sexta-feira, 9 de novembro de 2018


IMPERIALISMO, MAÇONS E MAÇONARIA NA CHIA (1842 - 1911)


Por Antonio Jorge.

Na língua chinesa: hanyu 漢語, a maçonaria é conhecida como a Sociedade gongjihui 共濟會.

Em 1767, os membros da Companhia das Índias Orientais organizaram oficialmente a primeira loja maçónica na China, com o nome de Amity na cidade portuária de Guangzhou ou Cantão, no sul do país.

A Loja Lodge foi patrocinada pela United Grand Lodge of England. A partir deste momento, conforme o imperialismo se foi intensificando, novas lojas foram estabelecidas, envolvendo um número significativo de estrangeiros, principalmente europeus, e a partir da última década do século XIX, chineses.

A chegada da modernidade à China coincidiu com o surgimento do Império Britânico como a potência mundial hegemónica. O iluminismo e sobretudo a revolução industrial levou-a a reconstruir uma nova ordem global à sua volta. As primeiras abordagens britânicas à China durante a segunda metade do século XVIII falharam, de modo que a sua influência se limitou a Cantão. No entanto, entre 1799 e 1815, as guerras napoleónicas pararam o avanço do imperialismo britânico, mas com a ordem política restabelecida e após o Congresso de Viena (1815), a inclusão da China na estrutura das relações internacionais do Império Britânico voltou a estar na agenda

Neste contexto, a China alimentou-se primeiro de uma modernidade imperialista para em seguida, fazê-lo por uma matiz dos ideais de progresso, civilização e do liberalismo, num momento de declínio da dinastia Qing 大 清 帝国.

Por isso, a análise seguinte contempla a construção de uma ordem mundial britânica e as suas relações com a história da China, já que a Maçonaria apresentou um carácter internacional durante um processo a longo prazo de inserção de modernidade na Ásia através de imperialismos.

Durante este período, as cidades portuárias chinesas adquiriram gradualmente uma nova dinâmica, à medida que começaram a interagir espaços de sociabilidade e ideias ou filosofias da Europa com as da China. Isto levou a um processo de apropriação, construção e representação de identidades, cultura e classes sociais ao longo do século XIX que se intensificou após a revolução de 1911.

Estes anos foram parte de uma situação mundial de progressos significativos no processo de criação de Estados-nação, da globalização do mercado internacional e secularização de padrões culturais. De facto, a Maçonaria representou uma expressão mais de modernidade, pelo que analisá-la funciona como uma janela para entender esta China.

A delimitação temporal corresponde ao período 1842-1911, quando a Maçonaria na China fazia parte de projectos promovidos pelos imperialismos europeus.

Essa delimitação corresponde a dois eventos. O primeiro inicia-se com a assinatura do Tratado de Nanjing 南京 條約, que intensificou o imperialismo no país, que por sua vez induziu a organização das lojas maçónicas. O segundo, no ano da revolução, quando a dinâmica das práticas próprias da modernidade, como a maçonaria, mudou completamente.

Esta ordem global veio de mãos dadas com o advento da modernidade, uma série de fenómenos históricos intra-europeos que propuseram novos paradigmas na vida diária, de compreensão da história, da ciência e da religião.

Durante o século XIX, a Grã-Bretanha instituiu-se como uma espécie de “Estado nacional imperial”, constituído por ingleses, escoceses, galeses e da norte-irlandeses. Com o sucesso da revolução industrial e a consequente expansão no ultramar, o (macho) britânico assumiu-se como “o escolhido” pela providência para melhorar o mundo.

Este tipo de protestante consciência messiânica protestante levou a desenvolver representações de superioridade étnica e fenotípica sobre todos os outros, “necessitados” da sua disciplina, civilização e da libertação das suas superstições religiosas. Deste modo, o modus operandi da Grã-Bretanha para o resto do mundo foi definido por sua missão civilizadora. Isto, enquanto a crescente comunidade Anglo-saxónica por todo o mundo, se caracterizou por uma consistência cultural, homogeneizada pela língua, pela religião e pelos estilos de vida (vestuário, arquitectura, hábitos, lazer, associações, sociabilidade, etc.).

Neste sentido, a Maçonaria oferece uma possibilidade distinta de entender a ordem global estabelecida durante a Pax Britannica, já que ao promover a sociabilidade, permite diferentes manifestações das classes sociais, remetendo para um nível intermediário de análise entre as capacidades materiais, as ideias e as instituições.

Por exemplo, se considerarmos o conceito de hegemonia, a ênfase seria colocada na administração das relações de poder entre os grupos sociais e as ideias, no momento de criar uma identidade ou unidade de propósitos garantidores da existência da situação hegemónica. Nela, instituições como a Maçonaria cumpriam um papel de serviço ao Império, pois faziam parte da administração da sua ordem, acolhendo padrões considerados universais e parte do senso comum (as suas ideologias). Da mesma forma, na ordem global britânica, a Maçonaria na China funcionava como uma manifestação imperialista, uma vez que integrava aqueles que representavam capacidades materiais, sejam económicas ou militares.

A modernidade é importante para a compreensão da Maçonaria, devido ao papel desta organização, directa ou indirecta, censitária ou não, na expansão da sociedade civil e na expansão da esfera pública. Não se deve esquecer que a construção ideológica da Maçonaria foi contemporânea de outros processos conjunturais como o iluminismo e o capitalismo industrial7. Consequentemente, a Maçonaria promoveu ideias-chave durante o advento da modernidade e integrou a burguesia nascente.

Um segundo conceito que precisa ser definido é o da sociabilidade.

Isto surgiu como uma reflexão teórica sobre a natureza do ser humano durante o iluminismo. Neste contexto, a Maçonaria representava os valores deste movimento cultural internacional, que exigia secularidade e modernidade. Por exemplo, as lojas britânicas na China tinham funções de sociabilidade e integração social, associando maçons iniciados na Europa (inicialmente só aceitavam europeus) e indivíduos que participavam dos interesses imperialistas, particularmente mercadores e militares.

Além disso, a maçonaria era muito rigorosa no perfil de seus iniciados, “homens bons e verdadeiros”, nascidos livres, maduros, discretos e de bom senso, não mulheres, não imorais ou escandalosos, e de boa apresentação. Sobre o exposto, ficou provado que durante o surgir e a consolidação da ordem global britânica, a Maçonaria desempenhou um papel significativo na educação da elite, funcionando como um veículo ideológico da modernidade e sendo um protagonista na promoção do establishment, da manutenção e do controle imperial.

Então, esta organização colaborou com a crescente hegemonia britânica em todo o mundo.

Com o objectivo de promover uma identidade imperialista entre os seus membros, a Maçonaria consolidou-se como uma força institucional discreta no quadro do imperialismo britânico. Tanto no plano prático como no ideológico, a sua ampla rede fomentava conexões interculturais que se mantinham junto ao Império. A rede maçónica conectou os imperialistas de ambos os lados do Atlântico, “De Kohat a Singapura“, nas palavras de Rudyard Kipling. Com os seus discursos pró-cosmopolitas, a Maçonaria constituiu-se como um espaço aparentemente ideal para contactos internacionais e a formação de redes de interculturais, colaborando na reafirmação da hegemonia britânica.

E quarto, o conceito de globalização.

Este é entendido como o processo histórico pelo qual o mundo cada vez mais se conecta e interdepende em escala global e afecta todos os aspectos da vida social. A globalização aumentou a sua velocidade a partir do iluminismo, colaborando na modernização das estruturas económicas, políticas e culturais ao redor do mundo. Portanto, a globalização não é novidade, pode ser rastreada há séculos. Esta não é uma condição estática, mas, ao contrário, um processo dinâmico que permite observar períodos de intensificação e reversão ou de desigualdade e limites de expansão.

Sumarizando, o estudo da Maçonaria funciona como um laboratório de dimensões globais da modernidade manifestadas em práticas culturais, sociabilidade e espaços associativos.

A Maçonaria no seu discurso civilizador reflecte muitos aspectos dos imperialismos na China, das suas redes, dos seus itinerários políticos, económicos e culturais.

A Maçonaria como sociabilidade desde as suas origens foi construída em termos globais, pois as suas redes superaram as fronteiras imperiais, regionais, estaduais e nacionais, seja por interesses económicos, militares, políticos, culturais, religiosos ou fraternos. Com o desenvolvimento dos imperialismos, pelo menos durante os séculos XVIII e XIX, a Maçonaria tornou-se um agente de globalização.

A Maçonaria tinha funções de sociabilidade internacional e mecanismo hegemónico do imperialismo britânico, actuando na engrenagem de instituições como empresas comerciais e o sistema de tratados, que reconstruiu os espaços portuários ao redor do mundo. Consequentemente, o desenvolvimento da Maçonaria esteve intimamente ligado à construção da ordem global, sendo seu produto, incorporando e legitimando ideologicamente as suas normas, cooptando as elites dos Estados periféricos e absorvendo as suas ideias hegemónicas. Desta forma, a expansão da ordem global britânica ao longo do século XIX teve como vanguarda um imperialismo voltado para a Ásia.

O facto da Maçonaria ter surgido no século XVIII, facilitou a sua adaptação ao sistema de relações em construção em torno do Império Britânico e as suas características industriais e iluministas.

Consequentemente, onde o império chegou, também chegou a Maçonaria e os Maçons. O mesmo aconteceu com os outros imperialismos. As actividades e relações maçónicas foram constituídas como um produto da ordem global britânica. No caso da China, como veremos mais adiante, na segunda metade do século XIX, praticamente todas as potências estrangeiras com interesses no país organizaram as suas lojas maçónicas.

As Cartas Patente eram o mecanismo administrativo mais importante para a expansão das actividades e das relações maçónicas. Estas permitiram que a Maçonaria se espalhasse através de lojas itinerantes como as forças armadas, uma vez que as fronteiras políticas para o encontro dos maçons foram removidas. Na China, vários casos são identificados. Por exemplo, o navio sueco Prince Carl no início dos anos 1750 obteve uma destas Cartas Patente das Grandes Lojas Suecas e Alemãs, chegando a celebrar em 1759 no porto de Macau, que até hoje é considerado o primeiro porto Maçónico em território chinês.

No que diz respeito ao desenvolvimento das redes sociais, a Maçonaria, pelo seu carácter de sociabilidade, funcionou como uma rede de interesses associativos e particulares.

A base desta rede foram as pequenas unidades associativas locais: a Loja. Na primeira metade do século XVIII, algumas lojas começaram a unir-se, dando origem às obediências ou federações de lojas ou Grandes Lojas. Este foi o começo da legitimidade maçónica, já que somente a nova Grande Loja teria autoridade para organizar novas lojas. As Grandes Lojas foram constituídas como eixos centrais, que ao aumentarem sua esfera de influência, organizaram Grandes Lojas provinciais, funcionando como nós regionais e criando uma estrutura de interacção e cooperação. Isto aconteceu na China durante a segunda metade do século XIX.

Com o avanço da ordem global britânica, intensificaram-se as actividades e as trocas sociais maçónicas. Isto em total concordância com a inserção dos imperialismos. Em cada território onde a influência de algum imperialismo veio, a rede maçónica expandiu-se. Na segunda metade do século XVIII, os imperialismos promoveram agressivamente a expansão comercial.

A Maçonaria fortaleceu os laços imperiais e facilitou as conexões interculturais entre o Atlântico e o Pacífico, uma vez que se apropriou dos ideais hegemónicos, legitimados na sua dinâmica de sociabilidade. As lojas prosperaram onde mercadores, navios de guerra e regimentos militares o fizeram, oferecendo um espaço de fraternidade e identidade a muitos homens distantes das suas terras natais. O acima mencionado deveu-se ao facto de que a Maçonaria integrou no seu sistema de valores, os regulamentos dos projectos imperialistas, facilitando, de passagem, a sua expansão no ultramar.

O contexto da segunda metade do século XVIII também se caracterizou pela expansão das redes maçónicas, à medida que os imperialismos avançavam.

As Grandes Lojas de Inglaterra, Irlanda e Escócia, organizaram Lojas ultramarinas em Gibraltar, no Caribe, em dez colónias da América do Norte, na Costa de Mosquitos na América Central, Argentina, Chile, nas Índias Orientais, no Cabo Senegâmbia, Egipto, África do Sul, Calcutá, Madras, Bombaim, as ilhas de Reunião e Maurícias e na Nova Gales do Sul.

Uma última situação sobre as Maçonarias no século XVIII, que merece ser comentada, apesar de não ocorrer em território chinês, teve a ver com a construção de uma consciência global interessada noutras culturas. O princípio disto é encontrado nos iluminismos europeios. Pensando na China, Voltaire exaltou a racionalidade do sistema moral confucionista; Quesnay elogiou o sistema de produção agrícola chinês; Leibniz, inspirado pelo neoconfucionismo, argumentou que a ideia da civilização europeia era apenas comparável à oferecida pela China; houve identificação com o taoísmo na formação do liberalismo; e filósofos como Malebranche e Montesquieu, apropriaram-se de conceitos confucionistas para articular o seu pensamento.

Neste contexto, a Maçonaria participou no iluminismo teosófico, movimento caracterizado por um fascínio com o passado Greco-romano, a religião egípcia, os celtas e as religiões orientais. Portanto, durante o século XVIII proliferaram nos círculos maçónicos: a pesquisas sobre o antigo, uma relativa tolerância para as religiões não-cristãs que levou para explicar as origens primitivas da Maçonaria por uma origem comum suposta de todas as religiões, incluindo as Chinesas, assim como o desenvolvimento de práticas rituais maçónicas inspiradas na filosofia chinesa.

Ricardo Martinez Esquível
Universidade da Costa Rica

Nenhum comentário:

Postar um comentário