O RITUAL SCHRODER, UMA HERANÇA DOS "MODERNOS"
Tradução: José FilardoPor Victor Guerra - V Ordem e Grau 9 do Rito Moderno
Temos muito na cabeça que os Irmãos maçons da Inglaterra, (stuartistas e huguenotes [1] ) que passaram de “armas e bagagem” pelo Canal da Mancha a caminho da França em busca de refúgio e uma nova vida trouxeram consigo aquelas velhas práticas maçônicas dos “Modernos” constituíram o grande núcleo do Rito Francês, cuja grande referência tem sido e é o Grande Oriente de França que o implementou na França e o irradiou, digamos que timidamente, a outros confins.
Tanto é verdade que o desenvolvimento do que hoje conhecemos como Rito Francês, não deixa de responder às necessidades de uma Obediência na fase de estruturação que produziu, em consequência, o Régulateur du Maçon, para em seguida, se adaptar aos tempos e às exigências sociopolíticas. Ela foi derivando seus rituais em função dessas questões e das pressões das elites do poder. Assim, temos como resultado os rituais Murat, os de Amiable, os múltiplos de Groussier e atualmente os de Referência, todos eles responderam às necessidades de cada momento.
Mas a ideia que temos deve deixar de ser tão reducionista porque o Rito dos “Modernos” teve outras fugas ou vias de escape, como já nos contou o historiador Pierre-Yves Beaurepaire, e estas se realizaram em parte através das elites intelectuais e políticas daqueles momentos que logo se sentiram atraídas pela Maçonaria e o misticismo que a cercava.
Rotterdam foi um desses centros onde primeiro se cria uma loja em 1720 -1721, geralmente de nacionalidade Inglesa e escocesa, logo havia também uma implantação descontínua em Portugal, Hamburgo e Alemanha e que os irmãos, como disse PY Beaurepaire; a plasticidade da sociabilidade maçônica é o que faz com que as lojas fossem o receptáculo das aspirações em relação às frustrações profanas. [2]
E, portanto, fruto dessa peregrinação localizada na Alemanha uma personagem “genuína” como Friedrich-Ludwig Schröder iria acabaria desenvolvendo o chamado Ritual Schröder
Os oito oficiais [3] da oficina em seus lugares, os Mestres se situam no topo das respectivas colunas, depois os Companheiros e, finalmente, os Aprendizes.
O silêncio reina nas colunas, e a penumbra é evidente na oficina[4] e apenas três luzes dão claridade suficiente para iniciar os trabalhos
O Mestre da loja e os dois Vigilantes trocam o sinal do Aprendiz e, em seguida, um após o outro eles batem com os seus malhetes, após o que o Mestre da Loja desce do Oriente e se dirige para tomar sua própria luz no Ocidente e iluminar com ela a coluna da Sabedoria, enquanto declama: Que a Sabedoria presida a construção deste edifício!
Enquanto isso, os Vigilantes, desde suas mesas, recolhem suas luzes correspondentes e as colocam em suas respectivas colunas: o Primeiro Vigilante declama: Que a força o dirija! E o Segundo Vigilante, quando deposita sua luz, diz: Que a beleza o adorne!
Depois que o experto revela o Painel da Loja , e depois do habitual golpe de malhete do Venerável, repetido pelos Vigilantes em seus lugares – que coloca à ordem os membros da oficina vez que se declaram abertos os trabalhos sob esta fórmula: Sendo eleito pela livre vontade de meus irmãos, Abro esta loja no grau de Aprendiz em nome do GADU e de acordo com os costumes antigos dos maçons, e depois de recitar uma oração, declara aberta a loja com esta proclamação: “A loja está aberta, que cada oficial cumpra seu ofícios, e que essas horas sejam abençoadas”
Dessa forma bem conhecida, mas também tão peculiar e ao mesmo tempo tão simples, abrem-se os trabalhos do Ritual Schröder, cujas origens envolvem ir até o começo da prática da Maçonaria na Alemanha.
Schröder, em contato permanente com Lessing, Herder, Bode e Bötticher vai ajudar no esforço que mantém a pesquisa histórica dessas origens que, no caso alemão podemos rastrear até 1737, que é quando chega a estas terras procedente da Inglaterra, formatado com base em três graus chamados de São João: Aprendiz, Companheiro e Mestre, que representa o clássico sistema de três graus.
Esta primitiva Maçonaria não tem um grande desenvolvimento, embora se constate a criação de várias lojas: em 1741, uma loja escocesa se constitui em Berlim, e em 1744 outra em Hamburgo pela mão de von Schmetten que trabalharia no Rito Francês, ou seja, que temos como pontos de origem o porto internacional de Hamburgo, tendo em seguida, ponto de origem na Prússia com o erguimento de outra loja.
Este nascimento será muito marcado pela Estrita Observância Templária (SOT), cujo período é cheio de sombras históricas e cujo sistema causou muita confusão, não só no aspecto histórico, mas na própria evolução da Maçonaria [5] . Quem quiser se aprofundar sobre o assunto eu recomendo o livro de Le Forestier: “A Franco-Maçonaria Templária e Ocultista“. (Uma verdadeira bíblia sobre a questão da SOT)
Mas, partindo da atração da SOT, que de alguma forma se inseria na linha de projetos utópicos no espaço que vão para a constituição de um estado aristocrático, e será a SOT que trocaria a Carta Europeia do Iluminismo pela ideia da Europa Templária em se unem a Maçonaria e aqueles monges guerreiros que se refugiam na Escócia e na Irlanda e de cuja organização encontraremos coincidências suspeitas quanto à teurgia que logo se desenvolverá em torno do “superiores desconhecidos“, tudo isso envolto em uma atmosfera carregada de sinergias teúrgicas, cabalistas e teosóficas, sem deixar de fora, é claro, o hermetismo ocultista, que finalmente se estabeleceria como uma atração poderosa que atraiu muitas maçonarias e maçons, [até hoje, graças às redes sociais e informações da Internet, podemos ver muito disso emaranhado nas pernas da Maçonaria do século XXI.] e cujo principal objetivo era nada mais do que “romênia” cristã.
Não há dúvida de que todo este conglomerado atraiu fortemente o sentimento romântico germânico, e cujo paroxismo terá seu pico alguns anos mais tarde com o aparecimento durante o nazismo de Ordens iniciáticas com a Thule ou outras de origens neo-templaristas neo-Teutônicas incertas.
No meio deste turbilhão das paixões, aparece a figura de Friedrich-Ludwig Schröder [6] homem de personalidade forte e vocação autodidata inata que o leva a adquirir a sua paixão uma vasta cultura. Nascido em 2 de novembro em 1744 em Schwerin, seus pais eram atores de teatro de origem luterana. E ele mesmo foi diretor de teatro, dramaturgo e ator.
Foi iniciado na Maçonaria através do apadrinhamento de seu amigo Bode [7] Venerável durante uma boa parte dos anos de uma das lojas mais antigas da Alemanha: Absalão zu den drei Nesseln“ [8] fundada em 1735 em Hamburgo, (existente até hoje[9] ). Schröder é recebido na loja de Hamburgo Enmanuel zur Maienblume [10] fundada em 1774, embora tivesse pedido para entrar na loja Jonathan, em maio de 1769, mas sua condição de ator não tinha boa reputação entre a maçonaria da época e, portanto, foi rejeitado.
Uma vez iniciado e dado seu ímpeto, Schröder mesmo tendo a abeta levantada, como Aprendiz que era, e sem que houvessem passado apenas dois meses, ele decide levantar uma loja: Elisa zum warmen Herzen que será considerada irregular porque, além disso, admitia somente pessoas de teatro de seu próprio círculo. A loja terminaria abatendo suas colunas em 1775.
Nesse mesmo ano, Schröder é elevado a Mestre na loja de Rensburg: Josua zum Korallenbaum. Um ano depois, em 28 de junho, é eleito Venerável, e recebe o grau 4, Mestre Escocês.
Schröder terá uma longa vida maçônica enquanto Venerável, já que é encontrado nesse cargo até 1799, ano em que é eleito Grão-Mestre Adjunto da Grande Loja Provincial, que em 1811 se tornará a Grande Loja de Hamburgo, sendo nosso amigo Schröder eleito Grão-Mestre em 1814, com 70 anos de idade. Este rejeita o cargo argumentando que era demasiado velho desempenhar suas funções.
A Originalidade de Schröder.
Com esse ímpeto e paixão típicos, aliás, do autodidata, uma das coisas que desenvolve é criar uma loja de instrução reservada apenas para a Mestres, cuja missão era fundamentalmente conhecer outros sistemas rituais, e sobre esta loja Schröder escreve: Dentro dele se exercerá a verdadeira fraternidade, ao contrário do que acontece em outras lojas. Todas as perguntas podem ser feitas dentro de um diálogo totalmente aberto“.
Este espaço de reflexão e de instrução que tomou o nome de Engbund, cuja fundação data de1802 se perderá ao longo do ano de 1861.
Mas, como tal oficina deixará toda uma marca, e não menos, como era a de reformar a maçonaria alemã, retornando os rituais à pureza original, fugindo da desordem e instabilidade da Maçonaria alemã da época, enquanto lutavam contra o caráter fabulista e fantasioso de “superiores desconhecidos”, etc.
Schröder não só vai preconizar com tal avanço, uma ação sem precedentes, porque só trabalhará os três graus simbólicos, e ele fugirá como gato da água dos Altos Graus, que além disso, não vão estar presentes no chamado sistema ritual Schröder, cujo desenvolvimento encerrará com o grau de Mestre Maçom, que deve trabalhar e perseverar para ter o mais alto nível de formação.
Ele tem isso tão claro que opina que: “A Maçonaria não é uma ordem… mas uma corporação, uma guilda, uma fraternidade” e, portanto, faz todo o sentido usar o termo Irmão e foge de todas as magias, alquimias e teosofias que se misturam com o trabalho ritual maçônico e o confundem. Tudo isso será recorrente em alguém que viveu no meio da Estrita Observância Templaria e cujos reflexos recolherá nos quatro volumes que escreveu “Materiais sobre uma história da Maçonaria“, ainda que contra toda a sua ação houvesse duas questões que lhe afetadas diretamente: por um lado o visionarismo gnóstico, e por outro os reformistas radicais que tentavam erradicar o ritual e o simbolismo da loja.
Nesse ambiente, Schröder realizará o desenvolvimento do que vai acabar se denominando Schrödersche System um sistema baseado em três graus que representam uma adaptação da reunião de rituais ingleses antigos baseados no desenvolvimento dos “Modernos”.
Um trabalho de reelaboração de língua difícil cheia de dúvidas, uma vez que seu esforço era ficar o mais próximo possível das fontes para criar assim um ritual que “forçará os homens à meditação e tornará explícitas as noções fundamentais como a tolerância, a fidelidade, a plena consciência da responsabilidade de cada um” essa fidelidade ele queria alcançar com base no trabalho de tradução para o alemão e que realizava graças à complacência e cumplicidade de um Delegado das lojas germânicas em Londres.
Voltar à simplicidade original de um ritual supõe superar toda uma série considerável de obstáculos, e Schröder não se conformará com os rituais alemães em uso, então ele embarca nessa busca original, para isso recorre às fontes inglesas, o que não era fácil, e menos se se leve em conta que os rituais das lojas inglesas não estavam, em sua maioria, transcritos para o papel, e, claro, não estavam impressos, vez que eram memorizados ao longo do tempo de aprendizagem para aqueles que seriam então os oficiais da loja.
Graças ao empenho e paixão de Schröder e a este contato na Grande Loja da Inglaterra cuja personagem era o irmão August von Graefe [11] este será alcançado através de um “estranho” compromisso com Graefe que foi ditando de memória ao Grande Secretário Backmann os rituais Ingleses praticados na época.
Em 1792, Schröder conseguiu sua primeira compilação, com a qual trabalharão cerca de cinco lojas de Hamburgo, sendo o ritual adotado como tal em 1816 pela Grande Loja de Hamburgo, embora Schröder não poderá ver culminada sua criação, pois virá a falecer em breve, em setembro de 1816, sendo enterrado no Cemitério paroquial luterano de São Pedro de Hamburgo.
O trabalho ritualístico de Schröder impressiona pois são vinte e seis volumes nos quais recolheu uma série impressionante de rituais muito antigos, muitos deles descobertos no sul da Alemanha. Em parte, seu trabalho será recompensado pela recuperação da loja Amalia zu Drei Rosen de Weimar [12] , na qual foi iniciado Goethe, naqueles primeiros tempos a oficina tinha trabalhado no ritual da Estrita Observância Templaria, e em seguida, no Rito Zinnendorf [13] , a referida lojas terminará por adotar o Ritual Schröder, em junho de 1808.
Começamos este artigo abrindo os trabalhos, agora toca a encerrá-los sob o sistema Schröder.
Uma vez concluídos os trabalhos, o Venerável Mestre diz: Que brilhe sobre nós a luz da Sabedoria! O Primeiro Vigilante: Que o fogo da força continue a agir! ” O Segundo Vigilante”: Que em nós brilhe a Beleza!
Por ordem do Venerável Mestre, o Primeiro Vigilante manda os irmãos ficarem à ordem enquanto fecha a loja em nome do Grande Arquiteto do Universo: Assim como o sol se oculta no Ocidente, o Primeiro Vigilante se situa no Ocidente para fechar a loja e dar aos obreiros seus salários e liberá-los de seu trabalho.”
Os três malhetes da loja repicam sucessivamente cada um golpe, até uma segunda ronda, enquanto o experto fecha o Painel da Loja e o Venerável e os Vigilantes apagam suas luzes. A Cadeia de União se forma e o Venerável Mestre recita: A loja está fechada! Die Loge ist geschlossen!
Nota: Artigo baseado no trabalho de Didier Le Masson *: Um rito alemão inspirado pelos “Modernos” o Sistema Schröder’.
* Membro da Grande Loja da França, e membro de um Capítulo do Rito Sueco de Hagen da Grande Loja da Alemanha.
Notas
[1] Note-se que houve lojas “francesas” compostas por refugiados huguenotes na Inglaterra, por exemplo, a mais antiga é Au Temple de Salomão de 1725.
[2] Pierre-Yves Beaurepaire. L’Europe des Franc-Macons. XVIII – XXI Siecles. Edições Belin 2002.
[3] Mestre de Loja, Experto, Mestre de Cerimônias; Tesoureiro; Secretário, Guarda do Templo; e 1º e 2º Vigilante.
[4] Schröder declarava que em seu ritual o epíteto que alguns maçons dão à oficina de “Templo” estava proscrito e ele preferia chamá-la de “sala da loja”
[5] Tanto os antecedentes quanto o Capítulo Templário de Unwuerden, ou a chamada Reforma de Dresden de 1755 diz-se que era hipotética, e também se escreveu que a instalação de Hund em 1749 ou 1751 em um Capítulo Templária de Kittliz não está provada, e o Convento de Kohlo marca o apogeu da SOT que a seguir assumirá o nome de Regime do Rito Escocês Retificado, sendo assim, o fim do mito dos Superiores Desconhecidos.
[7] Johann Christoph Bode (1730-1793) conselheiro do tribunal de Weimar, filho de um trabalhador; autodidata nos “coros” do Duque de Brunswick, compositor e tradutor de romances humorísticos, e depois de um importante casamento se torna editor Goethem Lessing, e se acha na loja Absalon em 1764 pertencente à SOT onde rapidamente ascende à posição de Venerável, e em fevereiro de 1738 foi admitido na Ordem do “Illuminati” da Baviera, onde era conhecido pelo nome simbólico de “Amelius”. Uma fonte interessante:http://modernhistoryproject.org/mhp?Article=FinalWarning&C = 02.01Também se pode consultar o trabalho de Charles Porset: Les Philalethes et les Convents de Paris. A politique de la Folie. Edições Honore Champion. 1996. Página 532-533.
[8] Absalão das Três Urtigas
[10] Loja que ainda hoje existe: http://www.ezm-hamburg.de/.
[11] http://sectioaurea.se/article/schroederriten;http://www.karl-may-gesellschaft.de/kmg/seklit/jbkmg/2000/179.htm
[12] Lodge que ainda existe:http://www.anna-amalia.de/
Víctor Guerra. Vº Ordem, e 9o. Grau do Rito Moderno.
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