domingo, 8 de julho de 2018



QUE TAL CONSTRUIRMOS PONTES NA MAÇONARIA (SÓ PARA VARIAR) OU: COMO NASCEM OS CISMAS MAÇÔNICOS?



Posted By Edgard Costa Freitas Neto on 23 de setembro de 2016


“Cultivai o amor fraterno, pedra angular e de cumeeira, cimento e glória desta antiga Fraternidade, evitando assim o rancor, a intriga, a maledicência, as rixas, não permitindo a difamação contra um irmão honesto, mas defendendo seu caráter e prestando seus bons ofícios” – Thomas Smith Webb, Ilustrações

Se existe algo tão antigo como a Maçonaria são as crises que precipitam mudanças radicais. O próprio surgimento da Grande Loja de Londres em 1717 (ou 1721, conforme recentíssimos desenvolvimentos historiográficos. Confira aqui, aqui e aqui) decorre – aparentemente – de um movimento de insatisfação com a gestão do último Grão Mestre operativo, Christopher Wren. As crises estão aí desde o início: geraram Potências, Ritos, Lojas…

Pois bem. Faço parte de ao menos uma dezena de grupos maçônicos de Whatsapp. Para falar a verdade todos, menos o da minha Loja, o dos meus contemporâneos de DeMolay/Filhas de Jó e da minha família ficam permanentemente no modo silencioso. Mas os grupos estão lá, funcionando 24/7, e esporadicamente eu leio um deles, posto alguma coisa em outro, etc.

Quando olho esses grupos, em especial os mais inespecíficos, me deparo com as seguintes situações:
a. Os infames “bom dia”
b. Calendários de efemérides maçônicas e transcrições do Breviário de Rizzardo da Camino
c. Correntes de alertas duvidosos
d. Correntes religiosas
e. Tretas.
As tretas, por seu turno, costumam ser originadas de
I. Discussões políticas e religiosas, bastante comuns entre os tiozões do caps lock
II. Indiretas reais, oriundas de tretas externas na Loja ou na potência
III. Pseudo indiretas, quando alguém interpreta (erroneamente) uma afirmação como indireta e veste a carapuça inadvertidamente
IV. Diretas, que têm por objetivo criar, semear ou fortalecer tretas.

Muitas se aprofundam por dificuldades de leitura e escrita: Tons de sarcasmo, ênfase, ironia, agressividade, passividade por vezes não são devidamente compreendidos , usados ou aceitos.

Quase na sequência das tretas vêm as comentários de lamentações: “Vaidade!”, “Lamentável!”, “Isso é Maçonaria?”.

Sim, é. As brigas são um dado da realidade. Só que, como bem afirmou Nosso Senhor: “Ai do mundo por causa dos escândalos! Eles são inevitáveis, mas ai do homem que os causa!” (Mt 18:7).

Neste pequeno trabalho pretendo lançar uma hipótese sobre como algumas crises surgem, a partir das minhas observações, e lançar uma proposta de como os maçons devem reagir a elas.

A. O DESPOTISMO ESCLARECIDO COMO FERMENTO DAS CRISES

Em uma certa ocasião uma discussão em um grupo se iniciou a partir de um comentário sobre um determinado problema de intervisitação entre potências. Um dos irmãos disse que o ideal seria que não houvessem tantas potências, mas sim uma unificação geral das potências sob uma só (não por acaso, a dele). Resolvi ponderar que as concepções de Maçonaria às vezes são tão radicalmente diferentes que não é possível a convivência administrativa destas correntes. Explico.

Na história administrativa da Maçonaria podemos identificar, grosso modo, duas concepções radicalmente diferentes de gestão maçônica nacional: Uma concepção centralista e outra, descentralizada.

Faço observar, entretanto, que a diferença de ambas é de grau, pois observo que toda potência maçônica tende à centralização de poder na figura do Grão Mestre. Isto se deve, primordialmente, aos deveres de obediência prestados pelos Maçons às suas respectivas potências, nas pessoas dos seus Grãos Mestres, que não raro redundam num temor reverencial pelos Grãos Mestres.

Por exemplo. Recentemente uma potência maçônica puniu de maneira drástica alguns irmãos pelo delito maçônico de criticar abertamente seu Grão Mestre. Na esteira desta crise uma verdadeira caça às bruxas se instalou contra qualquer forma percebida de dissidência, inclusive em corpos distintos da alçada da Maçonaria Simbólica, como ordens paramaçônicas e altos graus de ritos. É claro que quem está atento aos grandes debates contemporâneos sabe que estou me referindo à crise na Grande Loja do Arkansas, nos Estados Unidos (né?). 

É um lugar comum na ciência política que toda concentração de poder acaba levando ao seu abuso. Isso vale da Loja à Potência. Ocorre que há quem veja na figura do Grão Mestre o papel de um Déspota Esclarecido, ou seja, um monarca com poderes quase totais mas dotado de boas intenções e da razão iluminada. E há quem entenda o contrário, que o Grão Mestre nada mais é do um mestre maçom eleito pelos seus pares para gerir temporariamente a potência, e que portanto não pode ter mais poderes do que a Assembleia que o elegeu.

Estas duas visões são inconciliáveis, do ponto de vista administrativo, e são uma razão mais que suficiente para a existência de uma multiplicidade de potências.

Devemos observar que a exortação à obediência vem desde as Old Charges. Mas nem James Anderson, nas suas Constituições ignorava que a obediência não é devida ipso facto do posto, mas dependia de o Grão Mestre manter sua legitimidade natural ante os maçons, como veremos:

XIX. Se o Grão Mestre vier a abusar do seu poder ou se revelar indigno da obediência e sujeição das Lojas, deve-se lidar com ele com base em novos regulamentos acordados, pois até hoje nossa antiga Fraternidade não tem precedentes disso, já que todos seus antigos Grão Mestres se comportaram de modo condigno ao seu posto

Muitos dirigentes – sejam Grão Mestres ou Veneráveis Mestres – apresentam uma dificuldade, pois, de compreender que a obediência e a reverência não são consequências naturais do posto, mas da conduta. E, desta maneira, enxergam em qualquer dissidência ou crítica pública um verdadeiro crime de lesa majestade a ser expurgado, ignorando por vezes a necessidade de “julgar cada violação às nossas normas com candor, advertir fraternalmente e repreender com justiça.” (Webb, op cit).

Ocorre que, se nos reportarmos a John Locke, filósofo bastante em voga nos tempos de Anderson, veremos que o objetivo do Governo é o bem dos homens. “E o que é melhor para eles? Ficar entregues à vontade desenfreada da tirania ou os governantes por vezes sofrerem oposição, quando exorbitem no uso do poder(…)?”. Governo é confiança da parte de quem o elegeu, e esta confiança pode e deve ser retirada caso o governo não corresponda à confiança em si depositada e invada a propriedade de seus súditos ou tente fazer “de si mesmo ou de seus apaniguados senhores da vida, liberdade ou riqueza do povo”(in Segundo Tratado sobre o Governo. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 148).

Agindo diligentemente para silenciar as dissidências públicas os governos dos déspotas esclarecidos pensam que estão debelando crises. Crise! Na sua origem etimológica indo-europeia, skribh, que significa separar, cortar, distinguir, julgar (cf. DIP, Ricardo. Direito Penal: Linguagem e Crise. São Paulo: Millenium, 2001). E assim as crises se fermentam: numa dissociação cada vez maior entre as pessoas que se aprofunda até o ponto de ruptura.

B. A PRUDÊNCIA COMO MECANISMO DE DESARME DAS CRISES

O filósofo francês René Girard desenvolveu dois conceitos interessantes que podem nos ajudar a desenvolver uma teoria de como debelar as crises maçônicas. O de desejo mimético e rivalidade mimética.

Correndo o risco de imprecisão tentarei conceituar e contextualizar as duas ideias (para mais detalhes, sugiro a leitura de A violência e o Sagrado. São Paulo: Paz e Terra, 1992) . Os nossos desejos derivam dos desejos de outros pelo que elejo como modelo. Desta maneira, os atores de uma crise podem todos, ao menos da boca para fora, invocar as mais altas razões para suas condutas: a preservação dos melhores interesses da sociedade maçônica. E justamente aí surge o problema: os desejos diferentes convergem sobre o mesmo objeto, e não é (sempre) possível conciliá-los. Surge aí a rivalidade, e com ela, em uma espiral, as crises que se sucedem.

Eis um exemplo estritamente hipotético desta espiral de crises. Dois irmãos disputam o posto de Venerável Mestre. Somente um, entretanto, pode ser instalado por vez. O derrotado passa a criticar as ações do vencedor, que por sua vez enxerga aí um obstáculo para a concretização de seu plano de governo. Na primeira oportunidade ele usará do seu poder para punir o irmão dissidente, precipitando uma debandada de membros, ou outra ação retaliatória em outra esfera, que por sua vez demandará outras retaliações.

O que eu venho a propor não se destina primordialmente aos atores da crise, mas aos seus espectadores.

Um dos pontos, por vezes negligenciados nos estudos maçônicos, é a ponderação sobre as virtudes cardeais. Delas pinçamos a prudência como chave para esta proposta.
Thomas Smith Webb, em seu Monitor, nos fala da prudência:

“A prudência nos ensina a regular as nossas ações e nossas vidas aos ditames da razão, ou seja, ao hábito constante a partir do qual julgamos com sabedoria e determinamos os justos meios relativos ao bem nas situações presentes ou futuras. Esta virtude deve ser característica peculiar de cada maçom, não apenas no governo da sua conduta na Loja, mas também no mundo afora”.

A prudência, diz C. S. Lewis em Cristianismo Puro e Simples, “significa a sabedoria prática, parar para pensar nos nossos atos e em suas consequências”. O catecismo católico lembra, sobre a prudência, que ela é a virtude “que dispõe a razão prática a discernir, em qualquer circunstância, nosso verdadeiro bem e a escolher os meios adequados para realizá-lo.”. É precisamente a isso que se refere a Ordem De Molay quando exorta os irmãos a garantirem o benefício da dúvida: Sem saber com precisão o que aconteceu e o que pode acontecer convém agir com parcimônia.

É preciso também vigiar nossas próprias palavras. As discussões e dissensões não devem ser proibidas, mas exercitadas com base na retórica, ou seja, “não apenas com propriedade mas também com a ênfase e a elegância necessárias para cativar o ouvinte pela força do argumento e a beleza da expressão, seja para entretê-lo ou exortá-lo, repreendê-lo ou exaltá-lo” (Webb, op cit)

Os espectadores têm um papel fundamental no desenvolvimento de uma crise. Ao aceitarem um dos lados, eles se tornam atores, pois replicarão em suas esferas o conflito, e incentivarão, pela adulação, os atores principais a continuarem a contenda.

Minha proposta é simples: Todos os homens por acaso não têm direito aos nossos bons ofícios? Esta fórmula, presente em muitos rituais, muitas vezes passa batida. A ideia de bons ofícios foi quase esquecida. A doutrina do direito internacional define os bons ofícios como sendo meios diplomáticos e facultativos de resolução de conflitos que não se preocupam com as normas preexistentes, mas em criar, construir, uma solução pacífica, justa e honrosa o suficiente para ser aceita pelas partes, através de uma terceira parte não envolvida que se voluntaria para essa função.

Exemplos práticos: Em um conflito entre dois irmãos um terceiro, da confiança de ambos, pode se voluntariar para tentar pacificar ambos. Em um conflito entre duas lojas uma terceira loja pode exercer este papel; Entre duas potências, uma terceira potência, e assim sucessivamente.

Isto é diferente de abafar um conflito ou de jogar as tensões para debaixo do tapete. Os bons ofícios oferecem uma proposta de resolução minimamente agradável a ambos. Mas para poder oferecer seus bons ofícios é necessário, antes, que o terceiro não se envolva e evite expressar publicamente qualquer juízo de valor sobre o conflito.

C. CONCLUSÃO

Podemos usar uma analogia com as construções de arcos usados nas pontes. Nos arcos as tensões entre as peças conduzem ao colapso da estrutura se não houver uma peça central, uma pedra-chave, maior que as demais (e resistir à tentação de entrar em certas tretas é uma tarefa hercúlea) capaz de transmitir lateralmente as tensões.
A prudência é esta nossa pedra-chave, neste contexto. Sem ela a estrutura desmorona pela ação implacável das tensões. Os contendores agem como construtores que rejeitam a pedra-chave por não ver utilidade nela e por crerem que o edifício se sustenta apenas em pedras idênticas. O agir prudente, assim, tanto pode servir como estímulo para evitar o surgimento de tensões ou, se não, pode ajudar a reparar a estrutura. Basta que haja um mínimo de boa vontade, torcida a favor e disposição de alguém para demonstrar a utilidade daquela pedra para restaurar a ordem no canteiro e reconstruir a ponte que ligue ambas as partes.

Mas, claro, sem boa vontade dos contendores não há o se fazer senão reconhecer a justeza dos versos de Gregório de Mattos:

O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo, mar de enganos,
Ser louco c’os demais, que só, sisudo.

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