A
CAUSA MAÇÔNICA JACOBITA
Texto
extraído do livro: A Loja e o Templo Baigent, Michael e Leigh Richard – Editora
Madras
Enquanto a Grande Loja
prosperava e florescia, as Lojas pró-Jacobitas na Inglaterra eram,
progressivamente, relegadas. Certamente, algumas persistiram, particularmente
na região Nordeste, nos arredores de Newcastle e das propriedades da família
Radclyffe em Derwentwater, mas o clima reinante permitiu-lhe pouco espaço para
se desenvolverem e se expandirem. O mesmo se deu na Escócia, onde muitas
evidências e provas referentes à Franco-Maçonaria entre 1689 e 1745 foram,
deliberadamente ou de alguma outra forma, perdidas no calor e no tumulto dos
acontecimentos. No entanto, a Irlanda foi uma questão à parte e diferente.
Já em 1688, a Franco-Maçonaria
era bem conhecida na Irlanda. Naquele ano, um orador de Dublin, tentando atrair
a atenção de sua audiência conseguiu seu intento ao referir-se a um homem que
“foi feito franco-maçom de uma nova maneira”, - o que, certamente, implica na
existência também de “uma maneira antiga”. No mesmo ano, aconteceu um pequeno
escândalo quando um notório sujeito, chamado Ridley, conhecido como um espião e
informante anticatólico, foi encontrado morto com algo sobre seu corpo que foi
considerado uma “Marca Maçônica” – embora não haja qualquer indicação sobre
qual seria aquela “Marca”, como teria sido ela ativada ou gravada, ou mesmo se
ela tinha algo a ver com a sua morte.
A documentação existente sobre
a antiga história da Grande Loja na Irlanda é remendada e irregular, com todos
os livros de Atas anteriores a 1780 tendo sido extraviados, bem como todos os
registros anteriores a 1760. Qualquer informação que possam ser obtidas provêm
de fontes externas, tais como relatos em jornais e cartas. As provas e
evidências existentes indicam que a Grande Loja Irlandesa foi criada entre 1723
e 1724, seis ou sente anos após a sua rival inglesa. O seu primeiro Grão-Mestre
foi o duque de Montague que, em 1721, presidira a Grand Loja da Inglaterra.
Montague era um afilhado de George I e leal pró-Hanoveriano. Não é de se
surpreender que ele, dado a profunda e penetrante fidelidade aos Stuart na
Irlanda, tenha atraído muita atenção, e a Grande Loja irlandesa passou a ser
atormentada por disputas e brigas
internas. Entre 1725 e 1731, nota-se uma total lacuna em sua história, e os
posteriores comentaristas chegam à conclusão de que deve ter ocorrido uma
divisão entre patrocinadores Hanoverianos e Jacobitas.
Aparentemente em março de
1731, surgiu alguma consolidação sob o Grão-Mestrado do conde de Ross. Um mês
mais tarde, Ross foi sucedido por James, lorde Kingston. Também ele, em 1728,
presidira a Grande Loja da Inglaterra, porém, depois de 1770, quando a Grande
Loja inglesa ratificou certas não especificadas mudanças, ele “limitou sua
dedicação à Franco-Maçonaria irlandesa” – Kingston haveria de personificar a
orientação da Grande Loja irlandesa. Ele tinha um passado Jacobita e vinha de
uma família Jacobita. Seu pai tinha sido um cortesão de James II e acompanhou o
rei deposto ao exílio, retornando à Irlanda em 1693 para primeiro ser perdoado
e depois, preso e acusado pelo recrutamento de militares em favor da causa
Stuart. Em 1772, o próprio Kingston incorreu em semelhantes acusações.
Assim, A grande Loja irlandesa
haveria de ficar como repositório de questões e aspectos da Franco-Maçonaria
que a Grande Loja da Inglaterra repudiara ou renegara. E haveria de ser para a
Franco-Maçonaria da Grande Loja irlandesa que os numerosos regimentos
britânicos passando pela Irlanda ou ali estacionados seriam expostos. Quando a
rede de Lojas militares itinerantes começou a proliferar graças ao exército
britânico, a maioria delas, ao menos inicialmente, foi certificada pela Grande
Loja irlandesa. Isso haveria de ser de extrema importância, mas os seus efeitos
não haveriam de se tornar aparentes pelos 25 anos seguintes.
Enquanto isso, a corrente
original da Franco-Maçonaria mudara-se com os exilados Stuart para o
Continente. Foi na França, durante o período imediatamente anterior a 1745, que
os mais consequentes desenvolvimentos haveriam de acontecer. E foi na França
que a Franco-Maçonaria Jacobita haveria de se tornar integrada – ou talvez
reintegrada – com a antiga herança Templaria.
AS
PRIMEIRAS LOJAS
Aparentemente, a
Franco-Maçonaria chegou à França com os contingentes do derrotado exército
Jacobita, entre 1688 e 1691. Segundo um relato do século XVIII, a primeira Loja
na França data de 25 de março de 1688, tendo sido fundada por um regimento de
infantaria, o Royal Irish, que fora formado por Charles II em 1661, que o
acompanhara à Inglaterra em sua restauração e, então, ido novamente ao exílio
com James II. Subsequentemente, no século XVIII, essa unidade ficou conhecida
como o “Regimento de Infantaria Walsh, em alusão ao seu oficial comandante. Os
Walsh formavam uma proeminente família de armadores irlandeses exilados. Um de
seus membros, o capitão James Walsh, forneceu o navio que transportou James II
para porto seguro na França. Mais tarde, Walsh e seus parentes fundaram um
grande estaleiro em St. Málo, que se especializou no fornecimento de navios de
guerra para a Marinha francesa. Ao mesmo tempo, eles continuavam fervorosamente
leais à causa Jacobita. Duas gerações depois, o neto de Walsh, Anthony Vicent
Walsh, junto com Dominic O Heguerty, outro influente mercante e armador,
forneceria os navios com os quais Charles Edward lançaria sua invasão da
Inglaterra. Em reconhecimento aos serviços prestados, Anthony Walsh foi feito
conde pelos exilados Stuart, tendo o seu título sido oficialmente reconhecido
pelo governo francês.
Na França, os militares
irlandeses responsáveis pela transplantação da Franco-Maçonaria se
movimentaram, de forma bastante natural, nos mesmos círculos que os refugiados
pró-Stuart da Escócia – tais como David Granhame, o irmão de John Claverhouse,
visconde Dundee, que dizia ter sido encontrado depois de Killiecrankie com uma
cruz Templária. Se a Franco Maçonaria tinha antes, ainda que temporariamente,
perdido o contato com a meada da tradição Templária, aquele contato foi
restabelecido na França durante o primeiro quarto do século XVIII. No entanto,
na França, a pressão combinada da Igreja e do Estado provou ser inimiga, e o
ímpeto do pensamento cartesiano passou para a Inglaterra, onde se manifestou
por meio de homens tais como Boyle, Hume e Newton, bem como por meio de
instituições tais como a Sociedade Real (Royal Society) e a própria
Franco-Maçonaria. Assim, foi na Inglaterra que os pensadores franceses de mente
progressista, tais como Montesquieu e Voltaire, buscavam novas ideias. Eles e
seus compatriotas haveriam de se mostrar particularmente receptivos à
Franco-Maçonaria.
Mas se a Franco-Maçonaria
começou a aparecer na França em 1688, cerca de 35 anos haveriam de se passar
antes de ser fundada a primeira, oficialmente documentada, Loja Francesa.
Segundo a maioria das fontes, essa foi fundada em 1725, e, segundo outra fonte
talvez ainda mais confiável em 1726. O seu fundador original foi Charles
Radclyffe, conde de Derwentwater, cujo irmão mais velho, James, tinha sido
executado por ter tomado parte da rebelião de 1715. Entre os cofundadores de
Radclyffe, estavam Sir James Hector Maclean, chefe do clã MacLean; Dominic
O´Heguerty, o poderoso expatriado mercante e armador que, junto com Anthony
Walsh, forneceu os navios para a expedição de Charles Edward Stuart em 1745; e
um misterioso homem, que diziam ser um restaurador, cujo nome figura em
documentos sobreviventes como “Hure” ou “Hurc”. Um certo autor persuasivamente
argumenta que este pode ser uma corruptela de “Harry”. Sir John Hurry havia
sido decapitado em Edimburgo em 1650 por sua lealdade aos Stuart. Sua família
continuou militante Jacobita e foi enobrecida por Charles II, pode muito bem
ter sido um de seus filhos ou netos exilados que, junto com Radclyffe, MaclLean
e O´Heguerty, fundou a primeira Loja francesa.
Em 1729, as Lojas francesas já
proliferavam nos moldes da Franco-Maçonaria Jacobita. Para não ser sobrepujada
pela “concorrência”, a Grande Loja da Inglaterra começou, naquele mesmo ano, a
fundar suas próprias Lojas afiliada na França. Durante algum tempo, os dois
diferentes sistemas de Franco-Maçonaria seguiam caminhos paralelos e rivais de
desenvolvimento. Embora jamais tenha conseguido impor um monopólio, o sistema
Jacobita foi, aos poucos, ganhando ascendência. Dele finalmente evoluiu, em
1773, o mais importante Corpo Franco-Maçônico na França, o Grande Oriente.
Uma das mais proeminentes
Lojas na França foi a Loja de Bussy. A rua na qual se localizava essa Loja, a
Rue de Bussy (hoje Rue de Buci) leva diretamente à praça defronte à St. Germain
des Prés. A outra rua que levava àquela praça era a Rua de Boucheries, onde
ficava a Loja fundada por Radclyffe. Em outras palavras, as duas Lojas estavam
apenas poucos metros, uma da outra, e a vizinhança era, efetivamente, um
encrave Jacobita. Os Jacobitas franceses logo haveriam de espalhar ainda mais a
sua rede. Em setembro de 1735, por exemplo, a Loja de Bussy iniciou lorde
Clewton, filho do conde de Waldegrave, embaixador britânico na França (ele
próprio um Membro da Loja “Horn” desde 1723) e o conde de St. Florentin,
secretário de Estado de Luiz XV. Entre os presentes estavam Desaguliers, Montesquieu
e o primo de Radclyffe, o duque de Richmond. Mais tarde. Naquele mesmo ano, o
duque de Richmond fundou sua própria Loja em seu castelo em Aubigny-sur-Nère.
Embora Radclyffe tenha sido cofundador
da primeira Loja registrada na França, ele não foi Grão-Mestre. Segundo os mais
antigos documentos existentes, o primeiro Grão-Mestre, nomeado em 1728, não foi
outro senão o Grão-Mestre anterior da Grande Loja da Inglaterra, o duque de
Wharton. Cada vez mais ativo e militante em suas afinidades Jacobitas, Wharton,
depois de ter sido substituído na Grande Loja, foi para Viena, esperando
persuadir os austríacos Habsburgo a montar uma invasão da Inglaterra em nome
dos Stuart. As peregrinações que se seguiram levaram-no a Roma e depois a
Madri, onde ele fundou a primeira Loja da Espanha. Durante sua estada em Paris,
ele parece ter ficado durante algum tempo com a família Walsh. Ao retornar para
a Espanha, ele foi substituído como Grão-Mestre da Franco-Maçonaria francesa
por Sir James Hector MacLean, colega de Radclyffe. Em 1736, MacLean por sua
vez, foi sucedido por Radclyffe, a “eminência parda”, que saiu dos bastidores
para assumir seu lugar no palco.
Radclyffe foi um dos dois mais
importantes personagens na disseminação da Franco-Maçonaria em toda a França. O
outro era um eclético e itinerante indivíduo chamado Andrew Michael Ramsay,
nascido na Escócia na décda de 1680. Ainda jovem, ele ingressou numa sociedade
meio “Rosacruz” chamada “Philadelphians”, e estudou com um amigo próximo de
Isaac Newton. Mais tarde ele se associaria a outros amigos de Neston, entre os
quais estava John Desaguliers. Ele também era um particular amigo de David
Hume, e eles exerciam uma mútua influência entre si.
Em 1710, Ramsay estava em
Cambrai, estudando com aquele que ele considerava seu mentor, o filósofo
místico liberal católico François Fénelon. Quando Fénelon morreu em 1715,
Ramsay foi para Paris. Ali, ele se tornou íntimo amigo do regente francês,
Philippe d´Orleans que o induziu na neo-cavalheiresca Ordem de St. Lázaro, daí
em diante, Ramsay passaria a ser conhecido como “Cavaleiro”. Não se sabe ao
certo quando ele conheceu Radclyffe, mas em 1729 ele foi afiliado à causa
Jacobita e serviu, durante algum tempo, como tutor do jovem Charles Edward
Stuart.
Em 1729, apesar de seus laços
Jacobitas, Ramsay retornou à Inglaterra. Lá, apesar de aparente falta de
qualificações, ele foi prontamente admitido na Sociedade Real (Royal Society).
Ele também se tornou um membro de outra prestigiada organização, o elegante
Gentlemen´s Club of Spalding, do qual faziam parte, também, o duque de
Montagne, o conde de Abercorn, o conde de Dalkeith, Desaguliers, Pope, Newton e
Fraçois de Lonraine. Em 1730, ele estava de volta na França, cada vez mais
ativo em favor da Franco-Maçonaria e cada vez mais próximo a Charles Radclyffe.
Em 26 de dezembro de 1736 –
data em que Radclyffe assumiu o Grão-Mestrado da Franco-Maçonaria francesa –
Ramsay proferia um discurso que haveria de se tornar um dos principais marcos
da história da Franco-Maçonaria, e, desde então, uma inesgotável fonte de
controvérsia. Esse discurso, que foi reapresentado numa versão levemente
modificada para o público em geral em 20 de março de 1737, ficou conhecido como
“A Oração de Ramsay”. Havia um posterior motivo político por trás dele. Na época,
a França era governada por Luis XV, então com 27 anos de idade. No entanto, o
verdadeiro poder governante no país, tal como fora Richelieu um século antes,
era o conselheiro chefe do rei, o cardeal André Hercule de Fleury. Cansado de
guerras, Fleury estava ansioso por estabelecer uma paz duradoura com a
Inglaterra. Consequentemente, ele era hostil ao então ao nicho da conspiração
anti-Hanoveriana que a Franco-Maçonaria Jacobita na França acabou se tornando.
Os Stuart, por sua vez, esperavam poder dissuadir Fleury de seu intento e
manter a França, a tradicional protetora e apoiadora da Casa Real escocesa,
firmemente aliada ao seu sonho de retornar ao trono da Inglaterra. A “Oração de
Ramsay” tinha o objetivo, ao menos em parte, de abrandar a antipatia que Fleury
nutria em relação à Franco-Maçonaria na França sob o patrocínio real. Ele
esperava poder iniciar Luiz XV. Com o rei assim envolvido, a Franco-Maçonaria
constituiria uma frente franco-escocesa unida, e uma nova invasão da Inglaterra
poderia ser contemplada, uma nova tentativa para devolver aos Stuart o trono da
Inglaterra. Esses objetivos levaram Ramsay a revelar mais do que qualquer outro
jamais revelara acerca das atitudes e orientação da Franco-Maçonaria Jacobita
de início do século XVIII – e, ao mesmo empo, divulgar, mais do que qualquer
outro tivera feito antes, sua alegada História.
Numa declaração plagiada quase
textual de Fénelon, Ramsay diz:”O mundo nada mais é do que uma enorme
república, na qual cada nação é uma família e cada indivíduo é filho”. Essa
declaração não produziu grande efeito em Fleury, um cardeal católico
monarquista nacionalista, que, de qualquer forma, não apreciava Fénelon. Mas a
declaração haveria de se mostrar enormemente influente entre os futuros
pensadores políticos, não apenas na França, não apenas no resto da Europa, mas
também, nas colônias americanas. E Ramsay continua: “Os interesses da
fraternidade havendo de se tornar os mesmos de toda a raça humana”. E ele
condenou a Grande Loja, bem como outras formas de Franco-Maçonaria não
Jacobitas, classificando-a de “herege”, apóstata e republicana”.
Ramsay ressaltava que as
origem da Franco-Maçonaria estavam nas escolas de doutrinas secretas e seitas
do mundo antigo:
“Assim a palavra franco-maçom
não deve ser tomada no sentido literal, bruto e material, como se os nossos
fundadores tivesse sido simples trabalhadores em pedra, ou menos, gênios
curiosos que queriam aperfeiçoar suas habilidades. Eles não eram apenas
experientes arquitetos, desejosos de consagrar os seus talentos e técnicas na
construção de templos materiais mas também religiosos e príncipes governantes
que se destinavam a esclarecer, edificar e proteger os vivos Templos do
Altíssimo”.
Porém, embora eles possam ser
oriundos das escolas de doutrinas secretas da Antiguidade, eles eram, segundo
afirmava Ramsay, fervorosos cristãos. Na França católica da época, certamente
seria imprudente chamar os Templários pelo nome. Porém, Ramsay enfatizava que a
Franco-Maçonaria tinha os seus primórdios na Terra Santa, entre os “Cruzados”.
“Na época das Cruzadas na
Palestina, muitos príncipes, lordes e cidadãos se associaram e juraram
restaurar o Templo dos Cristãos na Terra Santa, e se empenharam em trazer de
volta a sua arquitetura à sua primitiva instituição. Eles combinaram diversos
Sinais antigos e Palavras simbólicas extraídas do acervo da religião para
poderem se reconhecer entre os pagãos e os sarracenos. Esses Sinais e Palavras
foram transmitidos apenas àqueles que solenemente prometiam, às vezes até ao pé
do altar, jamais revela-los. Essa sagrada promessa não era portanto, um
juramento execrável, como tem sido chamado, mas um respeitável laço para unir
cristãos de todas as nacionalidades em uma só Fraternidade. Algum tempo depois,
nossa Ordem formou uma união íntima com os Cavaleiros de São João de Jerusalém.
Desde então, nossas Lojas adotaram o nome de “Lojas de São João”.
Desnecessário dizer que os
Cavaleiros de São João, tal como eram no início do século XVIII, jamais
reconheceram qualquer afiliação de tal natureza. Se eles tivessem sobrevivido
como uma instituição pública acreditada, é possível que os Templários o
tivessem feito. Ramsay, por sua vez, mapeando o conteúdo histórico da
Franco-Maçonaria, rapidamente se mudou da Terra Santa, voltando para a Escócia
e o reino celta pouco antes de Bruce:
“Na época dos últimos
Cruzados, muitas Lojas já haviam sido criadas na Alemanha, na Itália, na
Espanha e na França. James, lorde Steward da Escócia, era Grão-Mestre de uma
Loja existente em Kilwinning, no Oeste da Escócia, MCCLXXXVI, logo após a morte
de Alexander III rei da Escócia, e um ano antes de John Baliol ter chegado ao
trono. Esse lorde admitiu como franco-maçons, em sua Loja os condes de
Gloucester e Ulster, sendo um inglês e o outro irlandês”.
Finalmente,
numa inconfundível referência à Guarda escocesa, Ramsay declara que a
Franco-Maçonaria “preservou o seu esplendor entre aqueles escoceses a quem os
reis da França haviam confiado, ao longo de muitos séculos, a proteção e a defesa
de seus entes da realeza”.
Um
pouco mais adiante, abordaremos as implicações e o significado da “Oração de
Ramsay”. Por ora, basta notar que a tentativa de ganhar a simpatia e o apoio do
cardeal Fleury saiu pela culatra. Dois anos antes, em 1735, a polícia agiu
contra a Franco-Maçonaria na Holanda. Em 1736, o mesmo ocorreu na Suécia.
Agora, depois de poucos dias da segunda “Oração” de Ramsay, Fleury ordena à
polícia francesa que seguisse o mesmo exemplo. Foi determinada uma imediata
investigação sobre a Franco-Maçonaria. Quatro meses depois, em 1º de agosto de
1737, um relatório policial estava disponível. A Franco-Maçonaria foi declarada
inocente de “indecência”, mas potencialmente perigosa “em virtude da
indiferença da Ordem em relação às religiões”. Em 02 de agosto, a
Franco-Maçonaria foi interditada na França e o seu Grande Secretário foi preso.
Nesta
série de batidas policiais, inúmeros documentos e listas de integrantes foram
confiscados. Fleury e seus conselheiros certamente devem ter se surpreendido e
chocado pela extraordinária qualidade de famosos nobres e clérigos que já
figuravam como franco-maçons. O capelão da Garde du Corps, o guarda-costas do
rei, por exemplo, apareceu como membro da Grande Loja Jacobita Bussi-Aumont, ou
como era chamada a antiga Loja de Bussy. Também era o Intendente da Guarda. Na
verdade, quase todos os integrantes da Loja eram oficiais, funcionários ou
íntimos da Corte.
Roma
já estava alarmada, e pouca dúvida pode haver de que Fleury tenha exercido
alguma pressão sobre seus colegas e superiores eclesiásticos. Mesmo antes que a
investigação na França estivesse concluída, o Papa Clemente XII entrou em ação.
Em 24 de abril de 1738, uma bula papal, “In eminenti apostolatus specula” ,
proibiu a todos os católicos de se tornarem franco-maçons, sob a pena de serem
excomungados. Dois anos mais tarde, nos Estados papais, os membros em uma Loja
estavam sujeitos à pena de morte.
Segundo
uma autoridade no assunto, o primeiro efeito da bula de Clemente pode ter sido
o de forçar a remoção de Radclyffe do Grão-Mestrado da Franco-Maçonaria
francesa. No decorrer de um ano, ele foi substituído por um aristocrata
francês, o duque d´Antia. O duque, por sua vez, foi sucedido em 1743 pelo conde
de Clermont, um príncipe de sangue. Assim, fica claro que a bula papal surtiu
um efeito mínimo em dissuadir os católicos franceses de se tornarem
franco-maçons. Ao contrário, após a promulgação da Bula, alguns dos mais
ilustres nomes na França acabaram se envolvendo. Ao que parece, até o rei estava
a ponto de ingressar numa Loja. Aparentemente, o Papa nada conseguiu, salvo
derrubar os Jacobitas de sua anterior posição de supremacia nas questões
franco-maçônicas francesas. A partir da bula papal, os Jacobitas passariam a
exercer um papel cada vez menos influente na Franco-Maçonaria francesa, e
deixou de afetar completamente a sua evolução e desenvolvimento. Como já vimos,
finalmente o Grande Oriente estava prestes a surgir como o principal
repositório da Franco-Maçonaria na França.
Em
alguns lugares a postura da Igreja deve ter parecido – e ainda deve parecer –
um tanto quanto enigmática. Além do mais, a maioria dos líderes Jacobitas ou
tinha nascido católica ou tinha se convertido. Assim, por que deveria o Papa
agir contra eles – principalmente quando ao assim fazer significaria a
Franco-Maçonaria estar, cada vez mais, sob a influência anticatólica da Grande
Loja da Inglaterra? Com análise retrospectiva, a resposta a essa pergunta é
mais clara do que provavelmente era para muitos – católicos, franco-maçons, ou
ambos – da época. A questão é que Roma temia, de forma não totalmente
injustificada, que a Franco-Maçonaria, como uma instituição internacional,
poderia representar uma razoável chance de oferecer uma alternativa filosófica,
teológica e moral à Igreja.
Antes
da Reforma Luterana, a Igreja proporcionava, com sucesso, uma espécie de fórum internacional.
Potentados e príncipes, embora suas nações pudessem estar em guerra entre si,
ainda eram católicos e atuavam sob o manto protetor da Igreja; as pessoas
podiam pecar, mas pecavam conforme o contexto e a definição estabelecidos por Roma.
Enquanto esse guarda-chuva protetor estava em seu lugar, ele assegurava que os
canais de comunicação continuassem abertos entre as partes beligerantes e que,
ao menos em teoria, Roma pudesse atuar como árbitro. É claro que com a Reforma,
a Igreja já não era mais capaz de preencher essa função, tendo perdido a sua
autoridade entre os Estados protestantes do norte europeu. Porém ela ainda
desfrutava de considerável aceitação geral na Itália, no sul da Alemanha, na
França, na Espanha, na Áustria e nos domínios do Santo Império Romano.
A Franco-Maçonaria
ameaçava oferecer o tipo de fórum internacional que Roma proporcionava antes da
Reforma, fornecendo uma arena para o diálogo, um a rede de comunicações, um
projeto para a unidade europeia que transcendia a esfera de influência da
Igreja, tornando-a irrelevante. A Franco-Maçonaria ameaçava se tornar, com
efeito, algo como a Liga das Nações ou a Organização das Nações Unidas da
época. Vale a pena repetir a declaração de Ramsay em sua “Oração”: “O mundo
nada mais é do que uma enorme república, na qual cada nação é uma família e
cada indivíduo é filho”.
A
Franco-Maçonaria pode não ter sido mais bem-sucedida do que a Igreja em
promover e sustentar a união, mas também não foi menos. A Áustría e a Prússia
estavam em guerra. Ambos, Frederick – O Grande, rei da Prússia, e François,
imperador da Austria, eram franco-maçons. Em virtude desse laço que tinham em
comum, a Loja oferecia uma oportunidade de diálogo e, ao menos, uma
possibilidade para a paz. Foi num esforço – fútil, no caso, e até, poderia se
dizer, contraproducente – de impedir tais progressos que Roma agiu contra a
Franco-Maçonaria. Os Jacobitas e a Franco-Maçonaria Jacobita no continente
foram casualidades acidentais de considerações muito mais amplas. E a sua queda
de importância foi provavelmente, no final, mais custosa para Roma do que teria
sido se o seu status tivesse sido mantido intacto.
Como
já vimos, a bula papal, que pretendia excluir os católicos da Franco-Maçonaria,
provou ser totalmente inócua. Na verdade, foi exatamente na esfera romana de
influência que a Franco-Maçonaria, ao longo de meio século seguinte, haveria de
se espalhar mais vigorosamente e assumir algumas de suas mais agressivas e
exóticas permutações. Ela foi patrocinada mais entusiasticamente por potentados
católicos – como, por exemplo, François da Austria – do que por quaisquer
outros. E ela haveria de se mostrar mais influente exatamente naqueles
baluartes da autoridade romana, tais como Itália e a Espanha. Ao colocar a
Franco-Maçonaria como vilã, Roma, com efeito, transformou-a num refúgio e num
reduto para os seus próprios adversários.
Na
Inglaterra, a Grande Loja se tornou cada vez mais divorciada tanto da religião
como da política. Ela criou e alimentou um espírito de moderação, tolerância e
flexibilidade, e muitas vezes trabalhava de mãos dadas com a Igreja anglicana,
da qual muitos clérigos eram franco-maçons, quais não encontraram nenhum tipo
de conflito de fidelidade ou obediência. Por outro lado, na Europa católica, a
Franco-Maçonaria se tornou um repositório de sentimentos e atividades
anticlero, anti-instituição e, finalmente, revolucionárias. É verdade que
muitas Lojas permaneceram como baluartes do conservadorismo. Porém, muitas mais
tiveram um papel vital em movimentos radicais. Na França, por exemplo,
proeminentes franco-maçons, tais como o marquês de Lafayete, Philippe Egalité,
Danto e Sieyès, agindo em conformidade aos ideais franco-maçônicos, estavam
entre os principais que interferiram nos acontecimentos de 1789 e no que veio a
seguir. Na Bavária, na Espanha e na Áustria, a Franco-Maçonaria haveria de
representar um foco de resistência aos regimes autoritários, agindo
principalmente nos movimentos que culminaram com as revoluções de 1848. Todas as
campanhas que levaram à unificação da Itália – dos revolucionários do fim do
século XVIII, de Mazzini, até Garibaldi – podem ser descritas como
essencialmente franco-maçônicas. E das fileiras da Franco-Maçonaria europeia do
século XIX surgiria um personagem que viria atirar a sinistra sombra do
terrorismo, não apenas sobre a sua própria geração, mas também sobre a nossa –
um homem chamado Mikhail Bakumim.
(Extraido
do Livro O Templo e a Loja – Michale Baigent e Richar Leigh – Editora Madras).
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