domingo, 5 de novembro de 2017


O GRAAL, BUSCA CRISTÃ E TEMPLÁRIA, O ENIGMA A DECIFRAR


Tradução José Filardo
Publicado 31 de outubro de 2017-porJean Poyard



Poucos símbolos tiveram tanto apelo sobre o homem quanto o Santo Graal que não cessou de solicitar as melhores mentes durante séculos. E ainda hoje ele interroga o homem do nosso tempo. Isso se explica na medida em que ele se refere a uma realidade espiritual que constitui o fundamento do universo e do homem e que pode ser rastreada em todas as tradições. Assim, o Graal é uma palavra conhecida de todos. Mas a palavra não é a coisa. Até onde ela é realmente conhecida?

O Graal, um tesouro a descobrir

Textos que nos falam do Graal e da espiritualidade templária existem em número considerável. No entanto, uma impressão estranha permanece, de que nem tudo foi dito sobre estas duas questões que constituem os dois lados de uma mesma moeda. É em torno desta palavra templária do Graal a ser decifrada que dedicamos um livro, não para esgotar o assunto, mas para nos aproximar de sua realidade secreta de uma perspectiva cristã e templária que relatamos neste artigo.

Pela própria natureza das coisas, as representações simbólicas em que se baseia o Graal são múltiplas e sempre significativas, quer se tratando de um cálice, de uma pedra preciosa de extrema pureza, ou ainda de um livro. As virtudes atribuídas ao Graal são frequentemente aquelas atribuídas à Pedra Filosofal. O Graal é alimento para o corpo e a alma, força de regeneração e de metamorfose através da palavra, enfim, experiência iluminadora. Descobri-la é uma façanha. Em todo caso, trata-se de um tesouro que se descobre em um local reservado, ao final de uma pesquisa exigente e que se diz perigosa, depois de um processo de auto-transformação. Entendamos como uma iniciação.

As fontes do Graal são múltiplas. Para alguns, ela encontra sua origem na tradição celta onde é chamada de “matéria da Bretanha”. Para outros, ela é de origem oriental, transmitida principalmente através do cadinho do Islã. Sem esquecer seus vínculos com os Mistérios de Mitra de que falamos em nosso livro, O Maniqueísmo e a Espiritualidade dos Cátaros. Mas é também para a Grécia e a espiritualidade de João que voltaremos hoje o nosso olhar. Vamos descobrir os símbolos “Pitagóricos”, de “arcanos muito elevados e mistérios horríveis” (1).

Assim, é possível aplicar ao Graal os princípios de uma “teologia negativa” segundo a qual, na verdade, Deus não é isso, e ele também não é aquilo. É, portanto, por uma “douta ignorância”, cara a Nicolas de Cusa, que é possível aproximar-se do conhecimento do Graal, que não é isto e também não é aquilo. Porque “se alguém acredita saber alguma coisa, ele ainda não conheceu como convém conhecer” (2).

Assim o Graal é como uma árvore cujo tronco essencial é o da Tradição imemorial, transmitida de geração em geração e que se especifica por seus ramos no tempo e no espaço. Se o Graal é muitas vezes simbolizado por um Cálice, que é aquele do Ser, é o mesmo que São João segura na iconografia cristã, o Graal também é semelhante à circunferência de um círculo que é oferecido por sua própria natureza a uma infinidade de olhares, mas que é armado a partir do interior por seu ponto central onde está o conhecimento vivo e secreto, a Gnose. Este ponto é o Graal da condição humana em que reside o mistério do “Eu sou” do homem real, realizado. Encontramos aqui a injunção solene, transmitida por Sócrates, do “conheça-te a si mesmo.” E ele é o Logos, a centelha cristã, da qual brotam todas as coisas e para a qual tudo converge, a respeito da qual uma antiga máxima tradicional diz: “conheça isso, e pelo qual conhecerás o Todo.” Assim o Cálice do Graal deve ser também entendido no sentido geométrico do termo.

O Graal, força cristã de metamorfose do homem

É no mesmo espírito de busca que devemos considerar o significado desta Palavra, Graal, misterioso entre todos, que nos é dito que seria de origem desconhecida (3)O que é, em última análise, reconfortante! Isto significa que a única erudição não seria levar em conta a realidade espiritual do Graal que apela a um pensamento meditativo da parte do pesquisador. O Graal está além apenas da razão e da fé simples, em uma unidade mais alta que é a da Gnose. Ele permanece inacessível à única compreensão intelectual, apesar de que uma boa razão seja indispensável e constitua uma bússola preciosa para não ficar perdido em meandros intermináveis. Porque se o homem deve ter a cabeça no sol, de acordo com a mensagem de são João, ele deve também ter os pés na terra.

Várias etimologias foram propostas sobre a palavra “Graal”, que estão longe de esgotar o significado. Apesar das pesquisas mais eruditas, a Palavra, Graal, que surgiu no século XII, permanece em última análise “misteriosa”. Assim, “gresal” do Latim “cratalem” (4) tem o sentido de copo e de vaso, aquele mesmo no qual José de Arimatéia recolheu o sangue de Cristo; “grael” também tem o sentido de grau ou de escala, o que está de acordo com o símbolo de uma realidade superior àquela que se atinge gradualmente na escala de Sabedoria. Esta mesma palavra ainda designava um livro, o Alto Livro do Graal certamente. Todas estas etimologias estão de acordo para nos dizer que não pode haver a Busca do Graal sem a elevação do nível de ser do homem, sem a consciência superior realizada, sem ultrapassar a nós mesmos. Assim, as cinco letras do Graal estão enraizadas no Pentagrama humano em devir.

Mas é, sem dúvida, do grego, “cratère”, que se representa mais de perto a realidade do Graal considerada como um mistério da transformação humana. Uma “cratère”, palava que significa vaso para misturar (5) designava na Grécia um copo de beber no qual eram misturados o vinho e a água. Esta mistura dos dois líquidos traduz um princípio de harmonia, unidade do céu e da terra. Desde a Grécia, ele constitui uma evocação da dupla natureza, ao mesmo tempo divina e humana, do Cristo e do verdadeiro homem. O vinho é uma bebida fermentada, que tem o fervor, e que, em muitas tradições, simboliza o conhecimento superior. Ele é o símbolo de uma bebida de imortalidade que o homem só pode beber se ele mergulha na cratera do espírito, como a nos convidar para um diálogo entre Thoth e seu discípulo (6).

Aqui nós abordamos a questão central do Graal, a morte do “homem antigo” e seu renascimento no “novo homem”. Este é o tema do “segundo nascimento” segundo o espírito, que foi objeto de um diálogo famoso entre Jesus e Nicodemos (7), ocorrido à noite para nos dizer que este se trata de um evento de natureza esotérica. Conhecemos a pergunta de Nicodemos, que consiste em saber se é possível para o homem envelhecido, renascer e para isso repassar pelo ventre de sua mãe. E nós conhecemos a resposta de Jesus. A questão é saber se é possível transformar uma impossibilidade natural em uma possibilidade sobrenatural. E, se isso é possível, como fazer? É portanto, para São João, o apóstolo da Palavra, que está no Começo e que tem, por isso o cálice do Graal em suas mãos, que devemos igualmente mergulhar o nosso olhar. O Cálice do Graal é, assim, o símbolo do eu verdadeiro do homem oculto pela máscara da personalidade não evoluída, que deve ser purificado, cinzelado, elevado e enobrecido e em última análise, transmutado para que a Águia, magnetizada pelo desejo e o trabalho do homem em si mesmo, pudesse surgir do céu para ali estabelecer permanentemente a sua casa.

Em nosso livro, recorremos a um certo número de fontes fundadoras da lenda do Graal, incluindo o Parzival de Wolfram von Eschenbach. Mas atribuímos uma importância muito particular ao Conto do Graal de Chrétien de Troyes. Este é um livro de alta tradição que nunca foi realmente objeto de um aprofundamento sistemático sob um ângulo esotérico e cristão. Um estudo do texto, conduzido passo a passo, destaca a estrutura íntima de um drama trinitário cristão que é o da evolução do homem e da humanidade em marcha em direção ao Paracleto. Os três reis do Conto do Graal simbolizam três degraus essenciais da iniciação do homem assim como da evolução da história, na esteira de Joaquim de Flore, que desempenhou um papel importante na espiritualidade do Templo e na tradição do Graal. Portanto, o nome enigmático “autor” do Conto do Graal, de quem nada sabemos sobre a sua identidade secular assume uma forma de toma forma de enigma figurado. Ele se diz cristão, e isto deve ser entendido literalmente. E ele é, consequentemente de Três. Conforme assinado por sua Cifra.

Assim, podemos acompanhar o que chamamos de Perceval, o homem “nascido duas vezes” espiritualmente, em sua ascensão ao Castelo do Graal, que não aparece, naturalmente, em nenhum mapa. Nós o acompanhamos em um processo de conhecimento que se realiza no amor, em um caminho semelhante ao de que nos fala Dante na Divina Comédia. Nós também enfatizamos que este caminho corresponde a uma dupla iniciação: primeiro cavalheiresca, as armas à mão, matizada de proezas temporais. Depois de natureza mística, isto é, relativa aos mistérios, em um caminho interiorizado que o conduz ao encontro de Cristo. Nós mostramos que este caminho é semelhante ao da iniciação templária conforme foi caracterizada por São Bernard em seu Elogio da Nova Cavalaria, texto fundador de que fizemos um comentário aprofundado (8).

Apelamos igualmente a elementos da Cabala, bem como do Evangelho de Nicodemos, também chamado Atos de Pilatos. Considerado justamente como uma das fontes do Graal, este texto apócrifo, etimologicamente considerado secreto, apresenta Nicodemos e José de Arimatéia no momento crucial do sepultamento do corpo de Cristo após o Gólgota. Convém se questionar sobre a presença enigmática desses dois atores que intervêm conjuntamente, segundo o Evangelho de João, para este ato central do sepultamento do corpo do Cristo. Entendamos, igualmente, do corpo de Cristo, que cabe a cada um revelar.

O Graal e o Templo

A Idade Média cristã, particularmente nos séculos XII e XIII, não foi uma “Idade Média”, mas uma idade central no futuro do cristianismo. Foi uma época de ouro que fiu florescer a lenda do Graal, as Artes Liberais, elevarem-se as catedrais nos céus da Europa, nascer e se difundir a presença civilizadora do Templo tão crucial nessa encruzilhada de civilizações, em estreita ligação com o Oriente. Algumas datas nos ajudarão a entender as origens da história deste momento crucial. Recordemos que o templo foi oficialmente fundado em 1128 no Concílio de Troyes, sob o alto patrocínio de São Bernardo, e que se extingue repentinamente no plano físico em 1312, sem nunca ter sido julgado, após a prisão maciça dos Templários na fatídica manhã de 13 de outubro de 1307 e as torturas que conhecemos.

Mas essas datas constituem um cadinho histórico em que devia florescer e se ocultar a própria lenda do Graal, os principais textos já estando escritso em meados do século XIII. É apenas cerca de trinta anos após a fundação do templo que os escritos de Chrétien de Troyes aparecerão, embora indícios fossem no sentido de que o autor da história do Graal pertencia ao Templo. Em seu Parzival, que data de cerca de 1202, Wolfram von Eschenbach, ele mesmo um Templário, não hesitou em afirmar que o Graal foi confiado à guarda dos Templários (9).

Tudo converge para nos dizer que o Templo foi a luz desta época. A lógica da história nos diz que ele foi secretamente a inspiração, ou o “patrocinador” dos textos do Graal, assim como o aumento das catedrais. Os textos do Graal são no plano literário o que as catedrais são na arquitetura. O Templo precisava de uma “expressão literária” para difundir sua vibração espiritual e uma parte de seu ensinamento aos olhos de todos, embora discretamente. Há até mesmo uma vocação entre a pedra ogival, a lenda do Graal e o gesto do Templo: aquele de encarnar o mistério de cristo na história. Como “Guardiões da Terra Santa,” a ser entendido em diversos planos, os Templários, atualizaram por força de seu ideal, o Mistério do Gólgota no coração da Idade Média, colocando seus passos nos de Cristo, até o sacrifício supremo.

Custodiantes do conhecimento esotérico, o Templo tinha a vocação de conciliar o espiritual e o temporal em uma unidade mais alta, que é a do Templo eterno. Há, portanto, na cúpula da arquitetura humana, um Ponto que é a fonte única e a única fonte dos três princípios cósmicos que são o espírito, a alma e o corpo. É para esse Ponto central, que também é uma pedra angular, que convergem toda a sabedoria, toda a beleza e toda a força. Este Ponto é o Graal da condição humana realizado na esperança do Paracleto. Porque o Templo é onde está o verdadeiro homem. É na transmutação da natureza humana que reside uma possível metamorfose do mundo. É nesta unidade do homem realizado nos três planos que entendemos a missão do Templo eterno, que é fazer da Jerusalém terrena uma terra cristianizada que esteja em uníssono com a Jerusalém celeste.

O Graal, uma pergunta para o nosso tempo

Alguns espíritos poderiam se surpreender que a Questão do Graal, surgida no século XII, ainda seja relevante em um momento em que a humanidade está enfrentando turbulência e dramas consideráveis que ameaçam a sua própria sobrevivência. Hoje, o equilíbrio entre o espiritual eo temporal, ameaça se romper, o que representa uma grande ameaça para a nossa civilização, que se tornou global e tão brilhante. Em outras palavras, é o Graal um assunto ultrapassado no mundo técnico e científico de hoje? Ou, a contrário, é de natureza a fazer reviver a cultura e espiritualidade do nosso tempo? É especialmente a esta questão nos esforçamos para responder afirmativamente em nosso trabalho, tirando ensinamentos do Graal para o mundo de hoje.

Os templários foram os precursores e eles o demonstraram em muitas áreas da civilização. É por isso que este Segundo Templo (10), nas palavras de São Bernardo, tinha João Batista como santo padroeiro. Os Templários inscreveram seu gesto não só para o seu tempo, mas também para uma outra época que se abre hoje diante de nós. Em muitos aspectos, o século XXI que avança sob nossos pés é um século precursor que pede uma nova Busca pelo Graal realizada por homens e mulheres de um novo calibre, capazes de guiar o barco da opinião pública mundial por meio de aviso de tempestade. Nosso tempo é um tempo de equinócio, perturbando as condições culturais, bem como climáticas de nossas vidas. É um momento de revelação, a luz devendo se fazer em todos os domínios, na esperança de um Terceiro Templo. O homem está marchando em direção ao verdadeiro Homem, que é a pedra angular do futuro da humanidade . Porque é sempre o homem que encontramos nas encruzilhadas da história. Nesta perspectiva, o Conhecimento vivo, que chamado de Graal, ou ainda de Gnose é o sacramento que pode conduzir a humanidade até o porto de salvação.

O Templo do Graal (Image: selos Templários)

O Universo é composto por três planos fundamentais, existindo o espírito, a alma e o corpo, geometricamente simbolizado pelo círculo, o triângulo e o quadrado. Estes são, igualmente, os três planos fundamentais que compõem o Microcosmo humano. É nesta unidade realizada que reside o Graal da condição humana. E é também a arquitetura fundamental do Templo. Este é um dos significados do selo principal de dois cavaleiros sobre um mesmo cavalo. Longe de ser um símbolo dualista, como se diz, por vezes, ele constitui, ao contrário, um símbolo de unidade entre duas realidades que são considerados muitas vezes como irredutíveis uma à outra: o espírito e o que chamamos às pressas de matéria. Este selo principal toma geometricamente sua origem no símbolo triângulo e do quadrado “colocados” e unificados no círculo. Aqui encontramos as raízes pitagóricas do Templo.



Notas:

1: Rabelais, La vie très horrifique du grand Gargantua père de Pantagruel. Prólogo do autor. Obras Completas. Texto preparado por Guy Demerson. Editions du Seuil. Paris. 1973.

2 : I Corintos, VIII, 2.

3 : Littre (E.). Dictionnaire de la langue française. Paris. Librairie Hachette, 1876.

4 : Greimas (A. J.) Dictionnaire de l’ancien français. Paris, Larousse. 1968.

5 : Littre (E.). Dictionnaire de la langue française, Paris. Librairie Hachette. 1876.

6 : Hermès Trismégiste, D’Hermès à Tat ou la Monade, dans Corpus Hermétique, tome IV. Traduction A.J. Festuguière. Parsis. Les Belles Lettres. 1972.

7 : João, III, 3-5

8 : Bernard de Clairveaux (saint Bernard), Éloge de la nouvelle chevalerie, introductions, traductions, notes et index par Pierre-Yves Émery, Paris, Cerf, 1990. Cf Capítulo VII de nosso livro: Meurs et deviens.

9 : Eschenbach (W.von), Parzival, Livre IX, p 36, traduction, introduction et notes d’Ernest Tonnelat, Paris, Aubier Montaigne, 1977.

10 : Bernard de Clairvaux (saint Bernard), Éloge de la nouvelle chevalerie, introductions, traductions, notes et index par Pierre-Yves Émery, Paris, Cerf. 1990


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