quarta-feira, 31 de maio de 2017



A PEDRA DA FUNDAÇÃO[1]


Albert G. Mackey

A Pedra de Fundação constitui um dos símbolos mais importantes e complexos de todos os símbolos da Maçonaria. Ela é citada em várias lendas e tradições, não apenas dos maçons, mas também dos rabinos judeus, dos escritores talmúdicos, e até mesmo dos doutores muçulmanos. Muitas delas, deve-se confessar, são aparentemente pueris e absurdas; mas algumas delas, especialmente as maçônicas, possuem um significado alegórico muito interessante.

A Pedra de Fundação é um símbolo dos graus superiores. Ele faz sua primeira aparição no Arco Real, e constitui, na verdade, o símbolo mais importante daquele grau. Ela está intimamente relacionada, em sua história lendária, à construção do Templo de Salomão, e deve ser considerada parte da Antiga Maçonaria, embora restrinja o âmbito de suas investigações aos primeiros três graus, não conseguirá dentro daquele limite estreito, apreciar adequadamente o simbolismo da Pedra de fundação.

Como preliminar a esta investigação que está para ser instituída, é necessário distinguir a Pedra de Fundação, tanto cm seu simbolismo como em sua história lendária, de outras pedras que desempenham um papel importante no ritual maçônico, mas que são inteiramente distintas dela. Como a pedra angular, que sempre foi colocada no extremo nordeste da construção sobre a qual seria erguida, e a qual tão bela referência é feita nas cerimônias do primeiro grau: ou a pedra fundamental, que constitui uma parte interessante do grau de Mestre de Marca; ou, por fim, a cumeeira, sobre a qual todo o ritual do Mais Excelente grau de Mestre se encontra. Elas são todas, em seus locais adequados, símbolos altamente interessantes e instrutivos, mas não tem qualquer ligação com a Pedra de Fundação, ou seu simbolismo. Embora se diga que a Pedra de Fundação, por razões peculiares, tinha uma forma cúbica, ela não deve ser confundida com a pedra chamada pelos maçons continentais de pedra cúbica – a pierre cubique dos franceses, a cubik Stein dos alemães, mas que no sistema inglês é conhecida como o ashlar perfeito.

A Pedra de fundação tem uma história lendária e um significado simbólico que lhe são peculiares, e que diferem da história e do significado pertence às outras pedras.

Permita-nos definir a Pedra de Fundação maçônica, então edificar as lendas que se referem a ela, e depois investigar o seu significado como símbolo. Ao maçom que tem prazer em um estudo dos mistérios de sua instituição, a investigação não pode ser interessante, se for conduzida sem habilidade.

Bem no princípio, como uma preliminar necessária a qualquer investigação deste tipo, deve ser bem entendido que tudo o que é dito da Pedra de Fundação na Maçonaria deve ser estritamente considerado em um sentido mítico ou alegórico. Dr. Oliver, o mais sábio dos escritores maçônicos, mesmo sabendo que se tratava apenas de um símbolo, escreveu livremente sobre isso, como se fosse uma realidade substancial; dessa forma, se as passagens em Ladmarks Históricos, e em suas outras obras que mencionaram a celebrada pedra, forem entendidas pelos leitores com um sentido literal, elas apresentarão os absurdos e puerilidades que não devem ocorrer se a Pedra de Fundação for recebida, como ela realmente é, como um mito filosófico, transmitindo um simbolismo mais belo e profundo. Leia com este espírito, como todas as lendas da Maçonaria devem ser lidas, a história mítica da Pedra de Fundação que se torna uma das mais importantes e interessantes de todos os símbolos maçônicos.

A teoria que estabelece supõe que, certa vez, a Pedra de Fundação foi colocada dentro dos alicerces do Templo de Salomão e, depois disso, durante a construção do segundo Templo, transportada ao Santo dos Santos. A pedra tinha o formado de um cubo perfeito e estava inscrito sobre a sua face superior, com um delta em um triângulo, o tetragramaton sagrado, ou o Nome Inefável de Deus. Oliver, falando com a solenidade de um historiador, diz que Salomão acreditou ter tornado sua casa digna de Deus, assim como um adorno humano poderia fazer pela morada de Deus, “quando depositou a celebrada Pedra de fundação, sobre a qual o nome sagrado foi misticamente gravado com cerimônias solenes, nos depositários sagrados sobre o Monte Moriá, junto com as fundações de Dan e Asher, o centro do Mais Sagrado Local, onde a arca foi ofuscada pela shekinah de Deus”.[2] Os talmudistas hebreus, que pensaram tanto sobre esta pedra, e que têm tantas lendas sobre ela quanto os talmudistas maçônicos, chamou-a de eben Shatijah[3] ou Pedra de Fundação”, porque, como eles disseram, ela foi depositada por Jeová como a fundação do mundo; e dessa forma o livro apócrifo de Enoque fala da “pedra que sustenta os extremos da terra”.

A ideia de pedra fundamental do mundo foi mais provavelmente derivada da esplêndida passagem do Livro de Jó, na qual o Todo Poderoso exige do patriarca aflito:

“Onde estavas tu, quando eu depositei a fundação da terra?
Declarai, pois vós tendes este conhecimento!
Quem fixou essas dimensões, que vós conheceis?
Ou quem as delimitou?
Sobre quais fundações ela foi fixada?
E quem depositou sua pedra angular,
Quando as estrelas da manhã despontaram juntas,
E todos os filhos de Deus gritaram de alegria”?[4]

Noyes, cuja bela tradução eu adotei não diferindo substancialmente da versão comum, mas que é mais poética e mais tendenciosa que o original, explica as alusões da pedra de fundação: “Era costume celebrar a colocação da pedra angular de uma construção importante com música, canções, gritaria etc. Assim as estrelas da manhã são representadas celebrando a colocação da pedra angular da Terra”.[5]

Sobre esta rara declaração se acumularam mais tradições que pertencem a outros símbolos maçônicos. Os rabinos, como já havia sido declarado, dividem a glória dessas histórias apócrifas com os maçons; na verdade, há boa razão para uma suspeita de que quase todas as lendas maçônicas devem sua existência ao gênio imaginativo dos escritores do Talmude judaico. Contudo há esta diferença entre as tradições hebraicas e a maçônica de que o acadêmico Talmúdico as recitou como histórias verdadeiras, e aceitou em um ato de fé todas as suas impossibilidades e anacronismos, enquanto o estudo maçônico as recebeu como alegorias, cujo valor não está nos fatos, mas nos sentimentos transmitidos.

A partir do entendimento de seu significado, prosseguiremos com uma comparação dessas lendas.

No “Toldoth Jeshu” ou “Vida de Jesus”, obra blasfemadora escrita no século XII ou XIV supõe-se que haja o seguinte relato desta pedra maravilhosa:

“No momento em que (na época de Jesus) havia na Casa do Santuário (ou seja, o templo) uma Pedra de Fundação, que é a verdadeira pedra ungida com óleo por nome Pai Jacó, como foi descrito no capítulo XXVIII do livro de Gênesis. Sobre aquela pedra as letras do tetragramaton foram inscritas, e qualquer um dos israelenses que aprendesse o nome seria capaz de dominar o mundo. Para impedir, portanto, qualquer um de aprender essas letras, dois cães de ferro foram colocados sobre as duas colunas em frente ao Santuário. Se qualquer pessoa, tendo adquirido o conhecimento dessas letras, desejasse partir do Santuário, o latido dos cães, pelo poder mágico, inspiraria tanto medo, que a pessoa repentinamente esqueceria o que havia aprendido”. 

Esta passagem é cidadã por Buxtorf, em seu Lexicon Talmudicum mas na cópia do aldoth Jeshu que eu tive a sorte de possuir (pois está entre os mais raros livros), eu achei outra passagem que dá mais detalhes:

“Naquela época havia no templo o nome inefável de Deus, inscrito sobre a Pedra de Fundação. Pois quando o Rei Davi foi escavar a fundação do templo, ele encontrou nas profundezas das escavações uma determinada pedra, sobre a qual o nome de Deus foi inscrito. Ele a removeu e depositou no Santo dos Santos”.[6]

A mesma história pueril dos cães ladrantes é repetida, ainda, mais demoradamente. A declaração seguinte não é pertinente a esta investigação, mas por fins de curiosidade, pode-se dizer que o livro escandaloso, que é por toda parte uma difamação blasfemadora de nosso Salvador, afirma que ele obteve com perspicácia um conhecimento do tetragramaton a partir da Pedra de Fundação, e por essa influência mística foi capaz de realizar os milagres.

As lendas maçônicas da Pedra de Fundação, baseadas nesses e em outros pensamentos rabínicos, são do mais extraordinário caráter se consideradas como histórias, mas prontamente reconciliáveis com um sentido seguro se olhadas apenas à luz de alegorias. Elas apresentam uma sucessão ininterrupta de eventos, na qual a Pedra de fundação é responsável por uma parte proeminente, de Adão a Salomão, e de Salomão a Zerubabel.

Então, a primeira dessas lendas, em ordem cronológica, relata que a Pedra de fundação foi possuída por Adão enquanto no Jardim do Éden. E que ele a usou como um altar e a reverenciou e, ao ser expulso do Paraíso, ele a carregou consigo para o mundo no qual ele e seus descendentes fossem posteriormente ganhar o pão com seu próprio suor.

Outra lenda informa-nos que de Adão a Pedra de Fundação descendeu a set. De Set ela passou por sucessão regular até Noé, que a levou consigo na arca, e depois da subsistência ao dilúvio, fez dela a primeira oferenda de graças. Noé deixou-a sobre o Monte Ararat, onde ela foi encontrada por Abraão, que a removeu e usou-a como um altar de sacrifício. Seu neto Jacó levou-a consigo quando fugiu para a casa de seu tio Labão na Mesopotâmia, e usou-a como um travesseiro quando, próximo à Luz, ele teve sua célebre visão.

Aqui há uma repentina interrupção na história lendária da pedra e não temos meios de conjecturar como isso passou da posse de Jacó à Salomão. Acredita-se que Moisés, isso é verdade, teria levando-a consigo para fora do Egito por ocasião do êxodo, e pode ter sido assim que ela finalmente chegou a Jerusalém. Dr. Adam Clarke[7] repete o que ele adequadamente chama de “tradição tola”, a pedra sobre a qual Jacó descansou sua cabeça havia depois sido trazida para Jerusalém, e após um grande espaço de tempo foi levada à Espanha, de lá para a Irlanda, daí para a Escócia, onde ela foi usada como um assento sobre o qual reis se sentavam para ser coroados. Edward I, nós sabemos, trouxe uma pedra, a qual essa lenda está ligada, da Escócia à Abadia de Westminster, onde, sob o nome de Travesseiro de Jacó, ela ainda permanece, sendo sempre colocada sobre a cadeira em que os soberanos britânicos sentam para ser coroados, porque há um velho dístico que declara que, enquanto essa pedra seja encontrada, os reis escoceses reinarão.[8]

Mas essa tradição escocesa afastaria a Pedra de Fundação de todas as suas ligações maçônicas sendo rejeitada como uma lenda maçônica.

As lendas recém relatadas são, em muitos aspectos, contraditórias e insatisfatórias, e outras séries, iguais às antigas, são agora muito geralmente adotadas pelos estudiosos maçônicos por serem mais bem adaptadas ao simbolismo que explica essas lendas.

A série de lendas começa com o patriarca Enoque, que se diz ter sido o primeiro consagrador da Pedra de Fundação. A lenda de Enoque é tão interessante e importante na ciência maçônica para justificar algo mais que uma breve referência aos incidentes que ela detalha.

A lenda toda é a seguinte: Enoque, sob a inspiração do Altíssimo, e em obediência às instruções que ele havia recebido em uma visão construiu um templo sob o solo do Monte Moriá, e dedicou-o a Deus. Seu filho, Matusalém, construiu o prédio, embora não fosse familiarizado com os motivos de seu pai para a construção. O templo consistia de nove abóbadas, situadas perpendicularmente uma abaixo da outra, e comunicadas pelas aberturas deixadas em cada uma delas.

Enoque então ordenou a construção de uma tábua triangular de ouro com cada lado na forma de um longo cúbito; ele enriqueceu-a com as mais preciosas pedras, e incrustou a tábua sobre uma pedra de ágata do mesmo formato. Sobre a tábua ele entalhou o verdadeiro nome de Deus, ou o tetragramaton, e colocou-o sobre uma pedra cúbica, conhecida posteriormente como a Pedra da Fundação, depositando-a dentro do arco menor.

Quando esta construção subterrânea foi completada, ele fez uma porta de pedra e prendeu-a com um anel de ferro, por meio do qual ela poderia ser erguida. Ele colocou sobre ela a abertura do arco superior e depois a cobriu para que a abertura não fosse descoberta. O próprio Enoque não podia adentrá-la mais de uma vez ao ano, e depois dele, o mesmo aconteceu com Matusalém e Lameque, e até a destruição do mundo pelo dilúvio, todo conhecimento da catacumba ou do templo subterrâneo, e da Pedra de Fundação, com o nome sagrado e inefável inscrito sobre ela, ficou perdida durante eras no mundo.

Na construção do primeiro templo de Jerusalém, a Pedra de Fundação novamente surgiu. Referência já foi feita à tradição judaica de Davi que, ao escavar as fundações do templo, encontrou uma determina pedra, sobre a qual o nome inefável de Deus estava inscrito, e cuja pedra ele disse ter sido removida e depositada no Santo dos Santos. Lá, o Rei Davi deixou as fundações do templo sobre o qual a superestrutura foi subsequentemente erguida por Salomão, é a teoria favorita dos comerciantes de lendas do Talmude.

A tradição maçônica é substancialmente a mesma que a dos judeus, mas ela substitui Salomão por Davi, dando um grande ar de probabilidade à narrativa ao fazer isso; ela supõe que a pedra então descoberta por Salomão era idêntica àquela que havia sido depositada em sua catacumba a secreta por Enoque. A Pedra de Fundação, declara a tradição, foi posteriormente removida pelo Rei Salomão e depositada em um local secreto e seguro.

A tradição maçônica novamente concorda com a judaica, pois nós encontramos no terceiro capitulo do “Tratado sobre o Templo”, escrito pelo celebrado Maimônides, a seguinte narrativa:

“Havia uma pedra no Santo dos Santos, de seu lado oeste, sobre a qual foi colocada a arca da aliança, e diante disso o pote de maná e o cajado de Aarão. Mas quando Salomão construiu o templo e previu que seria em algum tempo futuro, destruído, ele construiu um aprofunda e arejada catacumba sob o solo, com o propósito de esconder a arca, onde Josias posteriormente, como podemos ler no Segundo Livro de Crônicas, XXXV, 3, depositou-a junto com o pote de maná, o cajado de Aarão, e o óleo de unção”.

O livro talmúdico Yoma cita a mesma tradição e diz que “a arca da aliança foi colocada no centro do Santo dos Santos, sobre uma pedra levantando três dedos de largura acima do chão a ser, como era, um pedestal para ela”. “Esta pedra”, diz Prideaux[9], “os rabinos chamam de Pedra de Fundação, e nos dão uma grande quantidade de besteira a respeito disso”.

Há muita controvérsia sobre a questão da existência de qualquer arca no segundo templo. Alguns dos escritores judaicos afirmam que uma nova foi feita; outros que a antiga foi encontrada onde Salomão a escondeu; e outros novamente afirmam que não havia arca nenhuma no templo de Zerubabel, mais que o lugar fora ocupado com a Pedra de Fundação sobre a qual ele originalmente descansou.

Os maçons do Arco Real sabem bem com todas essas traduções tentam se conciliar com a lenda maçônica, na qual a arca substituta e a Pedra de Fundação desempenham um papel importante.

No 21º grau do Rito Antigo e Aceito, a Pedra de Fundação é evidente como o local de descanso do delta sagrado.

Na Arca Real e nos graus dos Mestres Selecionados do americanizado Rito de York, a Pedra de Fundação constitui a parte mais importante do ritual. Em ambos ela é o receptáculo da arca, sobre a qual o nome inefável está inscrito.

Lee, em seu Templo de Salomão, dedicou um capítulo à Pedra de Fundação, recapitulando as tradições talmúdicas e rabínicas sobre o assunto:

“Vãos e fúteis são os sonhos exaltados dos antigos rabinos concernente à Pedra Filosofal do templo. Alguns declaram que Deus colocou esta pedra no centro do mundo, para uma base futura e consiste ser estabelecida na terra. Outros consideraram esta pedra como a primeira matéria, da qual todos os belos seres visíveis do mundo se originaram e vieram à luz. Outros relatam que esta foi a mesma pedra usada como travesseiro por Jacó, na noite em que ele teve uma visão angelical de Betel, e depois a ungiu e consagrou-a a Deus. Quando Salomão a encontrou (certamente por meio de revelação forjada, ou alguma de busca tediosa, como o Rabbi Selemoh), ele não se atreveu apenas a deixa-la segura, como a principal Pedra de Fundação do Templo. Ao contrário, eles dizem também, ter ordenado que fosse gravado sobre ela o tetragramatum, ou o Nome Inefável de Jeová”.[10]

Será visto que a tradição maçônica sobre o assunto da Pedra de Fundação não difere muito materialmente das rabínicas, embora elas deem poucas circunstâncias adicionais.

Na lenda maçônica, a Pedra de Fundação faz a sua primeira aparição, como eu já disse, no templo de Enoque, que a colocou nas entranhas do Monte Moriá. Lá subsequentemente ela foi descoberta pelo Rei Salomão, que a depositou em uma cripta do primeiro templo, onde permaneceu escondida até que as fundações do segundo templo fossem depositadas, quando ela foi descoberta e removida para o Santo dos Santos. Mas o ponto mais importante da lenda da Pedra de Fundação está em sua ligação íntima e constante com o tetragramaton ou o nome inefável. É este nome, inscrito sobre ela, dentro do delta sagrado e simbólico, que dá à pedra todo o seu valor e significado maçônico. Todo seu simbolismo dependente desse fato.

Olhando para as tradições em qualquer uma dessas narrativas históricas, nós somos compelidos a considera-las e usá-las sob as palavras de Lee, “mas tantos conceitos tão inúteis e absurdos”. Nós devemos ir além da lenda, vendo-a apenas como uma alegoria, e estuar seu simbolismo. 

O simbolismo da Pedra de Fundação da Maçonaria é o próximo tema de investigação.

Ao abordar isso, o mais obscuro, e um dos mais importantes símbolos da Ordem, nós ficamos imediatamente impressionados com sua aparente ligação com a antiga doutrina de adoração à pedra. Algumas breves considerações do tipo dessa cultura religiosa são necessárias para um entendimento apropriado do real simbolismo da Pedra de Fundação.

A adoração das pedras é um tipo de fetichismo que prevaleceu no início da religião, talvez mais abrangentemente do que qualquer outra forma de cultura religiosa. Lord Kames explica o fato supondo que as pedras erguidas como monumentos para os mortos se tornaram o local onde posteriormente se prestava veneração à memória deles e, finalmente o povo, perdendo de vista a significação emblemática, não entendia prontamente essas pedras monumentais que se tornariam objetos de adoração.

Outros tentaram encontrar a origem da adoração à pedra a uma similar que foi colocada e ungida por Jacó em Betel, e cuja tradição se estendeu às nações pagãs e se tornou corrompida. É certo que os fenícios adoravam pedras sagradas sob o nome de Baetylia, cuja palavra é evidentemente derivada da hebraica Betel; e isso sem dúvida concede uma aparência plausível a esta teoria.

Mas uma terceira teoria supõe que a adoração às p3edras derivou da falta de habilidade dos escultores primitivos, que, incapazes de dar forma, em consequência de seu pouco conhecimento de artes plásticas, a uma verdadeira imagem de Deus que eles adoravam, contentavam-se em substituí-la por uma pedra rude ou pouco lapidada. Então os gregos, segundo Pausânias, originalmente usaram pedras brutas para apresentar as suas divindades, 30 das quais o historiador diz ter visto na cidade de Pharas. Essas pedras tinham a forma cúbica e por um grande número delas ser dedicado ao deus Hermes, ou Mercúrio, receberam o nome genérico de Hermaa. Subsequentemente, com o aprimoramento das artes plásticas, a cabeça foi acrescentada.[11]

Algumas dessas pedras consagradas foram colocadas diante das portas de quase todas as casas em Atenas. Eles também as colocaram em frente aos templos, o ginásio das escolas, nas bibliotecas, nas esquinas das ruas e dos cruzamentos das estradas. Quando dedicado ao deus Término elas eram usadas como landmarks, e colocadas como se estivessem sobre as linhas limítrofes das propriedades vizinhas.

Os tebanos adoravam Baco sob a forma de uma pedra bruta e quadrada.

Arnóbio[12] diz que Cibele foi representada pela pequena pedra de cor negra. Eusébio cita Porfírio dizendo que os antigos representavam a divindade por uma pedra preta, porque sua natureza é obscura e incrustável. O leitor aqui ser á lembrando da pedra preta Hadsjar el Awad, colocada no canto sudoeste da Kaaba em Meca, que foi adorada pelos antigos árabes, e ainda é tratada com veneração religiosa pelos muçulmanos modernos. Os sacerdotes muçulmanos, no entanto, dizem que ela era originalmente branca e que tal esplendor surpreendente poderia ser visto a uma distância de quatro dias de caminhada, mas ela havia escurecido por causa das lágrimas dos peregrinos.

Os druidas, isso é bem conhecido, não tinham outra imagem de seus deuses além de pedras cúbicas, às vezes na forma de colunas, das quais Toland dá vários exemplos.

Os caldeus possuíam uma pedra sagrada, a qual eles tinham grande veneração, sob o nome de Minizuris, e que sacrificaram com o propósito de evocar o daimon bom.

A adoração à pedra existiu entre as primeiras raças americanas. Squier cita Sinner afirmando que os peruanos costumavam depositar pedras brutas em seus campos e plantações, que eram adoradas como protetores de suas colheitas. Gam diz que no México o deus presidente da primavera geralmente era representado sem um corpo humano, e no lugar dele uma pilastra ou uma coluna quadrada, cujo pedestal estava coberto com várias esculturas.

Na verdade, tão universal foi a adoração das pedras, que Higgins, em seu “Druida Celtas”, diz que “por todo mundo o primeiro objetivo da idolatria parece ter sido uma pedra plana, bruta. Colocada no solo como um emblema dos poderes geradores e procriadores da natureza”. Bryant, em seu “Análise da Mitologia Antiga”, declara que “há em todos os templos oraculares alguma lenda sobre a pedra”.

Sem demais citações de exemplos dos usos religiosos de outros países, admite-se que a pedra cúbica é uma parte importante da adoração religiosa das nações primitivas. Mas Cudworth, Bryant, Faber e todos os outros distintos escritores que trataram do assunto, desde então estabeleceram a teoria de que as religiões pagãs eram eminentemente simbólicas. Então, para o uso da linguagem de Dudley, a coluna ou a pedra “foram adotados como símbolo de força e firmeza – um símbolo, também de poder divino, e, por uma inferência imediata, um símbolo ou ídolo da própria Divindade”.[13] Este simbolismo é confirmado por Cornuto, que diz que o deus Hermes foi representado sem mãos ou pés, como uma pedra cúbica, porque a figura cúbica sinalizava uma solidez e estabilidade.[14]

Os fatos seguintes foram assim estabelecidos, mas não precisamente nesta ordem: primeiro, houve uma prevalência muito geral entre as nações da antiguidade da adoração de pedras como representantes de Divindade; em segundo lugar, em quase todos os antigos templos houve uma lenda de uma pedra sagrada ou mística; em terceiro, esta lenda é encontrada no sistema maçônico; e por fim, a pedra mística tinha recebido o nome de “Pedra de Fundação”.

Em todos os outros sistemas a pedra foi admitida como simbólica e a tradição ligada à sua mística, então nós somos compelidos a assumir os mesmos preceitos da pedra maçônica. Ela é, também, simbólica e a sua lenda é um mito ou uma alegoria.

Da fábula, mito ou alegoria, Bailly havia dito: “subordinada à história e a filosofia, ela apenas simula o que pode ser melhor para nos instruir. Fiel em preservar as realidades que encerra, ela cobre com seu véu sedutor as lições de uma e as verdades da outra”.[15] É desse ponto de vista que nós vemos a alegoria da Pedra de Fundação, constituindo um dos símbolos mais interessantes e importantes da Maçonaria.

O fato de a pedra mística em todas as antigas religiões ter sido um símbolo da Divindade levou-nos necessariamente à conclusão de que a Pedra de Fundação também foi um símbolo de Divindade. A mesma ideia simbólica é fornecida pelo tetragramaton, ou o nome sagrado de Deus, que foi inscrito sobre ela. O nome inefável santifica a pedra sobre a qual está inscrito como o símbolo do Grande Arquiteto. Tira dela seu significado pagão como um ídolo, e a consagra à adoração do verdadeiro Deus.

A ideia predominante da Divindade, no sistema maçônico, conecta-se com seu poder criativo e formador. Deus é, para o maçom, Al Gabil, como os árabes o chamam, ou seja, O Construtor; ou como expressado em seu título maçônico, o Grande Arquiteto do Universo, abreviado pelo senso comum na fórmula G.A.D.U. Agora, é evidente que nenhum símbolo poderia ser tão apropriado a ele em seu caráter como a Pedra de Fundação, sobre a qual ele supostamente erigiu seu mundo. Como um símbolo intimamente ligado à obra criativa de Deus, como um padrão e um exemplo, como a construção temporal feita pelo operário sobre uma pedra de fundação semelhante.

Mas essa ideia maçônica ainda deve ser mais abrangente. O grande objeto de todo trabalho maçônico é a verdade divina. A busca pela palavra perdida é a busca pela verdade. Mas a verdade divina é um termo sinônimo de Deus. O nome inefável é um símbolo da verdade, porque Deus, e apenas Deus é verdade. É propriamente uma ideia escritural. O Livro dos Salmos abunda desse sentimento. Diz-se que a verdade do Senhor “alcançou as nuvens”, e que “sua verdade perdurou por todas as gerações”. Se, então, Deus é verdade, e a Pedra de Fundação é o símbolo maçônico de Deus, logo ele também deve ser símbolo da verdade divina.

Quando chegamos a este ponto em nossas especulações, nós já estamos prontos para demonstrar como todos os mitos e lendas da Pedra de Fundação podem ser racionalmente explicados enquanto partes dessa bela “ciência moral, velada em alegoria e ilustrada por símbolos”, que é a definição reconhecida da Maçonaria.

No sistema maçônico há dois templos: o primeiro templo, no qual os degraus da Antiga Maçonaria estão relacionados; e o segundo templo, com o qual os graus superiores e, especialmente do Arco Real, se ligam. O primeiro templo é símbolo desta vida, o segundo, da vida futura. O primeiro, a vida presente; deve ser destruído, sobre as suas fundações; o segundo, a vida eterna, deve ser construído.

Mas a pedra mística foi colocada pelo Rei Salomão nas fundações do primeiro templo. O que quer dizer que o primeiro templo de nossa vida presente deve ser construído sobre a fundação segura da verdade divina, “pois outra fundação nenhum homem pode depositar”.

Embora a vida presente seja necessariamente construída sobre a fundação da verdade, nós nunca atingimos perfeitamente esta esfera sublunar. A Pedra de Fundação é escondida no primeiro templo, e o Mestre Maçom não sabe disso. Ele não tem a palavra verdadeira. Ele recebe apenas uma substituta.

Em um segundo templo da vida futura, nós deixamos a sepultura, que tem sido o fim de nossos trabalhos do primeiro templo. Nós removemos a sujeira e descobrimos que a Pedra de Fundação que ficou escondida de nossos olhos até então. Deixando de lado a substituta para recuperar a verdade que havia nos satisfeito no templo anterior, o esplendor brilhante do tetragramaton e a Pedra de Fundação são descobertos, e a partir de então nós nos tornamos os possuidores do mundo verdadeiro – da verdade divina. Dessa forma, a Pedra de Fundação, ou a verdade divina, escondida no primeiro templo, foi descoberta e trouxe luz ao segundo, explicando a passagem do apóstolo: Pois agora nós vemos por meio de um vidro escurecido, mas face a face: agora eu conheço em parte; mas saberei também como eu sou conhecido”.

O resultado dessa investigação é que a Pedra de Fundação maçônica simboliza a verdade divina, sobre o qual toda Maçonaria Especulativa se constrói, e as lendas e as tradições que se referem a ela pretendem descrever, de uma forma alegórica, o progresso da verdade na alma, cuja busca é o trabalho do maçom, e cuja descoberta será sua recompensa.

(Texto extraído do livro “O Simbolismo da Maçonaria – Mackey, Albert G. – Editora Universo dos Livros)

[1] Uma parte deste ensaio, mas de uma forma bastante abreviada, foi usada pelo autor em sua obra sobre “Maçonaria Crítica”. 
[2] Landmarks Históricos, li. 459, nota 52 
[3] (ver a Gemara e Busxtorf Lex). Talm., p. 2.541 
[4] Jó XXXVIII. 4-7 
[5] Uma nova tradução do Livro de Jó, notas. P. 196. 
[6] Shefer Toldoth Jeshu, p.6. O caráter vergonhoso desta obra surgiu da indignação dos cristãos, que no século XV, não se distinguiam pelo espírito de tolerância, e os judeus, ficando alarmados, esforçaram-se bastante para superar isso. Mas, em 1681, foi republicado por Wangenselius em seu Tela Ignea Satanae, com uma tradução latina 
[7] Coment. Sobre a Gen. XXXVII 18. 
[8] 224. “Ni fallit fetum, Senti quocunque lecatum Inveninent Lapidem, regnare tenetur ibidem” 
[9] Velho e Novo Testamento relacionados, vol. 1 p. 148. 
[10] O Templo de Salomão, retratado pela Luz das Escrituras, cap. IX. P. 194. “Dos Mistérios confinados na Fundação do Templo”. 
[11] Ver Pausânias, lib. IV. 
[12] As “discputationes adversus Gentes” de Arnóbio, fornece-nos um fundo de informação sobre o simbolismo da mitologia clássica. 
[13] Naologia, cap. III. P. 119.. 
[14] Cornut. De Nat. Deor. Cap. 16. 
[15] Essais sur les Fables, t. I. let. 2. -.9.

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