sexta-feira, 1 de junho de 2018


OS SÍMBOLOS SAL, ENXOFRE E MERCÚRIO DA CÂMARA DE REFLEXÕES, E A SUA GÊNESE E INTERPRETAÇÃO NO REAA

Por Joaquim G. Santos

Sendo a Iniciação Maçônica um exemplo tipico de Rito de Passagem, a mesma obedece sempre a uma estrutura ternária, em cuja fase preliminar, ou de separação, se isola o candidato do mundo que o rodeia, preparando-o para a fase central da cerimônia, dita liminar ou de margem, na qual se dá a transformação ontológica que permitirá a sua agregação ao novo grupo, que neste caso é a Loja.O modo como se efetua esta separação difere consoante o Rito Maçônico praticado. Assim, enquanto que nos Ritos Anglo-Saxônicos a mesma se concretiza pela passagem do profano por um simples recinto fechado e pouco iluminado, nos Ritos Continentais, este habitáculo, encontra-se também decorado com determinados objetos, de caráter simbólico, destinados a favorecer a reflexão do candidato, preparando-o para o que irá ouvir, na sua recepção em Loja.Distinguem-se, neste último caso, a Câmara de Preparação do Regime Escocês Retificado, da Câmara de Reflexões dos Ritos Francês, Escocês Antigo e Aceito e, Antigo e Primitivo de Memphis-Misraim.Se no Regime Retificado a meditação do candidato é apenas suportada pela presença da Bíblia e, de um quadro alegórico relativo à brevidade da vida humana, na Câmara de Reflexões dos restantes Ritos Continentais são vários os símbolos presentes, complementando-se ainda os mesmos com mensagens inscritas nas paredes da divisória em questão.Entre estes elementos figuram correntemente, dispostos sobre uma mesa, recipientes contendo Sal,Enxofre e, eventualmente, Mercúrio. A interpretação destes símbolos é quase consensualmente associada a princípios Herméticos, apresentando, pois, uma origem alquímica, à semelhança da inscrição “VITRIOL” , também frequentemente presente em uma das paredes da Câmara.Esta referencia consiste no acrônimo de uma expressão latina muito utilizada na iconografia alquimista: “Visita Interriora Terrae Rectificando que Invenies Occultum Lapidem” 

– (Visita o interior da Terra e purificando encontrarás a pedra escondida). Atribui-se a origem desta expressão iniciática a um alquimista alemão do século XV, cujo nome hermetista foi Basile Valentin. Este monge beneditino, fiel na tradição alquimista e cabalista, multiplicou nas suas obras as chaves, alusões, jogos de palavras, acrônimos, fábulas e, alegorias, tornando os seus textos impenetráveis aos profanos curiosos.Se esta interpretação alquímica dos símbolos Sal, Enxofre, e Mercúrio se torna hoje indiscutível no REAA, tendo mesmo migrado para os Ritos Egípcios, e até para o atual Rito Francês Groussier, será a mesma a original do Rito ?Ou estaremos, pelo contrário, perante uma evolução do conceito de Câmara de Reflexões do REAA, a qual se terá vindo a enriquecer mediante a inclusão de novos símbolos, provenientes de diversos sincretismos de origens multi-culturais, até ao ponto de se tornar no modelo da Câmara de Reflexões Maçônica ? A resposta a esta questão obriga-nos a recuar aos primeiros vestígios de prática de uma fase de separação deste tipo, os quais, no caso da Maçonaria Francesa, remontam a 1737.Na mais antiga divulgação publicada neste país, denominada de “Recepcion d’un frey-maçon” ,documento este transcrito do relatório do tenente de policia Herault, é referido que no decurso de um a cerimônia de Iniciação, o candidato era conduzido pelo seu Padrinho a uma divisória privada de luz,na qual era interrogado no que concerne à sua vocação para ser Maçon. Caso persistisse na sua decisão, era preparado para a entrada em Loja, por meio da recolha dos Metais, da privação da vista pela imposição de uma venda, e da materialização do estado “nem vestidonem despido” .O sentido simbólico deste procedimento encontra-se revelado no Catecismo de Aprendiz do maisantigo ritual francês conhecido (Ritual de Luquet , 1745), no seguinte excerto:

“P: Onde foste preparado para entrar em Loja ?R: Nas Trevas.P: Porquê ?R: É para me recordar o caos donde tudo foi tirado.” 

Encontramo-nos, pois, perante uma exploração simbólica da ausência de iluminação, que confirma o caráter essencial assumido pelo mito da dualidade entre a Luz e as Trevas, como suporte dos Trabalhos da emergente Maçonaria Francesa, bem como a intenção clara de provocar no candidato uma preparação adequada à cerimônia na qual iria participar. 

Estes dois aspetos são-nos confirmados pelo Abade Pérau, na sua divulgação “Le Secret des Francs-Maçons” , de 1742, na qual é referido“onde não deve haver nenhuma luz o que em todo o caso exprime já uma simbólica, e o desejo de colocar o recipiendário num estado psicológico apropriado” .

O Quarto Escuro”, como é denominado em algumas fontes da época, irá complexar-se pela inclusão de elementos tais como um livro de orações, ou de imagens alusivas à morte. Constitui um exemplo do primeiro caso o “Ritual de Uzerche” , datado de 1780, e uma referência do segundo aspeto o “Ritual do Duque de Chartres” , datado de 1784.É contudo com a fixação do Rito Francês, em 1786, que encontramos uma descrição pormenorizada de uma Câmara de Reflexões próxima das atuais. De acordo com o “Régulateur du Maçon” , publicado em 1801, “

Esta câmara deve ser impenetrável aosraios do dia e iluminada por uma única lâmpada. As parede serão pintadas de negro e carregadas deemblemas fúnebres capazes de inspirar o receio, a tristeza, e o recolhimento. Frases de uma moral pura, máximas de uma filosofia austera serão traçadas legivelmente sobre as paredes, ou suspensasemolduradas em diversos pontos deste isolamento. Um crânio, ou mesmo um esqueleto, se se puderobter um, recordarão ao neófito as coisas humanas.Não deve haver neste quarto mais do que uma cadeira, uma mesa, um pão, um copo cheio de água,sal e enxofre em duas taças, papel, penas e tinta.Sobre a mesa serão representados um galo e uma ampulheta. Debaixo destes emblemas colocar-se-
á as palavras VIGILÂNCIA E PERSEVERANÇA”. 

Constatamos, assim, que na Câmara de Reflexões original do Rito Francês se encontram presentes o Sal e o Enxofre, mas não existe qualquer referência ao Mercúrio e ao "VITRIOL”  , correntemente utilizados no REAA, bem como nos Ritos Egípcios.Nos primeiros Rituais dos Graus Simbólicos do REAA, datados de 1804, e publicados em 1820, numa coletânea denominada de “Guide des Maçons Écossais” , consta da Cerimónia de Iniciação a passagemdo Postulante pela Câmara de Reflexões. Não figura, contudo, no Ritual do Primeiro Grau, qualquerreferência aos objetos a considerar na mesma, ou à interpretação dada a este procedimento liturgico. A única alusão conhecida à Câmara de Reflexões original do REAA encontra-se num dos vários rituaismanuscritos existentes, posteriores a 1804 mas anteriores ao“Guide des Maçons Écossais” 
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