sábado, 16 de março de 2019


UM TEMPLO PARA NÃO DEIXAR NENHUM MAÇOM DE FORA!

Por Jean-Michel Mathonieère
Tradução J. Filardo

Desde o século XVIII coexistiram na França duas instituições que são frequentemente confundidas: A Maçonaria e o Companheirismo (Compagnonage). Assemelhavam-se mas não se misturavam.

Se alguém pode notar traços da influência maçônica sobre as compagnonnages desde o século XVIII, é, de toda forma, depois de 1789 que este fenômeno assumirá uma escala que aumentará durante as primeiras décadas do século XIX. As razões para isso são muitas, no mais das vezes passivas – a maçonaria oferecendo em relação a todos por suas divulgações de modelos fascinantes de ritos, lendas e iconografia simbólica – às vezes ativas – maçons, sejam eles companheiros ou não, desejam ardentemente trazer mais luz aos obreiros. 
A criação da União Compagnonnique em 1889 marca o ponto culminante dessa influência sobre as Compagnonages. Resultante das ideias pacifistas propagadas por Agricol Perdiguier e da fusão de sociedades de benefícios mútuos, especialmente de origem em Lyon, esta sociedade reunia companheiros pertencentes às três antigas famílias rituais: “filhos” de Mestre Jacques, do Pe. Soubise e de Salomão, cujas lutas muitas vezes sangrentas explodiam frequentemente nas estradas do Tour de France. Para afastar os ressentimentos antigos entre os ritos a reunir, os fundadores, muitos dos quais são os mais influentes também são maçons (este é particularmente o caso de Lucien Blanc, o primeiro presidente da UC), optam por um ritual único em que eles desejavam “trazer de volta a compagnonage aos seus verdadeiros princípios tradicionais, e restaurar as verdadeiras e importantes iniciações em sua antiga e respeitável pureza.” Este ritual de recepção tem como objetivo “trazer de volta a nossa sublime e bela instituição à via de onde ela nunca deveria ter se desviado, fazendo de todos os artesãos uma verdadeira família de irmãos que, de mãos dadas, caminharão daqui em diante, pelo caminho do progresso para a conquista de um destino melhor, ajudando a sociedade ao desenvolvimento da civilização”. Sua leitura mostra que este é um decalque quase idêntico ao ritual do aprendiz maçom.
Esse tipo de empréstimo não era novo, no entanto: alguns companheiros haviam copiado páginas inteiras de rituais maçônicos no início do século XIX. Isso é o que permitirá que essa reforma se imponha facilmente, porque não apresentou uma ruptura maior em relação aos rituais praticados nas últimas décadas, pelo menos nos filhos de Mestre Jacques e os de Salomão. Além disso, ao fazê-lo, antecipando uma ideia comum hoje em dia, os pioneiros da UC imaginam que estão apenas restaurando os rituais de companheirismo que a Maçonaria de alguma forma se apoderou ilegalmente, via aceitação de burgueses nas lojas operativas britânicas.
Entre os testemunhos mais passivos dessa influência maçônica sobre a jovem União Compagnonnique, optei por ilustrar uma litografia intitulada “O templo dos Companheiros”, publicada em 1889 por um dos fundadores daquela sociedade, Alphonse Fardin (1859- 1929), vulgo Normand, o Bem-Amado do Tour de France. Recebido companheiro sapateiro do Dever em 1876 em Bordeaux, Fardin é o delegado dos companheiros sapateiros du Devoir durante o congresso da Federação Compagnonnique de todos os Deveres reunida em 1889, durante a qual ela será transformada na União Compagnonnique (é certamente para esta ocasião que ele editou esta litografia). Poeta e cancioneiro, publicou também, entre outras obras, uma coletânea de canções, romances e poemas dos companheiros intitulada O Conciliador (Paris, editora Veuve Vert, 1893), onde ele proclama, em seu prefácio, que “unidos, seremos fortes e invencíveis”, enquanto promete trabalhar até seu último suspiro pela prosperidade da União Compagnônica.
Se desde Avignonnais la Vertu (Perdiguier), apoiada por Vendôme la Clef des Coeurs (Piron) e Joli-Coeur de Salernes (Escolle), as canções dos companheiros constituem a ponta de lança dos companheiros pacifistas para semear e ancorar nas mentes facilmente aquecidas por sentimentos mais fraternos, a imagem do companheiro não é deixada de fora, graças principalmente ao desenvolvimento da litografia que permite a reprodução rápida e econômica de desenhos. Fardin assume, assim, de certa forma, a sucessão editorial e militante de Agricol Perdiguier, falecido em 1875, publicando canções e essa litografia.

Além da referência aos três fundadores dos Deveres, representados unidos no centro do frontão, este templo finalmente tem como companheirista apenas seu título e os textos, criptografados ou não, que vêm ocupar cada superfície disponível, incluindo a lista de todas as cidades onde as sociedades de companheirismo da época estão presentes. Para o resto, pelo seu estilo geral, sua arquitetura imponente, seu vasto pavimento de mosaico e seus detalhes simbólicos, é totalmente de inspiração maçônica. Uma vez mais, o fenômeno não é novo: a partir do início do século XIX, as duas colunas J e B, bem como o frontão estão amplamente presentes nas imagens dos companheiros. Mas é, no entanto, a primeira vez, me parece, que a impressão propriamente companheira é tão fraca. Adolphe Fardin nos legou um templo para não deixar um maçom do lado de fora! Em todo caso, não demorará muito para que a União Compagnonnique aceite em seu seio o ofício de pedreiro-construtor, que os companheiros talhadores de pedra das antigas sociedades sempre se recusaram a admitir no Dever.

Para ir mais longe
Jean-Michel Mathonière, Interferência entre especulativos e operativos franceses nos séculos XVIII e XIX, SFERE (Sociedade Francesa de Estudos e Pesquisas sobre o Escossismo), volume XIV (seminário de 26 de novembro de 2016).

Publicado na revista FM-Franc Maçonnerie

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