segunda-feira, 8 de maio de 2017

A CAUSA MAÇÔNICA JACOBITA



Texto extraído do livro: A Loja e o Templo Baigent, Michael e Leigh Richard – Editora Madras

Enquanto a Grande Loja prosperava e florescia, as Lojas pró-Jacobitas na Inglaterra eram, progressivamente, relegadas. Certamente, algumas persistiram, particularmente na região Nordeste, nos arredores de Newcastle e das propriedades da família Radclyffe em Derwentwater, mas o clima reinante permitiu-lhe pouco espaço para se desenvolverem e se expandirem. O mesmo se deu na Escócia, onde muitas evidências e provas referentes à Franco-Maçonaria entre 1689 e 1745 foram, deliberadamente ou de alguma outra forma, perdidas no calor e no tumulto dos acontecimentos. No entanto, a Irlanda foi uma questão à parte e diferente.

Já em 1688, a Franco-Maçonaria era bem conhecida na Irlanda. Naquele ano, um orador de Dublin, tentando atrair a atenção de sua audiência conseguiu seu intento ao referir-se a um homem que “foi feito franco-maçom de uma nova maneira”, - o que, certamente, implica na existência também de “uma maneira antiga”. No mesmo ano, aconteceu um pequeno escândalo quando um notório sujeito, chamado Ridley, conhecido como um espião e informante anticatólico, foi encontrado morto com algo sobre seu corpo que foi considerado uma “Marca Maçônica” – embora não haja qualquer indicação sobre qual seria aquela “Marca”, como teria sido ela ativada ou gravada, ou mesmo se ela tinha algo a ver com a sua morte.

A documentação existente sobre a antiga história da Grande Loja na Irlanda é remendada e irregular, com todos os livros de Atas anteriores a 1780 tendo sido extraviados, bem como todos os registros anteriores a 1760. Qualquer informação que possam ser obtidas provêm de fontes externas, tais como relatos em jornais e cartas. As provas e evidências existentes indicam que a Grande Loja Irlandesa foi criada entre 1723 e 1724, seis ou sente anos após a sua rival inglesa. O seu primeiro Grão-Mestre foi o duque de Montague que, em 1721, presidira a Grand Loja da Inglaterra. Montague era um afilhado de George I e leal pró-Hanoveriano. Não é de se surpreender que ele, dado a profunda e penetrante fidelidade aos Stuart na Irlanda, tenha atraído muita atenção, e a Grande Loja irlandesa passou a ser atormentada  por disputas e brigas internas. Entre 1725 e 1731, nota-se uma total lacuna em sua história, e os posteriores comentaristas chegam à conclusão de que deve ter ocorrido uma divisão entre patrocinadores Hanoverianos e Jacobitas.

Aparentemente em março de 1731, surgiu alguma consolidação sob o Grão-Mestrado do conde de Ross. Um mês mais tarde, Ross foi sucedido por James, lorde Kingston. Também ele, em 1728, presidira a Grande Loja da Inglaterra, porém, depois de 1770, quando a Grande Loja inglesa ratificou certas não especificadas mudanças, ele “limitou sua dedicação à Franco-Maçonaria irlandesa” – Kingston haveria de personificar a orientação da Grande Loja irlandesa. Ele tinha um passado Jacobita e vinha de uma família Jacobita. Seu pai tinha sido um cortesão de James II e acompanhou o rei deposto ao exílio, retornando à Irlanda em 1693 para primeiro ser perdoado e depois, preso e acusado pelo recrutamento de militares em favor da causa Stuart. Em 1772, o próprio Kingston incorreu em semelhantes acusações.

Assim, A grande Loja irlandesa haveria de ficar como repositório de questões e aspectos da Franco-Maçonaria que a Grande Loja da Inglaterra repudiara ou renegara. E haveria de ser para a Franco-Maçonaria da Grande Loja irlandesa que os numerosos regimentos britânicos passando pela Irlanda ou ali estacionados seriam expostos. Quando a rede de Lojas militares itinerantes começou a proliferar graças ao exército britânico, a maioria delas, ao menos inicialmente, foi certificada pela Grande Loja irlandesa. Isso haveria de ser de extrema importância, mas os seus efeitos não haveriam de se tornar aparentes pelos 25 anos seguintes.

Enquanto isso, a corrente original da Franco-Maçonaria mudara-se com os exilados Stuart para o Continente. Foi na França, durante o período imediatamente anterior a 1745, que os mais consequentes desenvolvimentos haveriam de acontecer. E foi na França que a Franco-Maçonaria Jacobita haveria de se tornar integrada – ou talvez reintegrada – com a antiga herança Templaria.

AS PRIMEIRAS LOJAS

Aparentemente, a Franco-Maçonaria chegou à França com os contingentes do derrotado exército Jacobita, entre 1688 e 1691. Segundo um relato do século XVIII, a primeira Loja na França data de 25 de março de 1688, tendo sido fundada por um regimento de infantaria, o Royal Irish, que fora formado por Charles II em 1661, que o acompanhara à Inglaterra em sua restauração e, então, ido novamente ao exílio com James II. Subsequentemente, no século XVIII, essa unidade ficou conhecida como o “Regimento de Infantaria Walsh, em alusão ao seu oficial comandante. Os Walsh formavam uma proeminente família de armadores irlandeses exilados. Um de seus membros, o capitão James Walsh, forneceu o navio que transportou James II para porto seguro na França. Mais tarde, Walsh e seus parentes fundaram um grande estaleiro em St. Málo, que se especializou no fornecimento de navios de guerra para a Marinha francesa. Ao mesmo tempo, eles continuavam fervorosamente leais à causa Jacobita. Duas gerações depois, o neto de Walsh, Anthony Vicent Walsh, junto com Dominic O Heguerty, outro influente mercante e armador, forneceria os navios com os quais Charles Edward lançaria sua invasão da Inglaterra. Em reconhecimento aos serviços prestados, Anthony Walsh foi feito conde pelos exilados Stuart, tendo o seu título sido oficialmente reconhecido pelo governo francês.

Na França, os militares irlandeses responsáveis pela transplantação da Franco-Maçonaria se movimentaram, de forma bastante natural, nos mesmos círculos que os refugiados pró-Stuart da Escócia – tais como David Granhame, o irmão de John Claverhouse, visconde Dundee, que dizia ter sido encontrado depois de Killiecrankie com uma cruz Templária. Se a Franco Maçonaria tinha antes, ainda que temporariamente, perdido o contato com a meada da tradição Templária, aquele contato foi restabelecido na França durante o primeiro quarto do século XVIII. No entanto, na França, a pressão combinada da Igreja e do Estado provou ser inimiga, e o ímpeto do pensamento cartesiano passou para a Inglaterra, onde se manifestou por meio de homens tais como Boyle, Hume e Newton, bem como por meio de instituições tais como a Sociedade Real (Royal Society) e a própria Franco-Maçonaria. Assim, foi na Inglaterra que os pensadores franceses de mente progressista, tais como Montesquieu e Voltaire, buscavam novas ideias. Eles e seus compatriotas haveriam de se mostrar particularmente receptivos à Franco-Maçonaria.

Mas se a Franco-Maçonaria começou a aparecer na França em 1688, cerca de 35 anos haveriam de se passar antes de ser fundada a primeira, oficialmente documentada, Loja Francesa. Segundo a maioria das fontes, essa foi fundada em 1725, e, segundo outra fonte talvez ainda mais confiável em 1726. O seu fundador original foi Charles Radclyffe, conde de Derwentwater, cujo irmão mais velho, James, tinha sido executado por ter tomado parte da rebelião de 1715. Entre os cofundadores de Radclyffe, estavam Sir James Hector Maclean, chefe do clã MacLean; Dominic O´Heguerty, o poderoso expatriado mercante e armador que, junto com Anthony Walsh, forneceu os navios para a expedição de Charles Edward Stuart em 1745; e um misterioso homem, que diziam ser um restaurador, cujo nome figura em documentos sobreviventes como “Hure” ou “Hurc”. Um certo autor persuasivamente argumenta que este pode ser uma corruptela de “Harry”. Sir John Hurry havia sido decapitado em Edimburgo em 1650 por sua lealdade aos Stuart. Sua família continuou militante Jacobita e foi enobrecida por Charles II, pode muito bem ter sido um de seus filhos ou netos exilados que, junto com Radclyffe, MaclLean e O´Heguerty, fundou a primeira Loja francesa.

Em 1729, as Lojas francesas já proliferavam nos moldes da Franco-Maçonaria Jacobita. Para não ser sobrepujada pela “concorrência”, a Grande Loja da Inglaterra começou, naquele mesmo ano, a fundar suas próprias Lojas afiliada na França. Durante algum tempo, os dois diferentes sistemas de Franco-Maçonaria seguiam caminhos paralelos e rivais de desenvolvimento. Embora jamais tenha conseguido impor um monopólio, o sistema Jacobita foi, aos poucos, ganhando ascendência. Dele finalmente evoluiu, em 1773, o mais importante Corpo Franco-Maçônico na França, o Grande Oriente.

Uma das mais proeminentes Lojas na França foi a Loja de Bussy. A rua na qual se localizava essa Loja, a Rue de Bussy (hoje Rue de Buci) leva diretamente à praça defronte à St. Germain des Prés. A outra rua que levava àquela praça era a Rua de Boucheries, onde ficava a Loja fundada por Radclyffe. Em outras palavras, as duas Lojas estavam apenas poucos metros, uma da outra, e a vizinhança era, efetivamente, um encrave Jacobita. Os Jacobitas franceses logo haveriam de espalhar ainda mais a sua rede. Em setembro de 1735, por exemplo, a Loja de Bussy iniciou lorde Clewton, filho do conde de Waldegrave, embaixador britânico na França (ele próprio um Membro da Loja “Horn” desde 1723) e o conde de St. Florentin, secretário de Estado de Luiz XV. Entre os presentes estavam Desaguliers, Montesquieu e o primo de Radclyffe, o duque de Richmond. Mais tarde. Naquele mesmo ano, o duque de Richmond fundou sua própria Loja em seu castelo em Aubigny-sur-Nère.

Embora Radclyffe tenha sido cofundador da primeira Loja registrada na França, ele não foi Grão-Mestre. Segundo os mais antigos documentos existentes, o primeiro Grão-Mestre, nomeado em 1728, não foi outro senão o Grão-Mestre anterior da Grande Loja da Inglaterra, o duque de Wharton. Cada vez mais ativo e militante em suas afinidades Jacobitas, Wharton, depois de ter sido substituído na Grande Loja, foi para Viena, esperando persuadir os austríacos Habsburgo a montar uma invasão da Inglaterra em nome dos Stuart. As peregrinações que se seguiram levaram-no a Roma e depois a Madri, onde ele fundou a primeira Loja da Espanha. Durante sua estada em Paris, ele parece ter ficado durante algum tempo com a família Walsh. Ao retornar para a Espanha, ele foi substituído como Grão-Mestre da Franco-Maçonaria francesa por Sir James Hector MacLean, colega de Radclyffe. Em 1736, MacLean por sua vez, foi sucedido por Radclyffe, a “eminência parda”, que saiu dos bastidores para assumir seu lugar no palco.

Radclyffe foi um dos dois mais importantes personagens na disseminação da Franco-Maçonaria em toda a França. O outro era um eclético e itinerante indivíduo chamado Andrew Michael Ramsay, nascido na Escócia na décda de 1680. Ainda jovem, ele ingressou numa sociedade meio “Rosacruz” chamada “Philadelphians”, e estudou com um amigo próximo de Isaac Newton. Mais tarde ele se associaria a outros amigos de Neston, entre os quais estava John Desaguliers. Ele também era um particular amigo de David Hume, e eles exerciam uma mútua influência entre si.

Em 1710, Ramsay estava em Cambrai, estudando com aquele que ele considerava seu mentor, o filósofo místico liberal católico François Fénelon. Quando Fénelon morreu em 1715, Ramsay foi para Paris. Ali, ele se tornou íntimo amigo do regente francês, Philippe d´Orleans que o induziu na neo-cavalheiresca Ordem de St. Lázaro, daí em diante, Ramsay passaria a ser conhecido como “Cavaleiro”. Não se sabe ao certo quando ele conheceu Radclyffe, mas em 1729 ele foi afiliado à causa Jacobita e serviu, durante algum tempo, como tutor do jovem Charles Edward Stuart.

Em 1729, apesar de seus laços Jacobitas, Ramsay retornou à Inglaterra. Lá, apesar de aparente falta de qualificações, ele foi prontamente admitido na Sociedade Real (Royal Society). Ele também se tornou um membro de outra prestigiada organização, o elegante Gentlemen´s Club of Spalding, do qual faziam parte, também, o duque de Montagne, o conde de Abercorn, o conde de Dalkeith, Desaguliers, Pope, Newton e Fraçois de Lonraine. Em 1730, ele estava de volta na França, cada vez mais ativo em favor da Franco-Maçonaria e cada vez mais próximo a Charles Radclyffe.

Em 26 de dezembro de 1736 – data em que Radclyffe assumiu o Grão-Mestrado da Franco-Maçonaria francesa – Ramsay proferia um discurso que haveria de se tornar um dos principais marcos da história da Franco-Maçonaria, e, desde então, uma inesgotável fonte de controvérsia. Esse discurso, que foi reapresentado numa versão levemente modificada para o público em geral em 20 de março de 1737, ficou conhecido como “A Oração de Ramsay”. Havia um posterior motivo político por trás dele. Na época, a França era governada por Luis XV, então com 27 anos de idade. No entanto, o verdadeiro poder governante no país, tal como fora Richelieu um século antes, era o conselheiro chefe do rei, o cardeal André Hercule de Fleury. Cansado de guerras, Fleury estava ansioso por estabelecer uma paz duradoura com a Inglaterra. Consequentemente, ele era hostil ao então ao nicho da conspiração anti-Hanoveriana que a Franco-Maçonaria Jacobita na França acabou se tornando. Os Stuart, por sua vez, esperavam poder dissuadir Fleury de seu intento e manter a França, a tradicional protetora e apoiadora da Casa Real escocesa, firmemente aliada ao seu sonho de retornar ao trono da Inglaterra. A “Oração de Ramsay” tinha o objetivo, ao menos em parte, de abrandar a antipatia que Fleury nutria em relação à Franco-Maçonaria na França sob o patrocínio real. Ele esperava poder iniciar Luiz XV. Com o rei assim envolvido, a Franco-Maçonaria constituiria uma frente franco-escocesa unida, e uma nova invasão da Inglaterra poderia ser contemplada, uma nova tentativa para devolver aos Stuart o trono da Inglaterra. Esses objetivos levaram Ramsay a revelar mais do que qualquer outro jamais revelara acerca das atitudes e orientação da Franco-Maçonaria Jacobita de início do século XVIII – e, ao mesmo empo, divulgar, mais do que qualquer outro tivera feito antes, sua alegada História.

Numa declaração plagiada quase textual de Fénelon, Ramsay diz:”O mundo nada mais é do que uma enorme república, na qual cada nação é uma família e cada indivíduo é filho”. Essa declaração não produziu grande efeito em Fleury, um cardeal católico monarquista nacionalista, que, de qualquer forma, não apreciava Fénelon. Mas a declaração haveria de se mostrar enormemente influente entre os futuros pensadores políticos, não apenas na França, não apenas no resto da Europa, mas também, nas colônias americanas. E Ramsay continua: “Os interesses da fraternidade havendo de se tornar os mesmos de toda a raça humana”. E ele condenou a Grande Loja, bem como outras formas de Franco-Maçonaria não Jacobitas, classificando-a de “herege”, apóstata e republicana”.
Ramsay ressaltava que as origem da Franco-Maçonaria estavam nas escolas de doutrinas secretas e seitas do mundo antigo:

“Assim a palavra franco-maçom não deve ser tomada no sentido literal, bruto e material, como se os nossos fundadores tivesse sido simples trabalhadores em pedra, ou menos, gênios curiosos que queriam aperfeiçoar suas habilidades. Eles não eram apenas experientes arquitetos, desejosos de consagrar os seus talentos e técnicas na construção de templos materiais mas também religiosos e príncipes governantes que se destinavam a esclarecer, edificar e proteger os vivos Templos do Altíssimo”.

Porém, embora eles possam ser oriundos das escolas de doutrinas secretas da Antiguidade, eles eram, segundo afirmava Ramsay, fervorosos cristãos. Na França católica da época, certamente seria imprudente chamar os Templários pelo nome. Porém, Ramsay enfatizava que a Franco-Maçonaria tinha os seus primórdios na Terra Santa, entre os “Cruzados”.

“Na época das Cruzadas na Palestina, muitos príncipes, lordes e cidadãos se associaram e juraram restaurar o Templo dos Cristãos na Terra Santa, e se empenharam em trazer de volta a sua arquitetura à sua primitiva instituição. Eles combinaram diversos Sinais antigos e Palavras simbólicas extraídas do acervo da religião para poderem se reconhecer entre os pagãos e os sarracenos. Esses Sinais e Palavras foram transmitidos apenas àqueles que solenemente prometiam, às vezes até ao pé do altar, jamais revela-los. Essa sagrada promessa não era portanto, um juramento execrável, como tem sido chamado, mas um respeitável laço para unir cristãos de todas as nacionalidades em uma só Fraternidade. Algum tempo depois, nossa Ordem formou uma união íntima com os Cavaleiros de São João de Jerusalém. Desde então, nossas Lojas adotaram o nome de “Lojas de São João”.

Desnecessário dizer que os Cavaleiros de São João, tal como eram no início do século XVIII, jamais reconheceram qualquer afiliação de tal natureza. Se eles tivessem sobrevivido como uma instituição pública acreditada, é possível que os Templários o tivessem feito. Ramsay, por sua vez, mapeando o conteúdo histórico da Franco-Maçonaria, rapidamente se mudou da Terra Santa, voltando para a Escócia e o reino celta pouco antes de Bruce:

“Na época dos últimos Cruzados, muitas Lojas já haviam sido criadas na Alemanha, na Itália, na Espanha e na França. James, lorde Steward da Escócia, era Grão-Mestre de uma Loja existente em Kilwinning, no Oeste da Escócia, MCCLXXXVI, logo após a morte de Alexander III rei da Escócia, e um ano antes de John Baliol ter chegado ao trono. Esse lorde admitiu como franco-maçons, em sua Loja os condes de Gloucester e Ulster, sendo um inglês e o outro irlandês”.

Finalmente, numa inconfundível referência à Guarda escocesa, Ramsay declara que a Franco-Maçonaria “preservou o seu esplendor entre aqueles escoceses a quem os reis da França haviam confiado, ao longo de muitos séculos, a proteção e a defesa de seus entes da realeza”.

Um pouco mais adiante, abordaremos as implicações e o significado da “Oração de Ramsay”. Por ora, basta notar que a tentativa de ganhar a simpatia e o apoio do cardeal Fleury saiu pela culatra. Dois anos antes, em 1735, a polícia agiu contra a Franco-Maçonaria na Holanda. Em 1736, o mesmo ocorreu na Suécia. Agora, depois de poucos dias da segunda “Oração” de Ramsay, Fleury ordena à polícia francesa que seguisse o mesmo exemplo. Foi determinada uma imediata investigação sobre a Franco-Maçonaria. Quatro meses depois, em 1º de agosto de 1737, um relatório policial estava disponível. A Franco-Maçonaria foi declarada inocente de “indecência”, mas potencialmente perigosa “em virtude da indiferença da Ordem em relação às religiões”. Em 02 de agosto, a Franco-Maçonaria foi interditada na França e o seu Grande Secretário foi preso.

Nesta série de batidas policiais, inúmeros documentos e listas de integrantes foram confiscados. Fleury e seus conselheiros certamente devem ter se surpreendido e chocado pela extraordinária qualidade de famosos nobres e clérigos que já figuravam como franco-maçons. O capelão da Garde du Corps, o guarda-costas do rei, por exemplo, apareceu como membro da Grande Loja Jacobita Bussi-Aumont, ou como era chamada a antiga Loja de Bussy. Também era o Intendente da Guarda. Na verdade, quase todos os integrantes da Loja eram oficiais, funcionários ou íntimos da Corte.

Roma já estava alarmada, e pouca dúvida pode haver de que Fleury tenha exercido alguma pressão sobre seus colegas e superiores eclesiásticos. Mesmo antes que a investigação na França estivesse concluída, o Papa Clemente XII entrou em ação. Em 24 de abril de 1738, uma bula papal, “In eminenti apostolatus specula” , proibiu a todos os católicos de se tornarem franco-maçons, sob a pena de serem excomungados. Dois anos mais tarde, nos Estados papais, os membros em uma Loja estavam sujeitos à pena de morte.

Segundo uma autoridade no assunto, o primeiro efeito da bula de Clemente pode ter sido o de forçar a remoção de Radclyffe do Grão-Mestrado da Franco-Maçonaria francesa. No decorrer de um ano, ele foi substituído por um aristocrata francês, o duque d´Antia. O duque, por sua vez, foi sucedido em 1743 pelo conde de Clermont, um príncipe de sangue. Assim, fica claro que a bula papal surtiu um efeito mínimo em dissuadir os católicos franceses de se tornarem franco-maçons. Ao contrário, após a promulgação da Bula, alguns dos mais ilustres nomes na França acabaram se envolvendo. Ao que parece, até o rei estava a ponto de ingressar numa Loja. Aparentemente, o Papa nada conseguiu, salvo derrubar os Jacobitas de sua anterior posição de supremacia nas questões franco-maçônicas francesas. A partir da bula papal, os Jacobitas passariam a exercer um papel cada vez menos influente na Franco-Maçonaria francesa, e deixou de afetar completamente a sua evolução e desenvolvimento. Como já vimos, finalmente o Grande Oriente estava prestes a surgir como o principal repositório da Franco-Maçonaria na França.

Em alguns lugares a postura da Igreja deve ter parecido – e ainda deve parecer – um tanto quanto enigmática. Além do mais, a maioria dos líderes Jacobitas ou tinha nascido católica ou tinha se convertido. Assim, por que deveria o Papa agir contra eles – principalmente quando ao assim fazer significaria a Franco-Maçonaria estar, cada vez mais, sob a influência anticatólica da Grande Loja da Inglaterra? Com análise retrospectiva, a resposta a essa pergunta é mais clara do que provavelmente era para muitos – católicos, franco-maçons, ou ambos – da época. A questão é que Roma temia, de forma não totalmente injustificada, que a Franco-Maçonaria, como uma instituição internacional, poderia representar uma razoável chance de oferecer uma alternativa filosófica, teológica e moral à Igreja.

Antes da Reforma Luterana, a Igreja proporcionava, com sucesso, uma espécie de fórum internacional. Potentados e príncipes, embora suas nações pudessem estar em guerra entre si, ainda eram católicos e atuavam sob o manto protetor da Igreja; as pessoas podiam pecar, mas pecavam conforme o contexto e a definição estabelecidos por Roma. Enquanto esse guarda-chuva protetor estava em seu lugar, ele assegurava que os canais de comunicação continuassem abertos entre as partes beligerantes e que, ao menos em teoria, Roma pudesse atuar como árbitro. É claro que com a Reforma, a Igreja já não era mais capaz de preencher essa função, tendo perdido a sua autoridade entre os Estados protestantes do norte europeu. Porém ela ainda desfrutava de considerável aceitação geral na Itália, no sul da Alemanha, na França, na Espanha, na Áustria e nos domínios do Santo Império Romano.

A Franco-Maçonaria ameaçava oferecer o tipo de fórum internacional que Roma proporcionava antes da Reforma, fornecendo uma arena para o diálogo, um a rede de comunicações, um projeto para a unidade europeia que transcendia a esfera de influência da Igreja, tornando-a irrelevante. A Franco-Maçonaria ameaçava se tornar, com efeito, algo como a Liga das Nações ou a Organização das Nações Unidas da época. Vale a pena repetir a declaração de Ramsay em sua “Oração”: “O mundo nada mais é do que uma enorme república, na qual cada nação é uma família e cada indivíduo é filho”.

A Franco-Maçonaria pode não ter sido mais bem-sucedida do que a Igreja em promover e sustentar a união, mas também não foi menos. A Áustría e a Prússia estavam em guerra. Ambos, Frederick – O Grande, rei da Prússia, e François, imperador da Austria, eram franco-maçons. Em virtude desse laço que tinham em comum, a Loja oferecia uma oportunidade de diálogo e, ao menos, uma possibilidade para a paz. Foi num esforço – fútil, no caso, e até, poderia se dizer, contraproducente – de impedir tais progressos que Roma agiu contra a Franco-Maçonaria. Os Jacobitas e a Franco-Maçonaria Jacobita no continente foram casualidades acidentais de considerações muito mais amplas. E a sua queda de importância foi provavelmente, no final, mais custosa para Roma do que teria sido se o seu status tivesse sido mantido intacto.

Como já vimos, a bula papal, que pretendia excluir os católicos da Franco-Maçonaria, provou ser totalmente inócua. Na verdade, foi exatamente na esfera romana de influência que a Franco-Maçonaria, ao longo de meio século seguinte, haveria de se espalhar mais vigorosamente e assumir algumas de suas mais agressivas e exóticas permutações. Ela foi patrocinada mais entusiasticamente por potentados católicos – como, por exemplo, François da Austria – do que por quaisquer outros. E ela haveria de se mostrar mais influente exatamente naqueles baluartes da autoridade romana, tais como Itália e a Espanha. Ao colocar a Franco-Maçonaria como vilã, Roma, com efeito, transformou-a num refúgio e num reduto para os seus próprios adversários.

Na Inglaterra, a Grande Loja se tornou cada vez mais divorciada tanto da religião como da política. Ela criou e alimentou um espírito de moderação, tolerância e flexibilidade, e muitas vezes trabalhava de mãos dadas com a Igreja anglicana, da qual muitos clérigos eram franco-maçons, quais não encontraram nenhum tipo de conflito de fidelidade ou obediência. Por outro lado, na Europa católica, a Franco-Maçonaria se tornou um repositório de sentimentos e atividades anticlero, anti-instituição e, finalmente, revolucionárias. É verdade que muitas Lojas permaneceram como baluartes do conservadorismo. Porém, muitas mais tiveram um papel vital em movimentos radicais. Na França, por exemplo, proeminentes franco-maçons, tais como o marquês de Lafayete, Philippe Egalité, Danto e Sieyès, agindo em conformidade aos ideais franco-maçônicos, estavam entre os principais que interferiram nos acontecimentos de 1789 e no que veio a seguir. Na Bavária, na Espanha e na Áustria, a Franco-Maçonaria haveria de representar um foco de resistência aos regimes autoritários, agindo principalmente nos movimentos que culminaram com as revoluções de 1848. Todas as campanhas que levaram à unificação da Itália – dos revolucionários do fim do século XVIII, de Mazzini, até Garibaldi – podem ser descritas como essencialmente franco-maçônicas. E das fileiras da Franco-Maçonaria europeia do século XIX surgiria um personagem que viria atirar a sinistra sombra do terrorismo, não apenas sobre a sua própria geração, mas também sobre a nossa – um homem chamado Mikhail Bakumim.

(Extraido do Livro O Templo e a Loja – Michale Baigent e Richar Leigh – Editora Madras).





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