A MAÇONARIA E O APOSTOLADO: LEDO X BONIFÁCIO
Publicado em por Luiz Marcelo Viegas
Em sessão realizada no dia seguinte ao de sua posse, em 05 de outubro de 1822, D. Pedro, o novo Grão-Mestre do Grande Oriente Brasílico, foi saudado pelo Brigadeiro Domingos Alves Branco Muniz Barreto, de modo inflamado, prevenindo-o “contra os coléricos, os furiosos” e “os embusteiros” que, “para seus sinistros fins particulares, buscam minar o edifício constitucional”.
Essa já era uma previsão do golpe que estava sendo preparado e iria ser desfechado por José Bonifácio e seus simpatizantes. Seria a sessão seguinte, de 11 de outubro de 1822, a 19ª e última do Grande Oriente Brasílico em sua primeira fase. E foi essa, também, a última sessão presidida por Dom Pedro, um dia antes de sua aclamação como Imperador, realizada em 12 de outubro de 1822.
Três dias depois da aclamação, em 15 de outubro de 1822, um grupo a serviço do Ministro rancoroso e vingativo, “colérico e furioso”, passou a espalhar o boato de que Ledo e seus simpatizantes pretendiam provocar uma completa reforma no Ministério, com o afastamento dos Andradas. Foi o suficiente para que fossem expedidas ordens ao Intendente de Polícia para exercer severa vigilância sobre os “perversos carbonários e anarquistas”. E, apenas 18 dias depois de ter sido empossado no cargo de Grão-Mestre, o então Imperador, envolvido pelas intrigas de José Bonifácio, dirigiu a Gonçalves Ledo o seguinte bilhete, em 21 de outubro de 1822:
“Meu Ledo, convindo fazer certas averiguações, tanto públicas como particulares na Maçonaria, mando, primo como Imperador, segundo como Grão-Mestre, que os trabalhos Maçônicos se suspendam até segunda ordem minha. É o que tenho a participar-vos. Agora, resta-me reiterar os meus protestos como Irmão.” Pedro Guatimosim G∴M∴.
P.S. – “Hoje mesmo deve ter execução e espero que dure, pouco tempo, a suspensão porque, em breve, conseguiremos o fim que deve resultar das averiguações” (Documento encontrado no arquivo do Castelo D’Eu).
Mas Gonçalves Ledo não cumpriu a ordem. Preferiu entender-se com o Imperador e Grão-Mestre, que reconheceu ter sido vítima dos ódios do seu próprio Ministro, aumentado pelos zelos de haver a Maçonaria conferido a ele, Chefe de Estado, o Grão-Malhete. Assim, resolveu o Imperador mudar de rumo, ordenando que o Grande Oriente prosseguisse nos seus trabalhos e cessassem as perseguições. E, no dia 25 de outubro de 1822 (quatro dias depois da interdição), mandou entregar a Gonçalves Ledo um bilhete, que, por ser um precioso documento para a História da Maçonaria Brasileira, transcrevemos abaixo:
“Meu Irmão: Tendo sido, outro dia, suspensos nossos augustos trabalhos pelos motivos que vos participei, e achando-se, hoje, concluídas as averiguações, vos faço saber que, segunda-feira que vem, os nossos trabalhos devem recobrar o seu antigo vigor, começando a abertura pela Grande Loja em Assembleia Geral. É o que por ora tenho a participar-vos para que, passando as ordens necessárias, assim o executeis. Queira o S∴A∴do U∴ dar-vos fortunas imensas, como vos deseja o vosso I∴P∴M∴R∴ (Irmão Pedro Maçom Rosacruz)”.
Desse modo, por ordem de Dom Pedro a atividade do GOB ficou suspensa, apenas, por sete dias.
Vendo-se desprestigiado com o apoio dado pelo Imperador a Ledo, José Bonifácio pediu demissão do cargo de Ministro, no mesmo dia do bilhete de Dom Pedro a Gonçalves Ledo autorizando o reinício dos trabalhos do GOB, em 25 de outubro de 1822. Acompanhou-o, na demissão, o Irmão Martim Francisco.
Bonifácio, ressentido pela Exaltação de D. Pedro e por sua destituição sumária do Grão-Mestrado, em favor de D. Pedro, tudo obra do Ledo, ele, juntamente com seu irmão, Martim Francisco, e mais alguns maçons, saiu do GOB e fundou uma nova sociedade secreta, meio maçônica e meio carbonária chamada de O Apostolado.
José Bonifácio, que viajara por todos os países onde a “Carbonária” lançara os seus tentáculos, deixara-se empolgar pelo sistema de organização da poderosa sociedade, mas simplificara-o de acordo com as possibilidades do momento. Suprimiu, por exemplo, o “Triunvirato”, nas organizações europeias, o centro nervoso, donde provinham as ordens mais importantes.
As pequenas assembleias locais (Decúrias), embora pretendessem corresponder às “Lojas Maçônicas”, é melhor compreendê-las na categoria de “Choças”, já que os seus altos dignitários não eram eleitos, e, sim, designados dentre as “Colunas do Trono”, nome dado aos membros da original sociedade.
No dia 29 de outubro de 1822, apareceu uma proclamação elaborada pelos membros do Apostolado, exigindo a volta dos Andradas. O Imperador (sempre indeciso e volúvel), devidamente “trabalhado” pelo grupo de José Bonifácio, interessado em seu retorno, conseguiu recolocar os Andradas no poder, de acordo com o Decreto de 30 de outubro de 1822 (Nabuco – Legislação Brasileira – Tomo III, pág. 347).
O ciúme entre o Grande Oriente e o “Apostolado” entrou em sua fase mais crítica e delicada. Ambas as Sociedades procuravam monopolizar as simpatias de D. Pedro, sem que este resolvesse pronunciar-se por uma delas.
Fervilhavam as intrigas políticas e insinuavam-se conspirações ora de uma, ora de outra parte, o que devia causar em D. Pedro grande sensação de mal-estar. Se era a independência do país que todos almejavam e, sobre isso ele não tinha dúvida, por que, então, envolviam-se em lutas estéreis ao invés de o ajudarem a realizar a obra que tinham em mente?
Diziam os do Apostolado: “Nós queremos a independência sob a forma de Regime Monárquico, enquanto o Grande Oriente conspira para implantar a República”. Essa insinuação, que era quase uma denúncia, iria ser o calvário do GOB que, devido a essas intrigas, teve suspensos os seus trabalhos pelo seu próprio Grão-Mestre.
O primeiro passo de José Bonifácio foi ordenar a prisão de todos os que considerava seus inimigos – Ledo e os seus partidários (Portaria de 11 de novembro de 1822).
A esse respeito, o Irmão Kant (Cônego Januário da Cunha Barbosa) escreveu a Ledo no dia 30 de outubro de 1822:
“Ledo, escrevo, na contingência de ser preso pelos agentes dos Andradas. José Bonifácio nos intrigou com o Imperador, convencendo-o de que somos republicanos e queremos a sua morte e expulsão. Sei, pelo Clemente, que a ordem de prisão já está lavrada. Esse homem, que se tem revelado um tigre, “que não fez a independência, que a impediu até o último instante”, e que somente a aceitou quando a viu feita, agora, procura devorar aqueles que tudo fizeram pela Independência da Pátria, que a conseguiram com os maiores sacrifícios. O Drummond disse que o déspota faz questão de prender a você para enforcar.
Lembre-se do que ele disse na Igreja de São Francisco. Não se exponha, não apareça na Corte, pois o grande ódio dele recai sobre você, que foi, como Dirigente da Maçonaria, o principal obreiro, o verdadeiro construtor de nossa Independência.”
Essa foi a primeira e a última vitória do “Apostolado”, porque, embora encerrados os trabalhos do GOB, muita coisa ainda seria capaz de influir no ânimo de D. Pedro.
Certo dia, chegou ao Palácio uma carta anônima, escrita em Alemão, trazendo a nota de urgente no envelope. D. Pedro pediu à Imperatriz que a traduzisse, o que mostrou uma grave denúncia! O Apostolado tramava contra a vida do seu Arconte Rei, o próprio Imperador. Nesse mesmo dia, D. Pedro mandou chamar o seu Ministro José Bonifácio ao Palácio, por volta das 18h. Sem nada mencionar a Bonifácio, D. Pedro ordenou-lhe que o esperasse, pois estava de saída, que não seria demorada.
Coberto por espesso capote, montou um cavalo sem ferraduras e dirigiu-se ao Quartel de Artilharia Montada de São Cristóvão, donde, juntamente com o seu Comandante Pardal, oficiais de confiança e cinquenta soldados, todos encapotados e bem armados, partiram para a Rua da Guarda Velha, no Centro na Cidade do Rio de Janeiro. O Imperador bateu à porta, com a senha da ordem. O porteiro, embora conhecendo D. Pedro, vacilou em abrir-lhe a porta, sendo, rapidamente, seguro, o mesmo acontecendo ao segundo porteiro.
Era costume, na chegada de um membro da Sociedade, como sinal de ordem, levantarem-se todos os presentes e puxarem do punhal. Ordenando que os que o acompanhavam permanecessem no vestíbulo, o Arconte Rei caminhou em direção ao trono, donde Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado presidia os trabalhos. De imediato, este lhe ofereceu a cadeira e se preparou para juntar e guardar os papéis referentes aos trabalhos da Sessão, que nada mais tratavam senão do plano de conjuração e das propostas dos membros da Sociedade a esse respeito, sendo impedido pelo próprio Imperador, que lhe tomou tais papéis. Em seguida, D. Pedro dirigiu-se aos presentes, dizendo: “Podem retirar-se, ficando cientes de que não haverá mais reuniões no “Apostolado” sem minha ordem”. E não se realizaram mais reuniões, nem tampouco prisões. Assim, acabou a “Nobre Ordem dos Cavaleiros de Santa-Cruz”, ou seja, o Apostolado. E, de novo, José Bonifácio foi demitido de seu cargo de Ministro.
Essa era a represália do Grande Oriente, que conseguiu, assim, acabar com o “Apostolado”.
Autor: Antônio Fadista
Fonte: Revista Arte Real
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