REIS MAGOS, ZOROASTRISMO E MAÇONARIA
Tradução José Filardo
Por Yves Bomati
“Oh! Ahura Mazda
Zarathustra segue o caminho de teus pensamentos
mais evolutivos e produtivos para o mundo.
Que pela irradiação da Justiça e da ação que emana do Pensamento justo,
nossa vida material e espiritual tome força
e que a Serenidade ilumine
nosso mundo interior
e nos leve a uma vida feliz.”
(Os Gathas, canto VIII, Yasna, hat 43)
Por Yves Bomati
Em 6 de janeiro, a Epifania celebra os três reis magos vindos do Oriente para prestar homenagem ao Cristo, recém-nascido em Belém. A viagem deles não é questionada, mesmo se a festa que ela gera consista na partilha alegre de um bolo de “Reis”. O que é a “Epifania”? Quem são estes magos guiados por uma estrela? E em que este episódio está relacionado com a maçonaria?
A Epifania e os Magos do Oriente
Doze dias depois do Natal, a Epifania, palavra que significa, segundo a etimologia grega, “aparição”, marca o retorno percebido da luz após o solstício de inverno. Que vêm, portanto, fazer ali os Reis Magos, nem hebreus, nem gregos, nem romanos, na lenda cristã?
O apóstolo Mateus (2,1-12) indica que eles chegam do Oriente guiados por uma estrela, sem dar mais detalhes. Não foi senão a partir do século VI que se fixará o seu número e seus nomes Caspar, Melchior e Baltazar, e que lhes será atribuída uma tripla origem, Asiática, europeia e Africana, para promover a universalidade almejada do cristianismo.
A verdade é mais direta. Quando do nascimento de Cristo, os únicos magos orientais conhecidos eram os Medos, originários do império persa, o atual Irã. Eles praticavam o zoroastrismo, a forma reformada do mazdaismo, e eram especialistas na ciência dos astros. Sem a estrela brilhante que os teria guiou, eles certamente não teriam empreendido uma viagem de mais de 1.600 km com o único propósito de depositar ouro, incenso e mirra aos pés de um recém-nascido. A sua missão é mais fundamental: eles vieram legar ao cristianismo e ao novo mundo, por seu gesto simbólico, o melhor de sua religião, proporcionando uma ponte entre suas próprias crenças e o primeiro cristianismo que a permeará amplamente.
A riqueza moral do zoroastrismo
O Avesta, escrito por vários séculos é o livro sagrado dele. Seus textos mais antigos, os Gathas, prosódias de lirismo cósmico, são devidos ao profeta Zaratustra (também conhecido como Zoroastro pelos europeus), e datam do século XVII aC.
Zaratustra é um “reformador-filósofo”. Antes de sua pregação, o mazdeismo, religião de Ahura Mazda, resultou de um amálgama de velhas crenças, incluindo a coexistência de múltiplas divindades. Entre elas, Mitra parece ocupar um lugar proeminente. A ele se sacrificavam animais, enquanto que durante a sua adoração se consumia uma bebida energética feita de efedra, a haoma. Ao lado dele, outros deuses garantiam as colheitas, nascimentos, fertilidade dos casamentos, as estações do ano, etc. O fogo (Atar), o símbolo da incorruptibilidade era comemorado em todos os lugares.
É esse politeísmo que Zaratustra tem a intenção de reformar. Mudando o foco da divindade para as leis, ele reverencia apenas o princípio primeiro, o ordenador, Ahura Mazda, rejeitando os deuses, deixando subsistir as noções ou abstrações relacionados a eles. O zoroastrismo mais puro vai além das tradições, redefine a relação entre as pessoas e o princípio soberano, o pensamento que o sustenta trazendo com ele uma revolução social e espiritual.
Ahura Mazda é o Único. Conceito espiritual que não pode ser representado, ele é onisciente e onipotente. Ele tem seis atributos, herdados dos antigos deuses, solidariedade mútua, o Amesha Spenta (“as forças imortais que fazem progredir”) e interfere na evolução do mundo. O homem, chamado a desempenhar um papel ativo em seus desígnios, usa suas energias superiores para acessar o Bom Pensamento, a Boa Palavra e a Boa Ação. Esta colaboração entre o homem e o princípio superior é necessária em virtude da luta incessante entre as forças da vida (o bem, a inteligência, a luz) e a não-vida (o mal, o obscurantismo e a escuridão). O homem é livre para escolher entre a duas, mas deve arcar com as consequências.
Esta é uma pequena parte da mensagem revolucionária, ordenadora e moral que Zaratustra oferece à humanidade e que faz dele o fundador do monoteísmo mais antigo do mundo.
A influência de Zoroastro sobre os fundamentos da Maçonaria Europeia
Sua mensagem somente penetra na Europa na virada do século XVIII. Na verdade, as Viagens na Pérsia de Tavernier (1605 – 1689) e depois de Chardin (1643 -1713) onde são evocados os ritos de Guebres – outro nome dos zoroastristas – e a imagem de Zoroastro, guia dos Magos, despertar o interesse dos intelectuais. A moda é lançada: a tradução do Avesta, parcial, e completa em seguida, as obras que aparecem em 1700 em Oxford e depois em 1702 em Paris, onde Pierre Bayle (1647-1706) acrescenta um artigo sobre Zoroastro em seu Dictionnaire historique et critique, aumentando consideravelmente a influência do zoroastrismo sobre as correntes emergentes de pensamento.
Ramsay, Cahusac, Mozart… e outros
O Cavaleiro de Ramsay, bem conhecido nas lojas maçônicas, capturou a temática em 1727 e produziu um romance bem-sucedido As Viagens de Ciro e logo após um Discurso sobre a Mitologia que tornam ainda mais popular o profeta-filósofo. A batalha se trava entre os sábios: para alguns, o zoroastrismo permanece em uma visão de mundo “dualista” campo de batalha entre o bem e o mal; para outros, incluindo Ramsay, ele carrega consigo um monoteísmo cósmico cujas consequências perturbariam a ordem religiosa. Segundo Jean-Noël Laurenti, “o ensinamento emprestado de Zoroastro tendia a reconhecer um Deus único, e lhe conferia um lugar essencial entre dois princípios, o bem e o mal. Como o parentesco de tal religião com o cristianismo era flagrante, e que assim Zoroastro era considerado mais velho que Moisés, a tentação era grande de concluir que o cristianismo representava apenas uma forma entre outras de um monoteísmo acessíveis todos os homens, independentemente da Revelação. (…) Zoroastro se tornaria, assim, uma figura emblemática do deísmo. ” Não estamos no coração dos fundamentos da Maçonaria?
A mania por Zoroastro se estende a todas as artes. Jean-Philippe Rameau criou em 1749 uma tragédia lírica Zoroastro, reconstruída em 1756 e repetida com grande sucesso. Ele escolheu como libretista Louis Cahusac, secretário do conde de Clermont, Grão-Mestre da Grande Loja da França em 1742, que “defende bastante abertamente os ideais maçônicos, com uma história abordando a batalha da luz contra as trevas, que ilustra o hino ao sol, Mil Raios Brilhantes (ato 3, cena 5)”.
Mozart, em 1791, amplia ele também em A Flauta Mágica, a personagem de Zaratustra, sob os traços e acentos de Sarastro, em um contexto maçônico ainda mais presente. Ao contrário de seus antecessores, ele foi capaz de compreender melhor a essência do Zoroastrismo graças à primeira tradução completa francesa do Avesta. De fato, em 1757, Anquetil Du Perron (1731-1805) reencontrou os Parsis de Bombaim, descendentes dos zoroastristas iranianos que fugiram ao domínio árabe do século IX, que provocou a islamização das terras iranianas e trouxe uma cópia do misterioso Avesta . Ele publica assim, traduzido, em 1771 o Zend-Avesta, um livro de Zoroastro contendo as ideias teológicas, físicas e morais do legislador, as cerimônias do culto religioso que ele estabeleceu e várias características importantes relacionadas com a história antiga dos persas.
Contra todas as probabilidades, algumas mentes se decepcionaram com o que descobriram. Voltaire dedica um artigo irônico em seu Dicionário Filosófico: “Não se pode ler duas páginas do lixo abominável atribuído a Zoroastro, sem sentir pena da natureza humana. Nostradamus e o médico das urinas são pessoas razoáveis comparados a esse energúmeno; e mesmo assim falamos sobre ele, e voltaremos a falar. ”
Voltaire estava certo em sua última frase. Não se parará de falar de Zaratustra e seus pensamentos iluminados, livre da escória que o tempo fez pesar sobre ele.
Assim, Zaratustra, é uma das chaves do pensamento iraniano, também moldou o pensamento maçônico no século XVIII, sem ofensa a Voltaire. Sua filosofia moral, diferente da que Nietzsche revelou em Assim Falava Zaratustra, continua a ser, acima de tudo uma ode à felicidade e um caminho em direção a melhor viver em sociedade, longe das trevas. Nossos Reis Magos da Epifania não seriam o elo que continua a nos unir hoje a ele? Sua palavra original, em todo caso, sempre ilumina o pavimento de mosaico, ao mesmo tempo em que guia os homens para o Bom Pensamento, a Boa Palavra e a Boa Ação, quando ele escreve nos Gathas:
Zarathustra segue o caminho de teus pensamentos
mais evolutivos e produtivos para o mundo.
Que pela irradiação da Justiça e da ação que emana do Pensamento justo,
nossa vida material e espiritual tome força
e que a Serenidade ilumine
nosso mundo interior
e nos leve a uma vida feliz.”
(Os Gathas, canto VIII, Yasna, hat 43)
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