São João de Jerusalém, o Esmoler
A Maçonaria é uma doutrina filosófica assentada em princípios éticos e morais e traz em seu bojo aspectos que o tempo moldou no campo científico, místico, esotérico, filosófico e religioso. Sofreu as mais diversas influências culturais, principalmente dos povos da região da mesopotânia e dos egípcios e, mais tarde dos gregos e romanos.
No hemisfério sul há carência de documentos, obras literárias e científicas bem fundamentadas sobre a Arte Real para serem manuseadas e analisadas.
As potências maçônicas possuem suas escolas de estudos, de perfeição, capítulos, conselhos, consistórios e, também, uma quantidade enorme de curiosos dentre os quais me incluo.
É certo que o Maçom é livre pensador e que está sempre em busca da verdade e que essa verdade é sempre subjetiva mudando com frequência ao sabor do conhecimento ou do entendimento do pesquisador.
Ultimamente tenho observado dúvidas sobre quem dos São Joões é o Patrono ou Padroeiro da Maçonaria.
Existem muitas peças de arquitetura a respeito do assunto e, na mesma proporção, muitas dúvidas.
Fala-se em três Joões: João Batista, João Evangelista e João de Jerusalém, o Esmoler, sendo os dois primeiros mais famosos e ligados ao deus Janus e também ao Cristianismo.
De alguma sorte observamos que os princípios da Maçonaria estão atrelados às virtudes teologais: fé, esperança e caridade e tiveram, pelo menos no periodo monacal, grande influência da Igreja Católica.
São Bento de Núrsia
São Bento, nasceu em Núrsia no ano de 480 e faleceu em Monte Cassino no ano de 547. Era filho de família nobre romana e na sua juventude estudou em Roma. Fundou a Ordem monástica dos Beneditinos que embora vivessem reclusos se dedicavam à construção de Igrejas, Catedrais e Hospitais e, também, muito expressivamente às causas filantrópicas. A maçonaria operativa se divide em duas partes, o período monástico dos monges e o período dos construtores leigos.
Pouco depois da morte de São Bento, nasceu no ano de 550 d.c, em Amathunt, cidade de Chypre, na Itália, em Amanhut, na Ilha de Chipre, São João de Jerusalém, o Esmoler, também filho de família nobre, que se tornou o Patriarca de Alexandria. São João se dedicou inteiramente aos mais carentes a quem chamava de “meus senhores”. No período em que exerceu esse cargo se dedicou a reconstruir Igrejas destruídas no Egito e no Oriente Médio e também a construir hospitais para cuidar dos pobres.
Logo após sua posse, quando se assentou na cadeira de patriarca de Alexandria chamou os seus mordomos e lhes disse:
“Não é justo tenhamos cuidado de alguém primeiro de que Cristo ide pela cidade colher informações e organizai uma lista de todos os “meus senhores”.
Essa ordem surpreendeu aos auxiliares do ilustre prelado, pois ninguém sabia quais eram os senhores do patriarca e, indagado sobre isso disse:
“São os pobres porque eles me podem dar entrada no Reino dos Céus”.
Uma semana depois se preparou São João Esmoler, como fazia todos os dias, para receber as súplicas e remediar as queixas dos miseráveis e necessitados. Passaram-se várias horas e chegou a noite sem que ninguém o procurasse. Pôs-se o santo muito triste e pensativo, e, interrogado por um de seus íntimos, explicou:
“Hoje a ningém fiz bem, nem pude oferecer, em desconto de meus pecados, o mínimo sacrifício”. (1)
Segundo Alain Demurger, a construção dos primeiros hospícios ou hospitais foi estimulada pela generosidade e pela insistência dos fiéis e só foi alcançada através da assistência principesca (DEMURGER, 2002, p. 27-28). Em meados do século VI, o Patriarca de Alexandria, João o Esmoler, tinha criado e equipado inúmeras destas instituições. De acordo com o pesquisador Harrison Smith, ele auxiliou os pobres e aconselhou a todos aqueles que se abrigavam em seus domínios. Para João, não havia insignificância em qualquer pedido de caridade. Após o saque em Jerusalém, em 614, ele também prestou ajuda aos refugiados e enviou grandes quantidades de recursos para o alívio da cidade.[2]
Quase quinhentos anos após sua morte, os monges beneditinos, inspirados em sua obra fundaram, por volta do ano 1.070, a Ordem dos Cavaleiros Hospitalários, construindo hospitais e cuidando de enfermos e, principalmente dos feridos durante as lutas nas cruzadas. O Primeiro Grão-Mestre dessa Ordem foi Geraldo de Tun. Posteriormente, Godofredo de Bulhão dedica grande soma a fundação de um hospital que recebeu o nome de São João Batista, mas o nome desse santo nada tinha a ver com as questões da Hospitalaria.
Cavaleiro Hospitalário
A pesquisa sobre a origem dos Cavaleiros Hospitalários e a dedicação às causas da Hospitalaria e da benemerência envolvendo os monges beneditinos e São João Esmoler merecem ser feitas com carinho e dedicação, em um trabalho mais amplo, até porque mais tarde esta Ordem se transformou na Ordem dos Cavaleiros de Malta e dará origem às “Santas Casas de Misericórdia”, hoje, quase sempre, além da ajuda da Igreja, mantidas por beneméritos e pelo Estado.
Em nossas pesquisas encontramos referências feitas de forma incorreta sobre São João de Jerusalém. Algumas o citam como se tivesse deixado toda a riqueza para viver entre os cruzados e criar a Ordem dos Hospitalários e isso é totalmente inviável, pois viveu entre os anos de 550 e 619, na Ilha de Chipre.
Na verdade o que houve em 1070 foi a criação da Ordem pelos monges beneditinos tendo como base o exemplo de São João de Jerusalém, o Esmoler.
Há um mito também sobre João de Escócia. Diz-se mito porque não se encontra nenhuma base de sustentação para essa hipótese.
Os outros São Joões são santos bíblicos e a Igreja teve muita influência sobre os leigos na Idade Média.
É bom que se ressalte que nos primeiros séculos do primeiro milênio a Igreja teve um duro trabalho de convencimento diante dos romanos, principalmente aqueles ligados às legiões romanas, uma vez que se dedicavam ao mitraismo.
Nessa luta a igreja teve que adotar determinados costumes e incutir na cabeça dos soldados romanos a idéia de que Jesus havia nascido no mesmo dia em que nasceu o “Sol Invictus”. Aliás, a grande maioria dos deuses pagãos da antiguidade tinham seus nascimentos comemorados no Solstício de Inverno.
A Igreja católica adotou a Eucaristia, a Mitra, a Chave de São Pedro e vários outros simbólismos daquela religião, mantendo em substituição às chamadas festas saturnálias a comemoração das festas natalinas.
O Cristianismo, uma vez implantado, tratou de extirpar toda a tradição pagã até então existente em Roma, que era ditada pelo mitraísmo.
As festas solsticiais em homenagem ao deus Janus ocorriam em 21 de junho e 21 de dezembro, dias de entrada e saída do verão e inverno, respectivamente, no hemisfério norte. No hemisfério sul, ocorre o contrário.
Os santos bíblicos João Batista e João Evangelista estão ligados aos dois solstícios (verão e inverno). No primeiro (24/06) se comemora o nascimento de São João Batista e no segundo (27/12) se comemora o aniversário de João Evangelista.
As evidências da importância desses santos na maçonaria se dão por conta de serem famosos e representarem esses aspectos simbólicos e místicos.
São João Batista
São João Batista poderia ser chamado tranquilamente como o Patrono dos Aprendizes por representar “aquele que inicia”, ou seja, que batiza. Os aprendizes após iniciados tomam acento na coluna do norte, que é a coluna de São João Batista. Aliás, naquele mesmo lado do Templo está a coluna zodiacal de Câncer que também é representada como sendo a “coluna dos homens” e por ser onde na data (22/06) ocorre o Solstício de Inverno no hemisfério sul.
São João Evangelista
São João Evangelista, da mesma forma, poderia ser o patrono dos Companheiros por ser aquele que catequisa, que ensina. Os companheiros tomam assento na coluna do sul, que é a Coluna de João Evangelista e onde se situa a coluna de Capricórnio, que é a “coluna dos espíritos” e ali se dá o Solstício do Verão no hemisfério sul (21/12).
Aliás, há na maçonaria uma cena um tanto quanto estranha que é a de São João simbolizando aquele que trai e tem a cabeça cortada. São João Batista nunca foi um traidor, muito pelo contrário.
Pois bem, para finalizar a nossa simples pesquisa, deixamos bem claro que nenhum dos santos bíblicos está representado nas obras de filantropia ou de hospitalaria desenvolvidas pela maçonaria.
São João de Jerusalém, o Esmoler, é o patrono dos nossos Irmãos do Rito Adhoniramita e com razão, pelo que pude concluir, respeitando, logicamente aqueles que pensam de forma contrária. A maçonaria se dedica a fazer a humanidade feliz e a transformação espiritual do homem em direção à luz.
Era a esses irmãos que o Cavaleiro André Michel de Ransay se referia em seu famoso discurso de 26 de dezembro de 1736, onde disse:
“nossos antepassados, os Cruzados, reunidos de todas as partes da Cristandade na Terra Santa quiseram reunir assim, numa só Confraria, os indivíduos de todas as nações (....)”. Certo tempo depois, (a) Ordem se uniu aos Cavaleiros de São João de Jerusalém. Desde então nossas Lojas trouxeram todas o nome de Lojas de São João. Essa união foi feita a exempo dos israelitas, quando construiram o Segundo Templo. Enquanto manejavam a trolha e a argamassa com uma mão, traziam na outra a espada e o escudo.(....)[3]
Eis aí, portanto, a razão das Lojas maçônicas, até hoje, serem conhecidas como Lojas de São João.Vem desses irmãos cavaleiros, não só a tradição arquitetônica, propriamente dita, aplicada especialmente na construção de asilos, hospitais, mosteiros e outras obras públicas, mas principalmente a atuação filantrópica que se observa na Ordem maçônica. Tanto que Lojas de hoje ainda se mantém a tradição de nomear um irmão “hospitaleiro” para recolher as contribuições dos irmãos para o “hospital”. [4]
Assim, a história dos hospitais filantrópicos está intimanente ligado às origens e às tradições da maçonaria. Podemos dizer, sem nenhum constrangimento, que foi o braço filantrópico e piedoso dos irmãos cavaleiros que deram origem a esse importante equipamento de saúde, que ainda hoje responde por uma boa parte dos serviços médicos e assistenciais que servem à população carente do mundo ocidental.
Destarte, embora as Santas Casas de Misericórdias sejam, inegávelmente, uma concepção da Igreja Católica, delas não se pode isolar a valiosa contribuição maçônica. Principalmente nos dias de hoje, há uma grande participação da Ordem na gestão dessas entidades. Na grande maioria das cidades brasileiras são maçons os dirigentes das Misericódias. Esse é um trabalho que engrandece a maçonaria e enche os maçons de todo o mundo de justo orgulho.
É bom ressaltar que entre nós temos os nossos Irmãos Shiriners que se dedicam a essa área de filantropia.
Com base nas evidências apresentadas e nos trabalhos consultados posso afirmar que o nosso Patrono é São João de Jerusalém, o Esmoler.
Ir.´. José Roberto Cardoso-MM
Loja Estrela D´Alva nº 16 – GLMDF
BIBLIOGRAFIA:
1. Ritual do Aprendiz Maçom
2. Biblia Sagrada
3. Trabalho de pós graduação de Bruno Mosconi Ruy e Jaime Estevão dos Reis (UEM).
4. Trabalho do Ir.´. Hercule Spoladore – Loja de Pesquisas Maçônicas “Brasil”, intitulado “Santos Padroeiros da Maçonaria, seu simbolismo e sua relação com as religiões católica e pagã.
5. Bibliografia citada como referência de consultas no trabalho de pós-gradução:
DEMURGER, Alain. Os cavaleiros de Cristo: templários, teutônicos, hospitalários e outras ordens militares na Idade Média (séculos XI – XVI). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Editor, 2002.
FOREY, A. J. Novitiate and instruction in the military orders during the twelfth and thirteenth centuries. In: SPECULUM, Vol. 61, nº 1, 1986, p. 1-17.
FOREY, A. J. Military orders from the twelfth to the early fourteenth century. London: Macmillan, 1991.
GARCÍA, Florencio Huerta; FERNÁNDEZ, Nieves Esther Muela; CAMPOS, Irene Poveda de. Herencia y la Orden de San Juan (siglos XIII - XX). Ciudad Real, 1991.
GARCÍA-GUIJARROS RAMOS, Luis. La militarización de la Orden del Hospital: líneas para un debate. In: Ordens Militares: guerra, religião, poder e cultura. Actas do III Encontro sobre Ordens Militares, Vol. 2. Lisboa: Edições Colibri e Câmara Municipal de Palmela, 1998, p. 293-302.
GARCÍA-GUIJARROS RAMOS, Luis. Papado, cruzadas y órdenes militares: siglos XI –XIII. Madrid: Cátedra, 1995.
NICHOLSON, Helen. The Knights Hospitaller. Woodbridge: The Boydell Press, 2001.
NICOLLE, David. Knights of Jerusalem: the crusading Order of Hospitallers 1100-1565. Oxford: Osprey Publishing, 2008.
RILEY-SMITH, J. Hospitallers: the history of the Orders of St. John. London/New York: Continuum Publishing, 1999.
SEWARD, Desmond. The Monks of War. Londres, Eyre Methuen: 1972.
SIRE, H. J. A. The Knights of Malta. New Haven e Londres: Yale University Press, 2005.
SMITH, Harrison. Order of Saint John of Jerusalem. Delft: Akker Print, Delft, 1977.
6. Sites da internet.
[1] Lendas do Céu e da Terra (Malba Tahan).
[2] Trabalho de Pós Graduação de Bruno Mosconni Ruy e Jaime Estevão dos Reis, ambos da UEM (Universidade Estadual de Maringá, intitulado A ORDEM DO HOSPITAL: DO REINO DE JERUSALÉM À QUEDA DE ACRE (1099-1291)
[3] (1) Jean Palou- Maçonaria Simbólica e Iniciática- Ed. Pensamento, 1968
[4] (2) Hospital, na maçonaria,se refere às obras filantrópicas praticadas pela Loja.
São João Batista, São João Evangelista e São João Esmoler, individualmente apresentam atributos que os colocam em destaque diante da filosofia maçônica e justificam a indicação como padroeiros. No entanto, a sabedoria dos irmãos do passado mais uma vez se faz mostrar ao apresentar nos rituais e textos a referência a um São João como padroeiro da Maçonaria sem apontar para um deles, já que, se reunirmos os atributos de todos eles, teremos um São João simbólico trino, mais completamente representativo da dignidade da filosofia e dos trabalhos preconizados pela Maçonaria. A atribuição de cada um dos 3 "Joões" a cada grau simbólico é realmente muito adequada! Parabéns ao Irmão pela pesquisa!
ResponderExcluirEstou fazendo de sua matéria uma palestra intitulada hospitalaria, com base em suas informações aqui encontradas encontrei material riquíssimo para fazer uma reflexão com meus irmãos em loja.
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