A MAÇONARIA E O SIMBOLISMO DA PEDRA
Autor: João Anatalino
Aquilo que acontece no coração dos maçons que descobriram o verdadeiro significado da Arte Real é comparável ao que acontece no espírito dos alquimistas e dos modernos cientistas. Há uma transformação qualitativa de caráter e um desvelar de visões que lhe permitem ”ver” e sentir melhor o mundo em que vivem. É possível perceber o conjunto no qual se circunscrevem e qual é sua posição relativa em face á ele. Melhor ainda, é possível perceber qual a sua exata configuração nesse todo e sua função num domínio que ele agora sabe, também se compõe em razão das suas atitudes.
Quando ele tem essa visão de conjunto, e essa sensação de pertencialidade a um determinado conjunto, que é a Maçonaria, ele então descobre o verdadeiro significado da palavra fraternidade. E ai ele saberá por que está ali, e por que um dia ele quis ser um maçom. Mas esse é um processo que se cumpre no coração e não na razão.
O triunfo da máquina sobre a mão do homem, na confecção de obras materiais, eliminou da cultura humana a tradição de sacralizar os ofícios. Perdido o elo que ligava a mente á matéria, o homem não soube mais como tirar dela obra de criação. Se antes, pelo lavor das mãos, ele podia sentir-se um deus, no sentido de que também criava, agora, suas criações passaram a ser apenas mentais e a execução se processava por meios mecânicos, sem aquela interação mente-matéria que possibilitava ao antigo artesão a realização espiritual através do trabalho manual. Assim, a sacralização do ofício, de operativa passou a ser meramente especulativa.
Milênios passam, as civilizações desaparecem; o tempo tudo devora, as próprias obras confeccionadas pelo homem são consumidas; mas das construções humanas, as que mais resistem são as habitações que ele faz para seus deuses e para seus próprios restos mortais. De todas as grandes civilizações do passado, o que resta são as ruínas de seus templos e de seus cemitérios. E são nessas edificações, erigidas para atender ao desejo de viver eternamente na memória dos homens, que transparece o sentido metafísico da Arte Real, já que nelas o que se imprime é uma imagem vinculada á idéia de imortalidade, só atribuída aos deuses e ao espírito do homem. Essa é a disposição que podemos ler, por exemplo, nos monumentais templos e cemitérios egípcios, babilônios e outros povos antigos.
Com efeito, pouco resta dos grandes palácios erguidos para uso-fruto dos potentados humanos, e das casas onde residiram os seus construtores. Mas as ruínas dos grandes templos da antiguidade e as majestosas tumbas erigidas para o sepultamento dos seus restos mortais ainda testemunham a magnitude da inteligência dos maçons daqueles tempos.
As primeiras formas de construção produzidas pelos grupos humanos foram as palafitas, casas de madeira erguidas nas margens dos rios. Em seguida foram empregadas as pedras, primeiro em sua forma bruta, depois as trabalhadas. A edificação com pedras brutas marcou o inicio da estabilidade do homem sobre a terra, pois representou o despertar do seu sentimento gregário, sentimento esse marcado pela sua fixação a certo meio ambiente. Já a construção com pedras trabalhadas lhe deu uma identificação no meio daquele ambiente, pois a partir daquele momento o mundo ficara impregnado de algo que ele criara pelo lavor das próprias mãos.
A pedra sempre foi para o homem um objeto de estranhas propriedades. Nela ele podia sentir um grande poder de resistência, durabilidade e maleabilidade, pois ela, além de poder assumir todas as formas fabricadas pela natureza, também parecia ser perene e resistir a todas as intempéries. Trabalhá-la, dando-lhe formas úteis e agradáveis á vista tornou-se um ritual onde a mente associava-se á matéria para criar o universo real. Nas pedras se cultuavam os deuses, nelas eram escritos seus mandamentos; nelas também se eternizava a memória dos entes queridos e a beleza das formas do gênero humano; com elas também se faziam as muralhas que serviam de defesa para as cidades e algumas espécies de pedras faziam a riqueza de muitos homens.
O culto á pedra sempre esteve presente nas tradições dos povos desde o inicio dos tempos. Nada estranho, portanto, que ela tenha sido escolhida para simbolizar a metafísica fundamental da prática maçônica. O Aprendiz, por um trabalho de conscientização interior, transforma-se numa pedra lavrada. Desbastado de suas asperezas, aparecerá como uma obra de lavor que estará em condições de integrar-se ao edifício universal que é a Maçonaria, aquela Maçonaria, que segundo Ransay, “é uma grande Republica, da qual cada Nação é uma família e cada indivíduo, um filho”.
Da mesma forma que o Aprendiz é essa pedra bruta que precisa ser lavrada para adquirir a personalidade desejada, o Companheiro é a pedra cúbica. Ele representa o material que foi trabalhado e transformado pela iniciação nos Mistérios Maçônicos. Simboliza, na evolução da sociedade humana, uma segunda fase de transição, quando ela passa da mera aglomeração de indivíduos por razões de sobrevivência, para uma organização social que já pode ostentar as primeiras conquistas de um processo civilizatório. Esse processo está registrado na história humana através da construção de edifícios com materiais já mais elaborados, como a pedra lavrada e os tijolos queimados.[1]
A pedra, sendo um produto em que a natureza concentra um grande potencial de forças telúricas, é o que mais se presta ao trabalho de arte sacra. Por isso é que a ela se associa, geralmente, um ritual, uma prática de sentido esotérico. Assim faziam, por exemplo, os antigos cortadores de pedra medievais, que no decurso de seus trabalhos diários, recitavam preces e executavam batidas rituais com seus instrumentos de trabalho, para atrair os bons influxos para o individuo e para a comunidade. Para muitos místicos, a pedra é um ser vivo, cheio de energia, a energia que eles chamam lapitus. Essa energia estaria na origem da vida, já que, segundo eles, a vida orgânica teria se originado a partir das transformações sofridas pela matéria bruta. Daí o imenso simbolismo contido nas diversas espécies de pedras. O mármore, como representativo da morte, o granito como símbolo da força, nas pedras dos rios a idéia de evolução, no quartzo e nos cristais a inspiração artística e o êxtase divino, etc.
Não é sem razão também que os alquimistas simbolizavam numa pedra a essência da sua “Obra”. A pedra filosofal era um preparado químico que conteria a alma da natureza, capaz de transmutar metais simples em ouro. De alguma forma, também a mística oriental se vale do simbolismo da pedra para representar a busca da quietude, do equilíbrio e da serenidade, que está na postura do iogue “petrificado”.
Um dos mais marcantes exemplos de trabalho na pedra nos foi dado por Antonio Francisco de Lisboa, o Aleijadinho, o maior escultor brasileiro do período colonial. Suas estátuas, suas figuras de pedra sabão, que enfeitam as igrejas mineiras, mostram bem a excelência do maçom operativo que atingiu a plenitude espiritual através do ascetismo operacional. No trabalho daquele genial artista se pode “ler” a mensagem maçônica expressa nos gestos, nas feições, na forma e nas medidas com que a sua obra foi composta.[2]
J. Palou, citando P.Sébillot (Légendes et Curiosités dês Métiers) diz que “ é interessante observar que “ machados de pedra polida (são) colocados debaixo das fundações em várias regiões da França” (...) mormente quando se sabe que na maçonaria a pedra cúbica em ponta, que representa o companheiro, é muitas vezes feita na forma de um machado, sendo este instrumento próprio da Maçonaria Florestal, simbolizando o fogo purificador e sendo um dos atributos de São João, sob cujo patrocínio são colocadas as Lojas maçônicas”[3]
Esse é um bom exemplo da mística da pedra, e suas implicações no simbolismo da Maçonaria. Tudo começa na pedra, como na natureza. A partir daí há um longo trabalho iniciático que envolve iniciação, preparação, aperfeiçoamento e acabamento. É preciso não perder de vista esse processo se quisermos, realmente, entender a Arte Real.
O sentido mítico-hermético da Arte Real
O Aprendiz maçom é a pedra bruta que precisa ser lapidada. É a matéria prima sem forma que se apresenta no canteiro de obras, buscando o trabalho do artesão, que lhe será aplicado, para dele fazer obra de arte, como diz Lavagnini.[4]
Na forma cúbica encontramos a idéia de estabilidade. Com essa constatação fecha-se o circulo da simbologia expressa nos graus de Aprendiz e Companheiro, no sentido de que é na evolução feita nesses dois graus que se completa a essência da iniciação de um neófito, que tendo superado essas duas fases, estará, finalmente, preparado para ser a pedra angular do edifício maçônico, que é o Mestre.
É importante notar que na antiga Maçonaria operativa não existia o grau de Mestre, mas apenas os de Companheiro (fellow) e Aprendiz. O titulo de Mestre era dado apenas ao presidente da Loja, o qual era eleito entre os Companheiros. A extensão desse título a todos os companheiros que são elevados ao terceiro grau é uma criação da Maçonaria especulativa. Por isso é fundamental entender esse simbolismo. O Mestre, na simbologia da Arte Real, é aquele que passou á Câmara do Meio, após ter presenciado e vivido, no espírito, o Drama de Hiram. É uma visão meramente especulativa, que não tinha correspondência na prática operativa. Na verdade, nas antigas Lojas dos maçons operativos, o Mestre era um Companheiro eleito entre os membros desse grau, que assumia a função de supervisor. Era, portanto, uma função e não um título, ou uma graduação.
A passagem do operativo para o especulativo exigiu a adaptação dos títulos maçônicos para fins de adequá-los a uma estrutura que, doravante, deveria funcionar como uma espécie de escola. Assim sendo, foi preciso que entre os Companheiros fossem escolhidos alguns Mestres e entre estes, um que lhes fosse acima, para administrar e conduzir os trabalhos do grupo. Assim é que Anderson estipula em suas Constituições que “nenhum irmão pode ser supervisor (entenda-se Vigilante), sem antes ter passado pelo grau de Companheiro; nem Mestre (entenda-se Venerável) antes de ter exercido as funções de supervisor (Vigilante).”
No sistema inaugurado pela Maçonaria moderna, portanto, o título de Mestre deve ser visto em sua dimensão simbólica e nunca em termos de hierarquia. O Mestre não é aquele que mais sabe, ou que ensina, mas sim aquele que conhece a acácia, ou seja, aquele que presenciou o Drama de Hiram, e teve seu psiquismo recomposto a partir de sua iniciação nos Mistérios que aquele drama representa. Para tanto é preciso que ele não só “conheça a acácia”, mas saiba, principalmente, qual o verdadeiro significado das alegorias representadas no Templo que ele freqüenta, e o porquê delas serem utilizadas.
Só após esse aprendizado ele se torna um verdadeiro maçom.
[1] Se, de um lado, nas construções feitas pelos antigos povos do Egito e da Palestina eram utilizadas principalmente pedras, nas construções feitas pelos povos que habitaram os vales do Tigre e do Eufrates, região conhecida como Mesopotâmia, o material utilizado foi o tijolo cozido. Veja-se, por exemplo, a descrição feita na Bíblia sobre a construção da Torre de Babel No Egito utilizava-se, e muito, o tijolo feito de barro misturado com palha de trigo, porém, na maioria das grandes construções, o material empregado era a pedra, uma vez que esse material era, e ainda é, muito abundante naquela região.
[2] Não há nenhuma prova documental de que o Aleijadinho era maçom. Provavelmente não era, pois não havia Lojas maçônicas no Brasil na época em que ele viveu. Elas haviam sido fechadas pelo Marques de Pombal e proibidas pelo governo português. Mas há provas que Aleijadinho pertenceu á chamada Irmandade de São José, uma escola de profissionais da construção civil, mantida pela igreja. Afirma o principal biógrafo do Aleijadinho (Afonso Arinos) que seu pai, Manuel Francisco, realizou muitas obras de verdadeiro arquiteto e ocupou, por muitos anos, o cargo de “Juiz” dos ´”Ofícios Mecânicos” de Vila Rica, alcançando relativa fortuna e projeção social. Era também membro leigo da Irmandade da Ordem de São José do Carmo, organização da qual, mais tarde, também o próprio Aleijadinho seria, primeiro professor, e depois Juiz. Assim, pode-se dizer que maçom operativo ele era.
[3]Jean Palou op citado, pg. 216/217
[4] Aldo Lavagnini- El Secreto Masonico- Buenos Aires, 1986
João Anatalino
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