
O duque de Sussex, o primeiro Grão-Mestre da Grande Loja Unida da Inglaterra: um príncipe esclarecido
Augustus Frederick, príncipe, duque de Sussex (1773-1843), o nono filho do Rei George III e da rainha Charlotte, nascido em Buckingham House (local do atual Palácio de Buckingham) fez seus estudos superiores na Universidade Göttingen, a Meca do Iluminismo alemão. É nessa mesma universidade que lecionavam pelo menos, dois membros do famoso Iluminados da Baviera ou Illuminati, Johann Georg Feder e Christoph Meiners. Ele renuncia a uma carreira na Marinha por razões de saúde (ele sofria de asma) e a uma carreira eclesiástica, provavelmente porque ele não nutria um gosto imoderado pela teologia. Como muitos aristocratas ele excursionou pela Europa – falava-se à época do Grand Tour – e durante a sua visita a Roma ele se apaixona por Lady Augusta Murray e a pediu em casamento com ele em segredo, por recear a recusa de seu pai, o conde de Dunmore. Duas cerimônias foram realizadas, uma em Roma (04 de abril de 1793) e outra em Londres (5 de dezembro de 1793) na igreja de St. George, em desafio a todos os costumes; sem surpresa, o rei George III anula o casamento em 1794. O príncipe não pode senão aceitar a decisão, reivindicando a custódia dos dois filhos nascidos dessa união.
Seu percurso maçônico é impecável. Iniciado em Berlim em 20 de dezembro de 1798, aos 25 anos de idade, na Loja Victorious Truth, uma loja que fazia parte da Grande Loja da Prússia conhecida sob o nome de Royal York Lodge of Friendship, torna-se companheiro de 19 de janeiro de 1799, mestre em 4 de fevereiro de então venerável dessa Loja. Ele ascende muito rapidamente aos altos graus (Arquiteto Escocês Perfeito, Mestre do Monte Heredom, A Cruz e a Água, Eleito de Nova Jerusalém e Real Arco). Ele se filia a várias lojas de prestígio, a Loja Príncipe de Gales, a Lodge de Amizade No. 6, e a Loja Antiguidade No. 2: torna-se venerável vitalício dessas duas últimas. Em 1814, ele fundou a Loja Real Alfa No. 16, da qual também é venerável vitalício. Quando o príncipe de Gales, seu irmão, tornou-se Príncipe Regente em 1812, ele o nomeou Grão-Mestre Adjunto e um ano depois Sussex o sucedeu como chefe dos Modernos. Com um de seus irmãos, o duque de Kent, eleito na mesma época Grão-Mestre dos Antigos, ele elaborou a união dos Antigos e Modernos (sabemos que, desde a década de 1750 coexistiram duas Grandes Lojas da Inglaterra, que não se reconheciam). No entanto, é ele, e não o duque de Kent, quem foi eleito Grão-Mestre da Grande Loja Unida da Inglaterra em 1813, e isso por trinta anos até sua morte. Ele também é Grand Principal do Supremo Grande Capítulo do Royal Arch fundado em 1817 após a união dos Grandes Capítulos “moderno” e “antigo”. Finalmente, ele é o Grão-Mestre da Ordem dos Cavaleiros Templários de 1812 até 1843.
O Duque de Sussex é um verdadeiro liberal, no sentido britânico do termo, herdeiro dos Whigs, que haviam instaurado a monarquia parlamentar e terminado com a monarquia absoluta, fiel às ideias de Adam Smith. Por essa razão, bem como pelo caráter pouco convencional de seu primeiro casamento, ele não tem os favores nem de seu pai nem do príncipe regente, o futuro rei George IV. Ao contrário desse último, que o precedeu como Grão-Mestre e se distinguiu especialmente por suas excentricidades, seu conservadorismo e sua intolerância religiosa, o duque de Sussex apoia a emancipação dos católicos e dos dissidentes religiosos (dissenters) bem como a iniciação de Hindus (a partir de 1840). Além disso, ele lança em 1827 a pedra fundamental do atual University College of London, universidade faz escândalo na época porque ele não impunha a educação religiosa e não exigia que os alunos fossem cristãos, ao contrário de Oxford ou Cambridge. Como defensor entusiasmado do livre comércio, ele se declara a favor de revogar as leis sobre grãos, leis que protegem a aristocracia rural contra toda concorrência estrangeira. Finalmente, ele apoia a Grande Reforma eleitoral de 1832 que dá acesso ao Parlamento aos católicos e especialmente aos muitos dissidentes, até então privados de seus direitos civis. É este novo Parlamento que um ano depois vota a abolição da escravatura em todo o Império Britânico. O duque também preside a Royal Society de 1830 até 1838. É um verdadeiro liberal, um príncipe pouco iconoclasta, que morreu de erisipela em 21 de abril de 1843. Ao contrário de tantos Grãos Mestres da família real, que consideram seus cargos puramente honorários, o Duque de Sussex deixou sua marca na história da Maçonaria inglesa.
Para ir mais longe: Arquivo Biográfico, « Duke of Sussex », Library and Museum of Freemasonry, Londres; T. F. Henderson, « Augustus Frederick, Prince, Duke of Sussex (1773–1843) », revisado por John Van der Kiste, Oxford Dictionary of National Biography, Oxford University Press, 2004; Cécile Révauger, « Sussex, Augustus Frederick, prince, duc de (1773-1843) », em C. Porset e C. Révauger, Le Monde Maçonnique des Lumières, Paris, Champion, 2013, III, 2611-2615.
Publicado 17 de maio de 2016 – na Revista Franc-Maçonnerie
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