quinta-feira, 10 de agosto de 2017



MARCAS DE CANTARIA

Autor: Xavier Musquera

Os signos lapidários que aparecem em silhares, colunas, abóbadas e até nos cantos mais inesperados dos edifícios estão profundamente ligados aos grêmios de construtores. A imensa maioria dos especialistas atribui tais signos a marcas com as quais os pedreiros faziam constar o cumprimento de seu trabalho para poder estabelecer seu salário, o que equivaleria a uma espécie de controle contábil. Outros estudiosos opinam que esses signos estão relacionados com a Astrologia, Alquimia ou inclusive a própria Magia. Alguns deles eram identificados com antigos alfabetos como os que podemos observar em edifícios egípcios, romanos ou gregos.

Se por definição um signo é o que possui um significado, um sentido, quando se trata de signos lapidários, sempre aludem à realizada do que se considera sagrado, o mais importante não é a grafia por si mesma, ou melhor, sua forma, e sim o que isso significa, que vai além da forma, que cumpre apenas a missão de ser um veículo de transmissão. Na realidade, conecta duas realidades entre si, a material e a espiritual, a natural e a sobrenatural, a individual e a universal, humana e divina. Isso fica claramente unificado em razão de uma série de correspondências e analogias que a mensagem torna possível.

Um dos signos mais difundidos é, sem dúvida alguma, a estrela conhecida como de Davi ou Selo de Salomão. Dois triângulos entrelaçados que representam a união do inferior com o superior, o de acima com o de abaixo, o vertical (o celeste) com o horizontal (o terrestre). Outra marca que aparece sob o aspecto da letra Z é uma figuração simbólica do raio, que, em seu fulgor, nascido do Céu, fecunda a terra com sua luz, unindo assim ambos os mundos, o superior e o inferior. A quantidade quase infinita de marcas de cantaria impossibilita uma descrição pormenorizada delas. No entanto, alguns outros exemplos podem ser de utilidade em nossas viagens.

Uma meia-lua ou semicírculo côncavo com um ponto no centro pode estar nos advertindo que nos encontramos diante de um recipiente disposto a receber e hospedar as emissões ou eflúvios celestiais. Essa figura, por sua vez, se converte em um símbolo da “matriz” cósmica e também pode se relacionar com o coração, no qual reside o Espírito no mais profundo do ser. O centro das emoções. Apesar de a cruz ser o símbolo mais representado em suas diferentes formas e em combinação com outros signos como, por exemplo, o círculo (símbolo do mundo ou símbolo solar).




Esses são alguns exemplos ilustrativos que nos aproximam dos autênticos objetivos dos signos lapidários. Eles nos oferecem uma compreensão mais clara de por que os antigos maçons “operativos” e pedreiros medievais os gravaram na pedra; a transmissão de algumas ideias e alguns conceitos relacionados com a cosmogonia, suas leis e princípios fundamentais, sempre utilizando formas geométricas. Tendo em vista que a Geometria era para eles uma ciência sagrada do mesmo modo que a Arquitetura.


Os esquemas básicos geométricos: o círculo, a linha (eixo), o quadrado, o espiral, o triângulo ou a cruz são os que geram todos os outros signos e inclusive o desenho de suas próprias ferramentas, como o martelo, o cinzel, o nível, o prumo, o esquadro, a colher de pedreiro, o compasso, etc. tudo isso tem um significado profundo que envolve a senha ou a chave, para que possamos entender essas estruturas harmônicas que configuram a própria construção. Tudo isso realizado à imagem e semelhança do modelo cósmico, pois, para eles, o Cosmos manifestado é uma estrutura perfeita criada pelo Grande Arquiteto do Universo.



Segundo contam os historiadores, os pedreiros costumavam receber por peça. Cada pedra era marcada duas vezes: uma com as iniciais do obreiro e outra com um signo correspondente ao lugar onde seria colocada na construção[1]. Antes de a pedra ser levada ao edifício, o capataz ou o mestre de obras tinha de examiná-las para dar sua aprovação, acrescentando por sua vez suas iniciais. Se ele encontrava algum defeito, multava-se o pedreiro e aquele que controlava o trabalho efetuado com duas jornadas de serviço. No dia do pagamento semanal, se inspecionava o trabalho executado na semana anterior e se anotava na conta de cada operário, acrescentando uma bonificação ou uma pequena multa, segundo a qualidade do trabalho realizado.

Prova disso é a existência de signos lapidários correlativos e de maneira ordenada nos arcos, abóbadas ou muros. Apesar de se levar muito tempo na pesquisa dessas marcas, que são catalogadas por datas, tipos e estilos, contexto social e muitos outros grupos de identificação, é certo que tais marcas vão desde letras do alfabeto até inscrições ou signos indecifráveis.

Existem signos idênticos aos utilizados pela Astrologia ou pela alquimia. Entretanto, o mais curioso é que muitos deles são os mesmos que podem ser vistos nos petróglifos pré-históricos. Essas gravuras rupestres que se encontram no norte da África, na América, nas Ilhas Canárias, na Galícia, na Bretanha francesa, em Gales, etc., são iguais a inúmeros signos lapidários. Outros remetem às inscrições rúnicas dos países escandinavos ou os conhecidos tiffinagh[2] do norte da África.


Pude observar como algumas dessas marcas, que ignoro se eram de pedreiros ou adicionadas por pessoas da época, pareceriam estar indicando umas pautas ou umas constantes quanto a sua localização geográfica. Nos supostos enclaves da Ordem do Templo[3], onde tais marcas aparecem em seus edifícios, os signos se repetem. São os mesmos, apesar de se encontrarem muito distantes entre si. 

O conhecido abacus, bastão terminado em espiral, empregado pelo Magister ou Mestre de obras, era empregado pelo Mestre da Ordem.



Esse signo pode ser contemplado em lugares como a famosa capela de Eunate, em Navarra, no castelo-convento de tomar, em Portugal, ou, na Galícia, na igreja de Portomarin, apesar de ter pertencido à Ordem de San Juan, mais conhecida como dos Hospitalários, adversários do Templo. Outro caso realmente curioso é o do signo chamado “chapéu do bobo da corte” que encontramos nas já citadas Eunate e Tomar, como também em uma pia batismal octogonal na catedral velha de Tarragona, assim como no castelo de Peralada, em Gerona.

Signos similares ou iguais encontraram-se nos templos e edifícios próximos ou no próprio caminho de peregrinação a Santiago. Supostas possessões do Templo com as mesmas marcas de canteiro geram interrogações e dúvidas. Trata-se de signos especificamente distintivos, cujo significado ignoramos, ou de um grupo de construtores itinerantes, que é uma possibilidade extremamente remota?


Outro dado curioso é aquele que nos oferecem muitos dos edifícios com signos lapidários. Alguns apresentam grande quantidade de marcas, e outros, apenas algumas poucas. Seguindo ao pé da letra o que dizem os especialistas, teríamos meia dúzia de signos em um edifício, o que viria a supor que seis operários passaram quase a vida toda levantando a construção. Pelo contrário, e seguindo essas pautas, o templo com muitas marcas suporia grande quantidade de artesãos e pedreiros, que, em um período muito curto, teriam levantado a catedral. Algo não encaixa, tendo em vista que, voltando à igreja-fortaleza de Portomarin, chegou-se a contabilizar nada menos que 22 marcas de cantaria distintas. Na realidade, ignoramos se tais marcas estão oferecendo informação que não sabemos interpretar ou se são simplesmente assinaturas, como assegura a imensa maioria dos estudiosos.

Essas marcas não guardam uma orientação concreta, e sua disposição não parece seguir nenhuma lógica. A mesma letra pode aparecer corretamente ou invertida, inclinada ou caída. Geralmente são de escassa profundidade, e seu tamanho oscila em torno de dez centímetros. Essa profundidade escassa faz com que muitas delas tenham desaparecido diante dessa ânsia de muitas administrações de “restaurar” o patrimônio local, muitas vezes, incorrendo em autênticas barbaridades.

Vi taparem portas porque não conduziam a lugar algum ou bloquearem uma janela porque o seu vitral estava quebrado. Alguns templos perderam a sacralidade da luz, que entrava por uma abertura e um raio do sol nascente incidia em um ponto concreto da igreja, indicando que ali se encontrava um signo ou uma imagem que devia se destacar por algum motivo concreto. Isso ocorre, por exemplo, na igreja de Santa Maria a Nova, na Galícia, onde se encontravam lápides sem restos humanos e cujos ladrilhos estão repletos de relevos ou incisões representando os ofícios. Esse tempo possuía uma janela à esquerda do portal de entrada, caso pouco frequente nesse tipo de construção, que dava luz a um sarcófago que contém os restos de um estranho personagem chamado Ioan de Estivadas, cujo nome se encontra em uma inscrição colocada no travesseiro em que sua cabeça repousa. O curioso é que esse nome está escrito de trás para a frente e é preciso lê-lo de forma especular, ou seja, através de um espelho. Na parte superior da janela, havia duas cabeças como se estivessem custodiando o sarcófago. Isso foi informado no momento oportuno pelo admirado pesquisador e autor Juan Garcia Atienza. Pois bem, as cabeças desapareceram e a janela foi tapada.

Prosseguindo com essas marcas de cantaria e já finalizando, podemos nos transladar ao Principado de Astúrias para comprovar a possível existência desses tipos de construções itinerantes. Na igreja de San Pedro de Villanueva, no conselho de Cangas de Onis, aparecem P e R, pelo direito, obliquamente e de cabeça para baixo, junto a uma série de B que seguem as mesmas pautas. Se nos transladarmos agora a San Pedro de Quirós, no conselho do mesmo nome, veremos as mesmas B com certa profusão. Por fim, no conselho de Villaviciosa, em San Juan de Amandi, voltam a aparecer, mas, desta vez acompanhadas por outras marcas mais complexas, com um M maiúsculo inscrito em uma cruz, um X que lembra o Cistograma e que se encontra entre duas linhas paralelas, e alguns N, que, mais uma vez, estão cinzelados do lado direito e ao revés. Entretanto, as mais abundantes são a letra B.

Se situarmos as igrejas citadas no mapa de Astúrias e as unirmos como uma linha, obteremos um percurso que, partindo das cercanias da costa oriental, chega-se até a zona central do Principado. “Casualmente”, esta linha se acha extraordinariamente perto a um dos antigos caminhos que conduziam a Santiago, antes de se oficializar o denominado Caminho Francês, de acesso muito mais fácil.

A nova ciência que estuda esses signos que se encontram aos milhares e divididos em distintos países recebe o nome de Gliptologia. Sua principal área de pesquisa são os desenhos gravados fundamentalmente sobre pedra, como as marcas de cantaria, os petróglifos e os signos das estrelas ou laudas funerárias. A pesquisa voltada às suas formas e seu possível significado, os grupos que a realizaram e os distintos pontos de vista para sua catalogação permitem agrupar tais signos sob vários aspectos, desde o histórico ou social até o relativo à organização e ao tecnológico.

Desde 1979, são celebradas reuniões periódicas em Braine-le-Chânteau, Bélgica, organizadas pelo Centre Internacional de Recherches Glyptographiques (C.I.R.G.) para o intercâmbio de pesquisa, coordenação de estudos e a promoção de grupos interdisciplinares.

Alheio ao mundo dos símbolos e em consequência ao seu significado, o mundo moderno não nos permite dilucidar o mistério que pode envolver essas formas que possivelmente estão transmitindo chaves que desconhecemos. As fraternidades medievais legaram mensagens pétreas que representam uma linguagem própria que não sabemos interpretar. Geralmente, essas marcas de cantaria são de escassa profundidade, e sua dimensão oscila em torno de dez centímetros. Essa escassa profundidade tem feito com que, com o passar do tempo, muitas delas sejam quase irreconhecíveis, sendo que outras já desapareceram diante da ânsia de algumas administrações de “limpar” o patrimônio local, executando autênticas barbaridades.

De tudo isso, temos apenas uma vaga lembrança, uma ligeira intuição, talvez impressa no nosso chamado inconsciente coletivo, que nos faz suspeitar que a alma da pedra, em sua mudez de séculos, guarda uma lição ou uma mensagem. Resta muito caminho por percorrer e muita pesquisa de campo por realizar, para tentar saber um pouco mais sobre os signos lapidários. Sempre teremos a suspeita de que aqueles grêmios medievais artesanais deixaram para trás indícios, pistas e sinais, que contêm conhecimentos que merecem ser descobertos e analisados de todos os pontos de vista possíveis. Na atualidade, sabemos como e quando, mas talvez, um dia não muito distante, também descubramos o porquê de tudo isso.

(Texto extraído do livro “As Chaves e a Simbologia na Maçonaria – Ocultismo Medieval – Musquera, Xavier, Editora Madras)


[1] N.E. Sugerimos a leitura de O Grau da Marca, de David Mitchell, Madras Editora. 
[2] O tiffinagh ou tiffanag é o alfabeto utilizado para transcrever várias línguas berberes. Sabe-se de sua existência desde o século IV a. C. em todo norte da África e nas Ilhas Canárias. Supõe-se que são de origem púnica. 
[3] N.E. Sugerimos a leitura de Os Templários – e o Pergaminho de Chinon, de Bárbara Frale, Madras Editora.

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