domingo, 20 de maio de 2018



A CÂMARA DAS REFLEXÕES 
(Síntese) 


A Câmara das Reflexões é o primeiro contato do profano com o mundo maçônico e seus mistérios. Lá estão resumidas as condições básicas dos ensinamentos maçônicos que irão ocorrer durante toda a existência de um obreiro da Arte Real. 

É a lei: todo ser, antes de ver a luz, tem que se formar, enclausurado em ambiente de recolhimento. Só depois de ver a luz é que se inicia a sua aprendizagem e aperfeiçoamento, mercê de um processo contínuo, até que sobrevenha a morte material. Assim uns passam pelo ovo, pelo casulo; outros pela semente, pelo ventre materno. Assim também o Maçom, ainda profano, antes de ser iniciado, passa pela Câmara de Reflexões, o "útero " de sua Loja mãe. 



Mergulhado na escuridão de sua ignorância, o profano vai ali meditar sobre a sua vida, tomando como padrões símbolos existentes naquele gabinete: o pão e a água; o enxofre, o sal e o mercúrio; a bandeirola "Vigilância e Perseverança"; os ossos, a caveira, a foice e a ampulheta; a sigla V.I.T.R.I.O.L.; as perguntas cujas respostas irão compor seu testamento. 



Tal simbologia fundamenta-se toda no Hermetismo: trata-se da primeira fase da Grande Obra, a Putrefação, que não ocorre somente no interior do Ovo Filosófico, criação que não é apenas inerente ao homem, mas também e, principalmente, à natureza operante. 



A Câmara de Reflexão, dessa forma, faz as vezes de útero, onde se dá a maravilha da criação, imediatamente antes da iniciação, que é o nascimento, o conhecimento da luz. 

A grandiosidade da Criação Maçônica, que ocorre nessa câmara fechada e quase totalmente escura, é análoga à iniciação dos Essênios, identificando a união de Deus com a alma, como o princípio de toda a vida mística. 



Há também a analogia dessa câmara com a Caverna Sagrada dos Templários, onde o ambiente tétrico e sinistro do "Clima do Norte" somavam-se emblemas da morte. E era na dicotomia gerada pelo Norte e o Meio-Dia que os Templários fundamentavam seu esoterismo, incutindo nos iniciados a existência de uma outra vida: "nada se perde, tudo se renova!". 



Na Câmara de Reflexão, além dos símbolos já citados, o profano vê projetadas contra a parede negra as advertências de que a curiosidade não justifica a sua presença ali; de que o sentimento de medo deve fazê-lo retroagir; de que somente a perseverança o conduzirá das trevas para a luz. 



Nela, na Câmara de Reflexões, estão uma gama de símbolos e alegorias. 

Lá estão presentes: a cor negra; a ampulheta, o crânio e as tíbias; as inscrições VITRIOL e VIGILÂNCIA E PERSEVERANÇA; o grão de trigo, o sal, o enxofre e o mercúrio, o pão e a água, o galo, e o testamento. 

A bandeirola, condutora das duas palavras "Vigilância e Perseverança" , faz saber ao futuro Maçom que, a partir daquele momento, ele deve permanecer atento e concentrar-se nos múltiplos significados sugeridos pelos símbolos, cuja compreensão só será conseguida através da paciência e da vontade. 



As alegorias podem variar de conformidade com os Ritos, mas a essência é a mesma. 



A COR NEGRA 

A cor negra simboliza as trevas, a ausência da luz, o lugar do perpétuo esquecimento, para onde nos conduz as paixões e os vícios. É o lado sombrio da nossa personalidade. 

Na parede negra temos algumas inscrições e vários desenhos. 

A principal inscrição é aquela que se refere ao VITRIOL cuja tradução poderá ser “visita o interior da terra e retificando-te encontrarás a pedra filosofal”, ou seja, visita o seu interior e reflita sobre a vida, sobre o que é bom e o que é ruim, sobre os vícios e as virtudes e, caso faça a boa escolha, ou a escolha da boa nova, encontrarás a pedra filosofal, a verdade). 

Muitos de nossos simbolismos já existiam na maçonaria operativa. 

Essa expressão VITRIOL, por exemplo, é atribuída a um alquimista alemão do século XV, cujo nome hermetista foi BASILE VALENTIN. Este monge beneditino[1], fiel na tradição alquimista e cabalista, multiplicou nas suas obras as chaves, alusões, jogo de palavras, acrônimos[2], fábulas e, alegorias, tornando os seus textos impenetráveis aos profanos curiosos. 

Abrimos um parêntesis para observarmos que antes de 1717 já tínhamos uma estrutura simbólica e alegórica, e até mesmo filosófica, levando a crer que Anderson e Desaguiliers e outros, simplesmente se aproveitaram disso para formar o corpo da maçonaria especulativa. 

Pois bem, na mais antiga divulgação publicada na França denominada “recepção de um maçom livre” está documentada esta transcrição do relatório do Tenente de Polícia Heraut, elaborado com base em informações recolhidas por Mademoiselle Carton, corista da Ópera de Paris, se faz referência ao discurso de uma cerimônia de iniciação em que o candidato era conduzido pelo seu padrinho a uma “divisória privada de luz”, na qual era interrogado no que concerne à sua vocação para ser maçon. 

Caso persistisse na sua decisão era preparado para a entrada na loja, por meio da recolha de metais, da privação da vista pela imposição de uma venda, e da materialização do estado “nem nu, nem vestido” 

O sentido simbólico deste procedimento encontra-se revelado no Catecismo de Aprendiz do mais antigo ritual francês conhecido (Ritual de Luquet, de 1745), no seguinte excerto: 

Pergunta – Onde fostes preparado para entrar na Loja? 

Resposta – Nas trevas; 

Pergunta – Porquê? 

Resposta – Para recordar o caos de onde tudo foi criado. 

Obs. Na bíblia está escrito: “no início tudo era o caos.... 

Este quarto escuro tornar-se-á mais complexo com a inclusão de diversos outros símbolos. Isso se fez presente no ritual de Urzerche, 1780 e de Duque, 1784. 

A Câmara das Reflexões, segundo RAGON, um dos autores modernos mais profícuos, corresponde à PROVA DA TERRA. 

Há inúmeras referências sobre o assunto, no Rito Francês. 

Bem, acredito que até aqui tivemos uma visão genérica da Câmara das Reflexões. 

Agora vamos falar sobre os símbolos e alegorias nela contidos. 

Os ossos, a Caveira, a Foice e a Ampulheta são referências a Saturno, portanto ao chumbo-metal. Simbolizam a morte do profano transmudado para a vida espiritual a metamorfose do chumbo em ouro; é o despojamento do antigo homem que se prepara para um novo nascimento. 



O CRÃNIO 

Significa a brevidade da vida, a ausência de vaidade, pois todos somos iguais quando morremos. É o prelúdio de um pensamento em que um nível de vida superior e condição do reino do espírito irão se fazer presentes, em algum momento. O crânio simboliza também o primeiro passo de um Rito de Passagem que está se aproximando, a iniciação maçônica. Corresponde também à putrefação alquímica onde o homem sai do cadinho e o homem velho se extingue para surgir o novo. 

A AMPULHETA 

A ampulheta com seus compartimentos superior e inferior nos mostra o princípio hermético de que tudo o que existe em cima, existe também em baixo. Nos mostra o escoar da vida e o penetrar em uma nova. Simboliza para uns a ressurreição, para outros, a reencarnação. 

O estrangulamento no meio da ampulheta significa a PORTA ESTREITA, por onde devemos passar e efetuarmos a transição de um lado da vida para o outro. 

O GRÃO DE TRIGO 

Como já citamos a prova da terra desejamos agora dizer que ela nada mais é que o revolucionar de nós mesmos. Assim como grão de trigo, em estado latente como todas as sementes, nas quais se encontram centelhas divinas, o simbolismo nos apresenta a possibilidade de nascermos de novo e nos transformarmos nesse germinar. Podemos eclodir numa vida sem vícios e repleta de virtudes após visitar, como a semente, o interior da terra, ou seja, de fazermos a nossa introspecção e refletirmos sobre a existência do espírito. 



O PÃO E A ÁGUA 

O pão e a água são emblemas da simplicidade que há de orientar a trajetória do recipiendário prestes a iniciar-se. Não representam tão somente os alimentos do corpo, como também os do espírito, porquanto o trigo moldado pela água simboliza, segundo muitas crenças a carne do Deus sacrificado. 



É o alimento indispensável ao feto em desenvolvimento, é a mesma fonte de força que possibilitou Elias galgar o monte Oreb, energia que, da mesma forma, possibilitará ao iniciando vencer as provas a que será submetido é o maná que mobiliza a vontade de transpor o deserto da ignorância. 



Entre os cristãos, o Cristo eucarístico é o pão da vida. Os pães de proposição dos hebreus também têm o mesmo significado. Este pão representa a presença do Grande Arquiteto do Universo em cada um de nós. 

O pão representa o alimento da alma que é a justiça, a temperança, a caridade, enfim, que nada mais é do que as virtudes que tentamos carrear para a evolução de nossos espíritos. Há uma passagem bíblica onde Jesus disse: “vinde a mim aqueles que tem fome de justiça”. Em Matheus 25:34 está escrito: “então, dirá o Rei a todos que estiverem à sua direita: “Vinde, abençoados de meu Pai! Recebei como herança o Reino, o qual vos foi preparado desde a fundação do mundo e, na sequência, em 15:35: “Pois tive fome, e me destes de comer, tive sede e me destes de beber; fui estrangeiro, e vós me acolhestes. 

Como podemos observar aí está implícita a prática da caridade e da solidariedade humana tão citadas em nossos manuais maçônicos 

A água é a fonte da vida, meio de purificação e centro regenerativo. É utilizada também no batismo, outro Rito de Passagem, que também simboliza o nascer de novo, para uma nova vida. 

O SAL, O ENXOFRE E O MERCÚRIO 



O Enxofre, o Sal e o Mercúrio sugerem os três princípios herméticos contidos em qualquer corpo: o Espirito; a Sabedoria e a Ciência; a ousadia e a Vigilância. 



O sal tem como efeito a conservação e a destruição pela corrosão. Ele é evocado na liturgia do batismo. É também o sal da sabedoria e importante elemento para os hebreus em seus rituais. Ele também simboliza a incorruptalidade e é por isso que a aliança do sal designa uma aliança com Deus e não pode ser rompida. 

Os místicos, às vezes, comparam a alma a uma terra salgada que deverá ser fertilizada pelo orvalho da graça. 

Tudo que é salgado é amargo, a água salgada é portando, uma água da amargura que se opõe à doçura fertilizadora. 

Herver Vigier refere-se ao sal e ao enxofre como estando associados ao mito bíblico da mulher de Lot, do qual se deve extrair uma forma mística exclusivamente simbólica, e não teológica, à semelhança do que é corrente fazer-se em outras lendas retiradas das escrituras. 

De acordo com a Gênesis, 19, “então o senhor fez cair do céu sobre Sodoma e Gomorra, uma chuva de enxofre e “a mulher de Lot que tinha olhado para trás ficou transformada em uma estátua de sal”, podendo assim, o enxofre ser associado à destruição e, o sal, à consequência de se olhar para o passado ou, no limite, à DESOBEDIÊNCIA. 

O Mercúrio é o símbolo alquímico universal. Ele se materializa na figura de um galo. Este ser, itimorato por natureza, anuncia a chegada da Luz, ao mesmo tempo que se faz sentinela e guardião contra a influência profana. 





O GALO 

O Galo anuncia o nascimento do Sol e, por extensão, do surgimento da luz. Representa a VIGILÂNCIA, pois como seu canto avisa a todos a boa nova, ou seja, que um novo dia está surgindo. Assim, todo maçom, qual o galo de vigília, deve estar atento para perceber na dissipação das trevas da noite que morre, a morte das paixões e dos vícios e o surgimento do clarão das virtudes do espírito que se levanta”. O Galo é a representação esotérica do despertar da consciência e da ressurreição do candidato, que, devendo morrer para a vida “profana”, ressurge num plano mais elevado da espiritualidade. Cabe a nós a PERSEVERANÇA nessas virtudes. 

O TESTAMENTO 

O testamento é o SELO que concretiza o novo nascimento, que é um atestado ou reconhecimento de seus “deveres”, ou seja, de uma relação construtiva da vida, consigo mesmo e como expressão individual da VIDA UNA e com seus semelhantes como expressão exterior da própria VIDA CÓSMICA. 

Respondendo sobre as obrigações, que deve a Deus. À Humanidade, à sua Pátria, à Família, a seus semelhantes e a si próprio, o profano procede ao testemunho de suas intenções filosóficas, contraindo assim uma prévia obrigação. Tal testemunho passa a ser seu testamento, pois, sabedor de sua morte para a vida profana, o iniciado naturalmente terá que fazer aquele juramento. 



É um testamento iniciático, diferente do testamento ordinário ou profano. Enquanto este último é uma preparação para a morte, o outro é uma preparação para a vida, para a nova vida do Espírito para a qual deve renascer. 



O ORGULHO E A CEIFADEIRA 

O orgulho de nada vale se não for sentido como virtude, pois como o vício da vaidade extremada de nada vale perante a morte, que é a ceifadeira. 

Há um princípio espírita que diz assim: nascer, viver, morrer e progredir sempre, tal é a lei. 

A morte é uma fase de transição, a PORTA ESTREITA pela qual todos nós devemos passar para o nascimento de uma nova vida. 



É nessa Câmara ou Caverna terrível, solene e escura, que se passa o primeiro momento em que se desvendam os olhos do recipiendário. Ali ele medita solitário sobre o que se vê, seu vigia é a morte, na qual ele deve pensar; não obstante, deve também pensar na nova vida uma vez que lhe são feitas perguntas sobre Deus, sua Nação, sua Família, o resto dos Homens e ele próprio. 



Somente depois desta experiência maravilhosa, de vivenciar a primeira morte, o recipiendário estará pronto, para as demais provas. 





BIBLIOGRAFIA: 

- Pequeno Ensaio de Simbólica Maçônica, de René Joseph Charlier 

- Liturgia e Ritualística do Grau de Aprendiz Maçom, de José Castellani 

- Grau de Aprendiz e seus Mistérios, de Jorge Adoum 


- http://iblanchier3.blogspot.com.br/2014/03/camara-das-reflexoes.html 




[1] Monges Beneditinos – é bom lembrar que foi Bento de Núrcia que fundou essa Ordem e foi ela quem iniciou as construções de igrejas, conventos, etc. Eram monges construtores que, provavelmente adquiririam os conhecimentos dos Colegiae Fabrorum, cujos construtores se espalharam pela Europa após a queda do Império Romano. 


[2] diz-se de ou palavra formada pela inicial ou por mais de uma letra de cada um dos segmentos sucessivos de uma locução, ou pela maioria dessas partes ( Sudam = Su perintendência do Desenvolvimento da Am azônia); acrossílabo. VITRIOL é um acrônimo, vejamos: V – visita; I = interiorem; T = terrae; R = rectivicando; I = invenies; O = occultum; L = lapidem.


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