terça-feira, 28 de novembro de 2017


O CONTRIBUTO DA MAÇONARIA PARA A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA
PARTE I

por  Luiz Marcelo Viegas

INTRODUÇÃO

O tema em questão é de relevante importância histórica e política, principalmente por estar inserido entre os marcos de nossa História. Sabendo-se que esse tema é muito comentado, porém com poucos trabalhos publicados, continua sendo atraente para a busca de uma exploração maior.

Ao longo dos tempos muito se tem lido sobre a Maçonaria como uma instituição de marcante participação e influência na política.

Na história da política brasileira lê-se bastante que a mesma teve relevante participação, principalmente na Independência do Brasil e na Abolição da Escravidão.

O tema desse trabalho é sobre a participação da maçonaria, especificamente sua atuação para a Abolição, com destaque para o período entre 1815 a 1900, sua participação no processo de abolição da escravidão no Brasil.

Esse trabalho foi fruto de uma investigação, que procurou entender como era constituída a maçonaria no séc. XIX, qual a sua força política e social e como influenciou politicamente a Abolição no Brasil.

Será que a maçonaria tinha realmente força política para decidir no voto a abolição? E dentro da maçonaria havia uma coesão quando o assunto era abolição? Havia uma posição oficial da maçonaria quanto a esse assunto? Quais eram as formas de atuação da maçonaria para abolir a escravidão? Qual era o pensamento da maçonaria nesse século que fazia concordar com os ideais de abolição? A maçonaria só lutou pela abolição no Brasil ou em outros países também? Quais os principais nomes de maçons que tiveram participação no abolicionismo nesse período? E depois da abolição, será que os afrodescendentes foram largados à própria sorte? E como atuou a maçonaria imediatamente após a abolição?

Atualmente, a maçonaria começa a revelar um pouco da sua história, porém o que se encontra com facilidade nos sites, documentos e toda literatura produzida por maçons são registros enaltecedores, cabe-nos criticá-los. Existe um movimento de “abertura” das lojas para visitação pública, existem as reuniões secretas e as abertas, muitos livros estão sendo publicados, revistas especializadas em maçonaria revelam segredos da iniciação, de sua atuação no mundo e da vida dos seus membros. Mesmo assim muitas questões ainda precisam ser respondidas sobre a atuação da maçonaria na Abolição, e suas ações específicas nessa causa, bem como a urgência de se explorar o assunto por sua importância e falta de trabalhos publicados sobre esse tema. Portanto, tornar-se-á interessante explorar essa participação, o quanto mais possível, pois o próprio autor teve e sempre terá a ânsia e o desejo da verdade, embora sabendo que dificilmente os encontrará na sua plenitude.

É mister revelar se a maçonaria teve influência, através de seus seguidores, na formação de opinião para a construção do pensamento político; na manutenção de entidades filantrópicas para a libertação e emancipação do negro; na organização de quermesses e outros eventos para angariar recursos para compras de alforrias; no debate e na iniciativa de construção de uma educação emancipadora de caráter universal para o filho do pobre e do negro; na direção de jornais abolicionistas; no exército na figura do marechal Deodoro e de Floriano Peixoto, entre outros, que se recusaram a perseguir negros fugidos, e na ação individual de maçons como José do Patrocínio, Ruy Barbosa, Luiz Gama, Joaquim Nabuco, José Maria da Silva Paranhos (tanto pai quanto filho, Visconde e Barão do Rio Branco, respectivamente), João Cordeiro e Francisco José do Nascimento (mais conhecido como Dragão da Abolição).

A maçonaria parece ter tido membros em diversas esferas, e na política não foi diferente. Exemplo disso é que o gabinete do Imperador D. Pedro I, era composto principalmente por pessoas que pertenciam aos quadros da instituição, com destaque especial para José Bonifácio de Andrade e Silva; e todas as leis libertadoras de escravos tiveram como seus autores maçons, como as leis Eusébio de Queirós, do Ventre Livre e dos Sexagenários.

Como instituição, a Maçonaria foi uma força, se comparada à Igreja Católica muito mais antiga e poderosa, que logo cedo se posicionou contra a escravidão. A Igreja Católica, só manifestou-se abertamente contra a escravidão em 1887, às vésperas da Abolição. Porque tantos expoentes da abolição como os citados acima saíram dos quadros da Maçonaria e tão poucos dos quadros da Igreja? E por que, dentre estes poucos que encontramos nos quadros da Igreja, coincidentemente os mesmos se encontram também nos quadros da Maçonaria, como Diogo Antonio Feijó?
Formação da Maçonaria no Brasil e sua atuação no processo de abolição e emancipação

A moderna maçonaria, como conhecemos hoje, teve origem na Inglaterra em 24 de junho de 1717. Em 1723, o reverendo presbiteriano James Anderson publicou as Constituições da Maçonaria. Este momento é importante e histórico para a Maçonaria, pois aqui se inicia a Maçonaria Simbólica ou Moderna e encerra-se o longo período considerado como Maçonaria Operativa, em que a Ordem Maçônica estava diretamente ligada à arte da construção, reunindo-se em guildas de pedreiros, responsáveis pela edificação de templos e prédios. É alicerçada nestas Constituições de Anderson que a Maçonaria Simbólica ou Moderna permanece, de forma quase intacta, até hoje.

Todavia, grande parte concorda que as feições da maçonaria moderna remontam a 1717, marco da formação da Grande Loja de Londres que converteu a Ordem em uma espécie de escola de formação humana de caráter cosmopolita e secreto, reunindo homens de diferentes raças, religiões e línguas com objetivo de alcançar a perfeição por meio do simbolismo de natureza mística e/ou racional, da filantropia e da educação (Benimeli, 1984, p. 464). Nesse período, a maçonaria abandonou sua origem ligada às velhas confrarias de pedreiros da época medieval, permitindo a admissão de novos elementos, sem a obrigatoriedade de serem ligados às corporações de ofício ou às sociedades de construtores: eram os “maçons aceitos”. [1]

No Brasil, a primeira loja que se tem notícia surgiu na Bahia, em 17 de julho de 1797, na fragata francesa La Preneuse, cujo nome foi dado de “Cavaleiro da Luz” e foi fundada pelo comandante Larcher, José Borges de Barros e o Tenente Hermógenes Aguiar Pantoja. Antes dessa data, aqui existia apenas agrupamentos com características maçônicas, como gabinetes de leitura e associações, funcionando como clubes ou academias.

A introdução da “Ordem” no Brasil resultou das transformações ocorridas em Portugal a partir das reformas pombalinas. A sociabilidade maçônica foi trazida na bagagem dos jovens brasileiros que iam estudar na Universidade de Coimbra (aliás, reformada por Pombal em fins do século XVIII). Muitos desses estudantes brasileiros prosseguiam seus estudos em universidades inglesas e francesas, nas quais aprofundavam seus vínculos com os círculos maçônicos. A Faculdade de Medicina de Montpellier, muito procurada pelos estudantes brasileiros na época, constituía-se num dos núcleos de pedreiros livres[2] no sul da França.

A primeira Loja Maçônica regular do Brasil, a que se denominou “Reunião”, foi fundada em 1801, no Rio de Janeiro, tinha fins puramente político-sociais e era filiada ao Oriente da França. Dois anos mais tarde, o Grande Oriente Lusitano, ou seja, de Portugal, desejando propagar no Brasil a verdadeira doutrina maçônica, nomeou três delegados com poderes para criar mais lojas no Rio de Janeiro, surgiram então as lojas “Constância” e “Filantropia”.

Muitos aceitam que a primeira loja maçônica foi fundada no Rio de Janeiro em 15 de novembro de 1815, ficou conhecida como Loja Maçônica Comércio e Artes[3], a Primaz do Brasil. Criada em 1815, inativa após o alvará governamental de 1818, que proibia o funcionamento das sociedades secretas, e reerguida em 1821; foi dividida em três Lojas, daí resultando, além dela mesma, a União e Tranqüilidade e a Esperança de Niterói.

A maçonaria brasileira desde o seu início, apesar de ter se tornado um espaço de sociabilidade por excelência, durante todo o período de lutas pela independência política do Brasil e abolição da escravidão, não conseguiu manter uma coesão. Ela vivenciou dissidências, rachas e grupos rivalizando-se dentro das próprias lojas. Logo, percebe-se que, ao estudar a contribuição da maçonaria para a Abolição, ela, durante esse processo, terá uma participação importante, mas não unânime.

Nos momentos decisivos do processo de nossa emancipação política, as divergências manifestaram-se dentro da maçonaria. Criou-se uma oposição entre “republicanos” (ou “democratas”), capitaneados por Gonçalves Ledo, e os simpatizantes da monarquia centralizada, liderados por José Bonifácio. Com o término do Primeiro Reinado, dois “Grandes Orientes” são organizados: o Grande Oriente do Brasil, sob o comando de Bonifácio, e o Grande Oriente Nacional Brasileiro da Rua do Passeio, 171, constituído pelos inimigos políticos dos Andradas.

Nos primeiros dias após a proclamação da independência, de 7 de setembro de 1822, iam adiantadas as escaramuças entre os dois grupos, dentro do Grande Oriente, os quais culminariam com o golpe aplicado por Ledo, ao conseguir destituir Bonifácio do Grão-Mestrado, à socapa e fora de assembleia geral, empossando D. Pedro no cargo, a 4 de outubro de 1822. O troco seria no terreno político, com Bonifácio mostrando ao imperador que a luta da independência exigia um período de calmaria política interna, que estava sendo quebrada pelo grupo adversário, com exigências descabidas a D. Pedro e uma rede de intrigas, que poderiam minar a luta externa. As exigências descabidas eram: o juramento prévio de D. Pedro à Constituição ainda não votada e aprovada e a assinatura de três papéis em branco. Diante disso, enquanto José Bonifácio instaurava processo contra os membros do grupo de Ledo, D. Pedro enviava a este a ordem para fechar o Grande Oriente, o que aconteceria a 25 de outubro de 1822.
(…)
Durante praticamente todo o período restante do Primeiro Império, as Lojas brasileiras permaneceram em recesso, só começando a ressurgir quando o cenário nacional caminhava para uma grave crise política, que iria levar, a 7 de abril de 1831, à abdicação de D. Pedro I em favor de seu filho, D. Pedro II, então com pouco mais de cinco anos de idade, ao qual, alguns dias depois, ele escreveria uma carta, como se adulto fosse o herdeiro, plena de dramaticidade. Em 1830, então, ressurgia a Maçonaria brasileira, com a criação do Grande Oriente Nacional Brasileiro, o qual ficou, também, conhecido como Grande Oriente da rua de Santo Antônio e, posteriormente, Grande Oriente do Passeio, em alusão aos locais em que se instalou, no Rio de Janeiro. [4]

Nas décadas finais do Segundo Reinado, o Grande Oriente do Brasil (GOB) voltou a dividir-se: havia o Grande Oriente do Vale do Lavradio, aglutinando os maçons defensores da monarquia e influenciados pela maçonaria inglesa; e o Grande Oriente do Vale dos Beneditinos, que reuniu os maçons republicanos e que estava alinhado à maçonaria francesa. Depois disso, após a Proclamação da República, veio a “federalização” da maçonaria brasileira, com o surgimento dos “Grandes Orientes” estaduais, principalmente em São Paulo e no Rio Grande do Sul (1893) e também em Minas Gerais (1894). Somente entre 1883 e 1927, a maçonaria brasileira esteve unida pelo do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brasil.

Na metade do XIX havia os maçons que acreditavam que a abolição deveria acontecer imediatamente, outros que a abolição causaria a falência do Brasil, e esse não era um receio apenas de integrantes da maçonaria, como escreve Emília Viotti da Costa:

Em defesa da escravidão, continuava-se a repetir velhos argumentos, usados desde o Período Colonial. Dizia-se que a escravidão era benéfica para o negro, pois que o retirava da barbárie em que vivia para introduzi-lo no mundo cristão e civilizado. Afirmava-se que o negro não era capaz de sobreviver em liberdade. Alguns, embora reconhecessem que a escravidão fosse condenável em termos morais, argumentavam que ela era um mal necessário, pois a economia nacional não poderia funcionar sem o escravo. A abolição da escravatura, diziam eles, seria a ruína do país. Essa foi a opinião que acabou por predominar entre as elites. [5]

Havia os que simplesmente eram contra a libertação dos escravos. Um caso notório como esse se deu dentro da Loja América de São Paulo, como contou mais tarde, em discurso no dia 17 de dezembro de 1909, na faculdade de direito de São Paulo, o próprio Ruy Barbosa o acontecido na referida loja por ocasião da proposta de lei maçônica de libertação do ventre das escravas:

Da pragmática tradicional éramos tão pouco escrupulosos que, contra as regras constitucionais da Ordem, senão lembraram de me conferir o grau de mestre para me elevarem a orador da Loja. Desse posto me bati contra o seu ilustre venerável, o Dr. Antônio Carlos, meu lente então de Direito Comercial, em defesa de um projeto meu, que obrigava todos os membros daquela casa a libertarem o ventre das suas escravas, e punha como condição prévia de admissão esse compromisso aos futuros iniciados. A minha proposta vingou, renunciando o douto professor a dignidade, que entre nós exercia. De modo que aquele grupo de estudantes liberais, acidentalmente congregados sob o rito maçônico, toca a honra da precedência na ideia, que, dois anos depois, o ato de 28 de Setembro veio a converter em Lei do país. [6]

O dr. Antonio Carlos era o Venerável da Loja e professor de Ruy Barbosa, havia renunciado à dignidade por não concordar com a proposta de libertação do ventre. Da mesma Loja América, faziam parte também Castro Alves e Joaquim Nabuco.

Existe uma correlação entre o vanguardismo político e a maçonaria no Brasil, basta ver que os primeiros pensamentos revoltosos contra a metrópole surgiram da permanência de estudantes brasileiros na França.
Um fato histórico que reforça a importância da maçonaria no Brasil no início do século XIX é a inusitada resposta do então Príncipe Regente D. João ao receber uma lista dos maçons que deveriam ser presos, dizendo, diante do tamanho da lista, que “foram estes que me salvaram”.
Outro exemplo da importância da maçonaria no Brasil é observada quando da partida da família real para Portugal, deixando no Brasil um príncipe regente cercado de maçons, que constituíam à época a elite econômica e pensante do país. O príncipe fora aprovado em assembleia maçônica, sendo iniciado em agosto de 1822 e recebido o nome simbólico de Guatimozin e em poucos dias fora aprovado para o grau de Mestre Maçom da loja “Comércio e Artes”. [7]

Se por um lado os maçons eram próximos e estimados pelo imperador, por outro, a grande parte que se considerava liberal, não tinha maioria política representada na Câmara e não representava o poder econômico do império, portanto, não tinha força para impor uma abolição antes da segunda metade do XIX. O que, se tivesse acontecido antes desse período, teria se configurado numa revolução.

Na Europa do séc. XVIII, a burguesia criara conceitos novos, que vieram pouco a pouco destruir a visão de mundo que justificava a ordem tradicional, conceitos que levaram à Revolução Francesa. Lá sim, uma revolução havia acontecido, onde, hoje, autores apontam afinidades entre a Revolução Francesa e a maçonaria (porque entre outras coisas aquela teria sido inspirada nos mesmos princípios universais: Liberdade, Igualdade e Fraternidade), fato é que ainda se discute a real participação da maçonaria na Revolução:

Para uns, a maçonaria foi a reboque da revolução aproveitando-se despudoradamente da sua influência para recolher dividendos políticos e sociais a fim de melhor abrir o caminho para a conquista do poder. Para outros a maçonaria teria sido a Alma Mater da revolução toda ela impregnada do espírito maçônico.
Possivelmente nem uns nem outros terão a razão do seu lado. Talvez ela esteja numa situação intermédia, porque se a revolução não foi um plano estritamente maçônico não há dúvida que ela teve como figuras de proa pessoas reconhecias e assumidamente maçons, tais como: D’Alembert, Diderot, Helvécio, D’Holbach, Voltaire, Condorcet, etc. [8]

Da burguesia francesa revolucionária, assim como dos militares e nobres revolucionários, boa parte integravam a maçonaria, e o ideal que os uniam à Revolução era o Liberalismo, pois esse afinal, era o pensamento de vanguarda. Contudo, na França revolucionária, é nos ideais liberais do pensamento de Rousseau, e de outros, que encontramos as origens teóricas do abolicionismo:

No pensamento revolucionário do século XVIII encontram-se as origens teóricas do abolicionismo. Até então, a escravidão fora vista como fruto dos desígnios divinos; agora ela passaria a ser vista como criação da vontade dos homens, portanto transitória e revogável. Enquanto no passado considerara-se a escravidão um corretivo para os vícios e a ignorância dos negros, via-se agora, na escravidão, sua causa. Invertiam-se, assim os termos da equação. Passou-se a criticar a escravidão em nome da moral, da religião e da racionalidade econômica. Descobriu-se que o cristianismo era incompatível com a escravidão; o trabalho escravo, menos produtivo do que o livre; e a escravidão uma instituição corruptora da moral e dos costumes.
Enquanto na Europa a revolução burguesa produzia seus frutos, no Brasil, os colonos que se sentiam cada vez mais reprimidos pela política metropolitana acolhiam com entusiasmo as novas ideias revolucionárias. No bojo dessas ideias havia, entretanto, algumas contradições fundamentais. Como conciliar o direito de propriedade que os senhores tinham sobre seus escravos com os direitos que os escravos tinham (como homens) à sua própria liberdade? Como conciliar a sujeição do escravo com a igualdade jurídica, que, segundo a nova filosofia, era um direito inalienável do homem?
(…)
Na época da Independência, os escravos viram suas aspirações à liberdade frustradas. Se bem que a Carta Constitucional de 1824 incluísse um artigo transcrevendo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (cópia idêntica à original francesa de 1789), na qual se afirmava que a liberdade era um direito inalienável do homem, manteve-se escravizada quase a metade da população brasileira. A Constituição ignorou os escravos. Sequer reconheceria sua existência. A eles não se aplicavam as garantias constitucionais.
Não obstante esse flagrante desrespeito à humanidade do escravo, a consagração dos princípios liberais pela Constituição foi o primeiro passo em direção à criação de uma consciência crítica em relação ao sistema escravista. A questão que se apresentaria a partir daí era como justificar a escravidão em uma sociedade em que se aceitavam os novos princípios liberais. Como negar aos escravos os direitos humanos que, em princípio, aplicavam-se a todos?
Na época da Independência e muitos anos depois, a maioria da classe dominante no Brasil continuava a depender inteiramente do trabalho escravo. Por isso, fariam ouvidos surdos aos argumentos de uns poucos indivíduos que, identificados com as novas ideias ilustradas então em voga na Europa, denunciavam a contradição entre liberalismo e escravidão e condenavam a escravidão em termos morais, religiosos e econômicos. [9]

E isso foi feito, aos argumentos liberais de maçons, fizeram-se ouvidos surdos. Mas isso era sabido pelos maçons, a abolição viria por um processo, cada coisa a seu tempo. A luta dos liberais maçons no Brasil seria direcionada para a conscientização da população com jornais; para a criação de escolas públicas de formação liberal e laica, ou ajudando a pensar uma escola ideal, laica e pública para o Brasil, como assim foram os pareceres do ilustre maçom Ruy Barbosa[10]; seria pela filantropia; pela compra de alforrias; participação em fugas; projetos de leis; processos judiciais, etc. A maçonaria perseguiria os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, preparando a elite pensante para um novo tempo, inspirados pela Revolução Francesa. Nesse ponto, como organização, a maçonaria coordenou singularmente, o maior movimento abolicionista do Brasil.

A partir da Revolução Francesa, o Grande Oriente de França, constituído em 1773, ganha prestígio e emana as suas filosofias liberais, deístas, progressistas e enciclopedistas para as obediências em formação na Europa e na América. Vai disputar sua influência com as grandes lojas de Londres.

A influência da Grande Loja da França fez-se sentir na ainda frágil maçonaria portuguesa, e dessa para a brasileira. A filosofia francesa iria inspirar os maçons portugueses e brasileiros, agora que começariam a ser recrutados no seio da classe política e arrastando assim os ideais liberais que iriam marcar fortemente a política no Brasil no fim do século XIX.

A maçonaria brasileira participou do processo abolicionista como nenhuma de outro país participou, isso porque a abolição no Brasil foi tardia. Aqui, o florescimento da maçonaria, e seus ideais liberais na sociedade, chocou-se com a vigência da escravatura.

A maçonaria francesa, após a Revolução e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, viu abolida a escravidão em 4 de Fevereiro de 1794 na Convenção Nacional; o primeiro ministro reformista Marquês de Pombal, maçom inciado em Londres, aboliu a escravidão em Portugal e nas colônias da Índia a 12 de Fevereiro de 1761; mediante a Declaração de Emancipação (promulgada pelo presidente Abraham Lincoln – que chegou a visitar Lojas Maçônicas querendo ser um iniciado, mas a campanha presidencial o levou para outro destino -, na que foi declarada a liberdade de todos os escravos em 1863 e entrou em efeito pela primeira vez no final da Guerra Civil em 1865) os abolicionistas americanos obtiveram a libertação dos escravos nos estados em que continuava havendo escravidão, a despeito disso muitas Lojas norte-americanas, como a Grande Loja de Nova York, eram racistas e não aceitavam negros; A 23 de Agosto de 1833 foi aprovada o Slavery Abolition Act (Ato de Abolição da Escravidão) pelo qual desde 1 de Agosto de 1834 ficavam livres todos os escravos das colônias britânicas; a maçonaria brasileira foi a única a ter um posição oficial em relação à escravatura, formalizada por meio de uma lei interna.

Um projeto de Lei, apresentado pela Loja “América”, ao Grande Oriente Brasileiro em 4 de abril de 1870, ao Vale dos Beneditinos e subscrito por Ruy Barbosa, comprova a posição da mocidade maçônica, contrária à escravatura. É interessante por comprovar documentalmente o pensamento da maçonaria logo após a fundação da Loja “América” – o da necessidade da emancipação e não de uma simples “alforria generalizada”:

A Loja “América” apresenta à sábia consideração do Gr.’. Or.’. do Vale dos Beneditinos o seguinte projeto, requerendo sua conversão em lei geral e obrigatória para toda a Maçonaria estabelecida no país.
Art. 1º: Sendo verdade inconcussa que a emancipação do elemento servil e a educação popular são hoje duas grandes ideias que agitam o espírito público e de que depende essencialmente o futuro da nação, a Maçonaria brasileira declara-se solenemente a manter e propagar esses dois princípios, não só pelos recursos intelectuais da imprensa, da tribuna e do ensino, como também por todos os meios materiais atinentes a apressar a realização dessas ideias entre nós. (…)

A Abolição não foi mérito de um único grupo ou setor da sociedade, muitos fatores concorreram para que a escravidão se tornasse uma instituição abolida: a mecanização das fazendas, a substituição da mão-de-obra pela dos imigrantes, a pressão internacional, as ferrovias, a própria resistência dos escravos, o advento do liberalismo, os jornais, os abolicionistas, e as diversas instituições que lutavam pela abolição – dentre elas, a maior foi a Maçonaria.

Continua…

Autor: Márcio Antonio Silva de Pontes

Notas

[1] – BENIMELI apud BARATA, A. M. Freemasonry and Brazilian enlightenment. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, p. 78-79, jul./out. 1994.

[2] – Sua origem é localizada nas corporações de ofício dos pedreiros da Idade Média, no final do século XIV. Naquela época, não havia escolas capazes de ensinar as técnicas da construção em pedra, utilizadas principalmente em catedrais. Somente nas corporações, também chamadas guildas, aprendizes e mestres dividiam a ciência do talhe e se reuniam após o expediente para discutir o andamento das obras e defender sua profissão, como em um sindicato. Levavam às reuniões os instrumentos de trabalho, utilizados na composição dos projetos arquitetônicos – como o esquadro e compasso, que se tornaram símbolos da Ordem -, ou na atividade braçal – avental, malho e cinzel. Assim surgia a “maçonaria operativa”, preocupada com coisas práticas e restritas ao ofício

[3] – Site da Loja Comércio e Artes. Disponível em: . Acesso em: 10 dezembro 2009.

[4] – CASTELLANI, José. A maçonaria na década da Abolição e da República. Londrina: Editora A Trolha, 2001.

[5] – COSTA, Emília Viotti da. A ABOLIÇÃO. São Paulo: UNESP, 2008.

[6] – D’ALBUQUERQUE, Tenório. A Maçonaria e a libertação dos Escravos. Rio de Janeiro: Aurora, 1970.

[7] – FILHO, José Carlos de Araújo Almeida. O Ensino Jurídico, a Elite dos Bacharéis e a Maçonaria do Séc. XIX. 2005. 180 fls. Dissertação (Mestrado área de concentração Direito, Estado e Cidadania). Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro.

[8] – Respeitável Loja Ocidente de Portugal. Disponível em:. Acesso em 21 janeiro 2010.

[9] – COSTA, Emília Viotti da. A ABOLIÇÃO. São Paulo: UNESP, 2008.

[10] – FUNDAÇÃO CASA DE RUY BARBOSA. Obras completas de Rui Barbosa. Tomos publicados: Reforma do Ensino Secundário e Superior. Vol. 9, t. 1, 1882; Reforma do Ensino Primário e Várias Instituições Complementares da Instrução Pública. Vol. 10, t. 1 e 4, 1883.

Parte II

A Elite dos bacharéis: maçonaria como espaço acadêmico

Se a maçonaria teve influência na corte e cooptava seus membros da elite do país, e sendo elite, porque a vontade da maçonaria, de libertar os escravos, não se fez prevalecer no governo para que a abolição fosse antecipada?

Para responder essa pergunta é preciso investigar o que é “elite”, quais os tipos, como ela é formada, e qual o poder de cada tipo, por fim, saber em qual tipo de elite a maçonaria se enquadrava. Partindo daí, indo mais além, como atuava essa elite maçônica, o que significava pertencer a esse tipo de sociabilidade?

Citando Adrius Estevam de Noronha que escreve:

O termo elite possui uma flexibilidade conceitual ampla, mas é utilizado majoritariamente em pesquisas para classificar setores que detém o poder político ou econômico. Além disso, o conceito nomeia estratos sociais vinculados à burocracia, ao conhecimento, à religião, sem mencionar os grupos estrategicamente organizados em sociedades secretas, como a maçonaria. [11]

Antes disso ele afirma:

De acordo com Duma[12] (2003, p. 101), os critérios tradicionais para caracterizar “elite” podem ser identificados por cinco pontos fundamentais: “o nível de fortuna, o peso da genealogia, as funções ocupadas, a questão da identidade de um grupo e a maneira pela qual ela vai se definir através de um culto da distinção e da aparência”.

Mais adiante no mesmo artigo ele faz uma tipificação do conceito de elite:

O conceito de elite apresenta, como se percebe, uma descrição bastante variável. Em todas as organizações sociais, as relações de poder fazem parte e uma complexa estrutura psicológica, cultural e social. E sempre haverá um setor que detém o mando ou coordena as ações de um determinado grupo. Portanto, em termos teóricos, é necessária uma tipificação do conceito de elite política, econômica, intelectual, sindical, agrária ou burocrática. 

Continua citando Weber[13] na sua tese em torno dos Três Tipos Puros de Dominação:

A partir da definição do “tipo ideal”, Weber caracteriza as três formas de dominação: a racional, a tradicional e a carismática. Estas três formas possuem a chamada “crença na legitimidade”, mecanismo que é incorporado ao direito e utilizado pela burocracia estatal. A dominação racional se consolida na esfera jurídica como poder incorporado pela sociedade. A dominação burocrática seria, tecnicamente, seu tipo mais puro, que pode ser modificado mediante um estatuto que sancione seu funcionamento e está centrado na disciplina do serviço. Esse processo será encontrado na estrutura moderna da empresa capitalista e no Estado Nacional, apesar de Weber afirmar que a burocracia não é o único tipo de dominação legal. 

Como a vertente dos freemasons e dos franc-maçonneries, que influenciaram a maçonaria luso-brasileira, sempre estive alinhada com o Iluminismo, vale citar, para que seja possível um melhor entendimento, o seguinte trecho do artigo de Adrius Estevam:

Já o pensamento de Hobbes acerca do Estado Moderno estabelece a ponte entre o Renascimento e o Iluminismo, representando mais um passo no processo de autonomização e laicização do Direito e do Estado. (…)
A elite política insere-se nas instituições do Estado e utiliza esse poder de força coercitiva para o exercício de sua dominação.(…) A racionalização do pensamento jurídico ganha corpo nas análises de Hobbes. Para Maltez[14], o direito no sistema de Hobbes é identificado diretamente com o poder. Vale destacar que o impacto das ideias do Renascimento produz a teoria fundamental para o Estado Moderno e estrutura a forma de dominação da elite política neste Estado. 

Como se percebe, o enquadramento da maçonaria na tipificação do conceito de elite no Brasil é complexo. Isto porque a maçonaria foi elitista sim, mas uma fraternidade heterogênea: não se apresenta formada por uma elite política, mais que isso, tem em seus quadros, médicos e poetas; não formada por uma elite econômica, tem estudantes de direitos e jornalistas abolicionistas; não por uma elite intelectual somente, porque indubitavelmente também teve um importante papel político; e também não somente agrária ou burocrática.

E sobre complexidade o mesmo artigo de Adrius Estevam segue citando Gramsci[15], que formulou suas ideias no séc. XX:

De acordo com Gramsci, na medida em que a sociedade se torna complexa, fruto da modernização econômica e social, os atores políticos buscam se estruturar politicamente, através de movimentos minuciosamente calculados e estratégicos, dentro da sociedade civil, tendo como objetivo buscar apoio fornecido pela burocracia das instituições sociais. Nesse caso, os grupos jornalísticos, as burocracias das associações empresariais e dos centros culturais passam dos bastidores para o centro do palco na arena política.

Concluindo, até aqui, por ser heterogênea, a maçonaria acabou atuando em diversos estratos da complexa organização social brasileira. Por isso, atenta às transformações do seu tempo, atuou de maneira diversificada e coordenada, no intuito de garantir sua dominação racional, ou que pelo menos seus ideais liberais assim as tivesse garantida, se consolidando na esfera “jurídico-burocrática”, visto que, como citado acima, o direito e suas nuances, estão diretamente ligados ao poder. E correspondendo à Gramsci, ampliada a atuação dos maçons entre os grupos jornalísticos, nas burocracias das associações empresariais e dos centros culturais, ela passou dos bastidores para o centro do palco na arena política, mas tudo foi a seu tempo.

E de que maneira a maçonaria tratou de garantir sua Dominação Racional? De maneira influente e proeminente na criação das duas primeiras Academias de Direito do Brasil: a de Olinda e de São Paulo, que ficava no Largo de São Francisco.

Sobre isso, José Carlos de Araújo Almeida Filho, na sua dissertação de mestrado para a Universidade Gama Filho, na área de concentração Direito, Estado e Cidadania com o título O Ensino Jurídico, a Elite dos Bacharéis e a Maçonaria do Séc. XIX, já na introdução esclarece:

Durante a pesquisa realizada em torno da origem do Ensino Jurídico e da Maçonaria, identificamos uma sociedade secreta instalada na Faculdade de Direito de São Paulo – a primaz no Brasil, juntamente com a de Olinda –, denominada Burschenschaft, ou, simplesmente, Bucha, como ficou conhecida. A Burschenschaft alemã, inspiradora da Bucha, fora uma sociedade secreta estudantil com nítidos propósitos de abalar o poder.

A sociedade em questão nasceria poucos anos depois da instalação dos Cursos Jurídicos e foi de grande importância nos destinos políticos e jurídicos do Brasil. Afonso Arinos, citado pelo Prof. Alberto Venâncio, instiga-nos ao afirmar que “seria altamente interessante a pesquisa que comprovasse as ligações entre a Burschenschaft Paulista e o acesso aos mais altos postos políticos desde o Império”. Os mais altos postos políticos se mesclam, no ecletismo característico do Séc. XIX, com o Direito em todas as suas ramificações e áreas de atuação. 

(…)

Desta forma, duas elites são construídas (ou instaladas) no Brasil, e com uma ligação entre as mesmas – a maçônica e a dos bacharéis. A elite maçônica se constituiu pela acessão ao poder. E quem detinha o poder, até, pelo menos, o início do Séc. XX, eram os estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco que, em sua grande maioria, faziam parte da Bucha.[16]

Esse trabalho de José Carlos possui quatro capítulos. No primeiro, trata de conceituar o que é a Maçonaria e os primeiros passos para a construção dos cursos de direito; o segundo debate a localização dos cursos de direito, as ideias de cientificismo nos cursos e a influência maçônica e da Bucha; no terceiro a Bucha, a inexistência de partidos políticos e a República; por fim a contribuição dos símbolos maçônicos e do positivismo na formação dos cursos de direito.

Então no primeiro capítulo do seu trabalho ele já expõe alguns resultados de sua pesquisa que liga os maçons à formação dos cursos de direito:

Com base na pesquisa destes autores, encontramos um elo entre Maçonaria, sociedades secretas e movimentos pelo poder. Nesta inserção histórica e política, analisar-se-á o porquê dos Cursos Jurídicos no Brasil terem sido criados logo após a Independência do Brasil e, ainda, a razão de se encontrarem em São Paulo e Olinda. Ainda hoje se afirma ser a escola paulista positivista.
Havia necessidade de manter o poder com intelectuais e bacharéis – e esta manutenção consistia na ideia de talhar profissionais para ocuparem os mais altos cargos do Império – razão pela qual no Séc. XIX surge a figura descrita pela Ciência Política como Elite dos Bacharéis. Contudo, à inexistência de qualquer curso no Brasil, os mais abastados poderiam estudar em Coimbra e, com isto, poucos eram os bacharéis da época. Com a instalação dos Cursos Jurídicos no Brasil, moldados pela Maçonaria da época e instalados longe da Corte, por fortes motivos políticos, inicia-se uma nova fase no pensamento brasileiro.
Bacharéis para poder sustentar o poder, com conhecimentos jurídicos. Contudo, de forte natureza racionalista, como a própria Maçonaria e, posteriormente, com o advento da República, de forte caráter comtiano.

Mas José Carlos bebe da fonte de Teotônio Simões[17], que também desenvolveu uma tese de doutoramento sobre Os Bacharéis na Política, onde também aponta a ligação dos maçons e da Bucha com os cursos de direito:

Cogitações à parte, o fato é que, após Waterloo (1815), surgiria na Alemanha uma outra Sociedade, a Burschenschaft, integrada, entre outros, por remanescentes dos Iluminados. Um dos integrantes desta Sociedade organizaria, em São Paulo, na Academia de Direito, a sociedade secreta do mesmo nome, e seus membros também fariam parte da Maçonaria. A ligação dos Iluminados com os futuros bacharéis em Direito do Brasil ainda se daria através de Coimbra, de Verney e de Pombal, indiretamente.

Também se apóia na tese de Wander Bastos[18], que igualmente afirma ter existido uma elite imperial forjada no seio da Maçonaria e que perduraria até a Proclamação da República.

José Carlos ainda insere um gráfico que aponta o elevado número de bacharéis na política, e o local de formação, se foi por Portugal, Brasil ou outro país:


Então desta forma estava justificada a criação dos Cursos Jurídicos em 1827, ipso facto, ora que produziu a Elite dos Bacharéis. Essa atuação tática se mostra coerente com os ideais burgueses, de garantia e estabilidade de seus cargos. E ainda nas palavras de José Carlos, “justifica-se a manutenção no poder, tendo em vista a garantia [grifo meu] jurídica calçada no direito posto”.

Em Portugal, e também no Brasil, havia as Sociedades Filantrópicas, que eram, na maioria das vezes, Lojas Maçônicas sob denominações diversas, por causa das perseguições da inquisição. Desse modo, concomitante com a Bucha, tendo membros como Padre Antonio Diogo Feijó, Antonio Mariano de Azevedo Marques, Antonio Carlos Nogueira, dentre outros, tinha assim como ela (a Bucha), missão de angariar fundos para a manutenção das brilhantes mentes, dar suporte a eles e captar essas brilhantes mentes de São Paulo para a Maçonaria, cingindo com a propagação da função social do advogado.

Citando José Castellani[20], podemos ver como o Curso de Direito, ora, se tornava uma extensão da maçonaria, pois seus personagens e as questões da época que os afligiam, eram os mesmos da Academia e da Ordem, lentes e alunos frequentavam os mesmos âmbitos:

Antônio Carlos – sobrinho de José Bonifácio de Andrada e Silva – Venerável Mestre (Presidente) da Loja América, era lente da Faculdade de Direito e Rui, seu aluno. Apesar disso, este, assumindo o cargo de Orador da Loja, entrava, muitas vezes, em choque com a opinião do mestre, em Loja, principalmente em torno do movimento pela abolição da escravatura no Brasil, expondo suas ideias e fundamentando a sua discordância, com absoluto destemor, apesar de se expor a represálias no âmbito da Faculdade. Felizmente, Antônio Carlos era um homem de grande equilíbrio e descortino e entendeu as razões do seu aluno, jamais levando assuntos de Loja para outros locais. 

A formação dos estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo, também se dava extracurricularmente, através dos círculos de romantismo, com grande apego das ideias liberais. Havia uma educação informal nos corredores da Arcada, de ideais influenciados pela maçonaria. Maçonaria e Academia se confundiam em espaço social e espaço acadêmico. Onde uma começava? Onde outra terminava?

Longe de ser simples, essa confusão, proporcionou uma sociabilidade, pelas Lojas, que contribuiu para a construção e mobilização das diversas forças sociais, não somente um canal de propagação do ideário liberal, que era o mote dos estudantes de direito, mas como espaço de construção de uma cultura política marcada pela prática do debate, da representação, da elaboração de leis e da substituição do nascimento pelo mérito como fundamento. Enfim, a Maçonaria, nesse contexto, foi também um espaço acadêmico, contribuindo na educação de diversos líderes, que no objeto dessa monografia, vale citar, comporão a lista dos maiores abolicionistas da história do Brasil, e o que todos esses ilustres maçons tinham em comum? A Bucha e o Curso de Direito: Ruy Barbosa, Joaquim Nabuco, Eusébio de Queiroz, José do Patrocínio e Luiz Gama, dentre outros.

Continua…

Autor: Márcio Antonio Silva de Pontes

Notas

[11] – NORONHA, Adrius Estevam. Instituições e elite política de Santa Cruz do Sul no contexto de internacionalização da Economia Fumageira (1960-1970). 2006. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, Rio Grande do Sul Brasil.

[12] – DUMA, Jean. Sobre as elites: abordagem historiográfica. Revista História. São Leopoldo: UNISINOS, v. 07, nº 08, p. 89 – 103, 2003.

[13] – WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Régis Barbosa, Elsabe Barbosa. 3ª edição. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000.

[14] – MALTEZ, José Adelino. Princípios de Ciência Política: Introdução à Teoria Política. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa, 1996.

[15] – Antonio Gramsci (Ales, 22 de janeiro de 1891 — Roma, 27 de abril de 1937) foi um político, cientista político, comunista e antifascista italiano.

[16] – FILHO, José Carlos de Araújo Almeida. O Ensino Jurídico, a Elite dos Bacharéis e a Maçonaria do Séc. XIX. 2005. 180 fls. Dissertação (Mestrado área de concentração Direito, Estado e Cidadania). Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro.

[17] – SIMOES, Teotonio. Os Bacharéis na Política – A Política dos Bacharéis.

[18] – BASTOS, Aurélio Wander. O Ensino Jurídico no Brasil. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000.

[19] – FILHO, José Carlos de Araújo Almeida. O Ensino Jurídico, a Elite dos Bacharéis e a Maçonaria do Séc. XIX. 2005. 180 fls. Dissertação (Mestrado área de concentração Direito, Estado e Cidadania). Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro.

[20] – CASTELLANI, José. Piratininga – História da Loja Maçônica Tradição de São Paulo. São Paulo: OESP, 2000.

Parte III


Filantropia para libertação

Tenório de Albuquerque em seu livro “A Maçonaria e A Libertação dos Escravos”[22] informando sobre os preceitos maçônicos, logo nas primeiras páginas do livro, coloca como primeiro desses preceitos Amar a Humanidade. Uma Loja que não atua filantropicamente junto à sociedade não está integralmente cumprindo a Tríade da Ordem.

A tão proclamada “Fraternidade Maçônica”, não é apenas um sentimento entre Irmãos, ela deve ultrapassar as paredes do Templo e alcançar a Humanidade. É neste ponto em que há o encontro da “fraternidade” com a “filantropia”.

A etimologia da palavra filantropia deriva do grego (filos, amor e antropos, homem), daí significar amor pela humanidade.

Diversas foram as ações de Lojas, e também de maçons individualmente, no sentido de atenuar ou acabar com o sofrimento do negro durante a escravatura no Brasil. Tanto que se somarmos as ações empregadas pelos Irmãos e pelas Lojas, esse conjunto se verificará um grande esforço organizado em prol dos escravos no séc. XIX, realizados por membros de uma instituição, seja fundando sociedades abolicionistas, grupos radicais, jornais, comprando alforrias, financiando advogados, etc.

Vale citar agora algumas dessas ações, cuidando para que não seja meramente uma citação cronológica, mas evidenciando a amplitude e o alcance dessas ações. Verificar-se-á que em praticamente todas as regiões do país, de várias formas agiram os bodes negros[23].

A Loja Perseverança III, paulista de Sorocaba, tem em seus registros, o fato de ter sido a primeira instituição do gênero a constituir-se formal e especificamente com o objetivo de trabalhar pela abolição da escravatura e pela educação tanto dos antigos trabalhadores quanto da nascente classe operária sorocabana[24], em 1869, numa proposta idealizada por Ubaldino do Amaral:

Trago, subscrita por essa presidência, por Leite Penteado e por mim, a seguinte proposição que esperamos merecer a aprovação da Oficina:
A loja de iniciação será de 25$000;
A mensalidade de 15$000;
Colocar-se-há na Officina uma caixa, denominada “Emancipação” na qual os iniciandos, a convite do Venerável e de qualquer Irmão quando queiram, depositarão suas offertas;
O produto dessa caixa será exclusivamente destinado à libertação de crianças do sexo feminino, de 2 a 5 annos de idade;
As crianças assim libertadas ficam sob a proteção da Loja;
Serão absolutamente prohibidos os banquetes, ceias, copos d’agua, que o uso tem admitido nas iniciações, devendo o Venerável convidar os recipientes para converter as quantias que dispenderiam com isso em donativos à CAIXA DE EMANCIPAÇÃO;
Serão criadas escolas para adultos e menores. As escolas serão nocturnas e mantidas pela Officina, para o ensino gratuito das primeiras letras. [25]

Porém, a Loja Perseverança, de Paranaguá (PR), foi a primeira tomar medidas de âmbito interno como forma de contribuir para libertação dos escravos:

À Glória do Supremo Architecto do Universo e sob os auspícios do Grande Oriente e Supremo Conselho do Brasil, a todos os Maçons:

Resolução adoptada e promulgada em 18 de Novembro de 1867, pelo seu Venerável de Honra Perpétuo, Dr. Alexandre Busquet, Delegado do Grão-Mestre em Paranaguá:

Considerando que a missão da Maçonaria é guiar os povos no caminho da Civilisação [sic], da Liberdade e do Progresso, e tornar sempre a iniciativa das medidas tendentes à felicidade do gênero humano, preenchidas as formalidades exigidas pelos artigos 257, 258 e capítulos 278 e 281, à unanimidade dos votos,

Decreta

Art. 1º – Todos os fundos, tanto da Thesouraria como de Beneficência, que excederem de seus gastos normaes, d’agora em diante, sejam empregados em libertar escravos de qualquer cor, unicamente do sexo feminino, que não tenham mais de 4 annos de edade.

Art. 2º – Todos os annos, no dia 23 de Junho, véspera da festa de São João, a Loja reunida em sessão magna procederá ao sorteio das libertadas. Os nomes das agraciadas serão profanamente publicados no dia seguinte, 24 de junho.

Art. 3º – Contemplar-se-hão somente, seste sorteio, as escravas mães de melhor conducta e residentes neste Município. A escolha dos nomes que deverão entrar na urna será feita em sessão exonomica que precedera de 23 de Junho, em Loja plena, previamente convocada pelo Venerável. (…) [26]

Mais tarde a “Augusta e Centenária Portadora da Cruz de Perfeição Maçônica Loja Simbólica Acácia Riograndense”, fundada no dia 17 de setembro de 1876, por João Landell, um médico formado na Inglaterra, se torna a primeira desse estado a abraçar a causa abolicionista, comprando de início, cartas de alforria para cinco escravas negras, porém, essa criou a primeira Sociedade de Emancipação de Escravos do Brasil, também em março de 1869, na cidade do Rio Grande. A referida Sociedade foi uma iniciativa direta da Loja maçônica “Acácia Rio-Grandense” e tinha por finalidade a manumissão de escravas na idade fértil de procriação, entre 8 e 25 anos, essa era uma prioridade que é encontrada em diversas sociedades emancipadoras maçônicas. Seu idealizador foi o maçon João Frick. Quem conta sobre os estatutos dessa Sociedade é Carmem G. Burgert Schiavon, Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e professora da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), no seu artigo “A primeira sociedade de emancipação de escravos do Brasil”[27]:

Art. 1º – O fim da sociedade é promover a emancipação de escravos na província do Rio Grande.

Art. 3º – Cada sócio tem a obrigação de angariar subscritores para a sociedade.

Art. 4º – A contribuição anual é de 6$000 para o fundo de emancipação.

Art. 5º e 6º – Todo o fundo de emancipação é para alforriar escravas; quaisquer despesas miúdas de anúncios, impressos etc., são por conta dos sócios fundadores; – só poderão ser alforriadas escravas entre oito e vinte e cinco anos.

Art. 7º – A alforria será por sorteio sobre o número de ordem das escravas matriculadas; e estas para se habilitarem contribuirão com 5$000 réis, e trarão o consentimento de seus senhores e a declaração da quantia que estes pretendem pela liberdade.

Art. 9º 10º 11º – O sorteio terá lugar cada vez que haja dinheiro para uma alforria; e logo que à escrava saia a sorte da liberdade, a Diretoria da Sociedade tratará com o senhor sobre o preço da alforria; se não chegarem a um acordo, entrará o número outra vez para a urna, e se procederá a novo sorteio.

Carmem G. Burgert não conseguiu encontrar os estatutos por completo, e informa que para realizar a sua matrícula junto à Sociedade de Emancipação, a escrava deveria pagar uma espécie de taxa de inscrição no valor de 5$000 réis e apresentar uma carta com a autorização do seu proprietário para a realização de sua inscrição junto à Sociedade (o valor a ser pago por sua alforria também deveria constar nesta carta). Continua Carmem:

A forma para a realização da libertação, como previa o estatuto, consistia no sorteio, e assim o fizeram. O primeiro número contemplado foi o três, que pertencia à escrava Amélia (sua proprietária solicitava a quantia de 2:000$000 para sua libertação); o outro número sorteado foi o oito, pertencente à escrava Cecilia, a qual seria libertada mediante o pagamento de 800$000 réis. Após os sorteios, partiram o Sr. João Landell (presidente da Sociedade) e o Sr. João Frick para a compra das alforrias das respectivas escravas.

A primeira visita foi à residência de Clara Vieira de Castro, proprietária da escrava Amélia. Na conversa com D. Clara, disseram-lhe que a diretoria da Sociedade havia decidido pagar, pela libertação da referida escrava, a quantia de 1:200$000 réis (mesmo sabendo que a exigência da proprietária era de 2:000$000 réis). A proprietária salientou que esse ponto não importava, pois, como estimava muito o trabalho da mucama, não pretendia libertá-la e que só havia permitido a sua inscrição, porque a mesma tinha insistido muito e que o fizera “por condescendência com a escrava, mas nunca com a ideia de que a sociedade a emancipasse”.

Diante dessa circunstância, o número da escrava Amélia foi novamente reposto e procedeu-se a novo sorteio. Para surpresa, outra vez foi sorteado o número três, ou seja, o da referida escrava. Como forma de solucionar o problema, os organizadores pensaram, inicialmente, na devolução dos 5$000 da mucama Amélia e na sua retirada do sorteio, tendo em vista que a Sociedade, conforme os estatutos, não poderia pagar mais de 1:2000$000 réis. Entretanto, a Sociedade rejeitou esta proposta e resolveram expor o acontecido à proprietária da escrava.

Contudo, de acordo com o relato de João Frick, logo a escrava Amélia ficou sabendo do ocorrido e ela mesma conseguiu, em apenas 3 dias, a quantia de que precisava para a compra da sua libertação (os 800$000 réis que estavam faltando).

Não é difícil encontrar em atas de Lojas maçônicas, sempre numa ocasião festiva, ou em inaugurações a distribuição de alforrias, exemplo da Ata de fundação da Loja Philantropia e Liberdade:

Aos dezoito dias do mês de setembro de 1835 E:. V:. e 5835 V:. L:., reunidos em sua sede, sito à Rua da Igreja, nº 67, em lugar Claríssimo, Forte e Terrível aos tiranos, situado abaixo da abóbada celeste do Zenith, aos 30º sul e 5º de latitude da América Brasileira, ao Vale de Porto Alegre, Província de São Pedro do Rio Grande, nas dependências do Gabinete de Leituras onde funciona a Loj:. Maç:. Philantropia e Liberdade, com o fim de, especificamente, traçarem as metas finais para o início do movimento revolucionário com que seus integrantes pretendem resgatar os brios, os direitos e dignidade do povo Riograndense. A sessão foi aberta pelo Ven:. Mestre, Ir:. Bento Gonçalves da Silva. Registre-se, a bem da verdade, ainda as presenças dos IIr:. José Mariano de Mattos, ex- Ven:., José Gomes de Vasconcellos Jardim, Pedro Boticário, Vicente da Fontoura, Paulino da Fontoura, Antônio de Souza Neto e Domingos José de Almeida, o qual serviu como secretário e lavrou a presente ata. Logo de início o Ven:. Mestre, depois de tecer breves considerações sobre os motivos da presente reunião, de caráter extraordinário, informou a seus pares que o movimento estava prestes a ser desencadeado. A data escolhida é o dia vinte de setembro do corrente, isto é, depois de amanhã. Nesta data, todos nós, em nome do Rio Grande do Sul, nos levantaremos em luta contra o imperialismo que reina no país. Na ocasião, ficou acertada a tomada da capital da província pelas tropas dos IIr:. Vasconcellos Jardim e Onofre Pires, que deverão se deslocar desde a localidade de Pedras Brancas, quando avisados. Tanto Vasconcellos Jardim como Onofre Pires, ao serem informados, responderam que estariam a postos, aguardando o momento para agirem. Também se fez ouvir o nobre Ir:. Vicente da Fontoura, que sugeriu o máximo cuidado, pois certamente, o Presidente Braga seria avisado do movimento. O Tronco de Beneficência fez a sua circulação e rendeu a medalha cunhada de 421$000, contados pelo Ir:. Tes:. Pedro Boticário. Por proposição do Ir:. José Mariano de Mattos, o Tronco de Beneficência foi destinado à compra de uma Carta da Alforria de um escravo de meia idade, no valor de 350$000, proposta aceita por unanimidade. Foi realizada poderosa Cadeia de União, que pela justiça e grandeza da causa, pois em nome do povo Riograndense, lutariam pela Liberdade, Igualdade e Humanidade, pediam a força e a proteção do G:. A:. D:. U:. para todos os IIr:. e seus companheiros que iriam participar das contendas. Já eram altas horas da madrugada quando os trabalhos foram encerrados, afirmando o Ven:. Mestre que todos deveriam confiar nas LL:. do G:. A:. D:. U:. e, como ninguém mais quisesse fazer uso da palavra, foram encerrados os trabalhos, do que eu, Domingos José de Almeida, Secretário, tracei o presente Balaústre, a fim de que a história, através dos tempos, possa registrar que um grupo de maçons, homens livres e de bons costumes, empenhou-se com o risco da própria vida, em restabelecer o reconhecimento dos direitos desta abençoada terra, berço de grandes homens, localizada no extremo sul de nossa querida Pátria. Oriente de Porto Alegre, aos dezoito dias do mês de setembro de 1835 da E:. V:., 18º dia do sexto mês, Tirsi, da V:. L:. do ano de 5835.|Ir Domingos José de Almeida – Secretário.[28]

O mesmo podendo-se dizer, do outro canto do país, da “Fraternidade Cearense”, conforme Tenório D’Albuquerque[29]:

A Loja Maçônica “Fraternidade Cearense”, onde estavam alistadas a nobreza e a opulência de Fortaleza, alforriava a bom preço, nas suas festas levas inteiras de cativos, e nas famílias de maçons os grandes regozijos eram registrados com cartas de liberdade. Sucessivas eram as subscrições populares para o mesmo fim, e de sua parte, o governo deu o ponto alto instituindo um fundo especial de 15 contos de réis por ano, para a manumissão de cem escravos que fossem nascendo e levados à pia batismal, de preferência do sexo feminino, (Lei nº 1.254, de 28 de dezembro de 1868).

O Ceará foi o primeiro estado a abolir a escravidão, em conseqüência da sua forte participação, o presidente do estado, Dr. Sátiro Dias, foi afastado do governo do Ceará pelo Conselheiro Lafayete. Ainda sobre a atuação no Ceará, Tenório D’Albuquerque continua:

Governava o Ceará, o maçon Dr. Sátiro Dias. A Maçonaria do Ceará, também se condoera da situação aflitiva dos escravos, comungava com eles, em sua imensa dor, compartilhava moralmente de seus suplícios. Era intenso, eficiente, diuturno, o trabalho maçônico, em prol da libertação da escravatura. Reuniram-se os maçons para epilogar a tragédia dos africanos. Tomaram uma deliberação decisiva e, no dia 25 de março de 1884, o Dr. Sátiro Dias assinava um decreto extinguindo a escravidão no Ceará, emancipando todos os seus escravos restantes, nada menos de 19.588.

Mais curioso foi a atuação da Sociedade Cearense Libertadora, fundada em 1880, contando com 225 sócios no momento da fundação. Seu membro, João Cordeiro, protagonizou uma ação que havia começado com um juramento em cima de um punhal, que ele havia atirado sobre a mesa numa reunião maçônica. Os que juraram, prometeram matar ou ser morto em bem da abolição. Os estatutos da revolucionária organização maçônica eram resumidos: Art. 1º Um por todos e todos por um; Parágrafo Único – A Sociedade libertará escravos por todos os meios ao seu alcance. Os sócios ainda tomaram nomes de guerra. Juntar-se-á a essa sociedade Francisco José do Nascimento, mais conhecido como Dragão do Mar, que liderou um movimento de recusa de embarques de escravos nas praias do Ceará. Além desses atos mais extremos, como furto de negros, a sociedade também fundou o jornal “Libertador”.

Foi Mossoró, no Rio Grande do Norte, a primeira cidade do Brasil a abolir a escravidão. Também lá a participação da maçonaria foi relevante. A ideia de fundar uma sociedade libertadora veio do Ceará, quando o casal Romualdo Lopes e D. Amélia Dantas, chegaram em Mossoró em 1882, trazendo uma mensagem da maçonaria de Fortaleza para a de Mossoró. Essa mensagem concitavam os maçons a ingressarem na luta à favor dos negros.

(…) E foi o próprio Romualdo que promoveu a fundação da “Libertadora Mossoroense”, entidade criada para esse fim.

Na noite de 24 de dezembro de 1882, véspera de natal, há uma sessão solene na Maçonaria destinada a alforriar as escravas Herculana, pertencente à viúva Irinel Soter Caio Wanderley e Luzia, da firma Cavalcanti & Irmãos. No momento em que alforriavam estas escravas, D. Amélia Dantas, num rasgo de entusiasmo, se ergue da cadeira e beija chorando as escravas libertas. Despertava, nesse momento, para a imortalidade. [30]

Portanto a ideia não foi original de Mossoró, ela foi exportada de Fortaleza pela maçonaria. Embora em Mossoró a libertação tivesse vindo antes do Ceará.

Mas essas sociedades libertadoras, e outros empreendimentos, fundados por maçons, não eram constituídos somente por maçons, mas também pelos que não eram, pois uma sociedade não maçônica, embora dirigida por maçons, poderia congregar mais participantes e essa conexão traria mais força à luta. Sobre isso encontramos um paralelo com o livro de Tenório D’Albuquerque[31]:

A ideia da abolição da escravatura vingou em Mossoró. Os mossoroenses abraçaram-na com entusiasmo, especialmente a Loja Maçônica 24 de Junho que naquela época (1882), estava em pleno florescimento. (…) Ainda assim em 1882 eram alforriados os primeiros escravos, pela verba do “fundo de emancipação” e por donativos de particulares, membros da Sociedade da Maçônica 24 de Junho.
(…)
Por iniciativa da Loja 24 de Junho, fundada em 1873. Criouse a Sociedade Libertadora Mossoroense, em 6 de janeiro de 1883. A sua primeira diretoria ficou assim constituída: Joaquim Bezerra da Costa, presidente; Romualdo Lopes Galvão, vice dito; Dr. Paulo Leitão Loureiro de Albuquerque, secretário; Cel. Francisco Gurgel de Oliveira; Manuel Cirilo dos Santos, Salvador Bráulio de Albuquerque Montenegro, Manoel Benício de Melo, Conrado Maia (era o suíço Meyer), Francisco Romão Figueira.
Eram maçons, os que estão grifados. Como se vê predominavam na diretoria os elementos da Maçonaria.

Em São Paulo, novamente é citada a Loja América por sua ação libertadora, dessa vez por Elciene Azevedo[32], vale notar a característica urbana predominante no movimento abolicionista:

As lojas maçônicas situadas nos núcleos suburbanos também se constituíram em importantes espaços de discussões e ações antiescravistas. Sem apresentarem o radicalismo das associações libertadoras surgidas nos últimos anos da escravidão brasileira, auxiliavam escravos a conquistarem suas alforrias. A Loja América, estabelecimento comercial localizado em São Paulo, mantinha um fundo dedicado à emancipação de escravos e também financiava ações de liberdades. A loja direcionava os advogados pertencentes à maçonaria para defenderem os escravos requerentes e pagavam os encargos judiciais.

Como veremos mais adiante, um desses advogados, como citado por Elciene Azevedo, foi Luiz Gama. E aqui cabe ressaltar, o suporte dado aos abolicionistas maçons, no caso de Gama de apóia-lo e através da bucha mantê-lo na faculdade de Direito; no caso de José do Patrocínio ajudando nos custos da viagem ao Ceará em 1882, para incentivar aquela campanha abolicionista.

Na mesma linha nos informa sobre Vitória, no Espírito Santo, Mariana de Almeida Pícoli, em sua Dissertação de mestrado[33]:

Destacam-se neste contexto as irmandades religiosas e a loja maçônica União e Progresso, ambos locais de encontro dos membros da elite. A loja maçônica representou um profícuo espaço de debate político durante os últimos anos da escravidão em Vitória. Entre seus frequentadores encontravam-se José Feliciano Moniz Freire e seu filho José de Mello Carvalho Moniz Freire, ambos os redatores dos principais jornais antiescravistas da capital o Jornal da Victoria e o A Província do Espírito Santo, respectivamente. Este último em sociedade com Cleto Nunes, outro importante integrante da maçonaria e contando com a participação de Francisco de Lima Escobar, Francisco Urbano Vasconcelos, Manoel Pinto Aleixo Netto, Alpheo Monjardim, Tito Machado, Basílio Carvalho Daemon, entre outros representantes engajados na campanha contra a escravidão. Afonso Cláudio, figura de destaque do movimento abolicionista, embora não fosse maçom, lecionava no Liceu da loja maçônica União e Progresso como professor de História. [34]

Continua…

Autor: Márcio Antonio Silva de Pontes

Notas

[22] – D’ALBUQUERQUE, Tenório. A Maçonaria e a libertação dos Escravos. Rio de Janeiro: Aurora, 1970.

[23] – Como são conhecidos popularmente os maçons no Brasil.

[24] – Site da Loja Perseverança III, Disponível em: . Acesso em: 10 fevereiro 2010.

[25] – CASTELLANI, José. Os maçons e a abolição da escravatura. Londrina: A Trolha, 1998.

[26] – IDEM.

[27] – SCHIAVON, Carmem G. Burgert. A primeira sociedade de emancipação de escravos do Brasil. 4º. Encontro escravidão e liberdade no Brasil meridional, Curitiba, 1, 2009.

[28] – Wikisource: Ata Nº 67 da Loja Maçônica Philantropia e Liberdade.

[29] – D’ALBUQUERQUE, Tenório. A Maçonaria e a libertação dos Escravos. Rio de Janeiro: Aurora, 1970.

[30] – GERALDO, Maia. Tributo à uma abolicionista. O Mossoroense, Mossoró, fevereiro de 2009, Nossa História.

[31] – D’ALBUQUERQUE, Tenório. A Maçonaria e a libertação dos Escravos. Rio de Janeiro: Aurora, 1970.

[32] – AZEVEDO, Elciene. Orfeu de Carapinha: a trajetória de Luiz da Gama na imperial cidade de São Paulo. Campinas: Editora da UNICAMP, 1999.

[33] – PÍCOLI, Mariana de Almeida. Ideias de liberdade na cena política capixaba: o movimento abolicionista em Vitória (1869/1888). 2009. 142 fls. Dissertação (Mestrado Centro de Ciências Humanas e Naturais). Universidade Federal do Espírito Santo, Espírito Santo.

[34] – IDEM.

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