O espírito da Maçonaria e o Espírito das leis
Extraído do site Bibliot3ca - Tradução José Filardo
Montesquieu
Jurista, filósofo, escritor e grande proprietário, Montesquieu, uma das grandes luzes de seu tempo era também um maçom ativo que privava da companhia dos primeiros fundadores da Ordem.
Aqueles que tinham idade suficiente para usá-lo, lembram-se do “Montesquieu,” a nota de 200 francos, que esteve em circulação de 1982 a 1998. Em ambos os lados, via-se em medalhão o busto do ilustre filósofo como um patrício romano. E ao redor, várias alegorias evocavam sua obra: Themis, a justiça, por Do Espírito das Leis, iluminuras orientais pelas Cartas Persas. O castelo de La Brede para evocar o local de seu nascimento. No entanto, faltavam nessa evocação certos símbolos… Porque além de Voltaire que foi muito pouco e muito tarde, Montesquieu não foi apenas o único Maçom do grande Iluminismo francês, mas ele o foi muito cedo e muito ativamente.
Charles-Louis de Secondat nasceu em 18 de janeiro de 1689 no castelo de La Brede na região de Graves, país de vinhedos, vacas e florestas na periferia sudeste de Bordeaux. Voltando sete ou oito gerações, ele teria tido, por sua avó paterna Anne Dubernet, (1) uma ascendência comum com Montaigne, através da mãe deste último, Antoinette Louppes de Villeneuve, que alguns autores pretendem que fosse uma judia espanhola. De fato, se não pelo sangue e a sonoridade do nome, há entre as duas glórias de Bordéus, um parentesco real pelo espírito.
O pai e o avô de Montesquieu tinham tido casamentos felizes, ricamente dotados que lhes permitiram estabelecer firmemente a sua nobreza de toga. O mais velho de quatro filhos, o pequeno Charles foi enviado para Juilly, perto de Meaux, para ali seguir o ensinamento dos jesuítas. Mas, escapando ao seu proselitismo e, embora de família fervorosamente católica – os irmãos e irmãs de seu pai estavam em quase todas as ordens, bem como suas duas irmãs – aquele que era então chamado de Sr. de La Brede tornou-se, com 16 anos, para a direita. “Saindo da faculdade, foram-me colocados nas mãos livros de direito; eu ali procurava o espírito, eu trabalhava, eu nada fazia de valor. “(2)
Ela foi provavelmente dissipada conforme indicam certas cartas preocupadas de seu pai. Mas foi um jovem bem-educado de muito boa família que foi recebido como advogado no Parlamento de Bordeaux em 1708. Aos 19 anos, tão ávido de conhecimentos quanto de conquistar um nome, ele partiu depois de algum tempo para Paris onde frequentou alguns espíritos iluminados, luzes brilhantes dos últimos fogos do reinado do Rei Sol.
Um casamento, um certo pastor e dois funerais
A morte de seu pai o trouxe de volta a La Brede. A herança, tão importante quando as dívidas e o preço do cargo de magistrado que precisava comprar o levaram a se casar.
Jeanne Lartigue, de grande fortuna embora de nobreza pequena e recente, era de religião reformada. Trinta anos após a revogação do Édito de Nantes, os protestantes, quando permaneciam discretos e não se interessavam por assuntos públicos eram mais ou menos bem tolerado em Bordeaux. Mas o espírito de tolerância demonstrado por Montesquieu, deve muito mais ser atribuído a uma certa indiferença com as coisas da religião e à atração de um belo dote que o seu interesse pelas ideias de Calvino.
Mais tarde, na Inglaterra, o senhor de La Brede participará do mundo protestante, ao mesmo tempo que o da Maçonaria, então quase confundidas. Por uma coincidência perturbadora, se saberá muitas gerações mais tarde (3) que toda a família Lartigue foi batizada em Bègles pelo Pastor Jean Desaguliers antes que esse último partisse para La Rochelle de onde fugiu para a Inglaterra em 1783. Em sua bagagem, uma Bíblia e um filho: Jean Théophile que se tornou um pastor presbiteriano na Inglaterra redigirá a primeira versão das Constituições de Anderson, a “bíblia” da Maçonaria moderna.
Um ano depois de seu casamento, pela morte de seu tio Jean-Baptiste, Charles-Louis de Secondat se torna Barão de Montesquieu. Ele se torna rico com várias vinhas e um cargo de presidente de touca (Mortier) – cargo Supremo simbolizada por um chapéu chamado mortier – no parlamento de Bordeaux.
Montesquieu é, então, uma pessoa importante. Apesar de frequentes estadas em Paris, ele permanece essencialmente em Bordeaux. Mas a magistratura não lhe interessa: “Quanto ao meu trabalho como presidente, eu tinha uma noção bem definida; eu entendia bem as perguntas suficientes em si mesmas; mas quanto ao procedimento, eu não entendia nada “(4).
É a época das sociedades eruditas. Ali se discute física tanto quanto metafísica. Montesquieu foi admitido na Academia de Bordeaux em 1716. Instituição que ele presidirá por um longo tempo, cujos arquivos revelam o ecletismo. “Igualmente adequado a todos os gêneros, às pinturas elegantes, bem como às composições sérias, às ciências naturais, bem como às pesquisas históricas, Montesquieu, a partir de 1716, fundou um prêmio de anatomia na Academia de Bordeaux; em 1721, ele leu um Memorial contendo observações feitas ao microscópio de insetos, o visco do carvalho, as rãs, o musgo das árvores e experiências sobre a respiração dos animais imersos em água; em 1723, uma dissertação sobre o movimento relativo, e uma refutação ao movimento absoluto; em 1731, um Memorial sobre as minas da Alemanha, e sobre as tempestades da zona rural de Roma. (…) » (5)
Cartas Persas, uma turnê europeia e uma iniciação
O ano de 1721 marca um ponto de viragem na vida de Montesquieu, com a publicação das Cartas Persas, romance epistolar que contém observação tão relevantes quanto humorísticas sobre os costumes contemporâneos através de olhos estrangeiros. O relativismo de Montesquieu, já presente em Montaigne funda o pensamento moderno.
Para driblar a censura, o livro foi publicado anonimamente em Amsterdam sob o selo de um editor fictício de Colônia. Mas, protegido pelo Duque de Berwick, governador militar da Guiana, o autor das Cartas Persas não será submetido a qualquer tipo de assédio. Em vez disso, ele recebeu uma pensão real em 1723 e, devido a este primeiro sucesso literário, “aluga” seu cargo de magistrado a uma família de Bordeaux.
Montesquieu agora vive em Paris. E ali foi eleito para a Academia Francesa em 1727. No ano seguinte, na esperança de conseguir um posto de embaixador, ele realizou uma grande turnê da Europa – mais uma vez Montaigne não está longe – que o leva por três anos nas estradas da Áustria, da Hungria, da Itália, Alemanha e, finalmente, Inglaterra. É ali que ele foi iniciado na Maçonaria, em 23 de maio de 1730 na Taverna Horn de Westminster. O evento não passou despercebido. O que lança luz sobre a sociabilidade da maçonaria de então: “Ficamos sabendo que na terça à noite, em uma sessão de loja realizada na Taverna Horn em Westminster, com a presença do duque de Norfolk, Grão-Mestre; Nathaniel Blakerby, Grão-Mestre Adjunto e outros oficiais, bem como o Duque de Richmond, Lord Mordaunt, o Marques de Quesne e muitas outras pessoas de distinção, os nobres estrangeiros abaixo, François-Louis de Gouffier, Charles-Louis Presidente Montesquier (sic), Francis conde de Sade … foram recebidos como membros da Antiga e Honorável Sociedade dos Maçons. “(6). É provável que nesse dia Montesquieu tenha sido elevado aos três graus. Ninguém sabe se as ligações entre Desaguliers e a família Lartigue, mencionadas acima, serviram-lhe de ajuda, mas é muito provável que os dois tenham se encontrado depois em Paris, se não foi em Londres.
s Jacobitas, Desaguliers e Belzebu
A iniciação abriu para Montesquieu as portas da alta nobreza inglesa e da monarquia. Apresentado à corte, ele pode falar com Caroline de Brandenburg-Ansbach, esposa do rei George II e com o príncipe de Gales, que lhe explicou as fontes da monarquia parlamentar.
Em seu retorno a Bordeaux, quase quatro anos depois de sua partida, Montesquieu podia reivindicar ser o melhor conhecedor do sistema político Inglês.
Segundo alguns autores, ele estaria na origem do rito escocês na França, a menos que este não seja o “Irlandismo” – havia um ritual de “mestre irlandês.” A única certeza é que a iniciação de Montesquieu ocorreu apenas dois meses depois da iniciação de Andrew Michael Ramsay, dito Chevalier Ramsay, considerado o fundador do rito escocês.
Seja o que for, Montesquieu foi, depois de seu retorno, um maçom ativo. A imprensa Inglês se faz ecoar. Em 07 de setembro de 1734, o Saint James Evening Post escrevia: “Recebemos a informação de Paris que uma Loja dos Maçons Livres e Aceitos foi realizada lá recentemente na residência de sua Graça, a duquesa de Portsmouth. Sua Graça, o Duque de Richmond, assistido por outro nobre Inglês de distinção, pelo Presidente Montesquieu, pelo brigadeiro Churchill, por Ed. Yonge, Advogado, secretário da Mui Honrada Ordem de Bath, e por Walter Strickland, recebeu várias pessoas de distinção nesta mui Antiga e Honorável Sociedade. “(7) Montesquieu ainda está relatado em loja em 20 de setembro de 1735 pelo mesmo jornal: “Escreve-se de Paris que Sua Graça o duque de Richmond e o Rev. Dr. Desaguliers, antigos Grão-mestres da Antiga e Honorável Sociedade dos Maçons Livres e Aceitos, munidos para esse efeito uma autorização autografada (em sua mão) do atual Grão-Mestre [NDLR Thomas Thynne, Visconde de Weymouth, grão mestre da Inglaterra em 1735], e selado com o seu selo e o selo da Ordem, convocou uma Loja no Hotel de Bussy, Rue de Bussy. Estando presentes: Sua Excelência, o Conde de Waldegrave, Embaixador de Sua Majestade junto ao rei da França; o mui honorável Presidente Montesquieu, o Marquês de Lomuren, lord Dursley, filho do conde de Berkeley, o honorável Fitz-Williams, os Sres. Knight pai e filho, o Dr Hickam e vários outros personagens ingleses e franceses (…) “(8)
A loja que frequenta Montesquieu em Paris é, portanto, Le Louis d’Argent, rue de “Bussy”. Ele reúne a elite da maçonaria europeia. É surpreendente que ela acolhesse tanto um filho de huguenotes como Desaguliers quanto a fina flor dos jacobitas católicos no exílio, quando conhecemos o importante papel dos protestantes franceses no exílio na “Revolução Gloriosa” de 1688 pela qual as tropas holandesas derrubaram o rei católico James II Stuart. Embora a religião nesses tempos difíceis era tanto uma questão política quanto de fé. O próprio Ramsay, nascido de pai calvinista e mãe Anglicana, batizado católica por Fenelon em Cambrai, abandonou a Maçonaria para agradar ao seu protetor, o Cardinal de Fleury …
Em uma carta datada de 31 de julho de 1735, o duque de Richmond, chefe dos jacobitas exilados, que vivia no castelo de Chanteloup, perto de Amboise, escrevia a Montesquieu em termos tão paródicos quanto fraternais: “Saiba, meu venerável irmão, que a Maçonaria está florescendo em Aubigny – [N.T. Aubigny-sur-Nere em Berry era um reduto dos Stuarts da Escócia desde a Guerra dos Cem Anos] – Temos ali uma loja de mais de vinte irmãos. E isso não é tudo: saiba que o grande Belzebu todos os maçons, que é o Dr. Desaguliers, está atualmente em Paris, e deve vir no dia primeiro a Aubigny para ali conduzir a loja. Então venha aqui, meu querido irmão, com a maior brevidade receber sua bênção. (…) ‘(9)
Montesquieu nunca foi a Aubigny, embora fosse assíduo nas colunas, tanto em Paris quanto em Bordeaux. No entanto, seu bem pouco discreto ativismo Maçônico não agradava a todos. Um ano antes da bula In eminenti do Papa Clemente XII, que condena e excomunga os maçons, o cardeal de Fleury, então, “Primeiro-Ministro” de Luís XV acreditava ver nas lojas – e ele não estava completamente errado – uma emanação do protestantismo ou do jansenismo. Ele escreveu ao intendente da Guiana, Bouchet: “(…) recebi (…) sua carta, Senhor, datada 6 deste mês sobre a Sociedade que chamamos Maçons Livres na qual M. de Montesquieu foi iniciado; ele ignora sem dúvida que o Rei desaprova fortemente esta associação e que ele não esteja mais aqui (…) você fez muito em defender M. de Montesquieu de se misturar ali e vos peço para fazê-lo saber, em especial as intenções de Sua Majestade. » (10)
Teoria de climas, Espírito das Leis e Vinho de Bordeaux
Duas lojas foram criadas em Bordeaux, uma dirigida por “Sr. Coulon, Mestre da Loja da cidade”, o outra por “Sr. Copz de Nopz, Rue Lictiere na casa do Sr. Ger, mestre da loja de Chartron” “(11). Estes são os veneráveis fundadores da Anglaise, chamada depois R.L Anglaise 204, fundada em 1732. “Finalmente Boucher convocou os veneráveis incriminados que prometeram “executar com submissão” as ordens ministeriais e não falar mais, no entanto, que a maçonaria continuou a se desenvolver e Montesquieu de praticar maçonaria. Além disso, como proibir uma sociedade à qual pertenciam vários ministros (Maurepas, St Florentin), um membro do Conselho de Estado, o marechal d’Estrée, Richelieu, vários intendentes e muitos duques e pares? Da qual o presidente Montesquieu era um membro e, talvez, o próprio rei? “, escrevia Charles Porset.
No entanto os traços maçônicos de Montesquieu se perdem após esta advertência que acontece no momento em que se afirmava o pensamento e a obra do filósofo. De resto, se a qualidade maçônica de Montesquieu é amplamente atestada, não se encontra nada em seus próprios escritos que confirme esse fato.
Em 1734, de volta a La Brede, ele publicou as Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e de seu declínio. Este sumário histórico é, no espírito das Cartas Persas, uma forma de colocar as questões políticas de seu tempo em uma perspectiva relativista. Então, quase dez anos depois de ter começado a escrever, ele publicou, primeiro anonimamente em 1748, a primeira edição de O Espírito das Leis, sua principal obra. Ele desenvolveu ali sua famosa “teoria dos climas”: “Os povos de países quentes são tímidos como são os velhos; os de países frios são corajosos como são os jovens. (…) “Apesar de, ou devido ao sucesso de seu livro que introduziu a análise do poder em termos de clima econômico, jurídico e social, Montesquieu se juntou em 1751 a Montaigne, Descartes e Pascal no índice de escritos proibidos pela Igreja Católica. Em particular se lhe censurava a expressão o “Espírito das Leis” que os funda nos fatores materiais compreensíveis e modificáveis e não na imanência divina. Sua obra lhe valeu uma glória imensa, especialmente na Inglaterra. O que, aliás lhe permite vender ali muitos barris de vinhos de Bordeaux.
Quando de sua morte em Paris em 10 de fevereiro de 1755, Montesquieu deixa uma fortuna tão considerável quanto sua obra. Esta virá a influenciar Marat, Condorcet, os pais da Constituição americana e tudo o que o mundo terá de liberais comprometidos com a democracia parlamentar. Pensador de sua separação, sua obra centra-se na análise jurídica dos poderes. Sem, contudo, imaginar um direito universal para as pessoas. Os direitos humanos no seu sentido moderno, lhe são estranhos. Isso não significa que Montesquieu era insensível às misérias do seu tempo tanto que as mostra, em uma reviravolta irônica, seus escritos sobre a escravidão que “(…) não é nem útil ao mestre nem ao escravo; a este porque ele nada pode fazer por virtude; e para aquele, porque ele contrata com os escravos todos os tipos de maus hábitos, que ele se acostuma insensivelmente à falta de todas as virtudes morais, que ele se torna orgulhoso, duro, irritado, voluptuoso, cruel. “(12)
Moderada em espírito como em seus gostos – nós rimos de um estilo de vida modesto considerada avarento – Montesquieu, como Montaigne acreditava ser o catolicismo útil para a ordem social. Ele morreu assistido por dois confessores jesuítas em Paris em 10 de fevereiro de 1755.
Bibliografia:
1 : Eyran : une Seigneurie et des dynasties Bordelaises, Stéphane de Sèze, Éd. Jean-Jacques Wuillaume,www.tracetavie.coma ser publicado no 2o semestre de 2016.
2 : Lettre à Solar de 7 março de 1749, citada por François Cadilhon, http://dictionnaire-montesquieu.ens-lyon.fr
3 : Monique Brut-Moncassin, « Montesquieu, ces dames et le vin », « Montesquieu en ses vignobles, Au fil des Pages, 2010
4 : Pensées, no 213, cité par F. Cadilhon, op.cit.
5 : Académie des Sciences, Belles-Lettres et Arts de Bordeaux, catálogo dos manuscritos da antiga Academia, 1712-1793, Imprimerie Gounouilhou, 1879, p. 16.
6 : The British Journal, 16 mai 1730, cité par Charles Porset,” Montesquieu, Charles de Secondat, baron de la Brède et de Montesquieu (1689-1755) », dans Charles Porset et Cécile Révauger, Le Monde Maçonnique des Lumières (Europe-Amériques-Colonies) Dictionnaire prosopographique, Paris, Champion, 2013, III, 2010-2016.
7 : Id.
8-9 : Ibid.
10 : Sur la franc-maçonnerie à Bordeaux voir Florence Mothe, Lieux symboliques en Gironde, Éd. Dervy 2013
11 : Charles Porset, op. cit
12: Do Espírito das Leis, livro XV, cap. 1o.
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