segunda-feira, 10 de junho de 2013

A ORDEM DO HOSPITAL: DO REINO DE JERUSALÉM À QUEDA DE ACRE (1099-1291)


CONSIDERAÇÕES

O trabalho A SEGUIR é uma tese de pós graduação apresentado por Bruno Mosconi Ruy e Jaime Estevão dos Reis, na Universidade Estadual de Maringá, que foi encontrado em site de livre circulação na Internet.

Estava eu fazendo um trabalho de pesquisa sobre quem é, na realidade o São João patrono da Maçonaria e encontrei essa bela e explicativa Obra sobre a Ordem dos Cavaleiros Hospitalários que levou-me a outros apontamentos, textos e obras, permitindo que falasse sobre o padroeiro como sendo São João de Jerusalém o Esmoler.

Parabenizo os autores pela excelência da Obra.

Ir.´. José Roberto Cardoso
Loja Estrela D´Alva nº 16 - GLMDF


A ORDEM DO HOSPITAL: DO REINO DE JERUSALÉM À QUEDA DE ACRE (1099-1291)

Bruno Mosconi Ruy (UEM)
Jaime Estevão dos Reis (UEM)



Essa comunicação tem por finalidade abordar as peculiaridades das dinâmicas religiosas, assistenciais e militares da Ordem dos Hospitalários, bem como traçar um breve comentário dos eventos basilares de seu desenvolvimento, constituição e afirmação. As origens assistencialistas da Ordem confundem-se à história da própria peregrinação, e a legitimidade de sua atividade caritativa não raramente foi alicerçada em textos bíblicos e através do reconhecimento papal. No alvorecer do século XI, envolto em um profundo movimento de reforma e conturbação religiosa após o estabelecimento do reino de Jerusalém, o caráter assistencialista da Ordem do Hospital foi reforçado, e sua consolidação – tanto física quanto política e espiritual - foi estimulada pela generosidade dos fiéis e pela assistência principesca. A vocação militar do Hospital, inicialmente deslocada em algum lugar entre a obrigatoriedade de seu amparo médico e a defesa da fé, não foi admitida em facilidade – especialmente quando debatida no âmbito religioso. Havia a crença, não totalmente injustificada, de que a militarização implicava em desleixos no campo assistencialista da Ordem, e essa tensão evidenciou ainda mais a natureza de suas ingerências beligerantes entre os séculos XII e XIII. Neste contexto, é possível dizer que sua extensão militar desenvolveu-se gradativamente, sobretudo através de doações, como um apêndice da assistência prestada aos necessitados, e eventualmente amadureceu como foco principal de sua atividade, assegurando o seu prestígio, influência e viabilidade econômica. À instituição foi reservada a liderança de muitos processos de reconquista da santidade e, ao longo do milênio, despontou como exemplo prático de profunda adaptabilidade organizacional.

Palavras-chave: Idade Média, Ordem Militar, Hospitalários.


A ORDEM DO HOSPITAL: DO REINO DE JERUSALÉM À QUEDA DE ACRE (1099-1291)

Bruno Mosconi Ruy (UEM)
Jaime Estevão dos Reis (UEM)

Os primeiros cristãos possuíam pontos de vista extremamente divergentes sobre o conceito de “violência”, porquanto o próprio Cristo teria dito que viver pela espada implica em perecer pela espada (Mt, 26, 52). Em meados do século III, o bispo Tertuliano registrou – ainda que sem boas impressões - que os cristãos naturalmente empregavam a luta em defesa de seus ideais. Dois séculos mais tarde, Agostinho, então bispo de Hipona, argumentou que determinadas circunstâncias justificavam o recurso da guerra, tornando-a aceitável – muitas vezes imprescindível. 

Durante as primeiras cruzadas, àqueles que lutavam em nome do Deus cristão era prometida a remissão de pecados e admissão imediata no reino dos Céus, na eventualidade da morte em combate. Aos irmãos das ordens militares, eram garantidos os mesmos benefícios. É seguro dizer que, entre peregrinos e ordenados, o título “Cavaleiros de Cristo”, inicialmente atribuído a monges, popularizou-se. Para que tratemos especificamente da dinâmica das atividades religiosas, assistenciais e militares da Ordem dos Hospitalários, é imprescindível que façamos uma breve explanação das procedências dessa Ordem, de seu contexto, de seus pioneiros e dos eventos basilares de seu desenvolvimento, constituição e afirmação.

Segundo Alain Demurger, a construção dos primeiros hospícios ou hospitais foi estimulada pela generosidade e pela insistência dos fiéis e só foi alcançada através da assistência principesca (DEMURGER, 2002, p. 27-28). Em meados do século VI, o Patriarca de Alexandria, João Esmoler, tinha criado e equipado inúmeras destas instituições. De acordo com o pesquisador Harrison Smith, ele auxiliou os pobres e aconselhou a todos aqueles que se abrigavam em seus domínios. Para João, não havia insignificância em qualquer pedido de caridade. Após o saque de Jerusalém, em 614, ele também prestou ajuda aos refugiados e enviou grandes quantidades de recursos para o alívio da cidade. Ao raiar da ameaça egípcia, Esmoler retirou-se para o local de seu nascimento, em Chipre, onde morreu em novembro de 619 (SMITH, 1977, p.11). 

Depois de ter sido convertida ao cristianismo, a Imperatriz Helena - mãe do Imperador Constantino - decidiu iniciar uma jornada ao Calvário, determinada a encontrar todas as relíquias da Paixão de Cristo, em meados do século IV. Após descobrir sua localização, o Imperador Constantino ordenou a construção da Igreja do Santo Sepulcro em suas adjacências. Não tardou para que um fluxo constante de peregrinos tentasse visitar as cenas da vida terrena de seu Senhor. No ano de 865, relatos de Bernardo, o Monge, e de seus companheiros de viagem, indicam que tenham sido recebidos no hospício do imperador Carlos Magno, vizinho de uma igreja dedicada a Santa Maria, reconhecido por acolher peregrinos devotos e de língua romana. Construído nos arredores do Santo Sepulcro sob a concordância do califa Harum al-Rachid e sob constante vigilância imperial, este hospício contava com campos, jardins, bibliotecas e mais de uma dezena de casas, e nos seus arredores viria a se consolidar a militarização das Ordens.

Após a conquista muçulmana da Terra Santa, em 1023, os cristãos latinos mantiveram o direito de continuar em Jerusalém. No ano de 1027, o bizantino Constantino VIII firmou um acordo diplomático com o califado fatímida, que o permitiu restaurar as igrejas destruídas entre os anos de 985 e 1021, na época do califa al-Hakim.

Sob os cuidados do império bizantino, a reconstrução dessas igrejas provocou um enorme afluxo de gregos a Jerusalém, sobretudo, movidos por interesses comerciais. De acordo com David Nicolle, entre 1048 e 1063, mercadores amalfitanos incumbiram-se da construção do primeiro hospital bizantino nos arredores do Santo Sepulcro. 

Amalfi, então um distrito italiano, desenvolveu-se em uma importante república e somente assim adquiriu a capacidade para liderar a frente de restauração física e institucional dos edifícios latinos. A Igreja de Santa Maria Latina foi reconstruída com um mosteiro beneditino ligado a ela e, em honra aos esforços de São João Esmoler, os próprios beneditinos fundaram outro albergue para peregrinos, reformando-o e ampliando-o durante a década de 1070. Ao contrário da maioria dos hospitais latinos no Oriente Médio Islâmico, esse complexo duraria por muito tempo, e tornar-se-ia muito conhecido. Essa reputação seria suficientemente forte a ponto de ofuscar a popularidade da ortodoxia imposta pela igreja tradicional do Santo Sepulcro (NICOLLE, 2008, p. 14).

Segundo Helen Nicholson, instituições como essas se tornaram comuns na Europa em meados do século XI. Esse movimento de reforma e conturbação religiosa estimulou o surgimento de muitos movimentos monásticos radicais, e uma multiplicidade de casas contemplativas com os mais sortidos propósitos, povoadas por indivíduos com variados níveis de fé e devoção. Entre eles destacavam-se eremitas, padres que viviam em grupos, anacoretas e idosos e crianças das mais diversas localidades, que garantiriam aos futuros hospitais de Jerusalém uma flexibilidade e um alto nível de adaptabilidade religiosa, com ênfase não apenas na espiritualidade, mas também na capacidade de proporcionar condições mais dignas a quem quer que lhes clamasse por ajuda (NICHOLSON, 2001, p. 1-4).

A década entre 1070 e 1080 marcou uma aceleração no processo de adaptação e restauração Hospitalária. Em Jerusalém, os amalfitanos acrescentaram à igreja e ao mosteiro de Santa Maria um oratório feminino, dedicado à Santa Maria Madalena e, no ano de 1102, um mosteiro feminino sob o nome de Santa Maria Grande. A despeito do conforto oferecido e das dimensões absolutamente amplas do lugar, logo o complexo não bastou para alojar o grande fluxo de peregrinos, o que estimulou a construção de um hospital cuja capela foi objetivamente dedicada a São João Esmoler. O monacato confiou a gerência do Hospital a um leigo, irmão Gerardo, lembrado em muitas crônicas medievais como um homem pio e venerável, tendo ele mesmo sofrido na pele os horrores do barbarismo (NICHOLSON, 2001, p. 4-5). 

De acordo com os estudos de Desmond Seward, o aumento no número de peregrinos estimulou o Hospital e seu convento a reorganizarem-se (SEWARD, 1972, p. 21). Após a tomada de Jerusalém, Pascoal II postulou a bula Pie postulatio voluntatis, que reconheceu os hospícios como estabelecimentos independentes, colocados diretamente sob a proteção do Papa. Essa bula, de 1113, criava uma ordem internacional filiando a ela todos os hospitais criados na Europa. Neste contexto, Gerardo foi capaz de erguer um novo hospital, ainda maior, adquirindo a igreja vizinha de São João Batista ao também libertar o estabelecimento da tutela beneditina. Segundo Florencio Huerta Garcia, a Ordem passou a se beneficiar com a generosidade de muitos cavaleiros e nobres, e já começava a acumular propriedades na França, Itália e Espanha (GARCIA et al., 1991, p. 25-37). 

Em posse destes bens, o Hospital iniciou o estabelecimento de diversas casas de assistência espalhadas por locais estratégicos da Europa, sobretudo ao longo das rotas de peregrinação. Na alvorada do sucesso da primeira Cruzada, o Hospital de São João recebeu ainda mais doações dos cruzados já estabelecidos nas terras conquistadas do Oriente, bem como de anônimos por toda a Europa, cuja ambição em auxiliar a Ordem se justificava pelo anseio em purificar a alma dos pecados terrenos. Esse enorme e constante fluxo de terras e riquezas iniciais contribuiria substancialmente para a consolidação da independência hospitalária, livrando-a dos laços econômicos que de certa forma ainda atavam a Ordem às antigas instituições que a suportaram.

Gerardo morreu em 1118. Seu sucessor, o francês Raimundo de Le Puy, alterou fundamentalmente o direcionamento da Ordem, que até então possuía apenas desígnios caritativos. Quase simultaneamente, os Templários também se tornaram independentes dos beneditinos, sobretudo através da pesada influência de São Bernardo de Claraval. Foi São Bernardo, uma das figuras internacionais mais influentes da época, que forneceu a justificativa teológica para todas as Ordens militares. Ele esteve presente no Concílio de Troyes, quando a Ordem do Templo recebeu a aprovação oficial da Igreja, e Hugo de Payns, o primeiro mestre dos Templários, recorreu a ele para escrever um sermão encorajador aos cavaleiros. 

Bernardo eventualmente lhes escreveu uma carta em louvor, declarando que os irmãos desejavam morrer por Cristo na eterna jornada contra os infiéis. Matar por Cristo era um “malecídio”, não um homicídio, e tal doutrina seria abraçada e contemplada por séculos. Tratava-se, portanto, do extermínio do mal, e não propriamente de assassinatos infundados. Matar um pagão era conquistar a glória eterna em Cristo, e para Cristo. Morrer em batalha, por sua vez, viria a imortalizar a vítima como um mártir, e os Céus jamais recusariam uma alma em martírio.

A carta de Bernardo circulou amplamente, e seu argumento parece ter sido adotado por muitos outros escritores, pensadores e líderes contemporâneos. Raimundo de Le Puy seguiu o exemplo dos Templários, e uma inspiração militar foi cirurgicamente “enxertada” nos Hospitalários. Há evidências de que leigos doadores preferiam apoiar o envolvimento militar na defesa da Terra Santa ao invés de prezar pelo zelo a doentes e feridos. A origem da militarização da Ordem pode ter sido, ao menos em parte, uma resposta direta a esta preferência. Ao mesmo tempo, Raimundo de Le Puy tentava reforçar o seu propósito pacífico, oficialmente acrescentando o cuidado dos doentes aos deveres assistencialistas de albergues de peregrinos e cruzados. 

No intuito de adequar tais modificações à dinâmica do cenário, Raimundo de Le Puy alterou profundamente a Regra da Ordem, em consonância com a Constituição dos Cavaleiros do Templo (SEWARD, 1972, p. 30). Neste ínterim, e quase imperceptivelmente, o patronato de João Esmoler foi substituído pela proteção de São João Batista. É provável que tenha existido uma ligação direta entre a construção de novos hospitais, a ruptura com os beneditinos e a mudança de padroeiro, pois São João Batista era seguramente mais prestigiado e conhecido entre os peregrinos ocidentais. A mudança de patrocínio também pode ser justificada pelo fato de que em algum momento a Ordem incorporou às suas fundações um antigo mosteiro grego das adjacências da Igreja de São João Batista. 

Depois que o reino de Jerusalém foi estabelecido, no ano de 1100, a dinâmica do hospital de Jerusalém gradativamente tornou-se mais francesa do que italiana, e mais bélica conforme a caridosa herança amalfitana de seus fundadores desaparecia. Tanto Hospitalários quanto Templários, embora independentes e sujeitos apenas à jurisdição do Papa, contaram com o apoio integral de Balduíno II, que sucedeu seu primo. Eles forneciam aquilo que o reino mais precisava: uma fonte regular de soldados treinados e disciplinados. Contudo, como a Ordem do Templo provavelmente foi a primeira Ordem religioso-militar, é pouco provável que a Ordem do Hospital tenha encontrado espaço para tal transição em períodos anteriores. Como indicam os estudos de Luis García-Guijarro Ramos, em 1126, os Hospitalários contam com a presença de um comandante supremo na ordem, mas isso significava apenas que possuíam cavalos e estrebarias, e não um contingente propriamente militar. A guarda dos castelos surge como um argumento mais contundente. 

Em 1136, o rei de Jerusalém, Fulque, confiou a proteção do castelo de Bethgibelin, ao sul da Palestina, diretamente aos Hospitalários, no intuito de deter o avanço das forças muçulmanas. Em 1142, o conde de Trípoli lhes doou o castelo do Crac, que viria a se tornar uma das fortalezas mais formidáveis no Oriente. A despeito da qualidade militar inerente das construções, tratava-se de uma instituição de caridade, e era característica do Hospital a solicitação pelo rei, bem como pelos cônegos do Santo Sepulcro, a participar da defesa do reino (GARCÍA-GUIJARROS RAMOS, 1998, p. 293-296). Outras evidências sugerem o caráter militarizado da ordem. Seu envolvimento em uma divisão de espólios com o Conde de Trípoli entre 1142 e 1144, assim como o direito de determinar tréguas com as forças muçulmanas sem o consentimento prévio do Conde, parece implicar em um considerável papel militar à época. Seja como for, seu Estatuto de 1181 é o primeiro documento a incluir o termo "irmãos de armas" e dispor a primeira menção oficial e específica à sua atividade bélica, prevendo um dia dividido em orações e discussões acerca de assuntos religiosos, e exercícios de recreação, manutenção física, trabalho e treinamento marcial.

Havia uma grande quantidade de elogios ao Hospital por sua assistência a doentes e miseráveis, mas a maior concentração destes elogios está registrada na parcialidade das cartas de doação. Não raramente os próprios membros das ordens militares conduziam elogios uns aos outros, oficializando sua “santidade pessoal”. Oposta a isso, havia uma crença bastante difundida entre o clero: como as ordens derramavam sangue, e não conseguiam manter vigílias tão constantemente como as demais ordens religiosas, sua militarização implicava em inferioridade, embora ainda fosse superior à dinâmica dos leigos comuns. Assim, sempre que um irmão pedia autorização papal para transferir-se da guerra para a oração, o papa a concedia de bom grado. 

No Hospital, essa tensão assistencialista evidenciou ainda mais a natureza de suas funções militares no entre as décadas de 1140 e 1160. Ao decidir focar-se em Damasco, a Segunda Cruzada, de 1148, foi um fracasso total. Raimundo de Le Puy, então líder dos Hospitalários, compartilhou desta decisão fatal, e a incapacidade de tomar a cidade com a consequente perda do Exército cruzado trouxe um fim ignominioso para a empreitada. Muitos inclusive culparam os Hospitalários pelo fracasso da Cruzada. Em 1158, Auger de Balben sucedeu a Raimundo de Le Puy e adotou o título de "Grão-Mestre", a exemplo dos Templários. Não obstante, ao final da década seguinte, a Ordem quase foi reduzida à falência em virtude de seu pesado envolvimento na contenção de campanhas egípcias em Jerusalém, onde emprestou mais de quinhentos cavaleiros e tropas mercenárias ao empreendimento cruzado. Sem condenar a integridade da Guerra Santa, o Papa Alexandre III (1159-1181) chegou instruir os Hospitalários a desistirem da luta e permanecerem em suas vocações originais, seguindo os costumes estabelecidos por seus antepassados e promovendo o amor e a misericórdia para com os pobres. Em outras palavras, servir aos pobres e doentes era espiritualmente superior a defendê-los com braços e armas.

Ademais, o Hospital recorrentemente recebia doações de toda natureza, ao contrário do Templo. Convenientemente, os leigos não tinham receio em aprovar os novos tipos de ordens religiosas. Em meados de 1130, uma Laureta deu tudo que possuía na vila de Douzens (no extremo sul da França) para “os cavaleiros de Jerusalém”, “corajosos seguidores do evangelho” que diariamente travavam conflitos contra os ímpios que tentavam “destruir as leis de Deus e seus respectivos seguidores”. Assumindo a legitimidade desta doação, ela claramente acreditava que os irmãos do Hospital estavam lutando batalhas em nome de Cristo, e que portanto justificavam-se como cavaleiros em Seu nome. Por volta da mesma época, Roger, visconde de Béziers, doou uma aldeia aos “irmãos que lutavam por Deus ao guardar e defender a cidade santa de Jerusalém”. 

A despeito das garantias de terras e privilégios, e suas eventuais ingerências, não é precisa a data em que os Hospitalários assumiram, de fato, seu caráter bélico. Documentos de 1136 a 1143 mencionam doações de armamentos e cavalos aos hospitais franceses e espanhóis, ainda que essas doações possam ter sido destinadas aos servos da Ordem e não à própria irmandade. Em meados dos séculos XII e XIII, as ordens militares assumiram uma posição crucial nos processos de reconquista, e em alguns destes processos a Ordem dos Hospitalários é anterior à dos Templários, sendo lembrada por tomar parte em muitas investidas e cercos. Presumivelmente pelo pioneirismo, os Templários eram primariamente vistos como sendo mais importantes do que os Hospitalários. Escritos relatam ocasionais proezas hospitalárias, mas são breves e humildes. 

Por exemplo, Ralph de Diss, decano da catedral de São Paulo na Londres de meados do século XII, registrou a batalha entre o Rei Balduíno IV e Saladino como um feito predominantemente Templário, ainda que seja sabido que Balduíno contou com um expressivo contingente hospitalário durante o conflito. Mais uma vez, em maio de 1187, Templários e Hospitalários travaram uma batalha contra as forças de Saladino nos arredores de Nazaré, mas ao Hospital não foi reservado qualquer relato particular (sabe-se apenas que, após a queda de Acre, os Hospitalários foram forçados a re-estabelecer a sua instituição no castelo de Margat). O “Peregrinorum Itinerarium” (o “Relato dos Peregrinos”) elogia a proeza templária, (comparando-a aos feitos de São Jorge) e a crônica atribuída ao supracitado Ernoul, um escudeiro na Terra Santa, apenas menciona que um dos mestres do Hospital foi morto em batalha (sem descrevê-la). Obras acerca da captura da Terra Santa por Saladino brevemente apontam os Hospitalários como guerreiros bravos e habilidosos, mas as crônicas estão longe de atribuírem especificidades relevantes.

Quando os escritores pretendiam romantizar ou escandalizar determinada atividade militar, eles eram mais propensos a usar os Templários, cuja campanha era mais assimilável e menos “crua” do que a que se desenvolvia no interior de uma instituição hospitalária. Este continuou a ser o caso ao longo do século XIII. Embora pela Quinta Cruzada (1217-1221) autores tenham dito muito mais sobre os feitos dos Hospitalários, os Templários ainda dominam espaço. Presente à cruzada, Oliver, professor da Catedral de Cologne, nos diz muito sobre a presença do Hospitalário nesta batalha, mas o detalhamento ironicamente está em sua covardia. De uma forma geral, até a perda definitiva do Acre para os muçulmanos em 1291, as outras ordens militares não conquistaram foco algum. 

Todavia, esta última batalha comumente tem como fator decisivo a morte do mestre do Templo, quando as crônicas a apontam como desencadeadora da queda da cidade. Segundo Helen Nicholson (1998), a melhor leitura do desastre, no entanto, está na “De excidio urbis Acconis” (“A destruição da cidade de Acre”), que nos inclina a uma visão diferente dos acontecimentos. Segundo ela, o mestre do Templo e os seus homens chegaram tarde ao combate, e pouco conquistaram. O verdadeiro herói da resistência presumivelmente foi o irmão Mateus de Claremont, marechal do Hospital, que teria destemidamente corrido em meio às tropas atirando inúmeros infiéis ao chão, até ser atingido por uma lança inimiga e finalmente “entregar-se a seu Criador”. “De excidio urbis Acconis” considera que os Templários estavam mais interessados ​​em difamar os verdadeiros heróis Hospitalários e pilhar a cidade, do que efetivamente protegê-la. Isso é fundamental na compreensão do motivo pelo qual Filipe IV da França puniu severamente os Templários no pós-conflito, enquanto o Hospital escapou ileso.

Após a perda definitiva do Acre, quando o Papa Nicolau IV pediu por sugestões de como a Terra Santa poderia ser recuperada, seus bispos fizeram inúmeros levantamentos sobre formas alternativas de reforma para a Ordem, no intuito de torná-la mais eficiente nessa recuperação. Não houve sugestões acerca de sua abolição total. O potencial de sua maleabilidade seria mais do que suficiente para solidificar o embate com o Islã. Enquanto o tesouro e a expansividade hospitalária rumavam ao zênite, as conquistas de seus “arquirrivais” do Templo estavam em decadência. Quase todos os Templários se refugiaram na França, onde, em 1312, o Rei Felipe impôs a sua supressão por razões de blasfêmia e heresia (SEWARD, 1972, p. 160-161).

Texto de autoria de Bruno Mosconi Ruy (UEM) e Jaime Estevão dos Reis (UEM), extraído da internet pelo Ir.´. José Roberto Cardoso, Obreiro da Loja Estrela D´Alva 16 - GMMDF.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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GARCÍA-GUIJARROS RAMOS, Luis. La militarización de la Orden del Hospital: líneas para un debate. In: Ordens Militares: guerra, religião, poder e cultura. Actas do III Encontro sobre Ordens Militares, Vol. 2. Lisboa: Edições Colibri e Câmara Municipal de Palmela, 1998, p. 293-302.

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NICHOLSON, Helen. The Knights Hospitaller. Woodbridge: The Boydell Press, 2001.

NICOLLE, David. Knights of Jerusalem: the crusading Order of Hospitallers 1100-1565. Oxford: Osprey Publishing, 2008.

RILEY-SMITH, J. Hospitallers: the history of the Orders of St. John. London/New York: Continuum Publishing, 1999.

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